Princípios norteadores do Direito de Família

Leia nesta página:

Análise de alguns princípios norteadores do Direito de Família e a forma de como o mesmo está inserido no ordenamento jurídico brasileiro.

 

 

RESUMO: O presente trabalho tem por objetivo analisar alguns princípios que regem o Direito de Família, uma vez que não há consenso doutrinário em relação a um rol taxativo dos mesmos. O enfoque principal foi a análise de cada princípio e a forma como ele está inserido no ordenamento jurídico brasileiro, fazendo ligações com artigos da legislação pátria, códigos e busca de jurisprudências. Foi feito também uma pesquisa acerca da opinião de alguns autores, levando em consideração a importância dos princípios para todo o ordenamento jurídico.

Os princípios fundamentais do Direito de Família expostos no presente trabalho foram analisados à luz do aspecto constitucional, uma vez que esse ramo do direito concede tratamento as pessoas em detrimento dos bens.

 

PALAVRAS-CHAVES: Direito de Família; Princípios; Princípios norteadores; Dignidade da Pessoa Humana.

ABSTRACT: The objective of this study is to analyze some principles that govern the Family Law, since there is no doctrinal consensus regarding a definitive role of Family Law. The main focus was the analysis of each principle and how it is inserted in the Brazilian legal system, making links with articles of the national legislation, codes and search of jurisprudence. A survey was also made on the opinion of some authors, taking into account the importance of the principles for the entire legal system.

The fundamental principles of Family Law set forth in this paper have been analyzed in light of the constitutional aspect, since this branch of law grants treatment to people to the detriment of property.

KEYWORDS: Family Law; Principles; Guiding principles; Dignity of human person.

1.    Introdução 

Todos os ramos do direito se baseiam em princípios e regras, e é importante fazer considerações acerca do que é um princípio no ordenamento jurídico brasileiro, o qual comporta vários princípios e regras, que são diferentes entre si.

A principal diferença entre os princípios e as regras no ordenamento jurídico brasileiro está no grau de importância e na abrangência de cada um. Os princípios são mais gerais, a sua carga valorativa está ligada com os anseios sociais e reflete ideais de justiça e ética.

Ao contrário dos princípios, as regras são mais específicas e devem estar de acordo com eles, o caráter das regras é mais limitado, elas advêm dos princípios. As regras incidem de forma direta sobre os fatos na forma do 'é ou não é'.

Os princípios são normas jurídicas que se diferenciam das regras não somente pelo alto de grau de generalidade mas por serem mandados de otimização.

Quando ocorre um choque entre dois ou mais princípios não há a possibilidade de aplicar um ou outro, devendo o operador do direito utilizar-se do princípio da razoabilidade para chegar a um resultado que seja o melhor possível. Com as regras não acontece o mesmo, pois o conteúdo delas é mais específico e sua incidência é limitada, sendo possível aplicar uma ou outra regra em determinado fato.

Se tratando dos princípios fundamentais do Direito de Família devemos analisá-los a luz do aspecto constitucional, uma vez que esse ramo do direito concede tratamento às pessoas em detrimento dos bens.

O Direito de Família busca harmonizar a igualdade plena entre os indivíduos, seja no intuito de igualar homens e mulheres ou na igualdade de tratamento entre os filhos havidos ou não do casamento/união estável.

Os princípios do direito de família não são taxativos, já que vários são entendidos de outros princípios gerais, mas alguns têm maior importância e relevância, destacando – se  o princípio da dignidade da pessoa humana, o princípio da afetividade, o princípio da liberdade, o princípio do pluralismo familiar, o princípio da igualdade e direito à diferença, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, o princípio da paternidade/maternidade responsável e o princípio da solidariedade.

{C}1.  {C}Princípio da dignidade humana

A dignidade é vértice do Estado Democrático de Direito e é um amparo de sustentação dos ordenamentos jurídicos contemporâneos. Ele foi elevado a fundamento na nossa Constituição com previsão no artigo 1º, III, é por meio desse princípio que começou a ter uma maior atenção nas situações existenciais, passando a existir tutelas jurídicas do homem voltadas à sua qualidade humana, sendo assim, não há uma situação que coisifique o ser homem, posto isto, conclui – se:

Alicerce da ordem jurídica democrática, pode – se dizer que a dignidade vem retratar o conteúdo do imperativo Kantiano, segundo o qual o homem há que ser considerado como um fim em si mesmo, jamais como meio para obtenção de qualquer outra finalidade. (ALMEIDA; RODRIGUES JUNIOR, 2010, p.69)

Por ser um macroprincípio, irradiam da dignidade outros princípios, tais como a liberdade, autonomia privada, cidadania, alteridade e igualdade, assim sendo, eles formam princípios éticos; e todos os atos que não são pautados por esses princípios são contrários ao direito brasileiro.

A doutrinadora Carmem Lúcia Antunes Rocha foi a primeira a destacar a importância do princípio da dignidade humana no nosso ordenamento jurídico, mostrando que a partir dele foi criada uma nova forma de pensar o sistema jurídico, passando a dignidade a ser princípio e fim do Direito:

Dignidade é o pressuposto da ideia de justiça humana, porque ela é que dita a condição superior do homem como ser de razão e sentimento. Por isso é que a dignidade humana independe de merecimento pessoal ou social. Não se há́ de ser mister ter de fazer por merecê-lá, pois ela é inerente à vida e, nessa contingência, é um direito pré́-estatal. (BRASÍLIA, OAB, 2000, p.72)

Para Sarlet, (2004, p.52) “a doutrina destaca o caráter intersubjetivo e relacional da dignidade da pessoa humana, sublinhando a existência de um dever de respeito no âmbito da comunidade dos seres humanos.”, ou seja, a família é tida como um espaço comunitário para uma existência digna e de comunhão com os outros.

A expressão dignidade da pessoa humana é recente no mundo jurídico, sendo seu marco inaugural na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, apesar de já ter sido utilizada na Constituição Italiana em 1947. A Constituição Alemã, no ano de 1949, em seu artigo 1.1, proclamou que: “A dignidade do homem é intangível. Respeitá-la e protegê-la é obrigação de todo o poder público.” A partir deste momento todos as constituições democráticas passaram a utilizar essa expressão e colocar o homem como fim e não meio de todas as coisas.

Evidencia-se dessa forma que, o direito de família está intimamente ligado com os direitos humanos e à dignidade, os quais têm reconhecimento jurídico da igualdade do homem e  da mulher, de outros modelos de família e na igualdade dos filhos.

2.1 Princípio da Afetividade

A afetividade é o princípio que rege a estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, é ele o elemento formador do modelo de família atual. No século XIX a família seguia o poder patriarcal, que era estruturada em torno do patrimônio familiar e ligada por laços econômicos. O vínculo familiar tinha fundamentos formais, sendo a família um núcleo econômico com representatividade política e religiosa.

Devido às transformações sociais que a sociedade passou, citando como exemplo o feminismo e a inserção da mulher no mercado de trabalho, este modelo de família mudou, passando a família a se manter por laços afetivos em detrimento dos laços econômicos; uma vez que a família deve ser constituída por um núcleo afetivo e não por uma dependência econômica mútua. Diante dessa transformação familiar, Paulo Luiz Netto Lobô faz a seguinte afirmação:

 A realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, é a função básica da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram, ou desempenham papel secundário. Até mesmo a função procracional, com a secularização crescente do direito de família e a primazia atribuída ao afeto, deixou de ser sua finalidade precípua. (LOBÔ, 2004, p. 155)

Como consequência do princípio da afetividade temos a sua jurisdicização da paternidade socioafetiva, que está embasada no julgado do ex-Ministro do STJ Luís Felipe Salomão

o que deve balizar o conceito de “ família” é, sobretudo, o princípio da afetividade, que fundamenta o direito de família na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia sobre as considerações de caráter patrimonial ou biológico. (BRASIL, 2009)

O princípio da afetividade está implícito na Constituição, encontrando fundamentos nos referidos termos e artigos: a) todos os filhos são iguais, independentemente de sua origem (art. 227, § 6º); b) a adoção, como escolha afetiva, alçou-se integralmente ao plano da igualdade de direitos (art. 227, §§ 5º e 6º); c) a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, incluindo-se os adotivos, tem a mesma dignidade de família constitucionalmente protegida (art. 226, § 4º); d) a convivência familiar (e não a origem biológica) é prioridade absoluta assegurada à criança e ao adolescente (art. 227).

Apesar de não estar expresso o princípio da afetividade encontra – se implícito na legislação infraconstitucional, como norma orientadora do direito de família.

2.2 Princípio da Liberdade

O princípio da liberdade é um dos mais importantes no âmbito do direito de família, está  presente no Código Civil ao proibir a interferência de qualquer pessoa ou do Estado na constituição familiar (artigo 1.513), o livre planejamento familiar (artigo 1565), a forma do regime de bens (artigo 1639), a forma com administrar o patrimônio da família (artigo 1.642 e 1.643) e o pleno exercício do poder familiar (artigo 1.634).

Por este princípio a entidade familiar tem liberdade diante do Estado e da sociedade, e cada membro tem sua liberdade também dentro da família. Essa liberdade está na forma de poder decidir sobre a constituição, manutenção e extinção da entidade familiar, já que por força do artigo 22, § 7º da Constituição é de “ livre decisão do casal” não cabendo interferência do Estado ou da sociedade.

O princípio da liberdade diz respeito não apenas à criação, manutenção ou extinção dos arranjos familiares, mas à sua permanente constituição e reinvenção. Tendo a família se desligado de suas funções tradicionais, não faz sentido que ao Estado interesse regular deveres que restringem profundamente a liberdade, a intimidade e a vida privada das pessoas, quando não repercutem no interesse geral. (LÔBO, 2011, p.70)

Destarte, resta salientar, que o princípio da liberdade deve ser respeitado pelo Estado, já que cada família tem a sua forma de criar e educar os filhos; devendo haver intervenção do Estado somente em casos específicos.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

2.3 Princípio do pluralismo familiar

Por força do artigo 226, §§ 3º e 4º da Constituição Federal é considerado família, além da matrimonial, a união estável entre homens e mulheres e as monoparentais (aquelas formadas por apenas um dos pais e seus descendentes). Esses modelos de famílias expressos no referido artigo são apenas exemplificativos, já que a intenção do legislador foi a de fazer uma norma de inclusão e não de exclusão, aceitando assim a diversidade familiar. “ O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares”. (DIAS, 2009, p.66)

Os modelos de família citados acima são meramente exemplificativos, já que são os mais conhecidos pela sociedade. Atualmente é necessário que se faça uma visão mais ampliada dos tipos de família, uma vez que no artigo 226, § 7º da Constituição temos a liberdade de planejamento familiar, cabendo ao Estado dar o respaldo necessário.

Inclusive, no que tange a liberdade de planejamento familiar, temos uma nova forma de família que é a homoafetiva, que sempre foi vista de modo preconceituoso por uma parte da sociedade. Deve-se lembrar que os mesmos direitos assegurados pelos casais heteroafetivos também devem ser reconhecidos aos homoafetivos, uma vez que o caput do artigo 5º da Constituição trata o seguinte:

Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]

Além do que está disposto na Constituição Federal, há julgamentos do Supremo Tribunal Federal que proferem sentença em favor aos direitos da união homoafetiva, um dos mais importantes é a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.277/DF que teve como relator o Ministro Ayres Britto, que fez a seguinte interpretação em relação à união homoafetiva e o as novas formas de família.

Ementa: 1. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). Perda parcial de objeto. [...]. União homoafetiva e seu reconhecimento como instituto jurídico. [...]. 2. Proibição de discriminação das pessoas em razão do sexo, seja no plano da dicotomia homem/mulher (gênero), seja no plano da orientação sexual de cada qual deles. A proibição do preconceito como capítulo do constitucionalismo fraternal. [...]. Liberdade para dispor da própria sexualidade, inserida na categoria dos direitos fundamentais do indivíduo, expressão que é da autonomia de vontade. Direito à intimidade e à vida privada. Cláusula pétrea. O sexo das pessoas, salvo disposição constitucional expressa ou implícita em sentido contrário, não se presta como fator de desigualação jurídica. Proibição de preconceito, à luz do inciso IV do art. 3º da Constituição Federal, por colidir frontalmente com o objetivo constitucional de “promover o bem de todos”. [...]. Reconhecimento do direito à preferência sexual como direta emanação do princípio da “dignidade da pessoa humana”: direito a auto-estima no mais elevado ponto da consciência do indivíduo. [...]. 3. Tratamento constitucional da instituição da família. Reconhecimento de que a Constituição Federal não empresta ao substantivo “família” nenhum significado ortodoxo ou da própria técnica jurídica. [...]. Direito subjetivo de constituir família. interpretação não-reducionista. O caput do art. 226 confere à família, base da sociedade, especial proteção do Estado. Ênfase constitucional à instituição da família. Família em seu coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou informalmente constituída, ou se integrada por casais heteroafetivos ou por pares homoafetivos. A Constituição de 1988, ao utilizar-se da expressão “família”, não limita sua formação a casais heteroafetivos [...]. Família como instituição privada que, voluntariamente constituída entre pessoas adultas, mantém com o Estado e a sociedade civil uma necessária relação tricotômica. Núcleo familiar que é o principal lócus institucional de concreção dos direitos fundamentais que a própria Constituição designa por “intimidade e vida privada” (inciso X do art. 5º). Isonomia entre casais heteroafetivos e pares homoafetivos que somente ganha plenitude de sentido se desembocar no igual direito subjetivo à formação de uma autonomizada família. [...]. Avanço da Constituição Federal de 1988 no plano dos costumes. Caminhada na direção do pluralismo como categoria sócio-político-cultural. Competência do Supremo Tribunal Federal para manter, interpretativamente, o Texto Magno na posse do seu fundamental atributo da coerência, o que passa pela eliminação de preconceito quanto à orientação sexual das pessoas. 4. União estável. [...]. A referência constitucional à dualidade básica homem/mulher, no §3º do seu art. 226, deve-se ao centrado intuito de não se perder a menor oportunidade para favorecer relações jurídicas horizontais ou sem hierarquia no âmbito das sociedades domésticas. [...]. Não há como fazer rolar a cabeça do art. 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. [...]. Emprego do fraseado “entidade familiar” como sinônimo perfeito de família. A Constituição não interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o que não se dá na hipótese sub judice. Inexistência do direito dos indivíduos heteroafetivos à sua não-equiparação jurídica com os indivíduos homoafetivos. Aplicabilidade do §2º do art. 5º da Constituição Federal, a evidenciar que outros direitos e garantias, não expressamente listados na Constituição, emergem “do regime e dos princípios por ela adotados”, verbis: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. 5. [...]. 6. Interpretação do art. 1.723 do Código Civil em conformidade com a Constituição Federal (técnica da “interpretação conforme”). Reconhecimento da união homoafetiva como família. Procedência das ações. Ante a possibilidade de interpretação em sentido preconceituoso ou discriminatório do art. 1.723 do Código Civil, não resolúvel à luz dele próprio, faz-se necessária a utilização da técnica de “interpretação conforme à Constituição”. Isso para excluir do dispositivo em causa qualquer significado que impeça o reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como família. Reconhecimento que é de ser feito segundo as mesmas regras e com as mesmas consequências da união estável heteroafetiva.

(ADI 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-03 PP-00341 RTJ VOL-00219- PP-00212).

Por esse julgado do Supremo Tribunal Federal percebe-se que a relação homoafetiva é reconhecida como união estável, tendo resguardado seus direitos e obrigações. Nota-se, também, que foram respeitados os direitos à liberdade e à dignidade da pessoa humana, além do direito de escolha e de vida familiar, todos embasados pela nossa Constituição.

Pelo princípio do pluralismo familiar rompeu-se o modelo exclusivo de família matrimonial, garantindo, assim, os direitos individuais e a liberdade de se formar a família da forma desejada, aceitando as famílias plurais e as homoafetivas.

2.4 Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros

O princípio da igualdade jurídica entre homens e mulheres está previsto no artigo 5º, I, que prevê que homens e mulheres são iguais em obrigações e direitos e no artigo 226, § 5º que dispõe que os direitos e deveres na sociedade conjugal são exercidos em igualdade pelo homem e pela mulher; dessa forma, com essa igualdade de direitos foi extinto o modelo de família patriarcal, que perdurou por séculos no Brasil, na qual somente o marido era o chefe da família.

A doutrinadora Maria Helena Diniz faz uma ressalta bem assertiva em relação a esse princípio:

Com este princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e companheiros, desaparece o poder marital, e a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e mulher, pois os tempos atuais requerem que marido e mulher tenham os mesmos direitos e deveres referentes à sociedade conjugal, o patriarcalismo não mais se coaduna com a época atual, nem atende aos anseios do povo brasileiro; por isso, juridicamente, o poder de família é substituído pela autoridade conjunta e indivisiva, não mais se justificando a submissão legal da mulher. Há uma equivalência de papéis, de modo que a responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente entre o casal. (DINIZ, 2008, p.19)

Além mais, como é ensinamento da doutrinadora citada acima, podemos perceber que com a igualdade entre cônjuges o “ pater famílias” foi substituído pelo poder familiar; já que por este princípio homem e mulher passaram a ter os mesmo direitos e deveres frente a família.

Por fim, insta salientar que o Código Civil também recepcionou o princípio da igualdade entre os cônjuges no artigo 1.511 que estabelece: “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges. ”

2.5 Princípio da igualdade e isonomia dos filhos

Primeiramente, quando se trata deste princípio, devemos lembrar que em tempos passados os filhos concebidos fora do casamento não tinham os mesmos direitos dos filhos ‘ verdadeiros’; não havia isonomia entre eles; mas, com o advento da Constituição de 1988 e com a inclusão desse princípio essa falta de isonomia cessou.

Ele está previsto expressamente no artigo 227, § 6º e também no Código Civil no artigo 1.596 e ambos, sistematizam, que não pode haver discriminação entre filhos havidos ou não dentro do casamento e que eles terão os mesmo direitos e qualificações.

Maria Helena Diniz, na sua obra Curso de Direito Civil Brasileiro: Direito de Família, nos ensina que:

Com base nesse princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, não se faz distinção entre filho matrimonial, não-matrimonial ou adotivo quanto ao poder familiar, nome e sucessão; permite – se o reconhecimento de filhos extramatrimonias e proíbe – se que se revele no assento de nascimento a ilegitimidade simples ou espuriedade. (DINIZ, 2008, p.27)

Diante do exposto, a partir da constitucionalização do princípio da igualdade e isonomia entre os filhos, todos os filhos, havidos ou não na constância do casamento, passaram a ter os mesmos direitos e deveres, deixando de existir a dicotomia entre filhos legítimos e ilegítimos.

2.6 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

Esse princípio tem previsão na Constituição Federal de 1998 no caput do artigo 227, e no Estatuto da Criança e do Adolescente nos artigos 4º, caput, e 5º, além desses dois institutos jurídicos, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, a qual o Brasil adotou em 1990, consagra esse princípio no seu artigo 3º, I.

No artigo 4º, do ECA, o parágrafo único mostra de forma exemplificativa quais são as políticas públicas que podem ser usadas para alcançar a garantia constitucional dada às crianças e ao adolescente, enquanto no artigo 6º faz a classificação deles como pessoas em desenvolvimento que têm de forma absoluta e prioritária a garantia do seu melhor interesse. Sendo assim, o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente é tido como direito fundamental.

É por meio do artigo 227, caput, que a criança e o adolescente tem assegurado, com a devida prioridade, a efetivação de seus direitos fundamentais, tais como: dignidade, respeito, liberdade e convivência familiar.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)

Por fim, com esse princípio houve uma inversão de prioridade na relação entre pais e filhos, na convivência familiar, nas situações de conflitos e até mesmo na separação do casal; isto porque o pátrio poder existia em razão do pai e com sua decadência e posterior mudança para poder familiar, o intuito dele é o interesse do menor.

2.7 Princípio da paternidade responsável e do planejamento familiar

Com previsão legal nos artigos 226, § 7º e 227 da Constituição Federal e nos artigos 3º, 4º e 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente ambos os princípios decorrem do princípio da liberdade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que gera responsabilidade aos genitores no planejamento familiar e na melhor forma de criação dos filhos; como já vimos, os princípios se complementam.

Cabe aos genitores ou ao genitor monoparental promover da melhor forma possível a criação, educação e desenvolvimento dos filhos, mas contanto com os recursos que o Estado tem por obrigação dispor ao cidadão.

O planejamento familiar é regulado pela Lei 9.263/9, que regula o § 7º do artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece formas de orientação, por meio de políticas públicas, para orientação e prevenção do planejamento familiar. O artigo 2º da referida lei diz o seguinte:

 Art. 2º Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal.

Parágrafo único - É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de controle demográfico.

Conforme a interpretação dos artigos 227 e 229 do Estatuto da Criança e do Adolescente é de livre planejamento pela pessoa ou pelo casal a gravidez e a adoção, sendo que eles assumem o pleno dever de assistir, criar e educar os filhos, assegurando, assim, prioridade absoluta da criança e do adolescente frente à família, sociedade e Estado.

Aos pais, mesmo que não estando mais juntos, cabe zelar pela vida dos filhos, ajudando no seu sustento, educação e é responsabilidade do genitor que não tem a guarda dos filhos ter convivência com ele. O jurista Rodrigo Pereira da Cunha faz o seguinte apontamento frente a esta questão:

Independente da convivência ou relacionamento dos pais, a eles cabe a responsabilidade pela criação e educação dos filhos, pois é inconcebível a ideia de que o divórcio ou termino da relação dos genitores acarrete o fim da convivência entre os filhos e seus pais. (PEREIRA,2012, p.246)

Conclui-se que, a paternidade responsável está intimamente ligada com o dever de cuidados e não a prestação de assistência material.

2.8 Princípio da solidariedade familiar

A palavra solidariedade pode ser definida como o compromisso pelo qual as pessoas se obrigam umas às outras e cada uma delas a todas, sendo assim, percebe-se que esse princípio tem origem nos vínculos afetivos.

Em sentido amplo, este princípio está previsto no artigo 3º, I, da Constituição Federal com um dos objetivos da República: ”Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária.”

É no direito de família que se visualiza o princípio da solidariedade em sua totalidade, nas palavras de Rolf Madaleno:

A solidariedade é o princípio e oxigênio de todas relações familiares e afetivas, porque esses vínculos só podem se sustentar e se desenvolver em ambiente recíproco de compreensão e cooperação, ajudando-se mutuamente sempre que se fizer necessário. (MADALENO, 2013, p.93)

No que tange ao direito de família, o princípio da solidariedade está previsto na Constituição Federal no artigo 229, que impõe reciprocidade de cuidados entre pais e filhos; no artigo 230, normatizando que é dever da família, do Estado e da sociedade cuidar dos idosos; e no artigo 227, que impõe que é dever da família e não apenas dos pais, da sociedade e do Estado, assegurar com prioridade absoluta os direitos das crianças e dos adolescentes.

O Código Civil também recepcionou o princípio da solidariedade nos artigos 1.511, 1.565, 1.566, III, 1.568 e 1.694.

{C}2.  {C}Considerações Finais

Não há como definir o direito como sendo estático, já que ele deve se amoldar ao tempo, devendo levar em consideração as transformações da sociedade, pois só assim não haverá perda da efetividade.

Dessa forma, deve-se entender que o Direito de Família está em constante mudança, indo ao encontro da figura da afetividade, compartilhando os mesmos ideais, mas sempre respeitando a individualidade de cada pessoa.

A base do Direito de Família, e de todos os ramos do direito brasileiro, é o princípio da dignidade da pessoa humana, que torna possível colocar as necessidades do homem e a sua proteção como uma das principais buscas do Estado.

O intuito deste artigo é abordar os princípios do Direito de Família, mas sem delimitá-los, visto que não há um consenso na doutrina sobre os mesmos.

Por isso, o presente trabalho abordou os principais princípios do Direito de Família, os que são mais utilizados e tem uma repercussão maior.

Finalmente, é importante destacar que há, no Direito de Família, assim como no Direito Civil e em outros ramos do direito, uma grande aproximação com o legislador constitucional, principalmente no que tange à adequação dos entendimentos aos princípios humanísticos do atual sistema constitucional, ou seja, o direito tem que ser entendido como norma de conduta social; a família como base da sociedade; e a evolução desta tem que estar atrelada ao Direito, sob pena de perder a eficácia das normas jurídicas.

Referências

BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

____. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 5 de agosto de 2016.

____. Lei nº 11.698, de 13 de junho de 2008. Altera os arts. 1.583 e 1.584 da

____. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº. 4.277/DF. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Ayres Britto. Julgado em 05 mai. 2011. Publicado no DJe em 14 out. 2011. Disponível em: <www.stf.jus.br>. 

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito civil. 5 V. São Paulo: Saraiva, 2006

DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico / atualizadores Nagib Slaibi Filho e Cláucia Carvalho. 27ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 2006

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito de família. 24.ed. São Paulo: Saraiva,2009.

FACHIN, Luiz Edson. Elementos Críticos do Direito de Família. Rio de Janeiro: Renovar, 1999.

GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Princípios constitucionais de direito de família: guarda compartilhada à luz da Lei nº 11.698-08: família, criança, adolescente e idoso . Imprenta: São Paulo, Atlas, 2008.

LÔBO, Paulo Luiz Netto. Famílias. 2º ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MADALENO, Rolf. Curso de direito de família. Rio de Janeiro: FORENSE, 2008; 3.ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 2009; 4. ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 2011; 5. Ed. Rio de Janeiro: FORENSE, 2013

OLIVEIRA, José Sebastião de. Fundamentos Constitucionais do direito de família. São Paulo: RT, 2002.

PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Princípios fundamentais norteadores do direito de família. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. 2ª. ed. São Paulo: Malheiros, 1995.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos