1.NOÇÕES PRELIMINARES
1.1 – Conceito de Prova
O conceito tradicional de prova adotado, ou, pelo menos repetido, por boa parte da doutrina jurídica, a tem, com algumas variáveis, reconhecido como o meio de obtenção da verdade dos fatos no processo.
Nesse sentido, a prova seria o instrumento pelo qual o juiz se utilizaria para definir a verdade dos fatos que efetivamente ensejaram a lide, e sobre os quais concluirá sua atividade cognitiva. Para COUTURE, considerada em seu sentido processual, a prova é, portanto, um meio de controle das proposições que os litigantes formulam em juízo [1].
Conforme os ensinamentos de CHIOVENDA, provar significa formar a convicção do juiz sobre a existência ou não de fatos relevantes no processo. Por si mesma, a prova em geral da verdade dos fatos não pode ter limites; mas a prova no processo, ao revés da prova puramente lógica e científica, sobre a limitação na necessidade social de que o processo tenha um termo; transitado em julgado a sentença, a investigação dos fatos da causa preclude-se definitivamente e, a partir desse momento, o direito não cogita mais da correspondência dos fatos apurados pelo juiz à realidade das coisas, e a sentença permanece como afirmação da vontade do Estado, sem que influência nenhuma exerça sobre o seu valor o elemento lógico de que se extraiu. [2]
O próprio Código de Processo Civil Brasileiro induz a essa conceituação à medida que coloca a prova como instrumento de obtenção da verdade dos fatos, em que se funda a ação ou a defesa.
Observe-se que esses fatos somente dependem do procedimento probatório na exata medida em que sejam tidos como controversos. Os fatos aceitos, ativa ou passivamente pelas partes, não dependem, pois, da prova, e por isso, estão aptos a receber a avaliação judicial como suportes de sua decisão.
O texto legal determina que as provas têm a finalidade de obter a verdade dos fatos. Resta saber o que significa a palavra "verdade" sobretudo tendo em vista a finalidade e limitações do processo civil enquanto manifestação humana e cultural.
Exatamente, por isso, é preciso verificar a priori se a verdade pode ser obtida pelo processo em si e mais, se é possível formular um conceito que explicite o que realmente contém o conceito da prova.
Para além da definição legal que parte do pressuposto de ser possível o alcance da verdade fática no processo, é preciso tentar sistematizar uma re-significação que efetivamente reconheça a complexidade do instituto.
OVÍDIO BAPTISTA DA SILVA ressalta que, no ramo da ciência jurídica, nem sempre a prova de um fato demonstrará, necessariamente, a veracidade de sua existência [3].
A prova pode ser conceituada como o meio de representação dos fatos que geraram a lide no processo, tendendo essa representação a equivalência limitada e não à perfeita identificação entre o objeto representado e o objeto representante.
A prova também pode ser conceituada como todos meio de confirmação ou não de uma hipótese ou de um juízo produzido no curso do processo. Sendo, assim, um teste de coerência entre a formulação e o provável suporte fático da demanda.
Em qualquer dos conceitos por nós antes apontados, observa-se que a prova não é apresentada como meio de obtenção da verdade (e veremos que não há como pensar diferente) e sim como instrumento de formação de um raciocínio jurídico dotado de força em decorrência de seu proferimento por uma autoridade judiciária.
Nesse sentido, para introduzir o problema, conceituamos essencialmente a prova como a tentativa de demonstração objetiva dos fatos controvertidos com a intenção de facultar ao juiz a formação de uma hipótese razoável que possa ser adotada como suporte fático para a formulação de uma decisão.
1.2 – Princípios da Teoria da Prova
Dentre os princípios que informam a Teoria da Prova, podemos destacar dentre eles, o princípio dispositivo, o princípio da oralidade e o princípio da prova livre. O princípio do ônus da prova será estudado posteriormente com maior ênfase.
1.2.1 – Princípio dispositivo
Para PONTES DE MIRANDA, o juiz não pode levar em conta, na sua apreciação do feito, a qualquer momento, fatos que não foram alegados pelas partes, nem formar sua convicção com os meios que, propostos pelos litigantes, não se produziram com observância das regras legais [4].
Conforme o art. 130 e art. 132, parágrafo único, ambos do Código de Processo Civil, foi atribuído ao juiz determinar as provas necessárias à instrução do processo e ao mandar repetir, caso entender necessário, as provas já produzidas.
1.2.2 – Princípio da oralidade
Pela determinação do art. 336 do Código de Processo Civil, salvo disposição em contrário, as provas devem ser produzidas em audiência. O que se busca e dar celeridade ao processo e produzir, quando necessário, as provas necessárias na audiência de instrução e julgamento.
SIEGMUND HEELMANN, tratando da oralidade do processo civil austríaco, reflete que a justiça rápida e barata só pode ser conseguida pelos princípios da oralidade, concentração, imediatidade e autoridade judicial, pondo termo aos abusos e rodeios do processo escrito. E complementa, dizendo que o processo oral influi inclusive na moral processual, principalmente por causa da disparidade entre as despesas do processo rápido e o proveito eventual oriundo da morosidade processual. [5]
No sistema brasileiro, o princípio da oralidade conduz à predominância da palavra, porém sem excluir a escrita, permanecendo em momentos culminantes do processo como em quando da produção da prova oral.
1.2.3 – Princípio da prova livre
O disposto no art. 332 do Código de Processo Civil, prevê que todos os meios legais, bem como os moralmente legítimos, ainda que não especificados no Código, são hábeis para provar a verdade dos fatos, em que se funda a ação ou defesa. Complementam esta disposição legal e o referido princípio, os incisos LVI (inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos), X a XII (inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra, da imagem, do domicílio, da correspondência, e das comunicações telegráficas e telefônicas).
Em vista disso, existindo legalidade e moralidade, o meio tido como hábil para o encaminhamento da verdade real e processual, não permitindo a utilização da ilicitude, pelo uso de meios moralmente ilegítimos, uma vez que essas situações seriam incompatíveis com a seriedade e segurança da justiça. [6]
1.3 – Destinatário da prova e motivação
Pois bem, vimos que o Juiz não precisa formular uma certeza acerca dos fatos controvertidos, mas lhe basta firmar um juízo de probabilidade que permita afastar as dúvidas razoáveis.
O que se vê na transição dos estados intelectuais do Juiz no processo é que ele parte de uma ignorância completa acerca dos fatos e à medida que o trâmite vai se desenvolvendo ele passa a forma juízos provisórios.
Desses juízos provisórios será extraído o mais conforme com o que foi produzido em termos probatórios, isto é, diante do que foi demonstrado pelas partes e pela própria ação instrutória autônoma do Juiz, caberá a este formar uma decisão que adote a hipótese mais provável como suporte fático.
Como estamos no campo das probabilidades, o juiz deverá motivar sua escolha, isto é, determinar porque selecionou racionalmente sua hipótese como a mais provável.
É evidente que, em se tratando de sistema processual regido pelo princípio do convencimento racional do juiz, caberá a ele motivar racionalmente a sua decisão, isto é, expor o seu raciocínio. Sem essa argumentação não se pode ter como cumprida a exigência constitucional e legal de motivação.
É de se observar que a exigência de motivação é outro dos conceitos cujo reducionismo tem levado a um grave efeito social. A motivação atende a necessidade das partes de entenderem os motivos pelos quais o Juiz foi levado a concluir desta ou daquela maneira, mas também, se posta como efetivo meio de controle jurisdicional e social.
Isso porque a motivação da decisão expõe o raciocínio judicial à validação social. É a partir da motivação que se pode avaliar em termos extrajurídicos se a sociedade concorda com o conteúdo axiológico da decisão. A motivação permite aos indivíduos avaliar o conteúdo moral, ético, econômico, entre outros aspectos, da decisão e formar o refluxo no senso comum do que é e o que não é justo.
Pode ocorrer, inclusive, de o juiz não ter condições objetivas de formular sequer uma hipótese que considere razoavelmente provável, e nesse caso surge a importância da atribuição do ônus da prova.
A atribuição do ônus da prova se constitui como instrumento de exteriorização de dois valores: o de facilitar a atividade jurisdicional e o da eqüidade.
Determinar o ônus probatório a cada uma das partes assegura ao juiz um modo de decidir quando enfrentando uma dúvida consistente. Isto é, em dúvida, após a instrução probatória, o juiz deverá julgar conforme a desincumbência de cada parte de seu ônus. É, assim, um meio de permitir o Juiz o cumprimento de seu dever legal de decidir a lide.
Em todo o caso, sempre, o raciocínio judicial está sob avaliação conforme o exposto na sua motivação, que, em última instância deve seguir um procedimento de coerência racional.
Com isto, impõe-se ao juiz não somente que exponha suas razões para julgar do modo como julgou, mas, e principalmente, que aponte a coerência de suas conclusões com os dados que foram obtidos no processo.
Isso significa que a motivação judicial mais que tudo exige uma forma ordenada, coerente e justificável de raciocínio que adentra ao campo da argumentação jurídica.
Ao decidir, e, assim, valorar a prova, o juiz constrói um raciocínio que deve se apresentar correto sob o ponto de vista dos meios de avaliação do pensamento jurídico, tema que passamos a melhor analisar no item seguinte.
1.4 – Ônus da Prova: Etimologia da Palavra
Ônus deriva do latim ônus, significando carga, peso. Ônus probandi tem como tradução o encargo de provar, no aspecto de necessidade de provar. Leia-se encargo no sentido de interesse de fornecer a prova destinada à formação da convicção do magistrado, no que tange aos fatos alegados [7].
1.5 – Distinção entre Ônus e Obrigação
É imprescindível a distinção entre ônus e obrigação. Em regra a obrigação está ligada ao direito material, onde requer uma conduta de adimplemento ou cumprimento, certo que a omissão do devedor poderá resultar na sua coerção para que cumpra a obrigação. Já o ônus é uma faculdade que a parte tem, não sujeitando-se à coerção, mas aos efeitos que a passividade e a inércia resultarão.
ARRUDA ALVIM coloca outra distinção importante entre o ônus e obrigação, que "é a circunstância de esta última ter um valor e poder, assim, ser convertida em pecúnia, o que não ocorre no que tange ao ônus". [8]
Com precisão CARNELUTTI estabeleceu a distinção entre ônus e direito de provar, onde, para ele, "obrigação é o lado passivo a que corresponde do lado ativo um direito subjetivo. Pode dizer-se que o direito subjetivo é um interesse protegido mediante um poder de vontade ou um poder da vontade concedido para a tutela de um interesse. Obtém-se a noção de obrigação invertendo simplesmente a de direito subjetivo. É a obrigação um interesse subordinado mediante um vínculo; ou em outros termos, um vínculo de vontade imposto pela subordinação de um interesse". [9]
Para PONTES DE MIRANDA, "a diferença entre dever e ônus está em que (a) o dever é em relação a alguém, ainda que seja em sociedade; há relação entre dois sujeitos, um dos quais é o que deve; a satisfação é do interesse do sujeito ativo; ao passo que (b) o ônus é em relação a si mesmo; não há relação entre sujeitos; satisfazer é do interesse do próprio onerado".
E complementa "o ônus da prova é objetivo, não subjetivo. Como partes, sujeitos da relação jurídica processual, todos os figurantes hão de prova, inclusive quanto a negações. Uma vez que todos têm de provar não há discriminação subjetiva do ônus da prova. O ônus da prova, objetiva, regula conseqüência de se não haver produzido prova. Em verdade, as regras sobre conseqüência da falta dd prova exaurem a teoria do ônus da prova. Se falta a prova é que se tem de pensar em determinar a quem se carrega a prova. O problema da carga ou ônus da prova é, portanto, o de determinar a quem vão as conseqüências de se não provado; ao que afirmou a existência do fato jurídico (e foi, na demanda, o autor), ou a quem contra-afirmou (= negou ou afirmou algo que exclui a validade ou eficácia do ato jurídico afirmado), seja o outro interessado, ou, na demanda, o réu" [10].
Já GIUSEPPE CHIOVENDA ensina que "(...) somente quando o autor trouxe provas idôneas para demonstrar a existência do fato constitutivo de seu direito, tem o réu de diligenciar, de seu lado, a sua prova. Mas, isto, a seu turno, pode ocorrer em dois propósitos: a) ou o réu tende, somente como já foi dito, a provar fatos que provam a inexistência do fato provado pelo autor, de modo direto ou indireto (e dizem-se motivos) e temos daí a simples prova contrária ou contraprova; b) ou o réu, sem excluir o fato provado pelo autor, afirma e prova a inexistência do fato que lhe elide os efeitos jurídicos, e aí temos a verdadeira prova do réu, a prova da exceção". A questão do ônus da prova reduz-se, portanto, no caso concreto, a estabelecer quais os fatos considerados existentes pelo juiz devem bastar para induzi-lo a acolher a demanda (constitutivos)" [11].
Conclui-se que a inversão do ônus da prova deve ser deferido pelo juiz sempre que houver, para seu convencimento, algum fato ou prova que foi apresentado pelo autor ou pelo réu, independentemente de quem vai produzi-lo, necessidade de esclarecimento para decidir a demanda, sempre se levando em consideração as possibilidades que as partes possuem para produzir tais provas.
1.6 – Inversão do ônus da prova
O ônus da prova, no dizer de ECHANDIA é o poder ou faculdade de executar livremente certos atos ou adotar certa conduta prevista na norma, para benefício e interesse próprios, sem sujeição nem coerção e sem que exista outro sujeito que tenha o direito de exigir seu cumprimento, mas cuja inobservância acarreta conseqüências desfavoráveis. [12]
O princípio distributivo atinente ao ônus da prova tem base legal no Código de Processo Civil. De acordo com esse sistema, incumbe ao Autor a prova da ação e ao réu, da exceção. De modo mais simples, cada parte tem a faculdade de produzir prova favorável às suas alegações, o denominado ônus da afirmação.
Resulta óbvio que nenhuma das partes será obrigada a (ou terá interesse em) fazer prova contrária às suas alegações, a favor do demandante adverso, ficando o tema restrito à seara da prova negativa quanto ao fato constitutivo.
Em sede de responsabilidade civil, a Lei 8.078/90, atual Código de Defesa do Consumidor (artigo 6º,VIII), contém dispositivo que permite a inversão do ônus da prova, desde que verificadas a verossimilhança do direito e a condição de hipossuficiência do demandante.
A respeito, convém ressaltar que, ao contrário da opinião de alguns doutrinadores, a simples condição de hipossuficiência não autoriza, por si só, essa modificação, pois a total ausência de evidências do indispensável nexo de causalidade redundaria em esdrúxulas situações.
ANTONIO GIDI a respeito adverte que verossímel a alegação sempre tem que ser. A hipossuficiência do consumidor, de per se não respaldaria uma atitude tão drástica como a inversão do ônus da prova, se o fato afirmado é destituído de um mínimo de racionalidade. [13]
1.6.1 – Momento processual da inversão do ônus da prova
O doutrinador Moacyr Amaral Santos assinala qual o momento processual que considera o mais adequado para a aplicação da inversão do ônus da prova, devendo atentar-se que o doutrinador refere-se ao velho Código de 1939, conforme segue: "Na sistemática do Código, logo depois da contestação à ação, há o despacho saneador, no qual o juiz, saneando o processo, de maneira a prosseguir isento de vícios ou de questões que possam obstar ao conhecimento do mérito da causa, ordena o processo, determinando providências de natureza probatória (Código Processo Civil, art. 294, IV). Será neste despacho, por então já ter conhecimento dos fatos alegados na inicial e na defesa, uma vez considere algum ou alguns fatos provados prima facie, o momento próprio para decretar a inversão do ônus probatório. Conhecidos os fatos alegados e havendo-os como verossímeis, tendo-os dada a sua natureza, por provados prima facie, cumpre ao juiz, no despacho saneador – escreve Pedro Batista Martins – para evitar o cerceamento da defesa daquele a quem os mesmos fatos se opõem, ´anulando-lhe pela surpresa a possibilidade de produção de prova contrária’, decretar a inversão do ônus probatório."
O emérito doutrinador complementa: "Tal deliberação se escora não só nos princípios que governam a prova prima facie como também nos que regem o sistema processual brasileiro, vale dizer, nos artigos 117 e 294, do Código de Processo Civil, os quais autorizam o juiz, de ofício, determinar as diligências necessárias à instrução do processo, sempre atento, todavia, à regra que lhe impõe não sacrificar a defesa dos interessados (Cód. cit. art. 112)". (1968, págs. 515 e 516)". [14]
A inversão do ônus da prova é direito de facilitação da defesa e não pode ser determinada senão após o oferecimento e valoração da prova, se e quanto o julgador estiver em dúvida. É dispensável caso forme sua convicção, nada impedindo que o juiz alerte, na decisão saneadora que, uma vez em dúvida, utilizar-se-á das regras de experiência a favor do consumidor. Cada parte deverá nortear sua atividade probatória de acordo com o interesse em oferecer as provas que embasam seu direito. Se não agir assim, assumirá o risco de sofrer a desvantagem de sua própria inércia, com a incidência das regras de experiência a favor do consumidor. [15]
CARLOS ROBERTO BARBOSA MOREIRA argumenta que as normas sobre a repartição do ônus probatório consubstanciam, também, regras de comportamento dirigidas aos litigantes. Por isso, a inversão no momento do julgamento, mudando a regra até então vigente, atentaria contra os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa (CF, art. 5º, LV). Se lhe foi transferido um ônus – que, para ele, não existia antes da adoção da medida -, obviamente deve o órgão jurisdicional assegurar-lhe a efetiva oportunidade de dele se desimcumbir. [16]
A posição de LUIZ EDUARDO BOAVENTURA PACÍFICO, citando inclusive KAZUO WATANABE é de que "a garantia do devido processo legal deve ser, sem dúvida, assegurada a qualquer custo. Contudo, não nos parece constituir ofensa aos cânones constitucionais a inversão no momento da decisão. A partir do conteúdo da petição inicial – com a exposição de causa de pedir e do pedido – às partes envolvidas no processo é perfeitamente possível avaliar se há a possibilidade de aplicação das normas do Código do Consumidor ao caso concreto. Se a pretensão estiver fundada em relação de consumo, protagonizada por consumidor e fornecedor, expressamente conceituados pelo Código (artigos 2º e 3º da Lei 8.078/90), este pode merecer incidência. Logicamente, a inversão do ônus da prova igualmente pode ser prevista, não implicando surpresa ou afronta aos citados princípios, caso efetivada". [17]
A jurisprudência vem entendendo que o momento da inversão do ônus da prova deve ser antes de prolatada a sentença, conforme jurisprudência a seguir:
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - Inteligência do artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Considerando que as partes não podem ser surpreendidas, ao final, com um provimento desfavorável decorrente da inexistência ou da insuficiência da prova que, por força da inversão determinada na sentença, estaria a seu cargo, parece mais justa e condizente com as garantias do devido processo legal a orientação segundo a qual o juiz deva, ao avaliar a necessidade de provas e deferir a produção daquelas que entenda pertinentes, explicitar quais serão objeto de inversão. [18]
Também em julgamento da Quarta Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, prolatada no Acórdão n.º 0301800-0 Apelação Cível de 01/03/2000, tendo como relator o Juiz Alvimar de Ávila, decidiram por unanimidade, conforme segue:
INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - RELAÇÃO DE CONSUMO - OPORTUNIDADE - RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA - MATÉRIA VENTILADA NAS RAZÕES RECURSAIS - IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO PELO TRIBUNAL.
A inversão do ônus da prova, como exceção à regra geral do art. 333, do CPC, depende de decisão fundamentada do magistrado antes do término da instrução processual, sob pena de não poder ser adotada na sentença, o que incorreria em cerceio de defesa, devendo ser decidida, de preferência, no momento do saneador, podendo, todavia, ser decretada no despacho inicial, após especificação das provas, na audiência de conciliação ou em qualquer momento que se fizer necessária, desde que assegurados os princípios do contraditório e ampla defesa.
Conforme ensinam doutrina e jurisprudência, resta impossibilitado examinar-se em grau de recurso matéria sobre a qual não houve manifestação da primeira instância, sob pena de supressão desta.
Recurso a que se nega provimento.
A aplicação do art. 6º, VIII, da Lei n.º 8.078/90, levando-se em conta a doutrina e a jurisprudência, é que sua aplicação deve submeter-se ao poder discricionário do juiz, pois a sua finalidade é formar a convicção do julgador. Desta forma, o magistrado escolherá a o momento para determinar a inversão do ônus da prova.
1.6.2 – Inversão do ônus da prova e despesas processuais
Conforme imposição legal do art. 19 do Código de Processo Civil [19], cabe às partes, em regra, suportar as despesas dos atos que realizem ou requerem dentro do processo, antecipando os pagamentos durante o curso processual.
Podemos classificar essa imposição legal como um verdadeiro ônus processual, cujo descumprimento implicará em não ser realizado o ato requerido, podendo advir daí possíveis conseqüências desagradáveis para quem o requereu e não adiantou as despesas.
Surge daí a questão: invertido o ônus da prova nas lides de consumo, a quem cabe o ônus de antecipação de despesas nos casos de atos probatórios requeridos pelo consumidor, determinadas de ofício pelo juiz ou requeridas por ambas as partes?
Nestas hipóteses, não há qualquer exceção às regras gerais estabelecidas no Código de Processo Civil, pelo simples fato de não se poder identificar o ônus de provar com o ônus financeiro de realização dos atos probatórios.
As normas consumeristas, pois, constituem exceção ao art. 333 do Código de Processo Civil, que trata do ônus subjetivo da prova, e não das normas do art. 19 e seguintes, que tratam do ônus financeiro da produção dos atos processuais.
Assim, cabe ao consumidor arcar com os ônus financeiros de atos probatórios por ele requeridos, devendo arcar ainda, se for o autor da demanda, com as despesas prévias de atos ordenados de ofício pelo juiz ou pelo Ministério Público (art. 19, §2o.CPC) ou com as despesas de perícia requerida por si ou por ambos os litigantes (art. 33 CPC).
Caso seja o consumidor economicamente hipossuficiente, dispõe o mesmo da possibilidade de requerer a assistência judiciária prevista em nosso ordenamento pela já mencionada Lei 1.060/50.
1.6.3 – Responsabilidade do Estado e o ônus da prova
Quanto ao ônus probatório, a teoria do risco administrativo não submete o Estado a nenhum tipo de inversão apenas porque a vítima é dispensada da prova de culpa da Administração Pública.
É que a culpa, nesse caso, não se revela como pressuposto do reconhecimento da responsabilidade do Estado, sendo de todo irrelevante qualquer exigência de prova a respeito.
Resta todavia, ao Autor, o ônus da prova quanto ao fato constitutivo de seu direito, especialmente o nexo de causalidade entre a atuação estatal e o resultado apontado, bem como a anormalidade e especificidade da exigência pessoal decorrente da imposição administrativa.
Incumbe ainda ao demandante provar o dano e sua extensão, também como fatos constitutivos do direito reclamado.
Em se tratando de atos administrativos a respeito dos quais o reconhecimento da indenizabilidade tenha como pressuposto a culpa indireta da Administração, seja porque esse tenha sido o móvel da demanda, seja porque a natureza do ato não guarde equivalência com o risco da atividade pública, como nos casos de conduta omissiva e de atos praticados sem caráter administrativo, à parte incumbe o ônus da prova a respeito da ilicitude do ato, além do nexo de causalidade e do dano verificado. [20]
Também não se pode modificar o regime de apuração quando se discuta a responsabilidade do Estado com base em relação protegida pelo Código de Defesa do Consumidor, seja na hipótese de culpa, seja na de risco, porque, como antes demonstrado, a regra de inversão do ônus da prova a favor do consumidor não implica na revogação do sistema probatório do Código de Processo Civil, muito menos das regras atinentes ao Estado em juízo, garantidoras do interesse público.
A jurisprudência vem entendendo, na sua grande maioria, que o Estado tem presunção de legitimidade, cabendo a quem alegar contra o Estado, provar o que alegou. Mas há julgado em sentido diferente como o que abaixo descreve-se:
TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL - ALEGAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO CONTRIBUINTE POR OCASIÃO DA LAVRATURA DO AUTO DE INFRAÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA - NULIDADE DA SENTENÇA - I - Tendo os embargos se fundamentado na inexistência de notificação do contribuinte por ocasião da lavratura do auto de infração, inverteu-se, nesse ponto, o ônus da prova, ficando a Fazenda Nacional com o encargo da prova de ter realizado a notificação. Precedentes deste Tribunal: ausência de notificação alegada pela embargante e não desmentida pela Fazenda, através da prova - afastamento da presunção juris tantum de certeza e liquidez do título executório'' (Apelação Cível 96.01.15745-0 /AP, Relatora Juíza Eliana Calmon). II - A sentença, ao julgar improcedentes os embargos sem a produção dessa prova, desprezou o fundamento do pedido de nulidade da execução, expondo-se conseqüentemente à nulidade, pois "o juiz proferirá a sentença, acolhendo ou rejeitando, no todo ou em parte, o pedido formulado pelo autor", nos termos do art. 459, 1ª parte, do Código de Processo Civil. III - Anulação do processo, a fim de que a prova da notificação, positiva ou negativamente, seja produzida e os embargos decididos como de direito. IV - Apelação provida. (TRF 1ª R. - AC 95.01.11165-2 - PA - 3ª T. - Rel. Juiz Jamil Rosa de Jesus - Unânime - DJU 17.09.1999, p. 29)(Grifo nosso)