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A norma geral antielisão. Parágrafo único do artigo 116 do CTN.

Breves considerações

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16/09/2004 às 00:00
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9. TIPICIDADE TRIBUTÁRIA UMA NOVA CONCEPÇÃO

Pouco a pouco, vem ganhando corpo uma nova concepção acerca da tipicidade tributária, que não pode ser tida como princípio absolutamente fechado. O direito tributário utiliza-se muitas das vezes de conceitos mais ou menos maleáveis (empresa, faturamento, receita) que, em virtude de razões de relevância até mesmo constitucional, demandam a necessária interpretação na busca de seu efetivo alcance.

José Marcos Domingues de Oliveira ensina que "a tipicidade aberta, através de conceitos indeterminados, é o caminho capaz de iluminar materialmente a conciliação ético-jurídica da liberdade humana com o dever social de prestar o tributo justo, justo porque conexo à capacidade contributiva dos cidadãos, sempre sob a reserva do controle de proporcionalidade das leis e dos atos administrativos de lançamento" [8].

Exemplos disso vêm dos tribunais em questões como a da COFINS, quando praticamente se pacificou o entendimento de que a receita de venda bens imóveis compõe o conceito de faturamento.

No caso, o Judiciário levou em consideração uma razão constitucional que foi o fato de que a Constituição estabelece que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade.

Da mesma forma, entendemos que, valores fundamentais que embasam a ordem jurídico-constitucional brasileira fornecem o terreno fértil para que a norma antielisiva possa ser utilizada como um mecanismo controlado de ajuste da legalidade a fim de atingir as efetivas capacidades contributivas nos casos de comprovada dissimulação do fato gerador ou da natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.


10. NORMA ANTIELISÃO E ANALOGIA

A norma geral antielisiva não representa uma espécie de integração analógica.

A analogia pode ser entendida como "a aplicação, a um caso não regulado de modo direto ou específico por uma norma jurídica, de uma prescrição normativa prevista para uma hipótese distinta, mas semelhante ao caso não contemplado, fundando-se na identidade do motivo da norma e não na identidade do fato" [9].

O parágrafo único do art. 116 do CTN não exige qualquer semelhança entre um ato ou negócio e outro tido como hipótese de incidência, apenas possibilita a desconsideração de atos ou negócios praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária.

Mas a semelhança eventualmente existente entre um ato ou negócio utilizado com o fim de dissimular e o fato gerador de um tributo não desautoriza a desconsideração, já que, neste caso, a legalidade é flexibilizada não em virtude do emprego de analogia, mas sim, da concessão feita pela norma antielisão, alicerçada no princípio da capacidade contributiva.


11. CONCLUSÃO

O parágrafo único do artigo 116 do CTN é compatível com o sistema jurídico-constitucional brasileiro. Tal conclusão advém da interpretação da norma orientada por um critério que busca o equilíbrio de valores como a liberdade, a segurança jurídica e a justiça.

Os tempos atuais demandam uma nova visão do Direito Tributário, dissociada do positivismo formalista que vem predominando na doutrina pátria. Os princípios da legalidade e da tipicidade não devem ser encarados como dogmas, mas como garantias do contribuinte, que podem ceder em determinadas circunstâncias, desde que presentes critérios de razoabilidade, necessidade, utilidade, prestigiando-se a capacidade contributiva como expressão de valores como a justiça, a igualdade e a solidariedade.

Sob esse enfoque, as palavras-chave para entender e interpretar a norma antielisiva de modo a compatibilizá-la com os princípios constitucionais, como convém a um sistema pautado na presunção de legalidade e de constitucionalidade das leis, são a dissimulação e o abuso de direito.

A importância que o direito tributário assume nos dias de hoje impõe que o Legislador, o Judiciário e o aplicador do direito de um modo geral tenham a coragem de avançar sobre o tema, não com o objetivo de solapar garantias conquistadas a duras penas, mas sim de aperfeiçoar o sistema de modo a torna-lo mais justo e coerente com as demandas cada vez mais prementes da sociedade moderna.


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Notas

1 GRECO, Marco Aurélio. Planejamento Fiscal e Interpretação da Lei Tributária. São Paulo. Dialética. 1998. pp. 127-128.

2 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1998, p. 1035.

3 ALEXY, Robert. Teoria de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 87.

4 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 112.

5 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. 7. ed. Rev. e compl. à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional n° 10/1996. Rio de Janeiro, Forense, 1998, p. 546.

6 MAXIMILIANO, Carlos. Interpretação e Aplicação do Direito, 2ª ed., Livraria Globo, 1933, p.183.

7 RIBEIRO, Ricardo Lodi. A Elisão Fiscal e a LC n°104/01. RDDT n° 83:141-149, 2002.

8 OLIVEIRA, José Marcos Domingues de. "Legalidade tributária. O princípio da proporcionalidade e a tipicidade aberta" in "Estudos de Direito Tributário em homenagem à memória de Gilberto de Ulhôa Canto" (Cood) Maria Augusta Machado de Carvalho. Rio de Janeiro. Forense. 1998. p. 215.

9 DINIZ, Maria Helena, Dicionário Jurídico, vol. 1, São Paulo: Saraiva, 1998, pp.193-4.

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Sobre o autor
Daniel da Silva Ulhoa

procurador da Fazenda Nacional, MBA em Direito da Economia e da Empresa pela FGV

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ULHOA, Daniel Silva. A norma geral antielisão. Parágrafo único do artigo 116 do CTN.: Breves considerações. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 436, 16 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5692. Acesso em: 26 abr. 2024.

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