Combate ao racismo por meio de instrumentos jurídicos internacionais

Exibindo página 1 de 2
Leia nesta página:

Análise da Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965; o Pacto dos Direitos Civis e Políticos; e a Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa

Resumo: Este trabalho tem por finalidade analisar, ainda que de forma sucinta, três instrumentos jurídicos internacionais: a Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965; o Pacto dos Direitos Civis e Políticos; e a Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa, no que tange ao objetivo de eliminação das desigualdades, a fim de verificar se tais instrumentos contemplaram diretamente os negros, e se influenciaram na formação da legislação brasileira de combate ao racismo. O objetivo do estudo é analisar, pelo critério da eficácia, a eliminação das desigualdades raciais por meio da legislação internacional e o papel do Sistema Interamericano de Direitos Humanos.

Palavras-chave: RACISMO. DESIGUALDADE. SISTEMA INTERAMERICANO DE DIREITOS HUMANOS. DIREITOS HUMANOS.

Sumário: 1. Introdução. 2. Instrumentos Jurídicos Internacionais de Combate à Desigualdade 3. Discriminação Racial e o Racismo no Brasil 4. Eficácia dos Instrumentos Internacionais no Brasil e o Sistema Interamericano de Direitos Humanos. 5. Conclusão. Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO.

O Direito Internacional e o Direito Interno possuem natureza complementar quanto à temática de Direitos Humanos, e o Brasil, assim como outros países, tem por costume produzir legislações protetivas apenas quando motivado em âmbito internacional. O presente artigo tem por finalidade analisar em que medida os instrumentos jurídicos internacionais são efetivos no combate às desigualdades, particularmente com relação ao tema racismo e se tais instrumentos atuaram como motivadores da criação de normas nacionais.

É importante destacar que as normas internacionais em grande parte não tratam expressamente do termo racismo, mas nem por isso podem ser avaliadas como menos protetivas de plano, posto que o racismo no Brasil possui peculiaridades não encontradas em outras partes do mundo. Assim, verificaremos se tais normas internacionais foram capazes de contemplar os negros ao tratarem sobre desigualdade ou se o fato de serem genéricas é tido como um empecilho. Para tanto, utilizaremos como referências três instrumentos: A Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965; O Pacto dos Direitos Civis e Políticos e a Declaração da Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa.

A escolha dos três instrumentos não foi aleatória, posto que cada um possui uma ideia central a ser defendida em um dado momento histórico, o que contribui em termos legislativos e nos situa no desenvolvimento das lutas raciais no mundo.

Constantemente a legislação internacional é violada por países signatários e tais violações de direitos humanos nem sempre são fiscalizadas com a cautela devida, sendo que muitas vezes não há sequer punição para os violadores, razão pela qual analisaremos a possibilidade de responsabilização do Estado pela omissão no combate do Racismo no Sistema Interamericano de Direitos Humanos.


2. INSTRUMENTOS JURÍDICOS INTERNACIONAIS DE COMBATE À DESIGUALDADE.

A temática da desigualdade sempre foi campo fértil tanto para produção literária quanto para produção normativa. Conceitos como igualdade material e igualdade formal foram desenvolvidos, assim como a ideia de isonomia. Infelizmente a definição normativa e teórica não são suficientes para promover a igualdade ou para combater a desigualdade. O tratamento desigual ao longo da história da humanidade atuou como fundamento justificante para que muitos fossem subjugados; como fundamento da exploração e da escravidão, bem como fundamento para seleção natural.

Com a globalização os direitos humanos ganham destaque e conforme afirma Zaffaroni a globalização pode ser vista como um fato de poder e o pensamento único pode ser visto como um discurso legitimante: “A globalização não é um discurso, senão nada menos que um novo momento de poder planetário. Trata-se de uma realidade de poder que chegou e que, como nas anteriores, não é reversível” [1].

Com o desenvolvimento do Direito Internacional tornou-se cada vez mais comum a presença em diversos tratados da ideia de igualdade entre os homens e da dignidade da pessoa humana. Tais ideias foram sendo cada vez mais difundidas tanto em âmbito nacional como internacional. Diversos mecanismos são utilizados para acentuar as desigualdades, entre eles a religião, a origem, o sexo, a orientação sexual e a raça. A Declaração Universal dos Direitos do Homem define em seu artigo 2º que: “todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição” [2].

Embora muitos elementos possam ser utilizados com a finalidade de promover tratamentos desiguais, podemos afirmar que o tratamento desigual oriundo das diferenças raciais promoveu enormes malefícios e tem seus efeitos se prolongado ao longo da história [3]. Mas antes de entrarmos propriamente na temática do racismo se faz necessário definir o conceito de raça, termo cuja compreensão é essencial para o desenvolvimento do tema. Esclarece Evandro Charles Piza Duarte que:

Nesse sentido, o ponto de vista adotado é o de compreender “raça” como uma categoria sociológica complexa e historicamente construída; portanto, opõe-se a uma teoria das raças de cunho biologicista e, ao mesmo tempo, a uma posição teórica que coloque o estudo sobre as práticas raciais como secundárias diante de outras práticas de exclusão presentes nas sociedades modernas. No contexto brasileiro, defende-se que as relações raciais não podem ser abordadas a partir da ideia de consenso, presente na ideologia da democracia racial, mas da percepção de estratégias racistas diferenciadas, segundo as condições locais de organização das relações de poder [4].

É importante compreendermos raça como “uma categoria sociológica complexa e historicamente construída”. O conceito de raça ao longo da existência da humanidade foi usado na maioria das vezes com o objetivo de gerar classificação e separação. As pessoas foram catalogadas e inseridas em grupos e tal classificação contribuiu para o surgimento de preconceitos e ideologias. Podemos afirmar que o racismo não é uma invenção exclusivamente brasileira, mas é certo afirmar que no Brasil se desenvolveu de maneira rápida e efetiva.

O racismo como instrumento de domínio foi usado nessa sociedade de brancos e negros antes que o imperialismo o explorasse como ideia política. Sua base e sua justificativa ainda eram a própria experiência, uma terrível experiência de algo tão estranho que cava além da compreensão e da imaginação: para os brancos foi mais fácil negar que os pretos fossem seres humanos. No entanto, a despeito de todas as explicações ideológicas, o homem negro teimosamente insistia em conservar suas características humanas, só restando ao homem branco reexaminar a sua própria humanidade e concluir que, nesse caso, ele era mais do que humano, isto é, escolhido por Deus para ser o deus do homem negro [5].

Analisaremos agora três normas internacionais de destaque que tratam do combate à Desigualdade:

2.1. A Convenção Internacional sobre a eliminação de todas as formas de discriminação racial de 1965

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, data de 1965, foi promulgada no Brasil pelo Decreto n.º 65.810, de 8 de dezembro de 1969 [6]. A referida Convenção reafirma que a Carta das Nações Unidas baseia-se em princípios de dignidade e igualdade inerentes a todos os seres humanos, e que todos os Estados-membros comprometem-se a tomar medidas separadas e conjuntas, em cooperação com a Organização, para a consecução de um dos propósitos das Nações Unidas, que é promover e encorajar o respeito universal e a observância dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem discriminação de raça, sexo, idioma ou religião.

O documento reafirma que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e que toda pessoa pode invocar todos os direitos estabelecidos nessa Declaração, sem distinção alguma, especialmente de raça, cor ou origem nacional. O texto sublinha que discriminação entre as pessoas por motivo de raça, cor ou origem étnica é um obstáculo às relações amistosas e pacíficas entre as nações e é capaz de perturbar a paz e a segurança entre os povos e a harmonia de pessoas vivendo lado a lado, até dentro de um mesmo Estado. É importante esclarecer que o principal objetivo da Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação pode ser resumido pelas ideias do combate e da proibição a discriminação racial, o que por decorrência lógica, ao menos em tese, promoveria a igualdade.

Artigo 1º - Para os fins da presente Convenção, a expressão "discriminação racial" significará toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto ou resultado anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício em um mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública.

Artigo 2º - Os Estados-partes condenam a discriminação racial e comprometem-se a adotar, por todos os meios apropriados e sem dilações, uma política destinada a eliminar a discriminação racial em todas as suas formas e a encorajar a promoção de entendimento entre todas as raças, e para este fim:

A Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial, além de estabelecer diretrizes instituiu o Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, órgão este, responsável pelo controle da aplicação da Convenção pelos respectivos Estados Partes.

2.2. O Pacto dos Direitos Civis e Políticos

O Pacto dos Direitos Civis e Políticos passou a fazer parte do ordenamento jurídico brasileiro por meio do decreto n.º 592, de 6 de julho de 1992 [7], embora sua formulação no âmbito da Assembleia Geral das Nações Unidas tenha se iniciado em 1949 e sua conclusão tenha se dado em 1966. Reconhece o Pacto dos Direitos Civis e Políticos que:

Art. 2º - Os Estados Partes do presente pacto comprometem-se a respeitar e garantir a todos os indivíduos que se achem em seu território e que estejam sujeitos a sua jurisdição os direitos reconhecidos no presente Pacto, sem discriminação alguma por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer condição.

Art.26 - Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da Lei. A este respeito, a lei deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer outra situação.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Pretende o Pacto que seja realizada uma criminalização das condutas discriminatórias, por meio de lei proibitiva, com a finalidade de garantir maior eficácia do pacto protetivo.

2.3. Declaração da Conferência Mundial contra o racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa.

Realizada em 2001, no Ano Internacional da Mobilização contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Todas as Formas de Intolerância [8], na Cidade de Durban, África do Sul, essa conferência foi um evento importante na mobilização internacional contra o racismo. A Declaração define que o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância conexa, nos casos em que estas últimas equivalem a racismo e discriminação racial, constituem graves violações de direitos humanos e colocam grandes obstáculos ao gozo destes direitos, negando a verdade evidente de que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e em direitos. Afirma que tais obstáculos estão entre as causas profundas de muitos conflitos internos e internacionais que contribuem para o deslocamento forçado de populações. Consta da Declaração o reconhecimento de que o racismo, a discriminação racial, a xenofobia e a intolerância conexa ocorrem com base na raça, na cor, na ascendência ou na origem nacional ou étnica e que as vítimas podem sofrer formas de discriminação múltiplas.

Como fruto dessa Declaração no Brasil podemos citar a criação, em 2003, da Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Promoção da Igualdade Racial da Presidência da República que tem por função inserir a temática do tema da igualdade racial de maneira transversal na agenda política e estratégica de ministérios, governos estaduais e municipais. A atuação da Secretaria é no sentido de estimular o desenvolvimento de ações afirmativas que contribuam para ampliar a inclusão social dos grupos mais vulneráveis e historicamente discriminados no país [9].


3. DISCRIMINAÇÃO RACIAL E O RACISMO NO BRASIL

Muitos questionamentos sobre a abrangência se voltam para esses três instrumentos internacionais, a fim de definir se os negros foram abarcados pelas espécies de desigualdade elencadas ou se dado ao caráter genérico foram excluídos, fazendo com que seja inadequada a aplicabilidade aos casos de racismo.

Rafael Guerreiro Osório afirma que a classificação racial brasileira é única, e reflete preocupações engendradas pela história nacional e que não existe uma classificação internacional para raças ou para etnias. Para Osório, nos diferentes países, conceitos como etnia, tribo, nação, povo e raça recebem conteúdos locais, pois as bases importantes para a delimitação das fronteiras entre grupos sociais são produzidas pela história de cada sociedade [10].

Verifica-se no preâmbulo da Declaração Sobre Raças e Preconceitos Raciais [11], de 1978, a afirmativa de que a Segunda Guerra Mundial ocorreu pela negação dos ideais democráticos da dignidade, da igualdade e do respeito da pessoa humana e pela proclamação e exploração da ignorância e do preconceito, do dogma da desigualdade das raças e dos homens. Consta ainda da referida declaração de que o processo de descolonização e de outras mudanças históricas levaram vários povos sobre o domínio estrangeiro a recuperar sua soberania, fazendo com que a comunidade internacional se tornasse um conjunto universal e diversificado, criando novas oportunidades para erradicação do flagelo do racismo. Essa Declaração em seu artigo 2º, define que:

§1. Toda teoria que invoque uma superioridade ou uma inferioridade intrínseca de grupos raciais ou étnicos que dê a uns o direito de dominar ou de eliminar os demais, presumidamente inferiores, ou que faça juízos de valor baseados na diferença racial, carece de fundamento científico e é contrária aos princípios morais étnicos da humanidade.

§2. O racismo engloba as ideologias racistas, as atitudes fundadas nos preconceitos raciais, os comportamentos discriminatórios, as disposições estruturais e as práticas institucionalizadas que provocam a desigualdade racial, assim como a falsa idéia de que as relações discriminatórias entre grupos são moral e cientificamente justificáveis; manifesta-se por meio de disposições legislativas ou regulamentárias e práticas discriminatórias, assim como por meio de crenças e atos anti-sociais (...)

§3. O preconceito racial historicamente vinculado às desigualdades de poder, que tende a se fortalecer por causa das diferenças econômicas e sociais entre os indivíduos e os grupos humanos e a justificar, ainda hoje, essas desigualdades, está solenemente desprovido de fundamento.

As definições contidas no artigo 2º da Convenção são de extrema importância, pois criam um parâmetro avaliativo em âmbito internacional para verificação da existência do racismo. O racismo é um termo que permite várias interpretações, propiciando seu uso em diversos contextos – o que contribuía diretamente para o esvaziamento do seu significado em muitas situações e para a popularização da ideia de que se tudo é preconceito, nada é preconceito.

A Convenção Internacional Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de 1965, promulgada pelo Brasil em 1969 busca reafirmar o compromisso das Nações Unidas de respeito universal, como promoção dos direitos humanos e liberdades, repudiando os preconceitos de raça. É importante lembrar que em 14 de dezembro de 1960 a Declaração sobre a Outorga de Independência aos Países e Povos Coloniais [12] foi firmada, mas que o preconceito e a desigualdade não desapareceram com um estalar de dedos. A própria convenção afirma que as Nações Unidas estavam alarmadas por manifestações de discriminação racial ainda em evidência em algumas áreas e mundo e por políticas de apartheid, segregação e separação, razão pela qual em 1965 as Nações Unidas por meio da convenção condenaram o colonialismo e suas práticas de segregação e discriminação a fim de promover um fim rápido e incondicional ao racismo.

O Pacto dos Direitos Civis e Políticos têm em seu bojo a ideia de preconceitos de raça, mas também não fala especificamente sobre os negros, ou sobre o racismo. Mas defende a ideia de que, em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, o ideal do ser humano livre, no gozo das liberdades civis e políticas e liberto do temor e da miséria, não pode ser realizado sem a presença de certas condições, afinal, para cada um gozar de seus direitos civis e políticos, assim como de seus direitos econômicos, sociais e culturais, a desigualdade não pode guiar a ação humana.

Assim, embora essas duas normas internacionais não utilizem o termo racimo, tratam dos preconceitos e desigualdades decorrentes da raça, foram ratificadas pelo Brasil e influenciaram no Direito Interno.

A Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Conexa é de extrema importância na luta contra o Racismo, pois traz em seu bojo diversas afirmações que até então ficavam limitadas aos livros de história. Por meio da conferência, os países participantes reconheceram que a escravatura e o tráfico de escravos, nomeadamente o tráfico transatlântico de escravos, foram tragédias atrozes na história da Humanidade, não apenas pela sua barbárie odiosa mas também em termos da respectiva magnitude, natureza organizada e sobretudo devido à negação da essência das vítimas. Afirma Hannah Arendt que: O racismo absorveu e reviveu todos os antigos pensamentos racistas, que, no entanto, por si mesmos, dificilmente teriam sido capazes de transformar o racismo em ideologia. [13].

O resultado da conferência reconheceu ainda que a escravatura e o tráfico de escravos são crimes contra a Humanidade e que sempre deveriam ter sido assim tratadas, em especial o tráfico transatlântico de escravos, afirmando que o colonialismo conduziu ao racismo, à discriminação racial, à xenofobia e à intolerância conexa, e que os africanos e pessoas de ascendência africana, assim como as pessoas de ascendência asiática e povos indígenas foram vítimas do colonialismo e continuam a ser vítimas das suas consequências.

O texto da conferência ainda afirma que a juventude e outros grupos vulneráveis podem estar expostos às novas manifestações de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância conexa. Salienta também que a pobreza, o subdesenvolvimento, a marginalização, a exclusão social e as desigualdades económicas são fatores estreitamente relacionados com os fenómenos de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância conexa, contribuindo para a persistência de atitudes e práticas racistas que, por seu turno, dão origem a mais pobreza.

Constou do Boletim de Análise Político Institucional de 2013, elaborado pelo IPEA que há grande desigualdade entre brancos e negros no que diz respeito à distribuição da segurança. Esta desigualdade é explicitada pelas maiores taxas de vitimização da população negra e que ser negro já corresponde a pertencer a uma população de risco [14].

O Brasil é um país que não se diz racista e por não assumir que é racista encontramos diversas dificuldades para combater a prática tão enraizada na sociedade. Fato é, que muitas pessoas, não compreendem o real conceito do termo racismo e por não serem vítimas, não conseguem compreender os graves danos causados pela existência desse mal. Ana Luiza Pinheiro Flauzina define o termo como:

Tomamos o racismo como uma doutrina, uma ideologia ou um sistema sobre o qual se apoia um segmento populacional considerado superior, por causa de características fenotípicas ou culturais, a fim de conduzir e subjugar um outro, tido como inferior. Além de todos os aspectos presentes na definição, destacamos expressamente o caráter desumanizador inscrito na concepção de racismo. Em última instância, o racismo serve como forma de catalogação dos indivíduos, afastando-os ou aproximando-os do sentido de humanidade de acordo com suas características raciais. Essa peculiaridade faz dele uma das justificativas mais recorrentes nos episódios de genocídio e em toda sorte de vilipêndios materiais e simbólicos que tenham por objetivo violar a integridade dos seres humanos [15].

O conceito acima é bastante elucidativo sobre os elementos existentes na prática do racismo, assim como menciona seus efeitos. A presença do racismo gera desigualdades absurdas, além do seu caráter desumanizador. Retirar de alguém sua humanidade permite a coisificação do ser humano, fazendo com que ele deixe de ser sujeito de direitos, para se tornar objeto de violação.

Hannah Arendt esclarece que embora muito se fale que a ideologia racial foi uma invenção alemã, se assim realmente fosse o modo de pensar alemão teria tido maior influência e que se o hitlerismo exerceu tão forte atração internacional e intereuropeia durante os anos 30, é porque o racimo promovido pela doutrina estatal Alemã refletia a opinião pública de todos os países. Os nazistas sabiam que o melhor jeito de propagar sua ideia estava na sua política racial. “O racismo não era arma nova nem secreta, embora nunca antes houvesse sido usada com tão meticulosa coerência” [16].

As relações raciais são marcadas por preconceitos, racismos, xenofobia, etnicismo e segregacionismos reiterados ao longo dos anos nos diferentes países, que encontra seu fundamento de validade em uma ideologia discriminante. Como mostra a Pesquisa Nacional de Vitimização [17], 6,5% dos negros que sofreram uma agressão no ano anterior tiveram como agressores policiais ou seguranças privados (que muitas vezes são policiais trabalhando nos horários de folga), contra 3,7% dos brancos (IBGE, 2010). É inegável que no Brasil há um tratamento diferenciado, principalmente no que tange aos negros que embora tenham deixado as senzalas com a abolição da escravidão em 1888 continuam vítimas das relações raciais.

Rosiane Rodrigues, defende a ideia de que há uma xenofobia à brasileira, canalizada para determinados povos e culturas que são vistos como “inferiores” ou “distantes”. Ela exemplifica sua tese afirmando que uma forma simples de pensarmos a “nossa” xenofobia é percebermos que conhecemos muito mais da mitologia grega – com seus deuses do Amor, do Sexo, da Inteligência – do que das mitologias africanas. Eros, Apolo e Afrodite são personagens que encontramos nas aulas de Filosofia ou de História Antiga. Já quando o assunto são os deuses mitológicos que representam os mesmos sentimentos e narram lendas e costumes para os povos africanos, algumas pessoas sentem arrepios. Oxun, Yemanjá, Ogum nos soam tão estranhos e distantes (quase proibidos), quanto Shiva e Krishna. A autora traz ainda em sua obra a ideia do professor de literatura Gildeci de Oliveira Leite, da Universidade da Bahia, de xenofilia, como “aversão a tudo que é nacional” e cita como exemplo a utilização de adjetivos pejorativos para se referir ao samba, funk ou qualquer outro ritmo regional, com características populares [18].

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Artigo elaborado para disciplina Tópicos Especiais: Criminologia e Racismo.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos