Direito de laje como modalidade de direito real.

Considerações sobre natureza jurídica e confrontação com o direito de superfície

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A presente obra especula sobre as características do direito de superfície, além de confrontá-lo como o direito de superfície, dada a similitude de ambos.

Introdução:

Através da Medida Provisória número 759/2016, a seara do direito das coisas foi acrescida de mais um direito real, intitulado direito de laje. A introdução ocorreu no més de dezembro do ano mencionado alhures, dotando de autonomia uma realidade cada vez mais comum no Brasil, não apenas em grandes metrópoles e centros urbanos, mas até em pequenas cidades do interior. O popular “puxadinho” torna-se um instituto consagrado e regulado pelo direito civil de forma patente. Independentemente dos motivos que ensejaram a inclusão deste direito no rol taxativo do artigo 1225 do Código Civil, mais precisamente no inciso XII, as quais variam desde a valorização da especulação imobiliária até a regulamentação dos sobrados e lajes já existentes, a frequência deste tipo de construção foi fator crucial na elaboração deste direito.

Desenvolvimento:

Direitos reais são exclusivamente aqueles previstos expressamente em lei, por força da característica da legalidade dos direitos reais, de modo que não podem ser criados por vontade ou convenção das partes. Todas as qualidades inerente aos direitos reais só são compartilhadas entre aqueles direitos previstos expressamente pelo legislador.

Diante da chance de tratar de normas sobre reforma fundiária, direito civil e urbanístico, a medida provisória nº 759 de 2016 fez inserir em nosso regramento civil uma nova modalidade de direito real, o direito de laje. Fruto de fortes dissensões, relativas tanto a sua nomenclatura quanto sobre sua necessidade, dada a sua similitude com o direito de superfície.

Primordialmente, cumpre esclarecer que laje é o tipo de construção, assemelhada àquela exercida por um telhado convencional, que substitui o teto de uma residência. Formado por concreto, o lajeado oferece um novo piso sobre a propriedade, e em cima deste é possível edificar novos cômodos e até mesmo unidades autônomas, ou seja, novos domicílios ocupados por pessoas distintas do grupo familiar anterior.

As críticas iniciais acerca deste direito se referem a desnecessidade de sua instituição, quando um outro direito, já devidamente constituído e amplamente disciplinado já se estabeleceu em nosso ordenamento, trata-se do direito de superfície pelo qual se atribui ao superficiário o direito de edificar ou plantar sobre solo alheio, neste a propriedade se mantêm com o fundiário, verdadeiro detentor do domínio do bem, fazendo-se cessar, todavia, as consequências das acessões, porquanto tudo o que vier a se constituir sobre este solo ficaria com o superficiário, pelo menos durante o prazo contratual, se assim se firmou.

O direito de superfície perfaz uma verdadeira exceção ao princípio superficie solo cedit, através deste tudo o que se incorpora a determinada fração ou poção do solo passa a compor a propriedade do titular do terreno, por meio de acessão. Segundo o ilustre doutrinador Orlando Gomes:


 

“[…] tudo quanto é incorporado permanentemente ao solo de modo que não se possa retirar sem destruição, modificação, fratura ou dano ou intencionalmente empregado ao imóvel pelo proprietário em sua exploração industrial, aformoseamento ou comodidade constitui parte integrante do bem principal... a mais importante conseqüência desse princípio é a de que as partes integrantes essenciais não podem ser objetos de propriedade distinta da que recai no bem principal (GOMES, p. 115, 2002)


 

Esta mitigação do princípio em tela se legitima diante da natureza jurídica do direito de superfície e a sua flexibilidade, o contrato de superfície gera efeitos duplos. Se por um lado ele preserva a propriedade originária do fundeiro (persona que cede o solo), por outro admite que o superficiário assuma a propriedade dos bens que vier a constituir. Isto faz com que seja considerado tanto um direito real sobre coisa alheia (jus in re aliena), já que se limita a um desdobramento da propriedade.

O direito de laje se assemelha fortemente ao direito de superfície, o que gera certa relutância por parte de certos doutrinadores em acatá-lo como espécie autônoma, quando na verdade não inovaria na ordem jurídica e quando o direito de superfície poderia substituí-lo fogosamente. Acontece que o direito de laje tem propriedades que o qualifica de maneira elementar, aumentando a distância como o outro instituto.

É justamente esta percepção que levou Otávio Luiz Rodrigues Junior e Rodrigo Mazzei a assevesar:

Enfim, o novo direito de laje não merece monopolizar toda a coluna. Sobre ele, por certo, escrever-se-ão futuras colunas na Direito Civil Atual nos próximos meses. Deve-se, porém, registrar o assombro com a falta de cuidado técnico na elaboração dessa norma, especialmente porque soluções muito mais adequadas poderiam ter sido alcançadas com o já existente direito de superfície (MAZZEI & RODRIGUES JUNIOR, 2007).

Se há aqueles que concordam com a desnecessidade de criação do direito de laje, há os que apenas não o reconhecem, para Albuquerque Júnior trata-se de um subtipo de superfície, que viria a ser a superfície por sobrelevação (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017). O autor funda seu argumento só enunciado nº 568, da VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça federal, que preteritamente pervia a sobrelevação como válida no direito brasileiro, senão vejamos:

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O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato, admitindo-se o direito de sobrelevação, atendida a legislação urbanística.


 

Além da celeuma acerca da positivação do “novo” direito, o supramencionado autor vai além e denuncia a impropriedade do termo empregado, partindo do pressuposto que a laje é a superfície sobre a qual se edifica a nova unidade independente, esta pertenceria àquele que possui o domínio do solo e por consequência da casa original, aquela que vier a se construir poseriorment poderá assumir a feição de um direito “sobre” a laje, jamais “de” laje.

As contundentes observações do autor se resumem a:

(a) a positivação de um direito real novo cujo objeto já estava inserido em um direito real preexistente; (b) o abandono de uma expressão consagrada e precisa por outra de uso informal; (c) o problema topológico de se estabelecer a abertura de matrícula e a dispensa de atribuição de fração ideal apenas para a superfície por sobrelevação ou direito de laje, quando as regras deveriam se aplicar a todo e qualquer direito de superfície (ALBUQUERQUE JÚNIOR, 2017).

Enfatize-se, entretanto, que o perfil assumido pelo direito de laje possui um objetivo tão específico que é capaz d se destacar do direito de superfície, pelo artigo 1510-A, o qual adiciona no Código Civil de 2002 a disciplina da matéria, percebe-se que este a estrutura autônoma que vier a ser construída sobre a laje deve apresentar, necessariamente um isolamento funcional e um acesso independente.

Estes quesitos não são detectados no direito de superfície e não é usual que se inclua nos contratos celebrados por aqueles que optam pelo direito de superfície, é possível ue a finalidade de dar uma função social para o novo direito justifique a sua aparição, o que se faz perceber quando o legislador exige a matrícula da unidade funcional, quando o direito de superfície se contenta com a sua averbação à margem da matrícula do imóvel originário.

Apesar dos conflitos colacionados e do suposto açodamento do governo em propor a matéria por meio de medida provisória, percebe-se que o direito de laje busca impulsionar a autonomia das famílias que vivem nos puxadinhos, impedidas de dispor com certa regalia da sua habitação, o que poderá impulsionar as transações imobiliárias, aquecendo o mercado imobiliário, permitir a tributação destes imóveis, dando-se uma maior atenção a estas zonas, normalmente marginalizadas, favorecendo-se a implementação da almejada função social da propriedade, da moradia e do pertencimento à cidade.
 

Referências:

GOMES, Orlando apud ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de. et alli. Estatuto da Cidade – Lei 10.257, de 10.07.2001 – Comentários. Revista dos Tribunais, 2002. p. 115.

MAZZEI, Rodrigo. O Direito de Superfície no Ordenamento Jurídico Brasileiro, disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp040916.pdf> .Acessado em 28 de Fev. de 2017

STOLZE, Pablo. Direito real de laje: primeiras impressões. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4936, 5 jan. 2017. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/54931>. Acesso em: 5 mar. 2017.

ALBUQUERQUE JÚNIOR, Roberto Paulino de. O direito de laje não é um novo direito real, mas um direito de superfície. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2017-jan-02/direito-laje-nao-direito-real-direito-superficie#_edn3> Acesso em: 01 mar. 2017.

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Sobre as autoras
Letícia Pereira Tavares

Aluna graduanda em Direito pela FAP-Ce

Letícia Pereira Tavares

Letícia Pereira Tavares 22 anos Cearense Bacharelanda em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará.

Informações sobre o texto

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