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O poder reformador e seus limites.

Análise crítica do § 3º, art. 114, CF/88, acrescentado pela EC nº 20/98

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16/09/2004 às 00:00
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CAPÍTULO VII

DO PODER JUDICIÁRIO – DIVISÕES DE COMPETÊNCIAS

O legislador constituinte, nos arts. 92 a 126 da Constituição Federal de 1988 tratou do "Poder Judiciário", subdividindo-o em órgãos organizados de maneira vertical e dando a cada um deles determinada competência, cuja função é eminentemente jurisdicional. Assim, coube ao Supremo Tribunal Federal, como guardião da Magna Carta, zelar pela supremacia das normas constitucionais, a quem incumbe, em última análise, exercitar o controle de constitucionalidade jurisdicional.

O judiciário foi subdividido em órgãos (art. 92, I a VII, CF/88), cada qual com a sua competência definida pelo Texto Supremo. Coube, então, ao Supremo Tribunal Federal, além de atuar como guardião da Constituição Federal (art. 102), apenas para exemplificar, processar, nas infrações penais comuns, o Presidente da República, o Vice-Presidente- Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República.

Ao Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, compete processar e julgar, originariamente, nos crimes comuns, os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, e, nestes e nos de responsabilidade, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais (art. 105, inciso I, letra "a").

Aos juízes federais compete processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho (art. 109, inciso I), (grifo nosso).

Aqui há uma peculiaridade que deve ser observada pelo leitor. Refiro-me à exceção inserida no Texto Supremo nesse art. 109, inciso I, quando delineou o campo de autuação dos juízes federais (um dos órgãos do Poder Judiciário). Veja que, em todas as causas onde houver a participação da União, entidade autárquica ou empresa pública federal, na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes a competência é afeta à justiça federal; exceção à regra tão somente aquelas apontadas pelo próprio art. 109, inciso I, ou seja, as falências, as de acidentes de trabalho e as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho onde aqueles "entes" acima indicados tenham qualquer interesse (de caráter processual).

Conclui-se, então, que a União sempre demandará ou será demanda perante um juízo federal, exceto quando se tratar de "causa" onde envolva falência, acidente de trabalho, ou quando for de competência privativa da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho.

A dúvida que a exceção poderia causar é dissipada pelo art. 114 do mesmo texto, in verbis, que indica a competência privativa da Justiça do Trabalho como sendo,

[...] conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas.

Destarte, é correto dizer que a União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais só demandarão ou serão demandadas na Justiça do Trabalho quando a controvérsia resultar da relação de trabalho ou quando se relacionem com litígios que tenham origem no cumprimento de sentenças onde esses "entes" sejam partes (grifo nosso).

Ressalvadas essas duas situações típicas e claras, sempre e invariavelmente as demandas de interesse da União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais, serão afetas à Justiça Federal, em seus vários níveis.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 150, que diz o seguinte: "Compete à Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou empresas públicas".

E assim está estruturado o Poder Judiciário no Texto Magno vigente, cujas normas que regulam as competências se apresentam de modo harmônico, dando sentido e racionalidade ao sistema, já que esse "Capítulo" é parte menor do conjunto que compõe a norma fundamental.

Portanto, não me permito concluir pela revogação, ainda que parcial, do inciso I, art. 109 por parte do § 3º, art. 114, da Constituição Federal, o que me faz afirmar que os juízes do trabalho não são competentes para cobrar as contribuições previdenciárias de que é titular o Instituto Nacional de Seguro Social.


CAPÍTULO VIII

DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS E O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE

SILVA [23] define princípio como "ordenações que se irradiam e imantam os sistemas de normas"; já CANOTILHO [24] identifica-o como "núcleos de condensações nos quais confluem valores e bens constitucionais".

Em razão da precisão magistral, preferimos adotar o conceito de MELLO [25] para quem princípio é,

[...] mandamento nuclear do sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

No direito constitucional pátrio adotou-se os critérios de identificação dos princípios de índole constitucional de CANOTILHO [26], cuja enumeração é a seguinte: a) Grau de Abstração – os princípios são normas como um grau de abstração relativamente elevado; b) Grau de Determinabilidade – os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras; c) Caráter de Fundamentalidade no Sistema das Fontes de Direito – os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes; d) Proximidade da Idéia de Direito – os princípios são standards juridicamente vinculantes radicados na idéia de direito; e) Natureza Normogenética – os princípios são fundamentos de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.

De fato, princípio passa-nos a idéia de regra orientadora, cujo raio de ação circunda as demais normas que compõem o emaranhado normativo o qual se denominou de "sistema de direito positivo".

Via de regra, os princípios (implícitos e explícitos) estão inseridos em posição estratégica no texto escrito da Constituição Federal, extraindo dessa situação o seu caráter fundamental - norteador de todo o sistema (grifo nosso).

Discussões à parte quanto à superioridade dos princípios em relação às demais normas de natureza constitucional, é importante destacar que essa "pedra angular" tem como objetivo "definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo", tal como asseverou MELLO [27]; daí porque todos os doutrinadores, sem exceção, ressaltam a importância do princípio para determinado sistema normativo positivado, que tem o condão de orientar as outras normas, dando-lhe não só a necessária racionalidade como também sentido único [28].

É esse "sentido único" que, não raro, é abalado por norma infra-constitucional que adentra ao sistema (através do método convencional – regras de estrutura), mas que não guarda qualquer relação com o próprio (sistema de direito positivo), invertendo os valores fundamentais, modificando (ou ao menos pretendendo modificar) o sentido e o alcance de outras normas (principalmente daquelas chamadas "estruturais"), enfim, causando ruptura nos alicerces do edifício de Celso Antônio Bandeira de Mello (grifo nosso).

Felizmente, vários são os critérios eleitos pelo constituinte originário para eliminar essas diferenças, reparar os estragos estruturais, enfim, promover novamente a harmonia do sistema (v.g. revogação da lei ou ato normativo, controle de constitucionalidade pelo Poder Judiciário etc.), (grifo nosso).

Acerca desse último critério, aliás, SILVA [29] escreveu que "o princípio da supremacia requer que todas as situações jurídicas se conformem com os princípios e preceitos da Constituição", trazendo à baila novamente a carga fundamento do princípio, no caso, o da supremacia da norma constitucional.

Sabe-se que no Brasil o sistema de controle de constitucionalidade contempla o político e o jurisdicional, sem abarcar o misto, peculiar da Suíça, onde as leis federais ficam sob controle da Assembléia Nacional, e as leis locais sobre o controle jurisdicional (grifo nosso).

Aqui, no exercício do controle jurisdicional, cabe ao Poder Judiciário garantir a harmonia do sistema quando ocorrem situações que provocam a desorganização e o abalo estrutural já relacionado acima (através do controle difuso ou concentrado), (grifo nosso).


CAPÍTULO IX

DOS PRINCÍPIOS VIOLADOS PELO § 3º, ARTIGO 114, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CLÁUSULAS PÉTREAS – EMENDA INCONSTITUCIONAL

A partir do raciocínio desenvolvido neste trabalho, pode-se afirmar que ocorreu a ruptura do sistema com a introdução do § 3º, art. 114, da Constituição Federal, através da EC nº 20/98.

Violados foram os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa, ambos insculpidos no artigo 5º, inciso LV do Texto Supremo e que, mais que princípios, são verdadeiras garantias individuais dos cidadãos, portanto, cláusulas pétreas, intocáveis pelo legislador titular do poder reformador, tal como explanado alhures.

A Constituição Federal assegura aos acusados e aos litigantes em geral, em processo judicial ou administrativo, o direito a ampla e contraditório, com todos os recursos a ela inerentes. O contraditório tornou-se a partir de 1988 a regra e não a exceção.

O mestre português FREITAS apud CANOTILHO é preciso ao afirmar que,

[...] por princípio do contraditório entendia-se tradicionalmente a imposição de que, formulado um pedido ou tomada uma posição por uma parte, devia à outra ser dada uma oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão, tal como, oferecida uma prova por uma parte, a parte contrária devia ser chamada a controlá-la e ambas sobre ela tinham o direito de se pronunciar, assim se garantindo o desenvolvimento do processo em discussão dialética, com as vantagens decorrentes das afirmações das partes. (30)

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A esta concepção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contrariedade, com origem na garantia constitucional do rechtliches gehor, entendida como garantia de participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena, igualdade, influírem em todos os elementos (factuais, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.

O contraditório e a ampla defesa são garantias do cidadão e têm por base o princípio da igualdade. Por ampla defesa, entende-se o asseguramento que é dado ao réu de condições que lhe permitam trazer para o processo todos os elementos que tendentes a esclarecer a verdade ou mesmo de omitir-se ou calar-se, se entender necessário, enquanto o contraditório é a própria exteriorização da ampla defesa, impondo a condução dialética do processo (par conditio), pois a todo ato produzido pela acusação, caberá igual direito da defesa de opor-se-lhe ou de dar-lhe a versão que melhor se apresente, ou, ainda, de fornecer uma interpretação jurídica diversa da que foi dada pelo autor.

Já dizia Aristófanes: "Como era sábio aquele que disse: não julgues sem ter ouvido ambas as partes". O contraditório e a ampla defesa são garantias político-constitucionais do indivíduo.

O princípio do contraditório é decorrência de um antigo brocardo latino audiatur et altera pars que significa que ninguém pode ser acusado sem ser ouvido, as partes devem ter as mesmas prerrogativas durante o desenvolvimento da relação jurídica processual. A ampla defesa e decorrência do contraditório sendo necessária para que as partes possam ter o seu direito respeitado. É imprescindível que o réu tenha todas as oportunidades de fazer valer o seu direito. Sendo assim, faz-se indispensável a citação, as intimações para a prática dos atos processuais, a publicidade das decisões, etc.

O Professor Cândido R. Dinamarco assevera que a garantia constitucional do contraditório dirige-se também ao juiz, como imperativo de sua função no Processo. O novo Código de Processo Civil Francês dispõe que "o juiz deve, em todas as circunstâncias, fazer observar e observar ele próprio o princípio do contraditório" e o Código de Processo Civil Português em seu art. 3º, § 3, in verbis, estabelece que,

O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se manifestarem.

Na hipótese em apreço, dada a inexistência do lançamento (entendido como ato administrativo praticado por agente capaz), inexistirá, também, o procedimento administrativo onde ao sujeito passivo deveria ser assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Como exigir do juiz - quando pratica o "lançamento" -, a observância do princípio da ampla defesa e do contraditório se o magistrado atua como substituto processual do titular do crédito tributário (executar, de ofício, é o que diz a regra inserida pelo legislador titular do poder reformador), exercendo função administrativa e, ao mesmo tempo, função judicial?

Quem irá analisar a adequação, o motivo, a pertinência, enfim, a legalidade do ato do juiz que fixa o quantum debeatur a título de contribuição previdenciária a cargo do empregador (como agente fazendário) e exige (aí sim, como julgador) o pronto pagamento?

Ainda que se admita, logo após o "lançamento" praticado pelo magistrado, a inclusão no pólo ativo da relação processual do titular do crédito tributário, ou seja, do Instituto Nacional de Seguro Social, ainda assim o magistrado terá praticado verdadeira função administrativa para a qual não é competente.

Só por isso é fácil concluir pela violação de tais princípios na medida em que não é dado ao "contribuinte" o direito de, após o lançamento, impugnar a exigência tributária, tal qual prevê o sistema positivo brasileiro.

Imaginar que o "contribuinte" tem direito de, oferecidos bens à penhora, discutir a legalidade do ato e a tipicidade da conduta via embargos do devedor (ou outro procedimento judicial específico), é negar a existência do processo no âmbito administrativo e as garantias a ele inerentes.

Há, também, violação ao princípio da tripartição ou separação dos poderes, um dos pilares do Estado de Direito, na medida em que a regra do § 3º, art. 114 da Constituição Federal de 1988, introduzida pela Emenda Constitucional nº 20 (vinte) transfere ao Poder Judiciário função que é do Poder Executivo.

Esse princípio tem-se afirmado como critério estruturante da organização jurídico-política dos Estados contemporâneos, na visão de Fernando Suordem [31].

Guarda ele uma pluralidade de sentidos, destacando-se os seguintes: a) separação de poderes como distinção entre os campos de atuação do Legislativo, Executivo e Judiciário; b) a separação de poderes designando quer funções estatais distintas, quer os respectivos órgãos que as personalizam; c) a separação de poderes como garantia da independência entre os diferentes órgãos que desempenham as funções do Estado; d) a separação de poderes como limitação e controle do poder de um órgão estatal em face do outro, mediante mecanismos específicos; e, e) a separação de poderes como garante dos direitos fundamentais.

A adoção do princípio da separação dos poderes redunda hoje, sob o prisma instrumental (que acentua a dimensão funcional-organizatória), na possibilidade concreta de limitação do poder político e naquela de garantir os direitos individuais, paradigmas que constituem a base sobre a qual se funda o Estado de Direito.

Em sua obra mais famosa, "O Espírito das Leis", Montesquieu deu ênfase ao princípio da separação dos poderes, apresentando uma concepção inovatória em relação às anteriores. Para este autor, o Poder Legislativo era aquele de fazer as leis. O Poder Executivo o de realizar a paz ou a guerra, de enviar ou receber embaixadas, de manter a segurança e de prevenir invasões. O Poder de julgar era o de punir os crimes ou de resolver os conflitos de interesses entre particulares.

A distinção funcional entre legislar e executar era, para este autor, absolutamente essencial. Ela traduzia duas formas materialmente distintas de atuação do Estado: a de editar normas gerais e abstratas e a de executa-las, aplicando-as a casos concretos, distinção esta primordial no Estado de Direito.

Para Montesquieu, o essencial era garantir que a edição de leis e sua execução fiquem orgânica e pessoalmente separadas, pois, só assim seria possível impedir a existência de leis tirânicas, fato inevitável, quando quem as elabora também deve executa-las e pode modifica-las.

No que dizia respeito à autonomia do Poder Judicial a posição de Montesquieu era enfática: os juízes deviam ser apenas a boca que pronunciava as palavras da lei. Conhecidos os fatos e a regra de direito, o juiz apenas procederia a uma operação lógica e automática de aplicação das leis aos fatos.

O princípio da separação dos poderes vem referido na Carta Constitucional de 1988, em especial em seu art. 2º, que diz: "São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário".

Segundo SILVA [32], "esse é um princípio geral do Direito Constitucional que a Constituição inscreve como um dos princípios fundamentais que ela adota". Para o mesmo autor, "Poder é expressão com duplo sentido. Exprimem, a um só tempo, as funções legislativa, executiva e jurisdicional e indicam os respectivos órgãos, conforme descrição e discriminação estabelecida no título da organização dos poderes".

Cumpre não confundir funções do poder com divisão ou separação de poderes, porquanto funções são especializações de tarefas governamentais à vista de sua natureza, sem considerar os órgãos que as exercem, ao passo que divisão de poderes significa confiar cada uma das funções governamentais a órgãos diferentes (grifo nosso).

Destarte, separar os poderes, tal como prevê a Carta Política é, acima de tudo, é especializar funções.

Na medida em que o poder constituinte derivado autorizou a Justiça do Trabalho a "executar, de ofício" crédito tributário de que é titular o Instituto Nacional de Seguro Social, autarquia federal da União, órgão do Poder Executivo, a meu ver feriu o princípio da separação dos poderes inserto no art. 2º do Texto Magno, porquanto atribuiu indevidamente ao órgão do Poder Judiciário função que é do Poder Executivo.

Lembre-se, ainda, que o Poder Judiciário exerce a jurisdição. A função jurisdicional só atua diante de casos concretos de conflitos de interesse (lide ou litígio) e, sempre na dependência da evocação dos interessados, porque são deveres primários destes a obediência à ordem jurídica e a aplicação voluntária de suas normas (grifo nosso).

A jurisdição é, por sua própria natureza, atividade desinteressada do conflito, posto que o juiz é eqüidistante dos interessantes e se submete a imparcialidade para a solução do conflito de interesses.

Em suma, a prestação jurisdicional é uma atividade invocada pelas partes e não espontânea do Estado, embora seja uma das expressões de sua soberania.

Desse modo, não se coaduna e nem compatibiliza com a função do Poder Judiciário a de "executar, de ofício", contribuição social de interesse do INSS, autarquia federal da União, órgão do Poder Executivo, porquanto essa atividade é desinteressada (grifo nosso).

Por último, destaca-se a erosão criada pela norma inserida pelo poder constituinte derivado, na medida em que causou desarmonia com o inciso III, art. 109 da Constituição Federal de 1988.

Isto porque, tal como já explanado alhures, a União, entidades autárquicas ou empresas públicas federais só demandarão ou serão demandadas na Justiça do Trabalho quando a controvérsia resultar da relação de trabalho ou quando se relacionem com litígios que tenham origem no cumprimento de sentenças onde esses "entes" sejam partes (grifo nosso).

Destarte, é forçoso concluir pela incompetência da Justiça do Trabalho para, de ofício ou até mesmo mediante provocação, cobrar créditos tributários pertencentes à União, onde há transferência ativa desse mesmo crédito para o Instituto Nacional de Seguro Social – INSS.

Se todos os juízes possuem jurisdição, nem todos, porém, se apresentam com a competência para conhecer e julgar determinado litígio. Só o juiz competente tem legitimidade para faze-lo. Como bem conclui Andrioli, "A competência é um critério de legitimação interna à ordem judiciária". [33]

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Sobre o autor
Ary Raghiant Neto

Advogado em Campo Grande (MS),especialista em Direito Tributário, aqui atuando para Recife.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAGHIANT NETO, Ary. O poder reformador e seus limites.: Análise crítica do § 3º, art. 114, CF/88, acrescentado pela EC nº 20/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 436, 16 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5693. Acesso em: 26 abr. 2024.

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