I. MATCHING CREDIT E TAX SPARING
A arrecadação fiscal por meio dos tributos constitui uma expressão do exercício da soberania Estatal. Por meio dela, o Estado torna-se capaz de interferir na ordem econômica, encorajando em maior ou menor grau os investimentos externos. É evidente que países em desenvolvimento possuam maior disposição para atrair investimentos externos a fim de desenvolver sua economia. Para tanto, utilizam-se de mecanismos fiscais que muitas vezes podem tornar-se desvantajosos.
Nos casos de bitributação com sistema de crédito tributário tradicional, países em busca de incentivos econômicos para investidores externos reduzem a carga tributária ao máximo possível, sacrificando parte importante de sua arrecadação fiscal. No outro extremo, o país de residência do investidor concede crédito fiscal equivalente ao imposto que se tenha pago no país que se investiu, gerador da fonte de renda.
Ora, caso o país fonte isente o investidor do pagamento de tributos, o crédito em seu país de residência será equivalente a zero. Não há, nesse sistema tradicional de crédito tributário, incentivo suficiente para os investidores. Aos Estados, resta um evidente desequilíbrio onde o Estado residência (investidor) arrecada seus tributos sem prejuízo algum, e o Estado fonte (geralmente subdesenvolvido) abdica de sua receita em troca de incentivos ineficientes.
Para evitar situações como a descrita acima, os Estados desenvolveram mecanismos que garantem a finalidade primeira de fomentar investimentos: as cláusulas de tax sparing e matching credit. Ambas substituem o método tradicional de crédito tributário e passarão a ser explicadas a seguir[1].
A cláusula de matching credit, também denominada de crédito presumido, é comum nos acordos firmados pelo Brasil. Por meio dela o Estado fonte compromete-se a não tributar determinados rendimentos e o Estado de residência pressupõe como pago valor superior ao montante não tributado na fonte, traduzido como crédito tributário.
Suponha-se, ilustrativamente, que dois Estados, “R” e “F”, assinem um acordo internacional para evitar a bitributação de renda. O Estado “R” é país de residência da empresa investidora enquanto o Estado “F” é o país fonte da renda a ser tributada. Após instalar sua filial em “F” (fonte), a empresa passa a obter renda anual no valor de 100.000,00 neste país. Sobre esta renda incidirá imposto com alíquota de 5%, resultando em imposto a ser pago a “F” no valor de 5.000,00.
No sistema de crédito tributário tradicional, a empresa investidora deixaria de pagar montante no valor de 5.000,00 em seu Estado de residência. Aplicando-se o acordo internacional que possua cláusula de matching credit, o crédito gerado em “R” não será apenas de 5.000,00 (crédito real). Por meio desta cláusula, os Estados fixam crédito presumido sobre o valor da renda auferida, superior ao crédito gerado pela alíquota de 5%. Imagine-se então que o acordo entre os Estados “R” e “F” estabeleça crédito de 10% sobre a renda.
Neste cenário, a empresa investidora sofreria isenção no valor de 10.000,00 no Estado “R”. O crédito presumido independe da política tributária interna de cada Estado. Sua utilização é definida por tipo de renda, sendo os dividendos a categoria mais comum, mas também é possível sobre juros e royalties.[2]
O tax sparing, por outro lado, gera crédito fictício que servirá como parâmetro para a dedução fiscal no Estado de residência. Ou seja, o Estado de residência irá deduzir de sua arrecadação valor equivalente àquele que seria pago no Estado fonte caso não houvesse benefício fiscal algum.
Acerca da importância do tax sparing, vejamos a afirmação de Nigar Hashimzade, Gareth Myles e Sirikamon Undopol (2007, p. 3):
“Sem tax sparing, as reduções ou isenções de impostos concedidas pelos países em desenvolvimento via renúncia fiscal, como um esquema para atrair investimentos externos, irão para o Tesouro dos países desenvolvidos, se estes exigirem que seus residentes paguem impostos sobre os rendimentos gerados no exterior”[3].
A título exemplificativo, suponhamos que os mesmos Estados “R” e “F” assumam acordo de bitributação com cláusula de tax sparing. Suponhamos ainda que a empresa investidora deva pagar imposto sobre a renda no valor de 5.000,00. A aplicação do tax sparing permite que o Estado de residência “R” conceda crédito no valor referente ao imposto do Estado fonte “F”, mesmo que haja isenção total neste país. Desse modo, é gerado um crédito fictício, baseado no montante que seria devido caso não houvesse isenção ou redução. No caso exemplificativo, a empresa estaria isenta do pagamento do imposto no Estado “F” e possuiria crédito tributário no valor de 5.000,00 no Estado “R”.
A aplicação destas cláusulas garante vantagens suficientes para atrair investimentos. O Brasil adotou tais mecanismos em diversos tratados, como os firmados com Japão, e Holanda.
II. APLICAÇÃO DAS CLÁUSULAS DE TAX SPARING E MATCHING CREDIT NOS ACORDOS INTERNACIONAIS
Dentre os 33 países que possuem acordos com o Brasil para evitar a dupla tributação, foram selecionados dois: Holanda e Japão. A seguir, serão apresentados dois acordos entre Brasil e os países supracitados para exemplificar o conteúdo exposto até o momento.
O Decreto nº. 355/91 assinado entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Reino dos Países Baixos, possui o seguinte texto como ementa:
“Promulga a Convenção Destinada a Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Imposto sobre a Renda, entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo do Reino dos Países Baixos”.[4]
Partamos para a análise deste Decreto. O capítulo I trata da abrangência da Convenção, determinando as pessoas e os impostos sujeitos a ela, quais sejam todas as pessoas residentes de um ou ambos Estados Contratantes e os impostos sobre a renda (independente de sua origem) estabelecidos por um desses Estados.
Em seguida, o Decreto especifica os impostos abrangidos em cada Estado e garante sua aplicabilidade para impostos supervenientes que se enquadrem nas determinações do acordo internacional. Desse modo, torna-se claro que foi utilizado na Convenção, em relação à soberania dos Estados, o princípio da universalidade, por meio do critério de residência para determinar os contribuintes sujeitos às normas.
O segundo Capítulo destina-se à definição dos conceitos utilizados por todo o texto. O conceito “residente” ganha destaque nesta análise, sendo descrito como “qualquer pessoa que, em virtude da legislação desse Estado, esteja aí sujeita a imposto em razão do seu domicílio, residência, sede de direção ou qualquer outro critério de natureza análoga”[5].
Para aqueles que possuam residência em ambos os Estados, o artigo 4 do Decreto determina qual residência deverá prevalecer. Também relevante se mostra o conceito de “estabelecimento permanente”, referente à instalação fixa de negócios em que a empresa exerça toda ou parte de sua atividade e que, segundo o artigo 5, pode conter (i) uma sede de direção; (ii) uma sucursal; (iii) um escritório; (iv) uma fábrica; (v) uma oficina; (vi) uma mina, poço de petróleo ou gás, uma pedreira, ou qualquer outro local de extração de recursos naturais. Determina-se ainda o que não consiste um estabelecimento permanente.
De grande relevância para o presente trabalho, o Capítulo III estabelece a tributação de rendimentos, determinando limites máximos de tributação para diversas situações fáticas, constituindo característica essencial para compor método bilateral de combate à bitributação. Como exemplo, o artigo 10 especifica que:
“Quando um residente em um Estado Contratante tiver um estabelecimento permanente no outro Estado Contratante, este estabelecimento permanente pode estar, ali, sujeito a imposto retido na fonte, nos termos da legislação daquele Estado. Todavia, tal imposto não excederá 15% (quinze por cento) do montante bruto dos lucros do estabelecimento permanente, apurado após o pagamento do imposto de renda de sociedades, incidente sobre aqueles lucros.” [6]
O método para evitar a bitributação da renda encontra-se normatizado no Capítulo IV – Eliminação da Dupla Tributação. O texto do artigo 23, componente único deste Capítulo, descreve o modelo de matching credit. Merecem destaque os parágrafos 3º, 4º e 5º, por determinarem explicitamente a porcentagem máxima de redução sobre o imposto a ser cobrado na Holanda, relativo à renda auferida no Brasil. Vejamos:
“3. Além disso, a Holanda permitirá uma dedução do imposto holandês calculado sobre os rendimentos que podem ser tributados no Brasil e de que tratam o parágrafo 2 do Artigo 10, o parágrafo 2 do Artigo 11, o parágrafo 2 do Artigo 12, o parágrafo 3 do Artigo 13, o Artigo 17, o parágrafo 1 do Artigo 18 e o Artigo 22 desta Convenção, desde que tais rendimentos sejam incluídos na base de cálculo de que trata o parágrafo 1. O montante dessa dedução será igual ao valor do imposto pago no Brasil sobre aqueles rendimentos, mas não excederá o montante da redução que seria permitida se tais rendimentos fossem os únicos isentos do imposto holandês, nos termos do que dispõe a lei holandesa destinada a evitar a dupla tributação.
4. Para os efeitos do que dispõe o parágrafo 3, o imposto pago no Brasil será considerado:
a) relativamente aos dividendos de que trata o parágrafo 2 do Artigo 10, 25% (vinte e cinco por cento) de tais dividendos, se forem pagos a uma sociedade holandesa que detenha no mínimo 10% (dez por cento) do capital votante da sociedade brasileira, e 20% (vinte por cento) nos demais casos;
b) relativamente aos juros de que trata o parágrafo 2 do Artigo 11, 20% (vinte por cento) de tais juros;
c) relativamente aos "royalties" de que trata o subparágrafo b, do parágrafo 2 do Artigo 12, 25% (vinte e cinco por cento) de tais "royalties", se forem pagos a uma sociedade holandesa que detenha, direta ou indiretamente, no mínimo 50% (cinqüenta por cento) do capital votante de uma sociedade brasileira, desde que não sejam dedutíveis na apuração do lucro tributável da sociedade que efetua o pagamento, e 20% (vinte por cento) nos demais casos.
5. Quando um residente no Brasil receber rendimentos que, nos termos desta Convenção, possam ser tributados na Holanda, o Brasil permitirá, como dedução do imposto de renda dessa pessoa, um valor igual ao imposto de renda pago na Holanda. Todavia, a dedução não será maior do que a parcela do imposto que seria devido antes da inclusão do crédito correspondente aos rendimentos que podem ser tributados na Holanda.” [7]
O Decreto 61.899 de 1967 “Promulga a Convenção para evitar a dupla tributação em matéria de impostos sobre rendimentos, com o Japão” e utiliza como método para evitar a bitributação da renda, o tax sparing.
Em estrutura semelhante ao Decreto anteriormente analisado, os artigos dispõem acerca (i) das pessoas e impostos sujeitos à Convenção, (ii) das definições terminológicas para expressões utilizadas durante o texto normativo; (iii) dos limites máximos de tributação para situações fáticas singulares; (iv) da aplicação do tax sparing.
O modelo de tax sparing é descrito no artigo 22, como vemos a seguir:
“1) Quando um residente no Brasil receber rendimentos que, de acôrdo com o disposto nesta Convenção, sejam tributáveis no Japão, o Brasil considerará como dedução do impôsto de renda daquela pessoa, um montante igual ao impôsto de renda pago no Japão. A dedução, entretanto, não excederá a parte do impôsto de renda calculado antes de feita a dedução e que seja apropriada a renda tributável no Japão.
2) a) Quando um residente do Japão auferir rendimentos provenientes do Brasil, que sejam tributáveis no Brasil de acôrdo com as disposições da presente Convenção, a quantia do impôsto brasileiro exigível em relação aqueles rendimentos será computada como um crédito contra o impôsto japonês incidente sôbre aquêle residente. O montante do crédito, entretanto, não excederá aquela parcela do impôsto japonês relacionada àqueles rendimentos.
b) Para os fins do crédito referido no subparágrafo (a) acima, considerarseá como tendo sido pago por um contribuinte o montante que teria sido pago se o imposto brasileiro não houvesse sido reduzido ou dispensado de acôrdo com:
I) o disposto no parágrafo (2) do Artigo 9, parágrafo (2) do Artigo 10 e parágrafo (2) do Artigo 11;
II) as medidas especiais de incentivo visando a promover o desenvolvimento econômico da Região Amazônica e das Regiões Norte e Nordeste do Brasil.
c) Na aplicação do disposto no subparágrafo (b) acima, não se considerará, em hipótese alguma, como tendo sido pago um montante de impôsto mais elevado do que aquêle que, não fôsse pela redução ou dispensa de impôsto devida a medidas especiais de incentivo mencionadas no subparágrafo (b) (II), resultaria da aplicação da legislação tributária brasileira em vigor na data de assinatura desta Convenção.
d) Para os fins dêste parágrafo, a expressão "imposto Japonês" inclui o impôsto sôbre os habitantes locais.”[8]
A leitura do Decreto 61.899/67 demonstra que o artigo 22 prevê a cláusula de tax sparing, ao determinar que o imposto cobrado no Estado de residência do contribuinte estará sujeito a crédito de valor equivalente ao montante referente ao imposto sobre a renda no Estado fonte, mesmo que este imposto seja reduzido ou dispensado.
III. CONCLUSÃO
Este artigo não possui viés crítico, mas apenas descritivo, com o intuito de introduzir o conhecimento acerca das cláusulas de matching credit e tax sparing, utilizadas como métodos para evitar a dupla tributação. Estas cláusulas são aplicadas em acordos internacionais firmados pelo Brasil. Atualmente, o Ministério da Fazenda conta uma lista de 33 países que possuem acordos com esta finalidade. Entre estes países estão a Holanda e o Japão, citados neste artigo, a fim de exemplificar a aplicação dessas cláusulas nos acordos internacionais.
Observação: Para o desenvolvimento deste trabalho foi usado como texto base o artigo
referência
BRIGIDO, Eveline Vieira. Bitributação internacional da renda: as cláusulas de tax sparing e matching credit”. Amicus Curiae V.9, N.9 (2012), 2012 ISSN 2237-7395
Notas
[1] SCHOUERI, Luís Eduardo. Acordos de bitributação e incentivos fiscais: o papel das cláusulas de Tax Sparing & Matching Credit. ESMAFE, p. 213, 2006
[2] Eveline Vieira Brigido. Bitributação internacional da renda: as cláusulas de tax sparing e matching credit. Amicus Curiae V.9, N.9 (2012), 2012 ISSN 2237-7395.
[3] Citado por VIEIRA BRIGIDO, Eveline. Bitributação internacional da renda: as cláusulas de tax sparing e matching credit. Amicus Curiae, v. 9, n. 9, 2012
[4] RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Acordos para evitar a dupla tributação. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/paises-baixos/decreto-no-355-de-2-de-dezembro-de-1991. Acesso em 06/04 de 2016
[5] RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Acordos para evitar a dupla tributação. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/paises-baixos/decreto-no-355-de-2-de-dezembro-de-1991. Acesso em 06/04 de 2016
[6] RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Acordos para evitar a dupla tributação. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/paises-baixos/decreto-no-355-de-2-de-dezembro-de-1991. Acesso em 06/04 de 2016
[7] RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Acordos para evitar a dupla tributação. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/paises-baixos/decreto-no-355-de-2-de-dezembro-de-1991. Acesso em 06/04 de 2016
[8] RECEITA FEDERAL DO BRASIL. Acordos para evitar a dupla tributação. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/acesso-rapido/legislacao/acordos-internacionais/acordos-para-evitar-a-dupla-tributacao/japao/decreto-no-61-899-de-14-de-dezembro-de-1967. Acesso em 06/04 de 2016