A indenização por dano moral como instrumento de combate à negligência lucrativa das grandes empresas.

A importância da correta avaliação das consequências da lesão extrapatrimonial à luz dos critérios indenizatórios existentes

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28/03/2017 às 12:26
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Reflexões sobre as drásticas consequências da fixação de valores indenizatórios insuficientes. Não já estará na hora de se propor a adoção de critérios capazes de melhor atender a tutela dos direitos imateriais?

 Resumo: Cada vez mais presentes nas pautas de audiência e sessões de julgamento, as ações de indenização por dano moral sofreram expressivo aumento nas últimas décadas. A constatação, longe de representar retrocesso na atividade jurisdicional, é motivada em grande parte pela evolução na disciplina do direito da personalidade no Brasil, que deita raízes na promulgação da Constituição Federal de 1988, e ganha especial dimensão com a publicação dos Códigos de Defesa do Consumidor e Civil de 2002. Nesta espécie de demanda, a missão do Magistrado, ao outorgar a tutela jurisdicional, assume contornos especialmente complexos, já que após enfrentar a atribuição de decidir sobre a existência da lesão à moral do demandante, passará à delicada tarefa de fixar o valor indenizatório adequado, “monetarizando” a lesão extrapatrimonial examinada, por meio de cifra que se revele capaz de restituir as partes ao status quo ante. A questão se agrava na medida em que inexiste base legal ou critério técnico capaz de parametrizar o valor indenizatório, sendo que as balizas franqueadas pelas fontes do Direito apresentam alto grau de subjetivismo, razão por que devem ser operadas com especial sensibilidade pelo Julgador, sob pena de criar respostas insuficientes às graves violações de direito, que apenas vulgarizam o instituto. Nesse contexto, o presente artigo tem como propósito inicial estimular a reflexão sobre as drásticas consequências da fixação de valores indenizatórios insuficientes, passando a abordar, em seu tópico central, a tipologia dos parâmetros hoje consagrados pelas fontes do Direito, de modo a alcançar em seu cerne a proposta quanto à utilidade de adoção de critérios que atendam adequadamente a tutela dos direitos imateriais, ainda que, diante de certas hipóteses, a indenização seja fixada em valor superior ao dano efetivamente verificado, permitindo, nessas situações peculiares, o atendimento às naturezas punitiva e preventiva da indenização. Ao seu cabo, o artigo registra a advertência de que a adoção de parâmetro severo de reprimenda não tem o condão de estimular a chamada indústria do dano moral, porquanto a repressão às ações infundadas pode e deve ser feita pelos inúmeros mecanismos franqueados ao Magistrado.

Palavras-chave: Dano moral. Reparação monetária. Fixação do montante indenizatório. Técnicas e critérios adotados. Natureza jurídica da indenização. Consequências da valoração inadequada.

A EVOLUÇÃO DA DISCIPLINA DO DANO MORAL NO BRASIL

O dano moral, espécie de dano extrapatrimonial, é comumente definido como a lesão a um dos direitos da personalidade, como a honra, imagem, nome ou identidade. Em outras palavras, pode ser compreendido como o abalo no estado anímico do individuo, capaz de incutir sentimentos como dor profunda, vergonha, vexame, constrangimento e humilhação.

A tutela jurídica sobre o dano moral não é antiga em nosso Ordenamento Jurídico. No Brasil, foi apenas com a Constituição Federal de 1988, em seu art. 5º, incisos L e X, que a proteção finalmente encontrou abrigo, preenchendo tardiamente uma lacuna que já gozava de ampla disciplina no Direito Comparado.

Conquanto o reconhecimento da proteção à lesão imaterial em nosso Ordenamento tenha ocorrido tardiamente, o aperfeiçoamento dessa disciplina não demorou a ocorrer, notadamente após diversas alterações legislativas que sucederam a promulgação da nossa Lei Fundamental.

Nesse sentido, vale mencionar a edição do Código de Defesa do Consumidor em 1990, que trouxe indispensável equilíbrio às relações negociais, alocando fornecedores e consumidores em posição de igualdade substancial, albergando expressamente o direito à “efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos” (art. 6º, inciso VI).

Posteriormente, o Código Civil de 2002 introduziu essencial mudança de foco no objeto da proteção do Direito Privado, rompendo com o viés patrimonialista até então vigente, para dar início à chamada fase personalista, com acentuado enfoque na funcionalização dos institutos, além de intensos reflexos na superação do individualismo, notadamente no seio da teoria geral do ato ilícito e da responsabilidade civil.

Dentre os marcos históricos relevantes à presente análise, não se pode deixar de destacar a denominada constitucionalização do direito civil, própria da pós-modernidade contratual, que deslocou o parâmetro hermenêutico jurídico para o texto constitucional, rompendo com os paradigmas clássicos até então vigentes, e impondo a releitura dos institutos privados à luz do texto constitucional, de sorte a dar máxima concretude a valores fundamentais como a dignidade da pessoa humana e solidariedade, irradiando amplos efeitos sobre os direitos da personalidade estabelecidos na legislação civil.

 

O AUMENTO EXPONENCIAL DAS AÇÕES DE DANOS MORAIS E A MISSÃO DO JULGADOR

Os marcos evolutivos destacados no tópico anterior, associados à multiplicação das relações jurídicas própria da modernização da sociedade, que passou a dispor de amplo acesso ao crédito, tecnologia e relações contratuais massificadas, representaram terreno fértil para o expressivo aumento de demandas centradas na tutela dos direitos extrapatrimoniais, especialmente aquelas envolvendo pretensões indenizatórias decorrentes da lesão a direitos imateriais.

Nesse ponto, relevante levantamento estatístico divulgado pelo Conselho Nacional de Justiça corrobora o cenário exposto, dando conta que, até o ano de 2016, pendiam de apreciação nas Justiças Estaduais do País nada menos que 2.477.619 (dois milhões, quatrocentos e setenta e sete mil seiscentos e dezenove) de ações judiciais objetivando o recebimento de indenização por danos morais, as quais correspondiam a 9,45% de todas as demandas pendentes de julgamento no país[2]. Já nos Juizados Especiais Cíveis, a quantidade de ações judiciais sobre tal tema chegava ao número de 1.581.540 (um milhão, quinhentos e oitenta e um mil quinhentos e quarenta), representando 21,79% de todos os feitos existentes no microssistema da Lei n. 9.099/95.

A grave situação é secundada por outra ainda mais complexa, qual seja, a reduzida estrutura que dispõe o Poder Judiciário para dar vazão à crescente litigiosidade, que impõe aos seus membros ritmo de trabalho incompatível com a complexidade das questões submetidas à sua apreciação. De acordo com o relatório estatístico acima citado, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo possuía no ano de 2016 um total de 25.366.780 (vinte e cinco milhões, trezentos e sessenta e seis mil setecentos e oitenta) processos pendentes de apreciação, diante de um quadro escasso de apenas 2.607 Magistrados[3].

Assim, diante da coexistência das situações anotadas, tem-se que hoje o Aplicador da Lei se depara com panorama complexo, em que é instado a solucionar, dentre outros temas tão caros ao interesse social, um sem número de ações vindicando o arbitramento de indenização por danos morais, em que a tutela à lesão imaterial deve ser enfrentada em cognição profunda, a fim de prover resposta adequada à sociedade, permitindo o desenvolvimento das relações jurídicas sob o manto da segurança jurídica e paz social.

Nesse ponto, cabe anotar que uma análise superficial da tutela dos direitos extrapatrimoniais poderia transmitir uma equivocada ideia de simplicidade do tema. Não se trata, porém, da correta interpretação a ser conferida.

As ações de indenização por danos morais, gênero que engloba também o dano estético[4], representam questões complexas que demandam acurada sensibilidade do julgador. Afinal, para enfrentar pleitos de tal natureza, o Julgador deverá, em um primeiro momento, se cercar de especial cautela, a fim de distinguir a hipótese de verdadeira lesão extrapatrimonial daquelas em que há inequívoco abuso do direito de litigar.

Diz-se isso porque, juntamente com a multiplicação das ações envolvendo os direitos da personalidade, já referida, operou-se também notório aumento de demandas judiciais desprovidas de base, em que a suposta lesão imaterial não é apenas desejada pelo demandante, mas às vezes até mesmo provocada intencionalmente, e que não representam outra coisa senão reprovável intuito oportunista, situação que cunhou o conhecido fenômeno da “indústria do danos morais”.

A FIXAÇÃO DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

Após constatar a efetiva lesão extrapatrimonial do indivíduo, julgando procedente a postulação deduzida, o Magistrado enfrentará questão mais complexa, qual seja, a de estimar um valor monetário que se revele compatível com a lesão imaterial constatada.

A essa altura, é fundamental ressaltar que inexiste, na doutrina ou jurisprudência, critério objetivo capaz de balizar adequadamente a atividade estimativa do Magistrado. Na realidade, o parâmetro franqueado pelas fontes do Direito para nortear a indenização por danos morais é o denominado prudente arbítrio do juiz, que consiste em cláusula que atribui ao Magistrado a tarefa de alcançar quantia consentânea à hipótese enfrentada, a partir da ponderação dos valores envolvidos no caso.

Vem a calhar o magistério de Sérgio Cavalieri Filho:

“o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes”[5].

A par disso, em hipóteses envolvendo especificamente a violação da honra, o Direito Positivo confere ao Magistrado a utilização do critério de equidade para dirimir a questão. Esta é a diretriz estabelecida pelo Código Civil, que em seu art. 953, parágrafo único, do Código Civil:

“A indenização por injúria, difamação ou calúnia consistirá na reparação do dano que delas resulte ao ofendido.

Parágrafo único. Se o ofendido não puder provar prejuízo material, caberá ao juiz fixar, equitativamente, o valor da indenização, na conformidade das circunstâncias do caso”.

Malgrado o dispositivo incida em nítida incongruência, porquanto relaciona indevidamente a quantificação do dano moral com a prova do dano material, olvidando a absoluta distinção entre os institutos, importa reconhecer que agrega importante referência ao tema, ao estabelecer o critério da equidade, a justiça do caso concreto, como parâmetro estimatório.

Como se vê, estas balizas, equidade e prudente arbítrio do juiz, representam parâmetros dotados de alta carga subjetiva, de modo que a concretização revela aptidão para demonstrar, na prática, quadro de absoluto descompasso hermenêutico. Afinal, simples análise dos julgados proferidos pelos Tribunais do país permite constatar a existência de indenizações por danos morais em patamares completamente diferentes, para situações envolvendo as mesmas premissas fáticas.

Tal fenômeno enseja não apenas o desprestígio da atividade jurisdicional, que acaba comparada à atividade lotérica, mas encerra inegável insegurança nas relações jurídicas sociais, impedindo o conhecimento das sanções cominadas para o descumprimento das regras de conduta previstas em Lei.

Pertinente, nesse rumo, ponderação de ANTÔNIO JEOVÁ SANTOS:

“Deixar somente ao prudente arbítrio do juiz a difícil tarefa de fixar o montante indenizatório é causa de anarquia judicial no tema dano moral, por todas as razões que se possam imaginar. Mesmo sem efetuar a confusão entre arbítrio e arbitrário, mesmo que seja utilizada a prudência, ainda sobrarão fixações díspares, exatamente pelas condições pessoais de cada magistrado. Longe vai o raciocínio de que o juiz, na análise do caso concreto, porta-se de forma neutra. (...) A sentença, além daqueles critérios técnicos que lhe são peculiares, contém dados da personalidade, da formação cultural, religiosa e moral do juiz. Dadas as diferenças substanciais de cada ser humano, de cada juiz, é fácil justificar as díspares indenizações por fatos semelhantes. Tudo em nome do prudente arbítrio judicial. Duas pessoas perdem a vida. O filho de um recebeu 5.000 salários-mínimos, ao passo que o outro, apenas 100 salários. Não há justificação para esse hipotético raciocínio, mas se buscarmos os repertórios de jurisprudência encontraremos números dissímeis para casos similares, como fruto do denominado prudente arbítrio do juiz” (fl. 121/122)

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Recentemente, inclusive, objetivando atenuar os efeitos de tal problemática, o Colendo Superior Tribunal de Justiça afetou à sistemática dos recursos repetitivos, recurso que tem por objeto a indevida inclusão de nome em cadastro de inadimplentes, a fim de estabelecer parâmetros de piso e teto para indenização por danos morais (REsp n. 1.446.213/SP)[6]. Até a presente data, não foi proferida decisão no referido incidente.

OS CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO

Conquanto inexista norma cogente que imponha determinado critério para arbitramento de indenização por danos morais, nota-se a formação de teorias informadoras na jurisprudência pátria que buscam auxiliar o Magistrado na missão de estabelecer o quantum indenizatório. A seguir, seguem alguns dos critérios que têm sido utilizados para nortear os casos relacionados ao tema:

  • Critério Punitivo ou Teoria do Desestímulo: Este sistema traduz aplicação do “punitives damage arbitration” ou “exemplary damages”, amplamente adotado no Direito Norte-americano como forma de dissuasão das ofensas morais. Por sua concepção, a indenização deve ser arbitrada em valor superior ao dano experimentado pela vítima, a fim de conferir especial atenção a dois papéis: o aspecto punitivo (punishment), de modo a sancionar o autor do mal causado por meio do mal da condenação; o escopo preventivo (deterrence), já que o pagamento de indenização em valor considerável reduz sobremaneira a possibilidade de reiteração do ato lesivo, seja pelo próprio ofensor (aspecto preventivo especial), ou por pessoas em situações semelhantes (aspecto preventivo geral). Embora não seja amplamente adotado no Brasil, vê-se a teoria do critério punitivo vem ganhando espaço na jurisprudência pátria.

  • Ressarcitório: o critério ressarcitório, previsto no art. 944, do Código Civil[7], adota como parâmetro indenizatório a própria extensão do dano infligido ao ofendido, ou seja, a dimensão do prejuízo que foi experimentado com a lesão perpetrada pelo agressor. Tal método, apesar de se mostrar bastante eficiente na tutela dos danos materiais, mostra-se absolutamente insuficiente para a proteção dos danos morais, que dificilmente são suscetíveis de reparação “in natura”, e têm na identificação da extensão do dano, justamente, o maior problema de sua quantificação.

  •  Compensatório ou reparatório: a concepção deste critério foi importante para evolução da disciplina do dano moral no Brasil, e superação da fase que negava a possibilidade de sua reparação (teoria da irreparabilidade), sob a falsa premissa de que a fixação de um “preço” para recuperar a honra lesada representaria ato de absoluta imoralidade, já que o dinheiro jamais será capaz de substituir o sofrimento. Com o escopo compensatório, assume-se a correta premissa de que, de fato, a indenização não serve para restituir o ofendido ao status quo ante, já que a reparação “in natura” da lesão extrapatrimonial é impossível. No entanto, tal arbitramento servirá, isto sim, como contrapeso para proporcionar ao ofendido situações capazes de atenuar a lesão sofrida, por meio dos chamados “prazeres compensatórios[8]”. Confere-se, assim, a possibilidade de que a vítima e seus familiares desfrutem de bens e serviços materiais capazes de propiciar sensação de bem-estar e deleite, melhorando a qualidade de vida em parâmetro inversamente proporcional ao dano imaterial experimentado.

 

  • Teoria da culpa: O critério da culpa, comumente empregado em conjunto com outros critérios existentes, tem em seu pórtico a análise da parcela da culpa externada pelo agente na lesão extrapatrimonial produzida. Tal enfoque era absolutamente ignorado no passado, quando vigia o princípio da “indiferença do grau de culpa”. No entanto, como observa CLÁUDIO GODOY, “justamente este princípio da indiferença do grau de culpa, estabelecido desde a Lei Aquília (Lex Aquilia et levíssima culpa venit), é que agora passa a encontrar mitigação, contida no parágrafo único (do art. 944, do Código Civil[9]), aproximando, inclusive, o sistema civil do penal, em que o grau de culpa influencia a dosagem da pena”[10].

A PROBLEMÁTICA DA ADOÇÃO DE CRITÉRIO PURAMENTE OU PREDOMINANTEMENTE RESSARCITÓRIO

Em que pese inexista norma cogente que imponha ao Magistrado a utilização de determinado critério ou conjunto de critérios, é fato que a atividade de fixação do quantum indenizatório deve ser feita de modo a cumprir as finalidades do instituto protegido.

Exame detido à jurisprudência pátria permite identificar inúmeros julgados que, após reconhecerem a ilicitude do ato praticado pelo ofensor, estabelecem valores indenizatórios pautados tão somente na dimensão do prejuízo experimentado pela vítima.

Nesses casos, a indenização é fixada em valor bastante reduzido, sob o argumento de que o arbitramento de quantia superior, fatalmente, ensejaria o enriquecimento sem causa da vítima, ou pior, seu enriquecimento ilícito.

Tal solução, data vênia, não se revela adequada, porquanto relega ao esquecimento um sem-número de elementos presentes na situação fático-jurídica, fechando os olhos às drásticas consequências do ilícito, e tornando o recebimento da indenização em momento de nova humilhação e constrangimento pelo lesado.

Nessa linha, cabe observar que a ideia de “evitar o enriquecimento sem causa” da vítima não tem razão de ser, até porque inexiste a alardeada “ausência de causa” para o ganho patrimonial, já que a origem é devidamente identificada pela correspondência à lesão extrapatrimonial sofrida pela vítima.

Além disso, não se pode negar que a utilização de critérios modestos indenizatórios desvirtua gravemente a efetividade da tutela à personalidade, eliminando o poder educativo da sanção pela conduta perpetrada, e relegando o respeito à moral do indivíduo a patamar inexpressivo. A consequência de tal medida não poderia ser mais nefasta: o ofensor não apenas paga a indenização sem qualquer abalo aos seus caixas, como deixa de adotar qualquer providência capaz de corrigir ou melhorar seus serviços, ciente de que o pagamento de indenizações módicas revela-se bem menos dispendioso que o gasto necessário à melhora de seus serviços.

Oportunas as palavras de Antônio Jeová Santos, que classifica como irritante a omissão do ofensor que é condenado ao pagamento de irrisória indenização, e estabelece a preferência dos chamados “danos lucrativos” sobre as “culpas lucrativas”:

“Como regra, a vitima não deve lucrar pelo fato lesivo; todavia mais irritante é que o ofensor seja quem lucre e que, ademais, permaneça em situação que nada o impede (a ele e a outros) reiterar a atividade nociva. Ante o dilema entre danos lucrativos e culpas lucrativas, nos inclinamos contra estas últimas, que são mais negativas, porque estão cimentada na causação de um prejuízo que não foi merecido e que é rentável para o ofensor” [11].

Na realidade, o que se vê na prática é que grande parte dos “maiores litigantes do país”[12] adota o modelo de terceirização e até quarteirização de sua representação jurídica, o que acaba fazendo com que, na grande maioria dos casos sancionados com indenizações de baixo vulto, nem o erro operacional cometido pela empresa ou tampouco o fundamento da condenação chegam ao conhecimento de seu núcleo diretivo, gerando efeito zero na melhora das atividades desenvolvidas.

E há um efeito ainda mais prejudicial. O estabelecimento de padrões diminutos de indenização tem a capacidade de derrubar por terra os inúmeros esforços legislativos e administrativos encampados no sentido de estimular a transação e conciliação das partes, institutos essenciais à desobstrução da Justiça. É que, com a perspectiva de uma indenização irrisória, raramente os departamentos jurídicos das empresas terão a iniciativa de apresentar propostas de acordos aos lesados, já que preferirão enxergar no processamento da causa até seu julgamento de mérito uma oportunidade barata para tentar eventual sentença de improcedência da ação em seu favor.

A COMBINAÇÃO DE CRITÉRIOS

A essa altura, em face das peculiaridades aludidas nos tópicos anteriores, alcança-se a proposta que se entende por adequada à problemática ora abordada, capaz de propiciar uma razoável fixação de indenização por danos morais, que atenda as demandas decorrentes da lesão imaterial produzida. A dinâmica ora anunciada consiste na utilização coordenada dos critérios indenizatórios acima estudados (punitivo, ressarcitório, compensatório e teoria da culpa), de forma que haja uma atuação combinada de vetores, com preponderância daquele ou daqueles que tenham maior aptidão para atender a situação fática examinada no caso concreto.

Sob tal perspectiva, diante da situação objeto de análise, incumbirá ao Magistrado cotejar os diversos critérios de mensuração existentes no sistema indenizatório, de modo a prevalecer aquele que, à luz das peculiaridades da situação fática, se revele mais adequado.

Assim, nos casos em que a lesão imaterial apresente-se como singelo resultado do infortúnio, ou seja, que sua produção tenha sido quase que inevitável para o ofensor, incumbirá ao Juízo dar especial atenção à teoria da culpa, atenuando o montante indenizatório, aliando-se, agora sim, o critério ressarcitório, de modo a restabelecer a condição financeira antecedente da vítima. Nesse caso, o aspecto punitivo da indenização seria praticamente esquecido, porquanto incompatível com a origem da lesão experimentada.

Na jurisprudência pátria, nota-se a existência de julgados que sopesam adequadamente os diversos critérios existentes, ajustando a face indenizatória de acordo com as necessidades concretas do caso. Confira-se, a respeito julgado do C. Superior Tribunal de Justiça em que foi reconhecida a necessidade de conferir maior relevância ao aspecto punitivo da indenização na fixação do quantum:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL.MORTE DE MÃE E FILHA POR CHOQUE. QUEDA DE FIO ELÉTRICO.CONCESSIONÁRIA. FORÇA MAIOR OU CASO FORTUITO. DANO MORAL DEVIDO AO IRMÃO E ESPOSO SUPÉRSTITES. VALOR INSUFICIENTE PARA COIBIR NOVAS FALHAS NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DESPROPORÇÃO DO DANO EM RELAÇÃO AO SOFRIMENTO. MAJORAÇÃO NECESSÁRIA.

1. Tanto a averiguação de caso fortuito como da força maior dependem de reexame de fatos e provas, vedado pela Súmula 7/STJ.

2. Quando a função punitiva dos danos morais não é respeitada e o valor arbitrado está em desproporcionalidade com o sofrimento experimentado, mostra-se necessário majorar o quantum da compensação. Precedentes. 3. Em se tratando de indenização decorrente de responsabilidade civil extracontratual, os juros de mora incidem a contar da data do evento danoso (Súmula 54/STJ). 4. Recurso dos familiares supérstites provido, majorando-se a indenização a R$ 279.000,00 (duzentos e setenta e nove mil reais) para cada ofendido. Recurso da empresa concessionária conhecido parcialmente e negado provimento.” REsp. nº 1171826 / RS. Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI

Além disso, na ponderação dos critérios indenizatórios, devem ainda ser sopesados os elementos subjetivos e objetivos que marcam a dinâmica da lesão analisada. São as situações e quadros peculiares, voltados tanto à figura da vítima quanto à do ofensor, que estabelecem o patamar valorativo do caso vertente. Dentre tais vetores, citam-se os seguintes:

  • Circunstâncias inerentes à vítima:
  • situação financeira da vítima;
  • repercussões concretas decorrentes do dano na vida da vítima;
  • sofrimento imposto à vítima;
  • eventual hipótese de culpa concorrente da vítima[13];
  • tempo de demora no ajuizamento da ação;
  • Circunstâncias inerentes ao ofensor:
  • porte econômico do ofensor.
  •  reincidência do ofensor em lesões da mesma espécie;
  • negligência do ofensor na condução de suas atividades;

A EXISTÊNCIA DE MECANISMOS APROPRIADOS PARA COMBATER A LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Por fim, poder-se-ia objetar que o estabelecimento de padrões altos indenizatórios aumentaria ainda mais o ajuizamento de demandas da espécie, estimulando a formação de uma legião de pessoas dedicadas à própria produção da lesão moral, banalizando completamente o instituto e relegando o Judiciário a papel insignificante, quando não ilícito.

Preservada a convicção dos defensores de tal entendimento, tem-se que a tese olvida relevantes fatores.

É que tal reprovável efeito, conquanto existente, pode ser adequadamente combatido por meio das ferramentas existentes na Legislação Pátria, tal como a aplicação da litigância de má-fé, imposta a quem “usar do processo para conseguir objetivo ilegal[14]” e “deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso”[15], ou ainda pela disciplina dos deveres processuais estabelecidos no art. 77, do Código de Processo Civil, que contemplam o mandamento de “não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento”, e “não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito”.

Além disso, comum na praxe forense que o combate da chamada “litigância serial” se dê de forma contundente pelo Poder Judiciário, seja pela provocação dos Órgãos Disciplinares competentes da Entidade de Classe do causídico, seja pela adoção de medidas por Órgãos criados pelos próprios Tribunais com o escopo de combater o fenômeno[16].

Em face de todo o exposto, avulta a importância do tema trazido a debate, cuja eficácia, pelas razões já abordadas, transcende o interesse das partes em litígio, e projeta consequências sobre toda a comunidade, sobretudo na própria estruturação e concepção das relações jurídicas estabelecidas na sociedade moderna.

Por meio da construção preconizada neste esboço, desenhada pela ponderação de critérios e circunstâncias particulares do caso, acredita-se erigir método hábil a alcançar, com razoabilidade, quantum indenizatório capaz de atender os escopos teleológicos do instituto, e produzir mudanças capazes de aprimorar as relações civis e comerciais no País.

CONCLUSÃO

Em síntese, na tarefa de fixar a indenização por dano moral, a ausência de parâmetro estanque impõe ao magistrado a utilização dos diversos critérios subjetivos hoje existentes, a fim de alcançar valor capaz de atender ao conceito de prudente arbítrio. Nessa atividade, porém, os critérios devem ser sopesados de forma a, a um só tempo, prover o ressarcimento do dano causado, bem como inibir a reiteração da conduta pelo agressor, providência que apenas se alcança pela fixação de montante indenizatório suficiente. A esse respeito, o texto propõe a utilização coordenada dos critérios indenizatórios existentes, preponderando suas feições de acordo com a peculiaridade da lesão examinada, ora sobrelevando aspectos punitivos, ora meramente compensatórios, tudo a fim de conferir adequada tutela ao direito da personalidade em deslinde. Nesse contexto, a preocupação de parcela da jurisprudência de evitar o chamado “dano lucrativo”, em que há desarrazoado enriquecimento da vítima, não pode estimular o surgimento da “culpa lucrativa”, que estimula a inércia da empresa ofensora quanto ao aprimoramento de seus sistemas, com a simples diluição do custo da indenização nos lucros. Quanto à possível implicação do fenômeno da litigância frívola, encorajada pela fixação de montantes indenizatórios altos, e representada pelo oportunismo dos indivíduos que nesse patamar procuram a condição de vítima, é certo que tal situação deve ser combatida pelo manejo das ferramentas adequadas existentes no Ordenamento Pátrio, tais como as sanções processuais previstas em Lei, bem como a provocação de órgãos disciplinares de classe, sem que as relações sociais sejam afetadas pelo regime de contenção de indenizações, que apenas prejudicam os serviços prestados pelas empresas e potencializam o descaso com as obrigações titularizadas.

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Sobre o autor
Marcio de Carvalho Valente

Assistente Jurídico no Gabinete dos Desembargadores do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Pós-graduado em Direito Processual Civil (Universidade Presbiteriana do Mackenzie), Direito Civil (Escola Paulista da Magistratura) e Direito Público (Complexo de Ensino Damásio de Jesus).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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