O descaso com os direitos sociais faz com que os mais diversos fatos estranhos à seara criminal desaguem nas delegacias de polícia. Apesar de muito criticada pelos mais diversos setores, as instituições policiais são a última esperança da população, que diariamente lota delegacias de polícia, das capitais aos rincões do país para reivindicar os seus direitos.
Desacordo na guarda de filhos, “BOs fantasmas” (para dar susto em desafetos), mães sem esperança em relação a filhos desempregados e/ou alcoólatras, discussões banais entre amigos e familiares, conversas desencontradas no âmbito profissional, “BOs para requerimento de DPVAT”, cessação do fornecimento de água e luz por inadimplência e falsas ocorrências criminais com o intuito de não pagar pela segunda via de documentos extraviados são uma pequena amostra de grande parte das ocorrências submetidas à apreciação de Delegados de Polícia e de seus agentes.
O mesmo ocorre com a polícia ostensiva. As polícias militares recebem diariamente milhares de chamados por meio do telefone 190, em sua grande maioria atinentes a desacordos comerciais, e desentendimentos entre familiares, apenas para citar alguns fatos não criminais.
Muitas das vezes, ao serem orientadas sobre as providências que devem adotar ou, ainda, as instituições que devem procurar a fim de verem dirimidas suas pretensões ou efetivados os seus direitos, alegam, pouco esperançosas, que já passaram por todo lugar antes de procurarem pela polícia. Outra parcela, evidentemente, não possuía nenhum tipo de orientação e vislumbraram na Delegacia, aberta 24 horas à população, o seu refúgio.
Por outro lado, se a falta de investimentos nos órgãos policiais – que apesar de só recentemente ter sido objeto de grandes reportagens há muito corresponde a uma triste realidade[1] – vem inviabilizando a devida prevenção, investigação e repressão criminais, quem dirá o atendimento maciço de cidadãos, com os mais diversos problemas não afetos ao crime.
Não obstante os hercúleos esforços despendidos diariamente pelos seus poucos agentes, em sua grande maioria mal remunerados e desprovidos das mínimas condições materiais para bem exerce o seu mister, as instituições policiais são rotuladas por parte dos cidadãos, falsos especialistas e até de autoridades, como ineficientes.
Aliás, abro um parêntese. Está aí um grande paradoxo: a mesma pessoa que busca na polícia a solução de seus problemas sociais, afetos a outras instituições, a critica, dizendo-a ineficiente. Ou, como já presenciei, o mesmo cidadão que se queixa da “omissão” da polícia em relação a determinado delinquente, justifica dizendo que esse mesmo delinquente já fora preso várias outras vezes e continua solto (ora, se foi preso várias vezes, não é a polícia que vem faltando com suas obrigações constitucionais e legais).
Para concluir, vale transcrever, por oportuno, a realista percepção de Nucci (2016, p. 44):
“A polícia paulista procurou suprir necessidades da população que seriam de outras áreas do Poder Público. Isso desencadeou uma cultura de comodismo e omissão de outros órgãos.”
REFERÊNCIA
NUCCI, Guilherme de Souza. Direitos humanos versus segurança pública. Rio de Janeiro: Forense, 2016.