Após um período de quase 28 anos da promulgação da Constituição da República, o legislador ordinário elaborou a Lei 13.300/16, regulamentando o artigo 5º, inciso LXXI, que trata do mandado de injunção.
Destaca-se que o diploma contemplou grande parte do que a doutrina e a jurisprudência firmaram ao longo de toda essa omissão legislativa. Demais disso, trouxe alguns aspectos inovadores, por exemplo, a figura expressa do mandado de injunção coletivo (artigo 12) e da revisão injuncional (artigo 10).
Dentre os aspectos abordados pela lei, destaca-se a disposição a respeito da norma regulamentadora superveniente, consoante o artigo 11, que assim dispõe:
“Art. 11. A norma regulamentadora superveniente produzirá efeitos ex nunc em relação aos beneficiados por decisão transitada em julgado, salvo se a aplicação da norma editada lhes for mais favorável.
Parágrafo único. Estará prejudicada a impetração se a norma regulamentadora for editada antes da decisão, caso em que o processo será extinto sem resolução de mérito.”
A norma supracitada disciplina a relação existente entre o direito temporariamente “regulamentado” pelo Judiciário e o seu estado após a edição da norma pelo Legislativo. Importante aduzir que essa “regulamentação” temporária adveio do posicionamento concretista adotado pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento dos MIs n.670-ES, 708-DF e 712-PA, os quais se entendeu que o Judiciário não deve apenas declarar a mora do Poder Legislativo, mas, sim, concretizar o direito até então não regulamentado.
Esclareça-se que a superveniência da norma, como alude o dispositivo, deve ser posterior à decisão final em mandado de injunção. Caso a norma seja editada antes do julgamento ou mesmo da decisão final, o remédio constitucional ficará prejudicado, sendo extinto sem resolução de mérito (nesse sentido, vide MI 539/PR, MI 1.011 AgR e MI 1.022 AgR).
Com efeito, ao transitar em julgado a decisão final no mandado de injunção, o impetrante pode exercer seu direito de imediato, nos termos do julgado. Nessa linha, seguem as considerações de Uadi Lammêgo Bulos: “a decisão proferida em mandado de injunção não é ato legislativo, mas judicial (...) O Judiciário poderá revê-la, inclusive em sede de ação rescisória, atendidos os prazos e condições legais.” (2015, p.790).
No futuro, ao sobrevir a nova norma, oriunda do Legislativo, a situação fática será regida por ela, isto é, a norma produzirá efeitos para o futuro - efeito “ex nunc” (ou prospectivo). Não há dúvida que a norma editada pelo Legislativo prevalece sobre a decisão judicial, eis que tal Poder é composto dos representantes do povo (titular do poder – artigo 1º, parágrafo único, da Constituição Federal), tendo como função típica a atividade legiferante.
Contudo, interessante observar que a norma oriunda do Parlamento pode ser mais benéfica que a “regulamentação” provisória dada pelo Judiciário. Neste caso, de forma excepcional, a lei 13.300/16 autoriza a retroatividade da norma (efeito “ex tunc”). Tem-se aqui uma aplicação semelhante ao que ocorre na seara penal, na qual a lei mais benéfica retroage em favor do réu (artigo 5º, XL, da Constituição Federal c.c o artigo 2º, parágrafo único, do Código Penal).
É exatamente neste ponto que surge dúvida considerável sobre o dispositivo da lei 13.300/16: a qual marco temporal a lei mais benéfica retroagirá, a fim de que produza seus efeitos? Observa-se que o artigo é silente a esse respeito, razão pela qual se vislumbram os seguintes momentos de retorno: (i) à data da impetração do mandado de injunção; (ii) à data da notificação da autoridade omissa; ou (iii) a partir da decisão final transitada em julgado que regulamentou o direito.
Dos momentos acima dispostos e imaginados, parece mais certo e adequado que a norma retroaja ao momento de prolação da decisão final transitada em julgado, momento esse que, de fato, o Judiciário, após analisar o caso concreto, fixa os parâmetros ao exercício de determinado direito constitucional. Adotar momento anterior (itens I e II) implicaria dizer que a sentença em mandado de injunção seria de caráter declaratório e não constitutivo, o que contraria a própria natureza jurídica desse remédio constitucional.
Nesse sentido já se pronunciou o Supremo Tribunal Federal:
“EMENTA: MANDADO DE INJUNÇÃO. CONCESSÃO DE EFETIVIDADE À NORMA INSCRITA NO ARTIGO 37, INCISO VII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. APLICAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 7.783/89, QUE REGE O DIREITO DE GREVE NA INICIATIVA PRIVADA, ATÉ QUE SOBREVENHA LEI REGULAMENTADORA. LEGITIMIDADE ATIVA DE ENTIDADE SINDICAL. MANDADO DE INJUNÇÃO UTILIZADO COMO SUCEDÂNEO DO MANDADO DE SEGURANÇÃO. NÃO-CONHECIMENTO. 1. O acesso de entidades de classe à via do mandado de injunção coletivo é processualmente admissível, desde que legalmente constituídas e em funcionamento há pelo menos um ano. 2. Este Tribunal entende que a utilização do mandado de injunção como sucedâneo do mandado de segurança é inviável. Precedentes. 3. O mandado de injunção é ação constitutiva; não é ação condenatória, não se presta a condenar o Congresso ao cumprimento de obrigação de fazer. Não cabe a cominação de pena pecuniária pela continuidade da omissão legislativa 4. Mandado de injunção não conhecido.” (MI 689, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 07/06/2006, DJ 18-08-2006 PP-00019 EMENT VOL-02243-01 PP-00001 RTJ VOL-00200-01 PP-00003 LEXSTF v. 28, n. 333, 2006, p. 139-143) – destaca-se.
Enfim, o mandado de injunção, criado em 1988 para concretizar os direitos decorrentes de normas constitucionais de eficácia limitada, ganhou maior destaque e procedibilidade com a lei 13.300/16. Embora o Judiciário, de forma “temporária”, regulamente o direito, é função primordial do Legislativo disciplinar, de forma definitiva, o exercício de um direito constitucional, sendo que a retroatividade da norma mais benéfica deve ser do momento da prolação da decisão final no remédio constitucional.
BIBLIOGRAFIA:
BULOS; Uadi Lammêgo, Curso de Direito Constitucional, 9ª edição, rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2015.
MEIRELLES, Hely Lopes, Mandado de Segurança e ações constitucionais, 34ª edição, São Paulo: Malheiros, 2012.
OLIVEIRA, Erival da Silva, Prática Constitucional, 8ª edição, São Paulo: RT, 2016.
SILVA, José Afonso da, Comentário Contextual à Constituição, 8ª edição, São Paulo: Malheiros, 2012.