Punições aos pichadores: Doria está correto ou errado?

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O Prefeito da cidade de São Paulo, João Doria Junior, vem causando polêmica ao atuar contra os pichadores. Fim da liberdade de expressão, relativização de direitos, ou só repressão a uma conduta transgressora? Reflexões sobre a dignidade humana que deve haver (também) por trás do ato de pichar.

O Prefeito da cidade de São Paulo, João Doria Junior, está levantando sérias questões sobre a sua atuação contra os pichadores. Será que ele está errado ou não? O artigo lança uma luz sobre o ato administrativo do novo gestor de São Paulo.


1. LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DE PENSAMENTO

CRFB de 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

Artigo 13 - Convenção Americana sobre Direitos Humanos

Liberdade de pensamento e de expressão

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e idéias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

2. O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei e ser necessárias para assegurar: a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas.

3. Não se pode restringir o direito de expressão por vias ou meios indiretos, tais como o abuso de controles oficiais ou particulares de papel de imprensa, de frequências radioelétricas ou de equipamentos e aparelhos usados na difusão de informação, nem por quaisquer outros meios destinados a obstar a comunicação e a circulação de idéias e opiniões.

4. A lei pode submeter os espetáculos públicos a censura prévia, com o objetivo exclusivo de regular o acesso a eles, para proteção moral da infância e da adolescência, sem prejuízo do disposto no inciso 2.

5. A lei deve proibir toda propaganda a favor da guerra, bem como toda apologia ao ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, à hostilidade, ao crime ou à violência.

Para os pichadores, os símbolos desenhados são artes. Mas o que é arte? Difícil dizer o que é arte, pois ao admitirmos o que seja arte, corremos o risco de mitigar a liberdade de expressão e de pensamento. As pinturas rupestres podem ser consideradas meramente expressões de pessoas sem o mínimo de desenvolvimento psíquico. Hitler considerou várias obras artísticas como sendo de pessoas com problemas mentais. A arte grega (Grécia Antiga) seria as expressões de seres humanos 'perfeitos' — recomendo o filme Arquitetura da Destruição.

Durante as colonizações ocorridas nas Américas, na África e Austrália, as culturas originais eram consideradas 'atrasadas' pelas culturas 'evoluídas'. A colonização poderia 'evolui-las' — justificando saques dos bens dos colonizados.

'Fora Ditadura'. Pichações com esta frase foram praticadas durante os Anos de Chumbo. As letras são símbolos (sinal gráfico). Quando o símbolo é isolado, não possui significação alguma. Um conjunto de símbolos (vogais, consoantes e semivogais) permite o reconhecimento, a interpretação do conjunto de símbolos em determinada palavra, período, parágrafo.

No filme 'V de Vingança', o símbolo 'V' pode não representar nada para quem não sabe o que significa, pois não traz qualquer compreensão imediata — como ‘Fora Ditadura’. Todavia, ao explicar sobre o conteúdo do símbolo, as pessoas passam a entender. E o que querem dizer as pichações. Para os praticantes, uma forma de se indignar contra a sociedade brasileira: desigualdades sociais, preconceitos, discriminações, corrupção etc. Para outros, um estilo de vida.


2. PROPRIEDADE E DIGNIDADE HUMANA

CRFB DE 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 90, de 2015)

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;

DECRETO-LEI No 2.848, DE 7 DE DEZEMBRO DE 1940.

Violação de domicílio

Art. 150. - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências:

Pena - detenção, de um a três meses, ou multa

RECURSO EXTRAORDINÁRIO (RE) 603616

"O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu, na sessão desta quinta-feira (5), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 603616, com repercussão geral reconhecida, e, por maioria de votos, firmou a tese de que “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados”.

LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998

Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano: (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011)

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.408, de 2011)

§ 1º Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico, arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 12.408, de 2011)

§ 2º Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e, quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional. (Incluído pela Lei nº 12.408, de 2011)


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nenhum direito é absoluto, fato. Entre a liberdade de expressão e de pensamento e o direito à intimidade, à vida privada e ao sossego dentro do lar, o prefeito não está errado. Está corretíssimo. E qual a justificativa? A edificação necessita de cuidados para não deteriorar. A pintura tem dupla função: embelezamento e proteção. Quando o proprietário pinta a fachada de sua residência, ou moradia, tem duplo propósito (embelezamento e conservação). A conservação da fachada do prédio é obrigação do proprietário, sendo que a prefeitura tem o dever de fiscalizar as condições das fachadas. A pintura protege do sol, da chuva, por exemplo. Há claro, o embelezamento, o gosto do proprietário.

A pichação afronta a dignidade do proprietário. Se há acordo entre proprietário e pichador, a dignidade daquele é objetivada (art. 3º, da CRFB de 1988). Pichar sem consentimento é despojar a dignidade do proprietário. Relativizar o 'roubo' é irracional, pois a liberdade de expressão e de pensamento dos pichadores não encontra embasamento. Caso o Brasil vivenciasse uma ditadura militar, as pichações, mesmo que tais símbolos fossem irreconhecíveis por muitos — conquanto o irreconhecível símbolo pudesse assim ser como forma de código secreto em caso de perseguições — seriam justificáveis. Há uma democracia, apesar dos pesares, a qual permite outras formas de manifestações: urnas; internet, panfletos, mutirões, manifestações nas vias públicas como ocorreram em 2013.

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E quanto à pichação" Não é por R$ 0,20 "? Os estudantes agiram contra o aumento das passagens de ônibus. A pichação foi um ato de vandalismo? Notem que entre a pichação" Não é por R$ 0,20 "e as pichações irreconhecíveis, os estudantes foram às ruas motivadas no interesse coletivo, enquanto as pichações irreconhecíveis não têm qualquer motivação interesse público, pois continuam, os praticantes, no anonimato.

Repito que o Brasil não vivencia uma ditadura, não há perseguições aos inimigos do Estado. O cerne é a motivação ao interesse público, a atuação consciente. As revoluções mostraram que os movimentos sociais tiveram, além dos símbolos, sejam secretos ou não, manifestações nas vias públicas. O simples pichar, sem qualquer participação ativa na sociedade, não visa o interesse público, mas tão somente aos caprichos (exibicionismo) de quem pratica. Como dizia Immanuel Kant, o ato moral é aquele motivado por uma relevância, não um simples motivo, interesse pessoal.

Não é satisfazer um desejo, ou uma preferência, cujo intuito é o reconhecimento pelo que faz, a determinado grupo. Estou me referindo ao interesse coletivo de uma sociedade que esta cansada de corrupção, baderna, justificativas que não contribuem para uma sociedade comprometida com o civismo.

O Brasil vive uma autonomia egoística. Não há intenção do dever cívico, isto é, o atuar consciente sempre visando o interesse público, os valores positivos (Ordem e Progresso), a consideração e o respeito à dignidade alheia. Qual é a convicção interior, realística, para se materializar uma pichação? Eis a qualidade do ato. Os efeitos das pichações indecifráveis produzem realizações positivas como ocorreram nas pichações" Fora Ditadura "e"Não é por R$ 0,20”?

Todavia, considerando o real motivo nas pichações indecifráveis, o interesse público. É preciso sopesar. A quantidade de pichações indecifráveis possui qualidade? Isto é, atingiram um fim (interesse público)? A qualidade da intenção e sua transparência configuram o valor moral na construção dos objetivos da CRFB de 1988. Ora, uma vida cívica exige participação consciente. É a convicção consciente de que o ato praticado tenha propósito (interesse público) e que surta efeito também positivo. Se as pichações indecifráveis meramente satisfazem os adeptos, e não surtem efeitos positivos ao Estado Democrático de Direito, então não é civismo, mas mera conduta particular.

É como lançar uma semente entre as pedras. A semente não germinará. E para que germine, mesmo que solo seja fértil, é necessário trabalho diário para o desenvolvimento. Usar interesse coletivo para mero prazer individual é imoral. Alongando um pouco. E se o interesse público fosse a escravidão, como ocorreu no Brasil. A qualidade de um ato moral deve sempre se basear na finalidade, a dignidade humana. As pichações também devem sempre visar a dignidade humana, ou seja, a qualidade do ato.

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Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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