ANEXOS
AGÊNCIAS REGULADORAS: ESPÉCIE AMEAÇADA.
ALFREDO RUY BARBOSA
O governo federal abriu a temporada de caça às agências reguladoras, sob a alegação de que é necessário reduzir a autonomia e os poderes desses órgãos para restabelecer a força original dos ministérios. Essa tendência revela que o governo ainda não assimilou o importante papel que as agências reguladoras exercem no complexo cenário político-econômico onde hoje se desenvolvem as relações internas e externas dos países.
Nesse novo sistema mundial, o Estado deixou de ser uma entidade totalmente soberana no plano doméstico, passando a atuar como mediador e fiador das negociações realizadas entre as grandes organizações e os grupos de pressão, numa tentativa de conciliar as diversas tendências com o interesse público.
Reconhecendo, entretanto, a sua incapacidade de regular esse novo modelo a partir da sua estrutura tradicional, e levando também em conta o extraordinário avanço tecnológico ocorrido nas últimas décadas, o Estado viu-se compelido a modificar a sua forma tradicional de atuação, a fim de atender, com maior eficiência, às demandas dessa complexa sociedade pluralista gerada pela ordem econômica vigente.
Um dos grandes desafios que o Estado moderno hoje enfrenta consiste na tarefa de regular e fiscalizar o mercado econômico, respondendo às suas exigências em tempo real por meio de um processo decisório veloz e objetivo. Nesse contexto é que o Congresso Nacional criou as agências reguladoras, dando-lhes um formato administrativo especial para o fim de implementar, com maior eficiência e agilidade, a tarefa de regulação econômica a cargo do Estado.
Esta foi, portanto, a principal razão que levou o Congresso a fracionar o centro institucional do poder, criando novos órgãos administrativos eminentemente técnicos, dotados de autonomia e de poderes normativos para exercer, nos limites da lei criadora, a regulação das atividades econômicas ou sociais sob sua tutela.
Em todos os países onde foi adotado, esse modelo mostrou-se apto a enfrentar com sucesso os graves conflitos gerados pelas forças do mercado, aplicando, com agilidade e eficiência, os instrumentos legais de que dispõe para combater os efeitos nocivos dos grandes monopólios e da concorrência desleal.
Os fatores que determinaram a criação das agências reguladoras, no Brasil e em todo o mundo, podem ser assim resumidos: a. a tendência universal de reduzir a influência política na produção de normas jurídicas de caráter econômico, delegando a regulação setorial a entes dotados de autonomia administrativa e de conhecimento técnico específico; b. a conveniência de democratizar o sistema decisório desses entes, mediante a criação de um colegiado que delibera de acordo com o voto majoritário dos seus membros, evitando, assim, as decisões monocráticas mais sensíveis à influência política.
É fato notório que muitos investidores nacionais e estrangeiros desejam ver preservado o atual modelo regulatório adotado no Brasil, para garantir a segurança jurídica que as agências reguladoras transmitem aos seus investimentos, graças à isenção e ao caráter técnico das suas decisões.
Mas a própria defesa do interesse público requer, também, a manutenção desse modelo, com seus requisitos básicos de autonomia administrativa, decisória e financeira, como melhor forma de alterar uma estrutura administrativa viciada e obsoleta, que normalmente é distribuída entre os amigos do poder para o atendimento de seus interesses políticos e pessoais.
Infelizmente, as reações de alguns membros do governo em face das agências reguladoras revelaram nitidamente o resquício de uma cultura colonial ainda dominante no cenário político brasileiro. Para a grande maioria dos nossos políticos, é intolerável a convivência com um órgão regulador autônomo, cujos dirigentes não podem ser afastados ao simples movimento da sua caneta, e cujas decisões são irreversíveis no plano administrativo.
Nosso povo conhece muito bem o resultado nocivo das chamadas decisões de gabinete e está, por isso mesmo, tentando transformar o viciado modelo colonial ainda existente no Brasil. Mas qualquer que seja o motivo que tenha levado o governo a combater as agências reguladoras, é lastimável que esse processo esteja ocorrendo num momento de transição econômica e social, que exige uma pronta resposta do Estado aos vícios do modelo político-administrativo que há séculos controla o nosso país.
A moderna sociedade brasileira está ansiosa para livrar-se de vez das capitanias hereditárias que ainda hoje são comandadas por seus notórios coronéis. Por isso, torna-se vital, no momento histórico que atravessamos, manter o objetivo de despolitizar as funções do Estado para atender, com maior isenção e eficiência, às legítimas aspirações da sociedade brasileira.
É de todo conveniente, para o próprio interesse público, que o governo federal pondere mais detidamente antes de levar adiante a sua atual tendência de atingir as agências reguladoras no que possuem de mais relevante para o seu efetivo sucesso. Espera-se que o governo seja sensível à crescente resistência do nosso povo ao domínio que os velhos donos do poder ainda exercem em seus loteamentos pessoais, não se deixando seduzir pelo canto da sereia desses políticos.
Espera-se, finalmente, que o governo tenha a necessária sensibilidade para perceber que, para atendimento do próprio interesse público, terá de encontrar o devido equilíbrio para regular os serviços públicos e as atividades econômicas sem, no entanto, afugentar os investimentos internos e externos que ainda são necessários ao desenvolvimento econômico e social do país.
ALFREDO RUY BARBOSA é advogado.
Retirado de: http://oglobo.globo.com/oglobo/opiniao/107697092.htm. Acesso em 25.05.2003.