INTRODUÇÃO
O Tribunal do Júri é competente para julgar os crimes dolosos contra a vida, sendo que seu procedimento é especial e bifásico, classificado em: judicium accusationis e judicium causae.
Na fase do judicium causae estão presentes os debates orais, momento em que as partes podem aduzir e sustentar suas teses. O debate é iniciado pela acusação a qual terá uma hora e meia para explanar sua tese, em seguida é concedida a palavra à defesa.
Contudo, se houver necessidade, o promotor poderá completar sua tese utilizando-se o momento destinado a réplica, dando automaticamente direito à defesa de fazer uso da tréplica, em homenagem ao princípio do contraditório.
A polêmica está na possibilidade de a defesa, na tréplica, apresentar ao debate uma tese nova, ainda não discuta em nenhum momento processual. Estaria desse modo extrapolando o princípio da plenitude de defesa e infringindo o princípio do contraditório? Uma vez que a acusação não terá como rebater a tese levantada?
1 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL
No Brasil, o Tribunal do Júri foi disciplinado pela primeira vez pela Lei de 18 de junho de 1822, e conforme cita Barros (2008, p.10) sua competência se limitava em julgar os crimes de imprensa, sendo constituído de vinte e quatro “juízes de fato”.
Tasse (2008, p. 22) cita que:
O júri foi implantado no Brasil pelo Príncipe Regente D. Pedro um pouco antes da proclamação da independência em 1822, composto por juízes de fato que se encarregaram de julgar exclusivamente os abusos quanto à liberdade de imprensa. A partir daí evoluiu bastante e passou por diversas transformações legislativas, enfrentando até mesmo o desprezo protagonizado pela Carta de 1937.
Menciona Capez (2011, p. 648) que “com a Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, passou a integrar o Poder Judiciário como um de seus órgãos, tendo sua competência ampliada para julgar causas cíveis e criminais”.
Cita o referido autor que alguns anos depois, a instituição do júri foi disciplinada pelo Código de Processo Criminal, de 29 de novembro de 1832, conferindo-lhe ampla competência, porém restringida em 1842, com a entrada em vigor da Lei n. 261.
Sobre a Constituição Imperial, de 25 de março de 1824, Estefam (2009, p.10) relata que:
Dois anos depois, nossa primeira Constituição o previu em seus arts. 151 e 152: Art. 151. O Poder Judicial é independente e será composto de juízes e jurados, os quais terão lugar assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo que os Códigos determinarem. Art. 152. Os jurados pronunciam sobre o fato e os juízes aplicam a lei.
Estefam (2009, p. 10) menciona que as Constituições de 1891 e 1934 citaram dispositivos mantendo a instituição do Júri, incluindo-o no capítulo dos direitos e garantias individuais do cidadão. Porém a Constituição de 1891 foi alvo de discussões doutrinárias, pois alguns entendiam que a palavra “manter” encontrada no dispositivo legal, significava incorporar todas as regras até então existentes, enquanto outros defendiam que a lei tinha liberdade para dar ao Tribunal Popular as feições que pretendesse. Já em 1934 foi retirada a instituição do capítulo destinado aos direitos dos homens e cidadãos e inserida no capítulo destinado ao Poder Judiciário.
Em 1937 foi instalado o Estado Novo por Getúlio Vargas, e proclamada uma nova Constituição, a qual suprimiu o Tribunal do Povo de todos os seus capítulos, Estefam (2009, p.10) cita que:
Em 1937, a instituição sofreu duro golpe, pois foi suprimida em nível constitucional. No ano seguinte, por força do Decreto Lei nº 167/38, tornou-se possível que o Tribunal, em grau de recurso, reformasse integralmente a decisão do Júri que “não encontrasse nenhum apoio nos autos”. Surgia o chamado período negro do Tribunal do Júri, em virtude da supressão da soberania dos veredictos. Tal decreto-lei vigorou somente até a Constituição de 1946, que conferiu novamente status de garantia individual à instituição, assegurando-lhe a soberania dos veredictos.
O Tribunal do Júri é reinserido no capítulo dos Direitos e Garantias individuais com a Constituição de 1946, Nucci (2008, p. 43) relata que:
A Constituição de 1946 ressuscitou o Tribunal Popular no seu texto, reinserindo-o no capítulo dos Direitos e Garantias individuais como se fosse uma autêntica bandeira na luta contra o autoritarismo, embora as razões desse retorno tivessem ocorrido, segundo narra Victor Nunes Leal, por conta do poder de pressão do coronelismo, interessado em garantir a subsistência de um órgão judiciário que pudesse absolver seus capangas.
O júri na Constituição de 24 de janeiro de 1967 foi mantido no capítulo dos direitos e garantias individuais, porém a Emenda Constitucional n. 1, de 17 de outubro de 1969, restringiu sua competência para os crimes dolosos contra a vida. (CAPEZ, 2012, p. 648).
Com a Constituição de 1988, considerada Constituição Cidadã, o Tribunal do Júri foi inserido no título dos Direitos e Garantias Fundamentais, em seu artigo 5º, inciso XXXVIII, reconhecendo a instituição do júri como organização que lhe der a lei, assegurados: a) plenitude de defesa; b) sigilo das votações; c) a soberania dos veredictos e d) a competência para julgamento dos crimes dolosos contra a vida. Sobre a relevância do instituto preconiza Capez (2012, p. 648):
Na atual Carta Magna, é reconhecida a instituição do Júri como a organização que lhe der a lei, assegurados como princípios básicos: a plenitude do direito de defesa, o sigilo nas votações, a soberania dos veredictos e a competência mínima para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
O júri na atual Constituição encontra-se disciplinado no art. 5º, XXXVIII, inserido no Capítulo dos Direitos e Garantias Individuais.
Campos (2013, p. 7) comenta que o artigo 60, parágrafo 4º, da atual Constituição, institui as chamadas cláusulas pétreas, e em seu inciso IV inclui os direitos e garantias individuais, de forma que, por força de previsão constitucional o Tribunal do Júri tornou-se imodificável em seu conteúdo, não sendo passível de modificação pelo Poder Constituinte Derivado.
2 COMPETÊNCIA E PROCEDIMENTO DO JÚRI POPULAR
2.1 COMPETÊNCIA
O artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “d”, da Constituição Federal, define como competência para atuação do Tribunal do Júri, os crimes dolosos contra a vida. Assim como o artigo 74, §1º, do Código do Processo Penal, o qual dispõe que “compete ao Tribunal do Júri os julgamentos dos crimes previstos nos artigos 121, §§1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados”.
Dispõe o art. 70 do CPP, como regra geral, a competência para o processo e julgamento o lugar onde a infração se consumou, ou na hipótese de tentativa o lugar onde foi praticado o último ato de execução, tal regra é aplicada também aos crimes dolosos contra a vida, sejam de alçada da Justiça Federal, sejam de Alçada da Justiça Estadual.
Porém, segundo Campos (2013, p. 11/12), essa competência, em se tratando de crimes dolosos contra a vida, admite uma exceção, justificada pela necessidade de melhor angariar elementos de prova, a fim de estabelecer a competência pelo lugar da prática do crime e não naquele em que ocorreu o resultado, tendo como fundamento ser mais eficiente a necessidade de o fato ser julgado pelo Tribunal do Júri onde a comunidade sentiu-se mais abalada pela sua prática e não em comarca em que, por exemplo, o resultado morte ocorreu apenas, em razão da necessidade de melhor assistência médico-hospitalar.
Estefam (2009, p. 19) trata a competência prevista para o Tribunal do Júri como competência mínima dos crimes dolosos contra a vida, explicando que “(...) nada impede que lei ordinária amplie a competência do Júri, como já ocorre no art. 78, I, do CPP, o qual determina a reunião de processos relativos a Justiça Comum perante o Tribunal Popular(...)”.
Capez (2012, p. 278) dispõe que não são de competência do Tribunal do Júri, os crimes de latrocínio e de extorsão qualificada pelo resultado morte, bem como explica a competência da Justiça Federal e a competência para os crimes militares:
Competem ao Júri os julgamentos dos crimes dolosos contra a vida, mas o latrocínio, por ser crime contra o patrimônio, é de competência do Juízo singular (Súmula 603 do STF), o mesmo ocorrendo com o crime de extorsão qualificada pelo resultado morte. Competem ao Júri Federal, presidido por Juiz Federal, os crimes de competência da Justiça Federal e que devam ser julgados pelo Tribunal Popular, tais como homicídio praticado a bordo de embarcação privativa, de procedência estrangeira, em porto nacional, e contrabando em conexão com homicídio. (...) Nos crimes militares, será competência do júri, quando houver crimes dolosos contra a vida em que a vítima for civil (...).
Nucci (2008, p. 578) enfatiza que “não será permitida alterações na jurisdição do Tribunal do Júri por meio de Emenda Constitucional porque é cláusula pétrea, mas pode-se haver flexão da mesma, desde que permitida pela Constituição Federal”.
O art. 52, II da CF, traz um caso específico, se o Presidente da República praticar um crime doloso contra a vida, não será julgado pelo Tribunal do Júri e sim pelo STF.
O art. 78, do CPP menciona que na determinação de competência por conexão ou continência havendo concurso entre a competência do Tribunal do Júri e a de outro órgão da jurisdição, prevalecerá a competência do júri.
2.2 PROCEDIMENTO
O procedimento dos crimes dolosos contra a vida é escalonado ou bifásico, ou seja, possui duas fases: judicium accusationis e judicium causae.
Para Nucci (2008, p. 46) o procedimento do Tribunal Popular é na verdade trifásico, visto que, este defende a existência de uma fase intermediária após a decisão de pronúncia até o início do julgamento em plenário, assim definindo:
Parece-nos equivocado não considerar como autônoma a denominada fase de preparação do plenário, tão importante quanto visível. Após a edição da Lei 11.689/2008, destinou-se a Seção III, do Capítulo II (referente ao júri), como fase específica (“Da Preparação do Processo para o Julgamento em Plenário), confirmando-se, pois, a existência de três estágios para atingir o julgamento de mérito.
A fase do judicium accusationis, também conhecido como sumário da culpa, inicia-se com a decisão de recebimento da denúncia e encerra-se com o trânsito em julgado da decisão de pronúncia (ESTEFAM, 2009, p. 31).
Barros (2008, p. 20) relata que “é uma fase que serve para filtrar impurezas, em que é examinada a viabilidade da denúncia, impedindo que alguém seja levado à presença do Conselho de Sentença sem que haja provas que viabilize o julgamento”.
Dermercian e Maluly (2005, p.451) dizem que: “na fase judicitum accusationis a finalidade é exclusivamente processual, pois dela emerge apenas a possibilidade de ser instaurada a fase do judicium causae, onde se decidirá sobre o conteúdo da acusação”.
A fase do judicium causae, vai da intimação das partes para arrolarem testemunhas para deporem em plenário, passando pelo julgamento, pelo Tribunal do Júri em Plenário até o trânsito em julgado final da sentença proferida pelo juiz presidente. (ESTEFAM, 2009, p. 47)
Na definição de Marques (1963, p.262), “o julgamento de mérito do pedido e a formação da culpa não se decide sobre o mérito, e sim sobre a admissibilidade do direito de acusar, o judicium propriamente dito no Júri está situado no juízo da causa”.
Nucci (2008, p. 47) ensina que:
Para a preparação do julgamento, as partes são intimadas para apresentar o rol de testemunhas, no máximo de cinco para cada lado. O juiz fará também um breve relatório do processo, e, em seguida determinará a inclusão do processo em pauta de julgamento, obedecendo à ordem de preferência: acusados presos, dentre estes os que estejam a mais tempo cumprindo pena e aqueles que foram primeiramente pronunciados.
Conforme redação do art. 447 do CPP, o Tribunal do Júri é composto de um juiz togado, que exerce a função de presidente e por 25 jurados sorteados entre o grupo que constar no alistamento, 7 dos quais constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento.
Tourinho Filho (1999, pg. 215), classifica o júri como:
(...) um órgão um órgão especial de primeiro grau de Jurisdição Comum Estadual e Federal, colegiado, heterogêneo porque é constituído de pessoas de diversas camadas da sociedade, sendo presidido por um juiz togado e temporário porque pode não se reunir todos os dias e todos os meses.
Barros (2008, p. 108), ensina que as reuniões pelo Tribunal do Júri serão estabelecidas por lei de organização judiciária, sendo o juiz presidente competente para decidir sobre os pedidos de isenção e dispensa de jurados, assim como adiamento do julgamento:
O Tribunal do Júri reunir-se-á para as sessões de instrução e julgamento nos períodos e na forma estabelecida pela lei local de organização judiciária. Até o momento da abertura dos trabalhos da sessão, o juiz presidente decidirá os casos de isenção e dispensa de jurados e o pedido de adiamento de julgamento, mandando consignar em ata as deliberações.
No dia e hora designados para o julgamento, o juiz-presidente verificará se a urna contém as cédulas com os nomes dos vinte e cinco jurados e mandará que o escrivão lhes proceda a chamada. Se tiverem comparecido pelo menos quinze jurados, o juiz declarará instalados os trabalhos, não havendo o número, proceder-se-á ao sorteio de tantos suplentes quantos necessários e se designará nova data para a sessão do júri. (CPP, arts. 462,463 e 464).
Ensina Mirabete (2003, p. 1.188) que antes do sorteio dos jurados, o juiz deve adverti-los dos impedimentos e incompatibilidades legais.
Tanto a defesa como a acusação têm o direito de recusar, sem justificativa, até três jurados, sendo que primeiro recusa a defesa depois a acusação, são as chamadas recusas peremptórias, e além dessas recusas as partes poderão recusar sem limites outros jurados, desde que justificadamente, por suspeição ou impedimento. (CAPEZ, 2012, p. 665).
Conforme redação do art. 472 do CPP, formado o conselho de sentença os jurados prestarão compromisso, em pé, e diante do juiz, de julgar a causa com imparcialidade e proferir decisão de acordo com sua consciência e os ditames da justiça.
Capez (2012, p. 666) menciona que “com o juramento inicia-se o dever de incomunicabilidade, não podendo os jurados comunicar-se entre si ou com outrem, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão do Conselho e multa”.
O art. 473 do CPP, dispõe que prestado o compromisso pelos jurados iniciará a instrução em Plenário, onde serão inquiridas as testemunhas de acusação e defesa e após será obtido as declarações dos acusados.
Ensina Tourinho Filho (2010, p. 765) que:
Prestado o compromisso, será iniciada a instrução plenária, quando o Juiz-Presidente, o Ministério Público, o Advogado do assistente (se for o caso), o advogado do querelante (se for o caso) e o Defensor do acusado tomarão, sucessivamente e diretamente, as declarações do ofendido, se possível, e inquirirão as testemunhas arroladas pela Acusação. Em seguida, as da Defesa. Os Jurados poderão formular perguntas, mas por intermédio do Juiz-Presidente (art. 473 do CPP). (...) A seguir será o réu interrogado, se estiver presente, observando-se os arts. 185 a 196 do CPP, sendo que o Ministério Público, o Advogado do assistente e do querelante (se for o caso) e o Defensor, nessa ordem, poderão formular diretamente perguntas ao réu. Evidentemente que o Juiz fará as perguntas por primeiro. Os jurados também poderão fazê-las, mas por intermédio do Juiz-Presidente.
Encerrada a instrução, passa-se à fase dos debates.