Nos últimos anos, dois fatores imbricados ensejaram transformações relevantes na forma de comunicação dos atos praticados no bojo de um processo judicial no Brasil: a aprovação do novo Código Processo Civil (CPC) e a expansão do Processo Judicial Eletrônico (PJe). Com efeito, o advento do Novo CPC estabeleceu a obrigatoriedade de os empresários manterem cadastro eletrônico para o recebimento de atos de comunicação e o PJe viabiliza a prática desses atos diretamente pelo sistema.
Diante desse novo paradigma, algumas pessoas têm questionado se o tradicional cargo de Oficial de Justiça teria perdido a sua relevância. Com o avanço de experiências alternativas de intimação -- como por exemplo com a utilização do “whatsapp” nos Juizados Especiais Cíveis de Brasília --, será que se poderia decretar a obsolescência daqueles agentes públicos encarregados de praticar atos de comunicação processual?
A resposta adequada a essa pergunta, entretanto, requer um diagnóstico das dificuldades que o Judiciário experimenta na atualidade para entregar a prestação jurisdicional e lograr a promoção da justiça e da paz social.
Pois bem, analisando os dados do Relatório “Justiça em números” de 2016 do Conselho Nacional de Justiça, é fácil detectar que um dos mais graves problemas do Judiciário no Brasil consiste na dificuldade em efetivar as decisões judiciais. Os processos de execução respondem por boa parte das demandas pendentes, naquilo que o CNJ aponta como “alta taxa de congestionamento”.
Para enfrentar esse desafio, os juristas começaram a sustentar novas formas para a implementação do princípio da efetividade, compreendido como a capacidade de entregar para o cidadão exatamente o bem da vida a que tem direito. Isso porque de pouco adianta o cidadão invocar a tutela jurisdicional do Estado, obter uma sentença favorável e não conseguir materializar o direito. O mais importante para o cidadão não é o reconhecimento judicial do seu direito, mas a entrega do bem da vida, ou seja, a obtenção exata daquilo que foi obstado pela resistência da outra parte à sua pretensão.
Em outras palavras, o proprietário do imóvel ingressa em Juízo não para obter uma declaração judicial de procedência, mas para retomar o seu bem e alcançar os recursos do locatário que quitem os aluguéis. Do mesmo modo, a mãe aciona o Estado-juiz para que proceda à busca e apreensão da criança que o pai não entregou tempestivamente, sendo de relevância secundária para a pessoa o ato judicial materializado na sentença.
Desse modo, verifica-se que, tanto no plano prático quanto no teórico, faz-se necessária a adoção de mecanismos para garantir que o legítimo titular alcance a satisfação do seu direito por meio da atuação do Judiciário. E quem seria o agente público da estrutura judiciária responsável pela materialização dos direitos reconhecidos judicialmente? Eis que aparece a figura do Oficial de Justiça, renovada e com atuação mais estratégica.
O Oficial de Justiça possui a responsabilidade de praticar com elevado grau de autonomia atos de citações, intimações, prisões, penhoras, arrestos, buscas e apreensões de pessoas e coisas, afastamentos do lar, reintegrações de posse de bens móveis e imóveis, constatações, avaliações, certificações diversas, inclusive de proposta de autocomposição de uma das partes, leilões judiciais, conduções coercitivas etc. Tudo isso nos âmbitos civil, criminal, trabalhista, eleitoral e militar.
A grande maioria desses atos não pode ser praticada por mecanismos tecnológicos, apesar de estes serem úteis como auxílio ao trabalho do Oficial de Justiça. Caso um ofensor coloque em risco a integridade física da companheira, será imprescindível a presença de um Oficial de Justiça para afastá-lo do lar comum do casal na aplicação da Lei Maria da Penha. No entanto, a ofendida pode ser regularmente intimada pelo telefone ou mesmo por mecanismos de envio de mensagens eletrônicas, como o “whatsapp”, a título de ilustração.
De outro lado, alguns atos do cotidiano desse profissional requerem, para além de um aprofundado conhecimento jurídico, capacidade de resolução de problemas, técnicas de negociação e grande sensibilidade com os problemas sociais. A medida de reintegração de posse de um imóvel ocupado por um movimento social com dezenas de famílias carentes, por exemplo, impõe uma grande estrutura com o Oficial de Justiça coordenando o trabalho de diversos policiais, bombeiros, assistentes sociais, entre outros, com o objetivo de que a operação ocorra da maneira mais tranquila possível.
Enfim, apesar da longevidade (há referências aos Oficiais de Justiça desde o Antigo Testamento da Bíblia e o Direito Hebraico), esses profissionais ainda se mostram imprescindíveis para a garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. Mais atuais do que nunca, os Oficiais de Justiça podem comemorar hoje o seu Dia Nacional (25 de março), com a convicção de que permanecerão prestando serviços relevantes à sociedade durante muito tempo.
Brasília/DF, 25 de março de 2017.
Presidente da Associação dos Oficiais de Justiça do Distrito Federal, Coordenador da Federação Nacional dos Trabalhadores do Judiciário Federal e do Ministério Público da União, Membro do Conselho Deliberativo da Associação dos Servidores da Justiça do Distrito Federal, Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, Professor de Direito do Centro Universitário Projeção e Integrante do Grupo de Pesquisa de Direito Empresarial e Desenvolvimento do UniCEUB. Bacharel em Direito na Universidade Federal da Bahia, Especialista em Direito na Escola da Magistratura do Distrito Federal, Mestre em Direito e Políticas Públicas no UniCEUB e Aluno Especial no Doutorado em Direito da UNB.