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Patrimônio de afetação como garantia dos investidores e o mercado de valores mobiliários

15/03/2017 às 14:00
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A partir do entendimento do que é o denominado patrimônio de afetação, analisaremos a existência na lei de mecanismos para separar os recursos de investidores no mercado e adquirentes de casa própria dos recursos de construtoras e instituições financeiras.

A Instrução CVM 555 de 2014 é a norma que regula hoje o funcionamento dos Fundos de Investimentos Financeiros no país, consagrando, em seu artigo 61, o denominado “patrimônio de afetação”, ou seja, a exigência dos Fundos de manterem os seus direitos e obrigações separados do patrimônio geral da sociedade administradora, com ativo e passivo próprio e escrita contábil segregada daquela da administradora.

E o que é o patrimônio de afetação? Em rápida síntese a afetação é uma criação jurídica através da qual se impõe a segregação de patrimônios atinentes a determinado empreendimento, projeto ou finalidade, de forma que os recursos carreados para os mesmos sejam separados dos recursos próprios do empreendedor, gestor ou administrador.

Dessa forma, tanto os recursos captados de adquirentes de casa própria, na compra de imóvel “na planta” como do investidor de um Fundo de Investimento não ficam sujeitos aos riscos de insolvência do construtor/incorporador ou do administrador de carteira de valores mobiliários, não se vinculando as operações próprias desses com as gerais daqueles.

Com isso se evitará a prática de golpes que, por muitos anos, foram aplicados por construtores/incorporadores, que, após receberem recursos de milhares de adquirentes, “quebravam” sem a entrega dos imóveis aos quais haviam se obrigado, assim como no caso das instituições financeiras que iam à bancarrota, transformando “em pó” investimentos feitos por seus incautos clientes.

Doravante, com o patrimônio de afetação, em caso de falência da construtora, os adquirentes de imóveis poderão retomar a obra com a utilização do "caixa" e dos demais ativos do empreendimento, contratando, se e quando for o caso, uma outra empresa para concluir a obra.

O mesmo ocorre quanto aos investimentos no mercado financeiro e de capitais, já que os ativos dos Fundos haverão de permanecer sempre íntegros, não se prestando a garantir os credores do Administrador do Fundo. Em razão da segregação, o risco que os investidores correm é unicamente do negócio no qual investiram, não sendo atingidos pelos riscos da empresa gestora ou administradora.

No caso recente da "quebra" do Banco Santos S/A ocorreu o seguinte: O Banco efetuava empréstimo a determinada empresa que, concomitantemente, emitia uma Cédula de Crédito Bancária representativa da dívida, com pleno respaldo em lei. Aludido título era imediatamente cedido, com o prévio e expresso conhecimento do devedor, a um Fundo de Investimento Financeiro administrado pelo Banco.

Esta empresa, devedora de empréstimos respaldados nas CCB's cedidas ao Fundo, mantinham outras transações com o Banco, que lhe exigia contrapartidas em operações triangulares, como, por exemplo, a compra de debêntures de terceiras empresas.

Com a decretação da “quebra” do Banco Santos, essas empresas devedoras pretendem agora compensar os débitos existentes representados pelas CCBs, com os créditos quirografários que têm contra a Massa Falida do Banco Santos, sob a alegação de que este (o Banco), era administrador daquele (o Fundo).

É preciso que se entenda que essas empresas ao contratarem com o Banco operações bancárias e aceitarem as tais "operações casadas", ou contrapartidas, ou qualquer outro nome que se queira dar, admitiram correr o risco daí inerente, certamente atraídas pelas vantagens que lhes eram concedidas, i.e. taxas de juros irreais vis-à-vis o mercado, disponibilização de créditos desproporcionais ao seu patrimônio líquido etc.

Os quotistas, por outro lado, quando de suas Assembleias Gerais, avaliavam o risco da Carteira dos Fundos em função da capacidade de pagar de cada um dos devedores, emitentes das CCBs.

É inteiramente irrelevante o fato do administrador dos Fundos ter sido o Banco Santos S/A, uma vez que os Fundos se limitavam a pagar as CCBs emitidas por essas empresas utilizando os recursos aportados por seus quotistas e recebendo em contrapartida os títulos. Por mais paradoxal que possa parecer, nesta situação específica, o Banco Santos teria agido de conformidade com as instruções dos cotistas que pretendiam que seus investimentos fossem carreados para a aquisição de CCBs emitidas por empresas sólidas com plena capacidade para saldar seus compromissos.

Assim, as operações bancárias realizadas entre o Banco e as empresas devedoras nenhuma correlação tinham com os investimentos feitos, a latere, das empresas com o Banco para a aquisição de outros ativos financeiros.

Enquanto o Banco Santos S/A aparentou a solidez que parte de sua clientela acreditava ser infinita, fazendo até mesmo com que o seu controlador fosse eleito em 2004 o "Banqueiro do Ano", e considerado o mecenas das artes plásticas, nenhuma objeção foi feita às exigências a que as empresas devedoras, passiva e resignadamente se submetiam. Com a quebra do Banco, pretendem empurrar a conta para os quotistas dos Fundos, muitos dos quais pequenos investidores, que simplesmente pagaram pelos títulos emitidos. 

É hora de se proclamar e de se reconhecer a seriedade com que o governo, através da CVM, aperfeiçoou, a partir da vigência da Instrução 409/2004, hoje modificada pela Instrução nº 555, a fiscalização dos Fundos de Investimentos, exigindo não só um total “disclosure” de suas operações, mas, sobretudo, uma absoluta transparência de sua escrita contábil, permanentemente auditada, com o objetivo primordial de proteger o investidor contra qualquer tipo de manobra que, em seu prejuízo, venha a ser aplicada por terceiros em geral, sejam eles, os seus administradores, gestores ou quaisquer terceiros com quem o Fundo venha a se relacionar.

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Sobre o autor
Gustavo Alberto Villela Filho

<br> <br>O DIREITO DE INDENIZAÇÃO DOS ACIONISTAS MINORITÁRIOS DA PETROBRÁS <br><br>Os inigualáveis advogados Bulhões Pedreira e Lamy, autores da Lei das S/As, deixaram claro que “os objetivos da LSA, de criar estrutura jurídica de grande empresa privada e promover o desenvolvimento do mercado primário de ações, imprescindível à existência dessa empresa, levaram a que a lei se preocupasse em proteger a minoria mediante regras definidas e equitativas, e os investidores do mercado, de forma a que se sintam suficientemente estimulados a participar do jogo empresarial”. <br><br>Os fatos veiculados na mídia dando conta de colocação, por parte das empreiteiras, de sobrepreços nas obras públicas contratadas pela PETROBRÁS e da destinação desses ágios ao pagamento de propinas e financiamento de campanhas de políticos da base governista, leva-nos a questionar a responsabilidade da União Federal e do BNDES como controladores da empresa.<br><br>A PETROBRÁS é uma empresa de economia mista de capital aberto e tem suas ações pulverizadas no mercado, detendo a União Federal, juntamente com o BNDES, algo como 60% das ordinárias, e 38% das preferenciais.<br><br>Como controladora, a União Federal detém o poder político da companhia, nomeando o Presidente e os demais Diretores que, como vimos, foram nomeados atendendo critérios estritamente políticos, e não com base na meritocracia como seria de se esperar.<br><br>Os escândalos envolvendo a maior empresa brasileira, com ações negociadas inclusive na Bolsa de Valores de Nova York (NYSE), levaram a uma queda brusca no valor das suas ações negociadas no mercado, como de resto a uma concreta perda patrimonial.<br><br>Não temos pois a menor dúvida de que a União Federal, como controladora, está sujeita a ser responsabilizada pelos danos sofridos por atos criminosos praticados por seus agentes, com notório e escancarado abuso de poder.<br><br>O § 1º do artigo 117 da LSA define as várias modalidades de abuso de poder praticados pelo acionista controlador, sendo digno de registro, dentre outros, o de “orientar a companhia para fins estranhos ao objeto social ou lesivo ao interesse nacional, ou levá-la a favorecer outra sociedade, brasileira ou estrangeira, em prejuízo da participação dos acionistas minoritários nos lucros ou acervos da companhia”<br><br>Estando as companhias de economista mista sujeitas também às normas expedidas pela CVM (art. 235 §1º da LSA), viola ainda a PETROBRÁS a preceito do órgão regulador ao não apresentar os resultados e as demonstrações financeiras relativas ao 3º Trimestre do exercício social em curso.<br><br>Por todos esses motivos, comenta-se hoje no mercado que a SEC, a CVM americana, estaria propensa a aplicar uma multa de alguns bilhões de dólares por essa série de desmandos praticados na gestão da PETROBBRÁS e que causaram vultosos prejuízos aos investidores que aplicaram recursos na Bolsa americana. <br><br>Em suma, sendo a PETROBRÁS sociedade de direito privado, está a União Federal, como sua controladora, obrigada a reparar os danos sofridos por seus acionistas minoritários até mesmo em razão da regra estatuída no artigo 186 do Código Civil que prevê o direito da parte atingida a haver a reparação por ato ilícito daquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito seu ou lhe causar dano, ainda que exclusivamente moral.<br><br> <br><br> <br><br>

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VILLELA FILHO, Gustavo Alberto. Patrimônio de afetação como garantia dos investidores e o mercado de valores mobiliários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5005, 15 mar. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56439. Acesso em: 22 dez. 2024.

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