Tribunal do Júri:inovação da tese defensiva na tréplica

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5. INOVAÇÃO DA TESE DEFENSIVA NA TRÉPLICA

A prática de inovar a tese defensiva na tréplica vem sendo comum nos julgamentos pelo Tribunal do Júri. Porém até o presente momento, não há norma que regulamente o assunto, o que temos são entendimentos jurisprudências e doutrinários muitas vezes divergentes entre si.

Uma forte corrente entende não ser cabível a inovação da tese defensiva na tréplica, pois desta forma estaria indo contra os ditames do princípio do contraditório, uma vez que a acusação não terá como rebater a nova tese apresentada.

Capez (2012, p. 668) relata que “na tréplica não pode haver inovação de tese pela defesa, sob pena de ofensa ao princípio do contraditório”.

Mirabete (2006), citado por Nascimento Filho, defende o entendimento de que “na tréplica não poderá ser apresentada tese defensiva nova, pois haverá acréscimo substancial ou alteração fundamental do que tenha pleiteado a defesa ao responder à acusação, a parte autora não poderá contrariar, causando surpresa, o que violará o princípio do contraditório”.

Barros (2009, p. 131) entende que:

Durante a tréplica defender uma tese que não foi exposta durante a exposição normal, haverá impreterivelmente violação ao princípio do contraditório, pois o Ministério Público não poderá combater tal tese, tornando o julgamento nulo, sustentando que uma forma de solução seria o indeferimento da quesitação relativa a nova tese apresentada.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator Gilson Dipp, julgou em Recurso Especial, ser impossível a inovação de tese defensiva por violação ao princípio do contraditório:

CRIMINAL. RECURSO ESPECIAL. JÚRI. NULIDADE. NÃO-INCLUSÃO DE QUESITOS A RESPEITO DE PRIVILÉGIO. INOVAÇÃO DE TESE DEFENSIVA NA TRÉPLICA. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO. RECURSO DESPROVIDO. I. Não há ilegalidade na decisão que não incluiu, nos quesitos a serem apresentados aos jurados, tese a respeito de homicídio privilegiado, se esta somente foi sustentada por ocasião da tréplica. II. É incabível a inovação de tese defensiva, na fase de tréplica, não ventilada antes em nenhuma fase do processo, sob pena de violação ao princípio do contraditório. III. Recurso desprovido.

Já para o doutrinador Campos (2013) a defesa em tréplica não poderá inovar, porque estará afrontando o princípio da isonomia e do devido processo legal, no que se refere ao contraditório, e que não poderá inovar utilizando como fundamento o princípio da plenitude de defesa, porque atingirá outros princípios de igual importância.

 Porém, outros doutrinadores admitem a tese e baseiam sua argumentação no princípio da plenitude da defesa:

Nucci, (2010), defende que é mais lógico e adequado para a plenitude da defesa que o defensor seja o último a se manifestar. O princípio do contraditório destina-se a garantir que a parte contrária se manifeste, acerca de alguma prova nova apresentada ou sobre alguma alegação expondo fato inédito, passível de alterar o rumo da causa. Mas na parte concernente a interpretação de provas e quanto ao direito a ser aplicado não há necessidade de se ouvir, sempre a parte contrária. O Tribunal do Júri elegeu o constituinte, como princípio regente a plenitude de defesa, razão pela qual se algum interesse há de se prevalecer sobre outro é o do réu que merece sobrepor-se ao da acusação. A atividade da acusação é empreender uma acusação imparcial, significando que não está atrelado ao acusador a rebater cada argumento levantado pela defesa, e, sim, a sustentar a acusação nos termos da pronúncia.

Tumbenchlak (1997, p. 123-124), apud por Barros (2014), afirma que:

Quanto a inovação de tesa na tréplica, não se justifica censurar-se as simples palavras da defesa e o único motivo seria a surpresa do órgão acusador, até porque em qualquer caso, a defesa é sempre a última a se pronunciar, sendo certo também, que a missão precípua da acusação não é, de modo algum provar os fatos que articulou.

A Segunda Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Relator Roberval Casemiro Belinati, entendeu ser possível a inovação de tese defensivo na tréplica em virtude do princípio da plenitude de defesa:

APELAÇÕES CRIMINAIS. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO FÚTIL E PELO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. SENTENÇA CONDENATÓRIA. RECURSOS DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE NULIDADE APÓS A PRONÚNCIA. ARTIGO 593, INCISO III, ALÍNEA A, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOVAÇÃO DA TESE DEFENSIVA NA TRÉPLICA. INDEFERIMENTO DE QUESITAÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. ANULAÇÃO DO JULGAMENTO. RECURSO DA DEFESA PROVIDO. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREJUDICADO. 1. NO TRIBUNAL DO JÚRI, VIGE O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PLENITUDE DE DEFESA, DECORRENDO DAÍ A IMPOSSIBILIDADE DE SE ESTABELECER QUALQUER RESTRIÇÃO À SUA ATUAÇÃO. 2. NA TRÉPLICA, PODE A DEFESA INOVAR A TESE SUSTENTADA ANTERIORMENTE, EM VIRTUDE DO PRINCÍPIO DA PLENITUDE DE DEFESA E POR NÃO HAVER QUALQUER IMPEDIMENTO EXPRESSO NA LEI PROCESSUAL. NA PRESENTE HIPÓTESE, A DEFESA ARGUMENTOU, NA TRÉPLICA, QUE O RÉU PODERIA TER AGIDO COM VIOLENTA EMOÇÃO LOGO APÓS INJUSTA PROVOCAÇÃO DA VÍTIMA E, ASSIM, REQUEREU O RECONHECIMENTO DE HOMICÍDIO PRIVILEGIADO, TESE QUE NÃO FORA AINDA SUSTENTADA. COMO O JUIZ PRESIDENTE DEIXOU DE FORMULAR QUESITO DEFENSIVO SOBRE TESE SUSTENTADA EM PLENÁRIO, O JULGAMENTO DEVE SER ANULADO. 3. RECURSOS DA DEFESA E DO MINISTÉRIO PÚBLICO CONHECIDOS. RECURSO DA DEFESA PROVIDO PARA ANULAR O JULGAMENTO DO RÉU, DETERMINANDO NOVA SUBMISSÃO AO CONSELHO DE SENTENÇA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO PREJUDICADO.

O Superior Tribunal de Justiça (2009) entendeu ser possível a inovação da tese defensiva na tréplica, garantindo assim a plenitude de defesa:

Tribunal do júri (plenitude de defesa). Tréplica (inovação). Contraditório/ampla defesa (antinomia de princípios). Solução (liberdade). 1. Vem o júri pautado pela plenitude de defesa (Constituição, art. 5º, XXXVIII e LV). É-lhe, pois, lícito ouvir, na tréplica, tese diversa da que a defesa vem sustentando. 2. Havendo, em casos tais, conflito entre o contraditório (pode o acusador replicar, a defesa, treplicar sem inovações) e a amplitude de defesa, o conflito, se existente, resolve-se a favor da defesa – privilegia-se a liberdade (entre outros, HC-42.914, de 2005, e HC-44.165, de 2007). 3. Habeas corpus deferido.

A possibilidade de apresentação de tese inédita na tréplica, amparada pelo princípio da plenitude de defesa também se justifica, pelo fato de que, o defensor do acusado não encontra-se em posição de estreita igualdade, em termos de paridade de armas, com o promotor de justiça, o qual possui toda a máquina judiciária a seu favor.

Começando pela estrutura física com a disposição dos assentos e mesas, os quais por si só, já causam influência no conselho de sentença, visto a proximidade do promotor de justiça com o juiz-presidente, garantindo uma maior credibilidade perante os jurados.

Outro ponto importante, é o fato do Estado ter toda uma estrutura a seu favor, como a polícia, interceptações, e inclusive acesso a informações pessoais pelo Sistema de Consultas Integradas da Secretaria da Segurança Pública, onde estão presentes os dados históricos de cada cidadão, ferramenta esta que o Ministério Público vem utilizando para obter informações sobre o acusado e para seleção de jurados.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apesar de ser um tema ainda não consolidado pela Jurisprudência e Doutrina, a possibilidade de inovação de tese pela defesa na tréplica, levando-se em conta a peculiaridade do procedimento, uma vez que se julga o direito individual de liberdade e o princípio da plenitude de defesa, que é maior que o princípio da ampla defesa, o qual autoriza a sustentação de qualquer tese a qualquer momento em favor do réu, é cabível desde que não haja apresentação de novas provas, pois desta forma não estaria infringindo o princípio do contraditório, uma vez que o Ministério Público, no primeiro debate e na réplica, teve a oportunidade de se manifestar sobre todas as provas constantes nos autos e sua função não é rebater a tese defensiva e sim sustentar a acusação.

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REFERÊNCIAS

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Sobre os autores
Alessandro Dorigon

Mestre em direito pela UNIPAR. Especialista em direito e processo penal pela UEL. Especialista em docência e gestão do ensino superior pela UNIPAR. Especialista em direito militar pela Escola Mineira de Direito. Graduado em direito pela UNIPAR. Professor de direito e processo penal na UNIPAR. Advogado criminalista.

Graziele Ansanelo

Formada em direito pela Universidade Paranaense - Unipar. Servidora pública do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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