4. A busca da justiça na alienação parental
Há dúvidas acerca da eficácia das decisões judiciárias em questões familiares agudas, tais como se tem mostrado as situações envolvendo alienação parental. Segundo Silva, existe uma utilização inadequada das leis e do poder judiciário pelos casais que buscam esses recursos para solucionar seus interesses, seus conflitos (psicopatológicos) de convivência, porque a função do Poder Judiciário é estabelecer regras, mas também proteger os cidadãos. Por isso, não se pode utilizar esse mesmo modelo para os casos de alienação parental, podendo o judiciário se tornar instrumento de manipulação do alienador, outorgando o juiz à alienação parental por sentença, de destituição de poder familiar, por exemplo.[31]
Nestas situações de tensão, o que interessa é a aplicação do direito de forma justa e eficaz, porque em se tratando de direito da infância e juventude, o juiz não pode agir de forma mecânica a serviço da lei, devendo utilizar-se de todos os meios, sem limitações a encontrar novas fórmulas que venham dar qualidade ao próprio sistema.
O direito não é somente o sistema de normas expressas, com vinculação lógica. É um fator de equivalência com a comunidade na ordem familiar e nas suas manifestações, causa de harmonia e conflitos sociais. Atuando como fiscal e controlador, o juiz, longe de oferecer seu próprio subjetivismo, tem apoio nas valorações da comunidade. Os confrontos que envolvem filhos impõem uma interpretação dos fatos, que situam o juiz diante de um vasto campo.[32]
Assim, sendo a alienação parental um problema relativamente novo, busca-se também uma solução nova, que ofereça uma sistemática de equilíbrio entre as partes, que medie a chegada da família na justiça, em busca de um caminho justo. Faz-se relevante avaliar o fenômeno do conflito, não só sob o ponto de vista jurídico, visto que onde há oposição de interesses, sentimentos, ideias, lutas ou disputas; deve ser visto no sentido concreto, pois demonstrado na prática, gera sentimentos de desordem, para os quais é necessário buscar estratégias jurídicas para o seu enfrentamento. Atentando-se para o fato de que o tema envolve também outros aspectos, não só jurídicos, como psicológicos, sociológicos e filosóficos, é preciso influência de outros setores do conhecimento a fim de entender a nova realidade jurídica tornando-se “cada vez mais essencial arejar o sistema jurídico, gerando oportunidades de diálogo entre este e as demais disciplinas sociais, abrindo o sistema para a complexidade e para a interdisciplinaridade”[33].
Com isso, busca-se um tratamento eficiente diante do complexo fenômeno conflituoso familiar.
Neste sentido, a Resolução A/53/243 da Assembleia Geral da ONU, realizada em 2000, dispõe sobre a necessidade de um entendimento mundial em buscar e primar pela cultura da paz:
[...] valores, atitudes e comportamentos que reflitam e inspirem interação social e partilha baseada nos princípios de liberdade, justiça e democracia, todos os direitos humanos, tolerância e solidariedade; que rejeitem a violência e se esforcem para evitar conflitos, atacando suas causas para resolver os problemas através de diálogo e os meios para participar plenamente no processo de desenvolvimento de sua sociedade.[34]
Com esta base mundial da cultura de paz, percebe-se na mediação uma forma de gestão pelas próprias partes, de seus conflitos, efeito que a sentença não produz, porque não tem uma resposta apaziguadora em razão de conflitos que não entram na seara afetiva.
A Mediação Familiar vem ganhando cada vez mais espaço, por ser uma técnica alternativa capaz de levar as partes à uma solução consensual, desempenhando dentro da família o seu papel mais importante: tornar possível a identificação das necessidades de cada integrante.[35] Cuida-se então, da busca conjunta por soluções aos conflitos familiares, fazendo da Mediação Familiar uma opção eficaz especialmente em casos envolvendo alienação parental.
Como já se referiu, trata-se de um procedimento estruturado no qual um terceiro qualificado intervém para gerenciar um conflito, promovendo o encontro entre as partes, fazendo com que elas próprias possam resolver tal dificuldade considerando a necessidade de ambos.[36]
A ideia principal da mediação é facilitar o diálogo a fim de dar continuidade à família, mesmo com a ruptura conjugal, preservando a identidade parental e conscientizando os membros da maneira como devem se relacionar, para que saibam cada um das suas obrigações, principalmente as de proteção e de educação da sua prole.
Na prática o que se verifica é que é justamente no momento da ruptura conjugal que as partes envolvidas necessitam de maior socorro, mais atenção do direito de família, não apenas de formalidade e decisões parciais. É preciso tocar na autoestima, que está destruída, atitude que não se encontra dentro de uma sala de audiências no sistema judiciário, por ser um ambiente hostil e cheio de disputas e discussões, que não promove o diálogo entre as partes, que não impulsiona os pais a uma atitude condizente a apaziguar um embate familiar.[37]
Atualmente a sociedade precisa de um avanço na gestão de conflitos familiares, que hoje ressurge da dificuldade de se encontrar solução adequada aos problemas diversos que surgiram com as relações modernas.[38] A família é a base de uma sociedade livre, e assim, quando se cuida da família, está se protegendo os interesses individuais e coletivos. O relacionamento entre pais e filhos bem gerenciado torna o grupo feliz e não é um interesse superior que vai ditar o que é essencial de cada pessoa no íntimo da família.[39]
A valorização excessiva da norma jurídica, nestes casos, acaba por se tornar um empecilho, já que é impossível regulamentar cada arranjo familiar, ao contrário, a mediação pode ser uma decisão rápida, ponderada e eficaz já que advinda das próprias partes, com soluções que levam em consideração os sentimentos e o desejo das pessoas, onde os envolvidos através de recursos pessoais tomam suas próprias decisões, por suas escolhas, complementando as decisões judiciais, tornando-se verdadeiramente eficiente, de maneira sustentável.[40]
5. A mediação na alienação parental
A mediação já foi comparada a um “fazer as pazes”, encontrando uma forma de facilitar o diálogo entre as partes litigantes.[41] Nesse sentido, pode significar uma das melhores formas de ajudar os casos de Alienação Parental os quais normalmente são discutidos por meio de longos, onerosos e desgastantes processos judiciais, que podem ser transformados em diálogo e compartilhamento de decisões com a ajuda do mediador. É muito frequente que soluções impostas por “acordos” forçados ou sentenças judiciais acabam retornando ao judiciário, por não ter satisfeito às necessidades das partes, que não conseguiram adequar a solução a um contexto afetivo de determinados conflitos. Para que isso ocorra, há métodos próprios: “A orientação e o acompanhamento psicoterapêutico a pais, filhos e famílias, a redução da intervenção judicial e a intensificação da mediação familiar”[42].
Assim, em se tratando de SAP, parece importante que seja exposta a necessidade de cada um, a busca de soluções em família, cujos diálogos não são oferecidos pelo sistema judiciário, pois seu foco é determinar, decidir algo, em nome da família, além do que em audiência não se oferece a oportunidade de exposição de dores e sentimentos, de um filho dizer ao pai ou à mãe como se sente, por exemplo, como ocorre na alienação parental.
De modo geral, é o próprio magistrado quem decide sobre temas de direito de família, sobre o destino dos envolvidos em um litígio; entretanto, não é aceitável que em ações de direito de família sejam aplicadas regras só por autoridade, não podendo amoldar a vida à norma; é necessário buscar além das regras, os princípios que regem tais questões, sem confrontar preceitos fundamentais, acrescentando normas de conduta às jurídicas, voltando-se para a pacificação.[43] É verdade que o juiz está submetido ao direito positivo, mas também está liberado a modernos critérios hermenêuticos, permitindo uma adequada acomodação valorativa.[44]
Assim, quando o magistrado constata, por exemplo, a alienação parental numa disputa de guarda de menor, pode se valer de suas prerrogativas. Nota-se que o papel do magistrado é de gerenciar quais demandas seguirão qual processo de resolução de conflitos, bem como esclarecer às partes quais sejam as opções que lhes estão sendo oferecidas.
Assim, ao magistrado, em audiência em que constate a necessidade das partes passarem mais tempo explorando seus interesses, opções e necessidades, cabe estimular os advogados e partes a participarem de mediações, indicando os seguintes pontos; i) Explicando no que consiste a mediação, como funciona o serviço de mediação forense e qual a importância da presença das partes; ii) Explicar porque a possibilidade da mediação está sendo apresentada às partes; e iii) Responder a questões específicas frequentemente apresentadas por advogados [...]. [45]
Desta forma, o magistrado pode e deve recomendar às partes a mediação, podendo utilizar-se de discurso mais direcionado, cumprindo seu papel social na prestação jurisdicional de forma equilibrada e muito mais satisfatória.
Considerações finais
A alienação parental compõe hoje um dos grandes desafios impostos ao direito de família. Ainda restam pendentes formas efetivas de resolução dos litígios familiares que envolvam A SAP. A grande maioria acaba caindo na vala comum, aguardando decisões unilaterais do judiciário, que, nestas situações em especial, quase nunca resolvem de fato os litígios, mantendo situações perniciosas entre os envolvidos, e sentimentos como ódio, desafeto e rancor acabando por eternizar entre as relações de pais e filhos e, finalmente, acaba por trazer sérias e negativas consequências psicológicas aos infantes. Parece urgente, em especial em SAP, a aplicação de novas formas de soluções pacíficas dos conflitos em nome do melhor interesse da criança e do adolescente e bem estar da família como um todo.
São visíveis os inúmeros benefícios que a mediação familiar pode proporcionar a sociedade, pois seu bem maior, que é o afeto e a família consta em primeiro lugar; a família, que antes só se submetia a decisões arbitrárias, precisa a ter a opção de administrar seus próprios conflitos, com ajuda de um mediador e com respaldo do judiciário para garantir aquelas mútuas decisões, encontradas pela própria família.
Neste sentido, a mediação familiar se mostra como uma importante ferramenta para resolver demandas judiciais envolvendo alienação parental, assim como os casos de rupturas conjugais que carecem de atendimento específico, porquanto além de satisfazer todos os envolvidos na relação familiar, por consequência, também tem ajudado a desafogar o judiciário dos processos tradicionais.
Notas
[1] SILVA, Regina Beatriz da; CAMARGO NETO, Theodureto de Almeida. Grandes Temas de Direito de família e das Sucessões. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 60.
[2] ALBUQUERQUE, Fabíola Santos; CEZNE, Graziela Oliveira Miolo. Revista Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister, 2007, p.73.
[3] FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Ragazzoni. Psicologia jurídica. São Paulo: Atlas, 2009, p. 310.
[4] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 456.
[5] Ibidem, p. 117.
[6] BRASIL. Lei nº 12.318, de 26 de agosto de 2010. Dispõe sobre alienação parental. Brasília, DF: Senado Federal, 2010.
[7] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome de alienação parental: o que é isso? Campinas: Armazém do Ipê, 2009, p. 44.
[8] DUARTE, Marcos. Alienação Parental: Restituição Internacional de Crianças e Abuso do Direito de Guarda. Fortaleza: Leis & Letras, 2010, p. 115.
[9] Ibidem.
[10] DUARTE, Marcos. Alienação Parental: Restituição Internacional de Crianças e Abuso do Direito de Guarda. Fortaleza: Leis & Letras, 2010, p. 116.
[11] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome de alienação parental: o que é isso? Campinas: Armazém do Ipê, 2009, p. 53.
[12] FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Ragazzoni. Psicologia jurídica. São Paulo: Atlas, 2009, p. 310.
[13] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda Compartilhada e Síndrome de Alienação parental, o que é isso?. Campinas: Armazém do Ipê, 2009, p. 55-56.
[14] Ibidem.
[15] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome de alienação parental: o que é isso? Campinas: Armazém do Ipê, 2009, p. 70-71.
[16] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 456.
[17] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda Compartilhada e Síndrome de Alienação parental, o que é isso? Campinas: Armazém do Ipê, 2009, p. 79.
[18] Ibidem, p. 44.
[19] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 455.
[20] Ibidem.
[21] SPENGLER, Fabiana Marion. Da jurisdição à mediação. Por uma Outra Cultura no Tratamento de Conflitos. Ijuí: Unijuí, 2010, p. 320.
[22] SIX, Jean François apud FUGA, Marlova Stawiski. Mediação Familiar. Passo Fundo: UPF, 2003, p. 65.
[23] Ibidem, p. 67.
[24] SERPA, Maria de Nazareth apud. FUGA, Marlova Stawiski. Mediação Familiar. Passo Fundo: UPF, 2003, p. 64
[25] FUGA, op. cit., p. 68.
[26] SOUZA, Luciane Moessa de. Mediação de Conflitos e o novo Código de Processo Civil. In: SPENGLER, F. M.; BEDIN, G.A. (org.). Acesso à Justiça, Direitos Humanos e Mediação. Curitiba: Multideia, 2013, p. 208.
[27] LEVY, Fernanda Rocha Lourenço. Guarda de filhos. Os conflitos no exercício do poder familiar. São Paulo: Atlas, 2008, p. 90-91.
[28] WARAT, Luis Alberto apud FUGA, Marlova Stawiski. Mediação Familiar. Passo Fundo: UPF, 2003, p. 91.
[29] Ibidem, p. 46.
[30] ÁVILA, Eliedite Mattos (org). Mediação Familiar: Formação de base. Disponível em: http://www.tj.sc.gov.br/institucional/mediacaofamiliar/apostila.pdf..Acesso em: 10 abr. 2013, p. 40.
[31] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome de alienação parental: o que é isso? Campinas: Armazém do Ipê, 2009, p. 85-86.
[32] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome de alienação parental: o que é isso? Campinas: Armazém do Ipê, 2009, p. 85-86.
[33] TARTUCE, Fernanda. Mediação nos Conflitos Civil. São Paulo: Método, 2008, p.25.
[34] Resolução A/53/243 da Assembleia Geral da ONU, p.106.
[35] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 85.
[36] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome de alienação parental: o que é isso? Campinas: Armazém do Ipê, 2009, p. 118.
[37] FUGA, Marlova Stawinski. Mediação familiar: quando chega ao fim a conjugalidade, Passo Fundo: UPF, 2003, p. 61.
[38] Ibidem, p. 61-63.
[39] Ibidem, p. 29.
[40] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p.85.
[41] SILVA, Denise Maria Perissini da. Guarda compartilhada e síndrome de alienação parental: o que é isso? Campinas: Armazém do Ipê, 2009, p. 118.
[42] Idem.
[43] DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 82.
[44] STRENGER, Guilherme Gonçalves. Guarda de filhos. 2.ed. São Paulo: DPJ, 2006, p. 99.
[45] AZEVEDO, André Gomma. Manual de Mediação Judicial. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/51028-Manual-de-Mediacao/>. Acesso em: 30 mar. 2013, p. 47-48.