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Marketing jurídico e Código de Ética da OAB:

uma abordagem focada na publicidade dos escritórios de advocacia corporativos

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4.0. Deontologia Jurídica: sua orientação para o bem exercer da atividade do advogado e a relatividade do seu tratamento publicitário entre países

O termo Deontologia fora criado pelo filósofo inglês Jeremias Benthan. Tal nome fora dado à sua obra póstuma procurando nela o mesmo estabelecer diretrizes morais onde ficassem definidos os deveres e obrigações no campo social e jurídico.

A Deontologia Jurídica, parafraseando Luiz Langaro é então:

"A disciplina que trata dos deveres e dos direitos dos agentes que lidam com o Direito, isto é, dos advogados, dos juízes e dos promotores de justiça, e de seus fundamentos éticos e legais" (47).

A Deontologia jurídica constitui-se na moralidade profissional. Não adianta que o bacharel em direito traga uma boa bagagem moral, religiosa, pois tais atributos não se farão por suficiente para uma orientação profissional adequada, no cumprimento de deveres, obrigações e direitos especias e legais ou ainda profissionais, a Deontologia precisa guiá-lo.

É no dia a dia que o advogado exercitará toda a técnica necessária para postulação junto a seus clientes. Entretanto não terá a voz clara de sua consciência moral, do que é justo ou não, sem a orientação da Deontologia Jurídica.

E o seu papel será o estudar as situações singulares em que se encontra o advogado, o promotor de justiça, o juiz, o jurista em geral, no exercício de sua atividade. Sobre todos eles recaem deveres que se poderiam classificar como gerais – positivos e negativos, isto é, que incidem sobre as suas atividades, como homens, na sua qualidade de cidadãos e, de igual modo, deveres particulares, adstritos em sua estrita condição de profissionais do Direito.

"Os ‘positivos’ são aqueles que determinam um fazer, como ‘fazer o bem’, fazer justiça, respeitar a lei. Os ‘negativos’ são deveres que prescrevem o não-fazer, isto é, não matar, não roubar, não fraudar a lei, não cometer injustiças. Os ‘negativos’ constituem condição primeira da moralidade, pois se deve frisar sempre que, antes de fazer o bem, temos necessidade de evitar o mal" (48).

Dado o valor Deontológico à profissão do advogado percebe-se, de imediato, o porquê de sua colocação logo no início do código de Ética da OAB, sob o título Da Ética do Advogado, e Capítulo Das Regras Deontológicas Fundamentais.

É uma forma de orientar o advogado a respeito de seu dever holístico no exercer de uma profissão onde a ética deve ser encarada como imprescindível.

Agora, por mais princípios deontológicos que existam, sempre haverá diferenças na aplicabilidade dos deveres e obrigações entre Países, Estados ou até mesmo Cidades e podemos aprender muito com o exemplo deles. É nesta fascinante diferença existente entre os povos que se pode agora focar as formas de publicidade entre países e perceber as peculiaridades deontológicas e culturais existentes neles.

De acordo com o art 25° da lei que rege a advocacia na Espanha:

"O advogado ou sociedade de advogados poderá publicitar os seus serviços de forma legal, digna e verídica, com absoluto respeito pela dignidade das pessoas, pela legislação sobre publicidade, observando a defesa das boas regras da concorrência e de forma subordinada às normas deontológicas" (49).

Na Espanha não é permitido revelar-se diretamente, ou não, situações que envolvam o sigilo do advogado, o incitamento ao conflito jurídico, bem como oferecer um serviço para pessoas que acabaram de sofrer uma perda de um ente da família, ou relacionado a doenças, desgraça pessoal.

É proibida também a promessa de ganhos de causas pelos advogados que, como eles mesmo sabem, não dependem deles; fazer referência direta ou indireta a clientes do escritório de advocacia; a utilização de símbolos que confundam as pessoas, por fim, é vedado às empresas de publicitarem os advogados.

Na França a legislação é severa, mas permite escapatórias, muitas vezes utilizadas pelos advogados. No decreto da profissão, lê-se no art. 60 que a publicidade está permitida ao advogado na medida em que ofereça ao público uma informação necessária. A grande lacuna é que o art. não informa qual é ela.

Desde que sejam usados de maneira discreta, não atentando aos princípios da dignidade da profissão, o diploma francês admite vários meios de publicização, mas impõe a obrigatoriedade de comunicar as ações ao Conselho da Ordem dos Advogados. Apesar de poderem publicitar seu serviços, é vedado aos advogados tomarem ações mais diretas de captação de clientela, assim como não podem solicitar a sua constituição como advogados de um cidadão ou empresa. [50]

Na Itália o art. 18° do Código deontológico prevê que:

"[...] nas relações com a imprensa, o advogado tenha sempre como inspiração os ‘critérios equilibrados e justos na prestação de declarações’, alicerçados em duas vertentes. Primeiro, por respeito aos deveres de discrição e reserva em relação ao cliente que representa e, por outro lado, para prevenir situação de concorrência desleal relativamente aos colegas de profissão" [51].

Mas os advogados podem, respeitados o segredo de justiça e a anuência do cliente, dar entrevistas para os veículos de informação.

Inglaterra - o Reino Unido é uma das exceções quando se trata da publicidade. O seu código deontológico não proíbe a publicidade dos advogados, entretanto impõe algumas regras de bom senso. A publicidade não pode ser enganosa ou inexata. O curioso é uma norma que dispõe: "a publicidade ‘não pode ser tão freqüente de forma a causar náusea àqueles a quem é dirigida’" [52].

A ilustração do causídico, a utilização de fotografias são permitidas, bem como a informação sobre honorários e dimensão do escritório e especialização em determinada área do direito. Sendo também possível o advogado dar informações sobre casos em que tenha intervindo, incluindo a publicação do cliente, claro que previamente autorizada.

No Brasil, o Código de Ética da OAB explicita que a publicidade do advogado deve ser informativa. Os anúncios devem respeitar determinados padrões e as correspondências também pré-determinadas, somente podem ser fornecidas a colegas, clientes, ou pessoas. E ainda algumas cláusulas como o dever de abster-se a responder com freqüência programas de comunicação social, divulgar listas de clientes entre outros.

A maneira como é tratada no Brasil a publicidade demonstra a preocupação da Ordem dos Advogados do Brasil em discipliná-la de maneira a ter-se um Direito exercido de maneira ética, porém bastante rígido. Apesar do disciplinamento, há lacunas a serem preenchidas. Um desses preenchimentos fora o provimento 94/00.

Entretanto outras perpetuam e dão ensejo a vários processos no Tribunal de ética e Disciplina da OAB, que será abordado no tópico seguinte, onde já se chegou ao cúmulo de se ver publicidade de advogados até em pacotes de açúcar (grifo nosso).


5.0. Ética atual e seu efeito na publicidade advocatícia

Dispensa-se, a consideração da relevância do tema ética atualmente, em foco neste trecho do trabalho. Pelo que representa no domínio da reflexão filosófica, em qualquer ocasião, impõe-se como privilegiado, diante do quadro extremamente grave com que nos deparamos no dia-a-dia, e que retrata o nível de descaso que alguns advogados desatentos cometem contra a dignidade humana e o bem exercer da advocacia, em nosso país [53].

Esclarece-se que haverá "pinceladas" exemplificando o descaso cometido por alguns advogados, bem como fatores que podem ter influenciado na maneira como o advogado hoje encara a questão ética. Ela se revela tão diversificada e em tão vasta extensão, como adiante será visto no número de casos no Tribunal de Ética e Disciplina da OAB-SP sobre Publicidade, que alongaria-se demais em considerá-la e possivelmente assumiria-se estilo panfletário, fugindo do intuito deste trabalho.

Para retratar a ética atual de uma forma bastante restrita coaduna-se com o pensamento de Antônio Gomes Penna [54] que primeiro cita Hume sobre uma perspectiva utilitarista e depois afirma Penna que a forma extremamente vulgar com que os problemas éticos são considerados concorreu para a reduzida significação dos temas éticos em nosso tempo.

Ao falar sobre ética, Hume exclui qualquer participação dos processos racionais na produção de norma éticas, pois a razão sempre dependerá das paixões, do emocional.

"As implicações das posturas epistemológicas assumidas por Hume o conduziram a afirmar que, a nível de razão, somente podemos operar com proposições descritivas, nunca com proposições prescritivas ou normativas. Em outros termos, o que Hume afirma é a impossibilidade de se deduzir o que deve ser a partir do que é. Seria impossível que a idéia de dever pudesse ser tirada da de ser, ou ainda, que de uma proposição indicativa se pudesse apreender uma proposição imperativa. Sua posição, extremamente crítica com relação às possibilidades dos processos racionais, ainda se manifesta quando afirma ‘que do fato de ser a experiência sempre concreta e contigente e sempre individual, nenhuma lei universal poderia dela ser deduzida ou derivada’. Estas nunca teriam um fundamento racional, resultando, apenas, da crença envolvendo regularidades nos eventos naturais" (55).

Observa-se que Penna afirma que Hume demonstrou interesse pelas questões éticas. Entretanto apresentou razões que parecem concorrer para certo descaso em relação às questões morais e tais razões atinge-nos atualmente.

Já no segundo fator, Penna, nos remete à questão da reduzida significação dos temas éticos atualmente. Cita Somerset Maugham:

"No caso de Somerset Maugham, seu belíssimo conto ‘A Chuva’, convertido em peça teatral de imenso sucesso, reflete a relevância ao mecanismo de ‘formação de reação’, magistralmente introduzido por Freud. O tema se resume no movimento iniciado por um reverendo a bordo de um navio objetivando obter apoio para exigir o desembarque, no primeiro porto, de uma prostituta presente entre os viajantes. Claro que ninguém se havia dado conta de tal presença. Só o reverendo. Diante da argumentação por este apresentada, centrado na idéia da necessidade de se preservarem os valores da família, todos concordaram em que ela fosse excluída do grupo. Caberia ao reverendo, com a sua autoridade moral, comunicar-lhe a decisão. E o tema se encerra com o suicídio do reverendo e o comentário irônico e ao mesmo tempo triste da prostituta: todos os homens são iguais" (56).

Demonstrou-se que sempre procuramos afastar a fonte de uma atração, quando nos sentimos fortemente atraídos e ameaçados no que se refere à preservação da máscara que nos protege no convívio social. Tal consciência falsa compromete o compromisso ético que, de fato, dignifica o ser humano.

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Penna resume suas idéias afirmando que, no caso de Hume, é a exaltação do cientificismo que compromete a relevância do ético. No segundo é a consciência falsa que produz efeitos negativos para uma sadia aproximação com os temas morais.

Focando-se as idéias de Hume e Maugham, para o código de Ética da OAB, percebe-se o efeito delas na atuação publicitária dos advogados. Muitas vezes, eles se recusam a fazer qualquer tipo de publicidade que, é permitida restritivamente no Brasil; mas, para preservar sua máscara do convívio social e profissional, não a faz. Ou ainda é dado um cientificismo, dogmatismo exacerbado às leis quando, muitas vezes, o emocional, é deixado de lado e poderia este ser bastante útil.

Uma prova segura do efeito da ética atual perante o Código de Ética e Disciplina da OAB é a quantidade de processos versando sobre publicidade encontrados nos Tribunais de Ética e Disciplina brasileiros.

Talvez o fato se deva à falsa consciência que se tenha sobre a publicidade ou ainda ao cientificismo e dogmatismo exacerbado em detrimento de fatores emocionais ou ainda atuais que estariam ligados à realidade mercadológica do advogado.

A ética não deve também ser considerada como fonte de pesadas e enfadonhas obrigações, mas como uma filosofia moral dignificante.

E é com esse pensar que observa-se a mudança constante das leis, e dentro desses exemplos, focando-se a publicidade dos advogados, percebe-se que o Provimento 94/00 é um exemplo claro de que, para atender às exigências da sociedade, o Código de Ética da OAB precisou ser atualizado, e precisa ser mais ainda.

O aumento de consultas aos tribunais de ética das seccionais da OAB nos Estados a respeito da publicidade é um indicativo, portanto de que há algo errado.

No Tribunal de Ética e Disciplina da seccional paulista da OAB há 2.400 processos administrativos e 1.500 processos disciplinares em andamento que tratam exclusivamente do tema [57].

"Recebemos em média 250 consultas ao mês abordando aspectos da publicidade na profissão’, diz o presidente da primeira turma do Tribunal de Ética da OAB-SP, Robison Baroni. Embora não tenha números, a seccional da OAB no Rio de Janeiro observa o mesmo fenômeno. ‘O interesse pelo assunto aumentou’, diz o advogado Álvaro César Rodrigues Pereira, conselheiro da OAB-RJ" (58).

Estes números são o vislumbre da tentativa de alguns advogados de buscar alternativas aos limites impostos pelo Código de Ética da OAB, ou seja, é o efeito da conseqüente noção que os advogados possuem da ética atualmente no que se refere à publicidade.

"Muitos apelam a formas mais discretas de publicidade, como o uso de adesivos em carros, a publicação de anúncios em revistas de público selecionado e até o patrocínio de embalagens de açúcar, como já presenciou Robison Baroni. Outros acabam apelando a formas mais intensivas, como anunciar em classificados de jornais com chamadas que oferecem seus serviços e iluminar as cidades com extravagantes outdoors" (59).

A revista Valor Econômico responsável pela entrevista a alguns advogados de grandes escritórios corporativos, através de seu jornalista Henrique Gomes Batista, conseguiu declarações que retratam a opinião destes operadores do direito para com a realidade vivida pelos advogados, no tocante à sua publicidade, in verbis:

"Para a presidente do Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (CESA), Clemencia Wolthers, também sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados, as regras éticas da Ordem são justamente mais voltadas aos ‘advogados de fórum’ do que aos escritórios empresariais.

Mesmo assim, ela ressalta que a OAB permite muitas formas de propaganda e que falta aos advogados um melhor entendimento da lei. Segundo ela, malas diretas, folders de apresentação e até anúncios em jornais e revistas, desde que atendidos alguns requisitos, são instrumentos permitidos e utilizados pelo seu próprio escritório. ‘Concordamos com as restrições da Ordem, que prezam pela discrição e moderação, mas as regras precisam se ajustar à realidade do mercado atual’, afirma. Ela também não vê problemas na liberação de anúncios em rádio e televisão e na utilização de fotos em impressos, desde que respeitando os preceitos da publicidade permitida. Mesmo dentro do Conselho Federal da OAB não há consenso em relação à publicidade.

O advogado Alfredo de Assis Gonçalves Neto, relator do provimento 94/2000, diz que não vê problemas na liberação de alguns itens que hoje são considerados antiéticos, como a utilização de nome fantasia por escritórios. ‘Mas é preciso uma fiscalização maior para combater a propaganda ostensiva’, diz" [59].

Os fatos mencionados na citação anterior são indicativos de que medidas podem ser adotadas visando a um aperfeiçoamento do Código de Ética da profissão advocatícia. É entendendo a sociedade, seus anseios, além de informando-a que se poderá obter leis mais condizentes com a realidade dos escritórios de advocacia corporativos. Não se está aqui pregando nenhuma liberalização. Mas sim, a lembrança da dinamicidade do Direito e, se a publicidade dos advogados ainda gera muitas controvérsias, chegou a hora de discuti-la para obter-se leis mais condizentes com o mercado atual e a sociedade reciprocamente.

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Sobre o autor
Eugênio Eduardo Tavares de Melo de Sá Pereira

bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap), bacharel em Administração de Empresas pela Universidade de Pernambuco (UPE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Eugênio Eduardo Tavares Melo Sá. Marketing jurídico e Código de Ética da OAB:: uma abordagem focada na publicidade dos escritórios de advocacia corporativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 434, 14 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5688. Acesso em: 20 abr. 2024.

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