A sucessão do companheiro e a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil

22/03/2017 às 15:36
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O artigo 1.790 do Código Civil representa muito mais do que uma forma de discriminação, mas também um retrocesso ao instituto na União estável, no que diz respeito ao Direito Sucessório.

No que tange às disposições de sucessão em geral, o direito do companheiro encontra-se previsto em único artigo, a saber:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:

I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;

II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;

III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;

IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança.

Muito embora hoje o instituto da União Estável já esteja equiparado ao casamento em inúmeros fatores, ao se falar em Direito Sucessório, a grande verdade é que o Código Civil trouxe uma série de prejuízos ao companheiro sobrevivente, a exemplo do que o próprio artigo supracitado dispõe:

  1. Não reconhece o companheiro como herdeiro necessário;
  2. Não lhe assegura quota mínima;
  3. Está em 4º lugar na ordem de vocação hereditária, depois dos herdeiros colaterais;
  4. Limita o direito concorrente aos bens adquiridos de forma onerosa na constância da união;
  5. Não possui direito real de habitação
  6. Apenas recebe a totalidade da herança em caso de inexistência de herdeiro.

Muito assertiva sempre em suas colocações, Maria Berenice Dias vê a situação como verdadeira afronta ao princípio da igualdade, na medida em que, reconhecendo o cônjuge como herdeiro necessário, não o faz com o companheiro.

Quer dizer, o cônjuge ocupa a terceira posição na ordem de vocação hereditária, depois de descendentes e ascendentes, enquanto o companheiro, por sua vez, encontra-se no último lugar, recebendo a totalidade da herança apenas se o companheiro falecido não tiver nenhum parente (irmão, tio, sobrinho, tio-avô, sobrinho-neto ou um primo sequer)[1].

É manifestamente inconstitucional. E cada vez defende-se essa tese, na medida em que a união estável é reconhecida como entidade familiar pela Carta Magna (art. 226, §3º), que em nenhum momento concedeu ou concede tratamento desigual a qualquer das formas de constituição da família.

Dito isso, resta claro que o art. 1.790 do Código Civil representa muito mais do que uma forma de discriminação, mas também um retrocesso ao instituto na União estável – instituto esse que passou por um longo caminho (tendo sido inclusive taxada como união indigna) até ser reconhecido como entidade familiar.

Rodrigo da Cunha Pereira, citado por Maria Berenice Dias, é enfático ao escrever que o companheiro se encontra em uma posição muito inferior ao cônjuge e, ao que parece, retomou-se a mentalidade de que a união estável seria uma família de segunda classe e não uma outra espécie de família, nem melhor nem pior do que o casamento, apenas diferente.

Sendo certo que a Constituição Federal equiparou expressamente o casamento à união estável, o Código Civil, ao limitar e restringir direitos ao companheiro, não está garantindo tratamento isonômico, esse assegurado constitucionalmente.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que defende veementemente a inconstitucionalidade do artigo 1.790, participou do julgamento do Recurso Extraordinário nº 878694, com repercussão geral reconhecida, na condição de amicus curiae, em agosto de 2016, recurso este que versa sobre a concorrência sucessória entre cônjuge e companheiro, no Supremo Tribunal Federal.

Sete ministros votaram favoravelmente à inconstitucionalidade do artigo 1.790 e o processo teve pedido de vista por parte do Ministro Dias Toffoli.

Enquanto aguardamos a decisão do STF, a nós resta repudiar referido dispositivo legal, seja pela sua nítida comparação discriminatória, seja pelo fato de contrariar sentimentos, fundamentos constitucionais e o próprio conceito de família, pois, “pelo jeito, a lei considera que no casamento o amor é mais intenso do que na união estável..”[2].


[1] DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 4ª Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Editora dos Tribunais, 2015, p.76.

[2] Op. Cit., p.80.

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Sobre a autora
Carolini Cigolini

Advogada com atuação exclusiva em Direito das Famílias e Sucessões e Direito Homoafetivo. Advogada associada ao Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM). Experiência na condução de ações judiciais envolvendo temas complexos e controvertidos. Tem expertise no aconselhamento e condução de assessoria preventiva, além de atuação destacada em litígios, especialmente em São Paulo e Rio Grande do Sul.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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