A locação é um tema de grande procura em nosso escritório e sempre gera muitas dúvidas entre nossos clientes. Atuando constantemente nessa área, tanto pelo lado do locador quanto do locatário, observamos o surgimento de diversas questões em ambas as posições. É mais comum que os locadores recorram primeiramente ao Judiciário, mas isso não significa que os locatários também não enfrentem problemas relacionados à locação.
Com o objetivo de desmistificar algumas dessas questões, elaboramos este pequeno manual com 7 dicas para evitar problemas na locação, seja você locador, locatário ou fiador.
1. Da elaboração do contrato de locação
Acredite: esta é a dica mais importante de todas.
Jamais utilize modelos prontos encontrados na internet, contratos antigos de amigos ou fórmulas padronizadas.
Mais do que um simples documento, o contrato de locação — seja residencial, não residencial ou por temporada — é um título executivo extrajudicial. Isso significa que ele pode garantir ao locador o recebimento dos valores devidos sem a necessidade de um processo de conhecimento prévio, permitindo a propositura direta da ação de execução, procedimento muito mais célere e eficaz.
Em termos práticos, se o locador não dispõe de um contrato que atenda a todos os requisitos de título executivo, poderá ser obrigado a ingressar com uma ação de cobrança para reaver os aluguéis. Nesse caso, será necessário comprovar detalhadamente cada alegação, o que torna o processo mais moroso. Já na execução, tudo o que está previsto no contrato de locação é presumido válido, conferindo maior agilidade à cobrança.
Mas o que é necessário para que o contrato de locação seja realmente eficaz?
Aqui se revela a importância da atuação do advogado, responsável por revestir o contrato das garantias necessárias para que o crédito possa ser exigido da forma mais célere e segura possível.
De acordo com o artigo 784, inciso VIII, do Código de Processo Civil, o contrato de locação constitui título executivo extrajudicial desde que esteja devidamente assinado pelo locador e pelo locatário:
“Art. 784. São títulos executivos extrajudiciais:
VIII – o crédito, documentalmente comprovado, decorrente de aluguel de imóvel, bem como de encargos acessórios, tais como taxas e despesas de condomínio.”
Evidentemente, outros cuidados também devem ser observados, como a correta colheita das assinaturas, a quantidade de vias e diversos detalhes que apenas um advogado experiente poderá conduzir, sempre adequando o contrato às necessidades reais do cliente e garantindo a devida segurança jurídica.
2. Das discussões e mudanças no contrato de locação
Quando surge alguma divergência entre locador e locatário, é fundamental buscar, em primeiro lugar, uma mediação prévia, de modo a solucionar a questão sem necessidade de acionar o Judiciário.
Embora algumas partes consigam chegar a um entendimento sem auxílio jurídico, na maioria das vezes a ausência de advogado apenas agrava o conflito, tornando mais complexa e onerosa a resolução de algo que poderia ser simples.
Seja locador ou locatário, muitas vezes, no calor do momento ou por excesso de confiança na experiência com locações anteriores, a parte deixa de se resguardar em algum ponto e permite condutas que futuramente poderão lhe ser prejudiciais, tudo por não contar com uma assistência jurídica especializada.
Toda permissão, mudança, concessão ou tolerância admitida na locação deve estar em sintonia com as cláusulas contratuais. Caso contrário, coloca-se em risco o contrato como título executivo, comprometendo sua exigibilidade.
Assim, cada permissão, modificação ou obrigação adicional, por menor que seja, deve ser formalizada em termo aditivo escrito e assinado pelas partes, evitando transtornos futuros. E, se isso não for possível, que ao menos haja registro por meio de e-mail, aplicativo de mensagens ou qualquer outro documento que possa ser utilizado futuramente em eventual processo.
3. Da questão do foro (local do processo)
Quando o consenso não é alcançado, e as partes não contaram com advogado na fase amistosa como deveriam, será indispensável fazê-lo na fase litigiosa.
Sempre que houver litígio iminente, é recomendável a adoção de medidas prévias, como o envio de notificações extrajudiciais, a fim de resguardar direitos e obrigações. Se o conflito for inevitável, uma das primeiras questões a ser analisada será a do foro.
O foro competente, também denominado foro de eleição, corresponde à definição da comarca responsável por julgar os litígios decorrentes do contrato de locação.
Embora as partes tenham liberdade para eleger o foro no contrato, trata-se de tema que gera controvérsia jurisprudencial, não havendo unanimidade. Parte da doutrina e da jurisprudência admite a livre escolha, mas a posição predominante no Judiciário é a de que o foro competente deve ser o da situação do imóvel.
Assim, se o imóvel estiver localizado em Nova Iguaçu, a ação deverá ser proposta naquele município; se em Copacabana, deverá tramitar no foro central da Capital, e assim sucessivamente.
A jurisprudência confirma esse entendimento:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO. FORO DE ELEIÇÃO E FORO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL. COMPETÊNCIA FUNCIONAL. A competência das Varas Cíveis Regionais, de natureza funcional e, portanto, absoluta, no caso, não viola a regra do art. 58, II, da Lei n.° 8245/91 nem o foro de eleição, porque, embora em Vara Cível de Santa Cruz, a ação de despejo será processada no foro do lugar da situação do imóvel, ou seja, no foro da Cidade do Rio de Janeiro, que, também, foi o eleito pelas partes. Recurso improvido.”
TJ-RJ - AI 00200669420038190000, publicação em 16/02/2005.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. FORO DE ELEIÇÃO. FORO DA SITUAÇÃO DO IMÓVEL. FORO REGIONAL, COMPETÊNCIA FUNCIONAL. NATUREZA ABSOLUTA. ARTIGO 94, X, CODJERJ. É competente para conhecer e julgar as ações envolvendo direito real o foro do lugar da situação do imóvel, salvo se outro houver sido eleito no contrato. No caso, as partes estabeleceram no contrato como foro de eleição o foro central da cidade do Rio de Janeiro, que, todavia, não pode ser aceito como absoluto, pois fere o princípio da ordem pública que visa à melhor administração da justiça pelo Estado, uma vez que o réu reside no Recreio dos Bandeirantes, onde também está situado o imóvel objeto da lide. Recurso a que se nega seguimento.”
TJ-RJ - AI 00129879320058190000, publicação em 12/07/2005.
4. Garantias da locação
Embora a garantia contratual não seja obrigatória, entendemos que sua inclusão é fundamental.
Há quem sustente que um contrato de locação sem garantias seria mais célere, viabilizando o despejo liminar e conferindo maior rotatividade ao imóvel. Muitos sites destacam as supostas “vantagens” dessa modalidade. Contudo, discordamos dessa visão: firmar contrato de locação sem garantias representa risco elevado e, em muitos casos, verdadeira temeridade.
A principal vantagem apontada por seus defensores é a possibilidade de concessão de despejo liminar sem necessidade de caução, conforme precedentes baseados no art. 59, § 1.º, inciso IX, da Lei do Inquilinato, e no art. 300 do CPC. A jurisprudência registra hipóteses nesse sentido:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA. PEDIDO LIMINAR. INCIDÊNCIA DA LEI N. 12.112/2009. I. Demonstrado nos autos que a ação de despejo por falta de pagamento se funda em contrato de locação residencial desprovido de garantias, cabível o despejo liminar (art. 59, § 1º, IX, e § 3º, da Lei n. 8.245/1991). II. Possibilidade de dispensa da caução, considerado que os locativos em atraso ultrapassam ao valor de três meses de aluguel. Agravo provido em decisão monocrática.”
TJRS – AI 70064062128, 16ª Câmara Cível, Rel. Ergio Roque Menine, j. 25/03/2015.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. DESPEJO. Com base em precedente desta Corte e considerando a inadimplência da agravante, dispensa-se a parte ora agravada de prestar caução para que se concretize o despejo. Ampliação, porém, do prazo para a desocupação do imóvel. Agravo provido em parte.”
TJRS – AI 70040749442, 16ª Câmara Cível, Rel. Ana Maria Nedel Scalzilli, j. 28/04/2011.
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. LOCAÇÃO. AÇÃO DE DESPEJO C/C COBRANÇA. PEDIDO LIMINAR. ART. 59, § 1º, IX, LEI Nº 8.245/91. AUSÊNCIA DE GARANTIAS DO ART. 37. DESNECESSIDADE DE CAUÇÃO. Agravo de instrumento provido.”
TJRS – AI 70057227589, 15ª Câmara Cível, Rel. Ângelo Maraninchi Giannakos, j. 10/12/2013.
“PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE DESPEJO. LIMINAR. DISPENSA DE CAUÇÃO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. POSSIBILIDADE. Conquanto a prestação de caução seja requisito para o deferimento da liminar de despejo (art. 59, § 1º, Lei 8.245/91, com redação da Lei 12.112/09), em situações excepcionais, comprovada a ausência de recursos financeiros pelo locador, a garantia pode ser dispensada.”
TJMG – AI 10000150175065001, 12ª Câmara Cível, Rel. Saldanha da Fonseca, j. 24/08/2015.
De fato, nesse contexto existe a aparente “vantagem” de não se caucionar o juízo com três meses de aluguel, reduzindo custos imediatos para o locador. Todavia, confiar apenas nessa expectativa significa presumir que a prestação jurisdicional será sempre célere e que o juiz deferirá a dispensa da caução, o que não ocorre na maioria dos casos, já que a decisão depende da demonstração concreta de urgência.
Além disso, a caução de três meses de aluguel não deve ser vista apenas como desvantagem, pois retorna ao locador com juros e correção monetária e, em caso de inadimplência do locatário, o valor pode ser revertido em seu favor.
Outro ponto muitas vezes negligenciado pelos que defendem a ausência de garantia são os débitos acessórios — como contas de água e luz — e eventuais danos ao imóvel, que dificilmente serão cobertos sem uma garantia contratual.
Por essas razões, posicionamo-nos firmemente contrários aos contratos de locação sem garantias.
Assim, resta evidente que a garantia é elemento essencial da locação.
Quanto à escolha da modalidade, em nossa opinião, o seguro-fiança representa a alternativa mais eficiente, embora muitas vezes tenha custo elevado, o que pode desestimular os locatários. Por esse motivo, a figura do fiador ainda é a forma mais utilizada.
A fiança, contudo, exige cautela. O fiador assume elevado risco, já que coloca seu patrimônio pessoal em favor de terceiro, podendo inclusive ter seu único imóvel comprometido. Embora a lei autorize a penhora do único bem, há decisões judiciais que, em razão da idade do fiador ou de sua condição, liberam esse imóvel, gerando atrasos e custos adicionais ao locador.
Dessa forma, é recomendável que o fiador possua mais de um imóvel e que sua escolha seja feita com rigor, a fim de minimizar riscos futuros.
5. A atualização dos aluguéis
Tema mais recorrente nas locações não residenciais, mas muitas vezes esquecido nas residenciais, a atualização dos aluguéis é medida essencial para manter o contrato adequado às variações econômicas do país.
O prazo contratual nunca deve ser inferior a 12 meses, pois, conforme dispõe o art. 2.º, § 2.º, da Lei 10.192/2001, contratos com prazo inferior a um ano não podem prever atualização monetária.
6. Dos prazos de locação
É comum a confusão de que o contrato de locação não residencial deva ter prazo mínimo de cinco anos, e o contrato residencial, de trinta meses. Trata-se de equívoco.
O artigo 3.º da Lei do Inquilinato estabelece que o contrato de locação pode ser celebrado por qualquer prazo, exigindo-se apenas a vênia conjugal quando igual ou superior a dez anos:
“Art. 3º O contrato de locação pode ser ajustado por qualquer prazo, dependendo de vênia conjugal, se igual ou superior a dez anos.
Parágrafo único. Ausente a vênia conjugal, o cônjuge não estará obrigado a observar o prazo excedente.”
Os únicos limites legais são:
que o contrato tenha mais de 90 dias, para não ser considerado de temporada (art. 48 da Lei do Inquilinato);
que, no caso da locação comercial, se o locatário ou locador pretender garantir o direito à ação renovatória, o contrato seja de no mínimo cinco anos, comprovando-se ainda a exploração da mesma atividade por pelo menos três anos.
Quanto à renovação, é essencial que locador e locatário mantenham comunicação próxima ao término do contrato, seja para manifestar interesse em prorrogá-lo, rescindi-lo ou alterar suas cláusulas.
Permitir a prorrogação automática, sem ajustes, pode ocasionar prejuízos financeiros e desatualização contratual em relação a novas disposições legais, deixando de proteger adequadamente as partes envolvidas.
7. Sinais de que você deve buscar ajuda de um advogado
É natural que todos passem por dificuldades ocasionais, e não é anormal um atraso pontual no pagamento do aluguel. Contudo, quando o inadimplemento gera acúmulo de aluguéis e encargos em aberto, o contrato de locação já se encontra em situação de risco, exigindo medidas urgentes com o auxílio de um advogado.
Em regra, um inquilino que acumula dois meses de atraso dificilmente conseguirá regularizar sua situação. Além disso, se não paga o aluguel, pode igualmente estar deixando de quitar contas de água, luz e IPTU.
Embora água e luz normalmente fiquem em nome do locatário, o IPTU — ainda que repassado a ele contratualmente — permanece como responsabilidade do locador, por estar vinculado ao imóvel. Por isso, é prudente que o locador mantenha o pagamento em dia e busque o ressarcimento junto ao locatário.
Dessa forma, diante do atraso superior a um mês, o locador já deve notificar formalmente o locatário, constituindo-o em mora. Ignorada a notificação ou não quitado o débito em até dez dias, deve ser ajuizada ação de despejo cumulada com cobrança. Quanto mais tempo se demora a adotar essa medida, maiores tendem a ser os prejuízos.
Esses riscos podem ser prevenidos com a realização de pesquisas prévias sobre o locatário, como análise de crédito e certidões de ações judiciais. Tais diligências são plenamente legais, desde que os custos não sejam repassados ao locatário. Cabe ao locador assumir esse ônus, podendo contratar profissional especializado para a investigação.