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Dolo eventual e culpa consciente: conceitos e distinções

07/04/2017 às 15:45
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O estudo do dolo e culpa é crucial para julgar a tipicidade de um delito, mas a linha que separa o dolo eventual da culpa consciente é tênue.

INTRODUÇÃO

Não há nada mais difícil na seara probatória, sobretudo, em termos de Direito Penal e Processual Penal, do que aferir a intencionalidade de um criminoso no momento da prática de um delito. Uma vez demonstrada a realização de um comportamento humano proibido, torna-se crucial “desvendar” a força psicológica que impulsionou aquela conduta.

E, sobre essa “força psicológica” ao qual denominamos tecnicamente de dolo ou culpa (a depender do caso) poderemos perceber sobre qual tipo legal estará incurso o agente. Isto posto, o estudo destas duas espécies de elementos subjetivos, revela-se de suma importância para o adequado juízo de tipicidade.

Imagine: você está em frente à sua casa sentado em sua poltrona, quando, de repente, é surpreendido por um acidente de trânsito, (no qual um transeunte torna-se uma vítima fatal) com o qual, percebe-se que o condutor do veículo está levemente embriagado, indaga-se, cometeu o infrator um homicídio doloso ou, culposo no trânsito?

Por isso, diante de tais indagações e para que se possa elaborar um competente juízo de legalidade criminal, abordaremos neste artigo jurídico aspectos que lhe ajudarão a reconhecer as especificidades de tais modalidades, bem como, dirigir uma boa adequação típica por parte do julgador.


1. O CONCEITO ANALÍTICO DE CRIME

Ao ingressarmos em pleno Século XXI e, após passarmos por uma série de modificações na doutrinação do Direito Penal (impulsionada pela experiência proporcionada pelas Escolas Penais) alguns grandes temas deste ramo da ciência jurídica tornaram-se robustos e, dotados de solidez científica.

Dentre tais temas, que passaram a gozar de aceitação pacífica (ainda que não goze de imutabilidade) por parte dos doutrinadores, está aquele que se expressa no conceito analítico de crime. Tal teorização, busca, em síntese, trazer a lúmen a reunião de elementos jurídicos e, por isso, essencialmente conceituais, que caracterizem em essência o nascimento de um delito, ou seja, trata-se de um conjunto de valores e normas que denotam o nascimento/caracterização do fenômeno delitivo (sob um viés de subsunção).

Segundo os seus preceitos, em termos singelos, crime é um fato essencialmente típico, ilícito e culpável. Onde, logicamente, a ausência de um desses elementos denota a inexistência de um fato delituoso, muito embora, poder-se-á estar diante de um fato de repercussão extrapenal (relevância nas áreas cível, administrativa etc.).

Sendo assim, diante de tal ótica, a ocorrência de um crime depende da conjugação dos elementos tipicidade, antijuridicidade (ilicitude) e, culpabilidade. Onde para nós, a relevância das distinções entre dolo eventual e culpa consciente, encontram-se no primeiro degrau (tipicidade) da escada criminosa.

Pois bem, uma vez situada a precisa localização do cerne da nossa discussão (no âmago da tipicidade) passemos agora, a sua classificação quanto ao aspecto da subjetividade, ou melhor, sob o animus que move a conduta criminosa.


2. ELEMENTOS SUBJETIVOS DO TIPO PENAL

Ao iniciarmos a análise típica de um fato supostamente delituoso, devemos em primeiro lugar observar a presença de algumas condicionantes, quais sejam, a (a) ação ou omissão voluntária por parte do agente; a (b) respectiva presença de um tipo penal que se subsuma ao fato e (c) a existência de um fluxo psicológico (dolo ou culpa), que inspira e motiva o sujeito a percorrer o trajeto criminal.

E, é nesse terceiro ponto qualificativo da tipicidade, que devemos compreender e perceber sob qual elemento subjetivo estamos diante, se é o do dolo ou, o da culpa. Como veremos nos próximos itens, são os seus requisitos (elementos) que servirão de base para uma correta distinção entre uma modalidade e outra.

Assim, o que nos interessa aqui, a fim de uma aferição concreta da tipicidade de um fato, são os seus elementos subjetivos, como, o próprio termo induz, ligado ao próprio sujeito, à pessoa, portanto, de cunho pessoal.


3. DOLO EVENTUAL E CULPA CONSCIENTE

Cumpre esclarecer ao leitor que, embora o objeto de estudo deste artigo seja o binômio dolo eventual/culpa consciente, os elementos dolo e culpa apresentam outras formas e classificações, a saber, o (a) dolo direto de primeiro ou segundo graus e, a (b) culpa inconsciente, entretanto, diante de um caso concreto, a ocorrência de uma ou outra torna-se de fácil aferição, ante a discrepância entre elas.

Posto isto, nos limitaremos as modalidades dolo eventual e culpa consciente pelo simples fato de possuírem um denominador comum, que é a consciência (e, daí resultar as dúvidas e indagações) que, assim, torna cinzenta a linha que separa uma da outra.

Pois bem, passemos, agora, a conceituação de ambas.

3.1 CONCEITUAÇÃO DOUTRINÁRIA

Segundo o Professor Cezar Roberto Bitencourt (2012, p. 354), “haverá dolo eventual quando o agente não quiser diretamente a realização do tipo, mas aceitá-la como possível ou até provável, assumindo o risco da produção do resultado (art. 18, I, in fine, do CP). No dolo eventual o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como possível, mas, apesar de prevê-lo age aceitando o risco de produzi-lo”.

Percebe-se, da citação acima, que o eminente doutrinador coloca em destaque a expressão “não querer” causar o resultado, reconhecendo-o, “apenas”, na modalidade mais amena, que é justamente a anuência (em assumir o seu risco) e, o fato da previsão do mesmo resultado ser possível de concretização (previsão consciente).

No que toca ao conceito de culpa consciente, explica o mesmo Professor (2012, p. 374), que “há culpa consciente, também chamada culpa com previsão, quando o agente conhece a perigosidade da sua conduta, representa a produção do resultado típico como possível (previsibilidade), mas age deixando de observar a diligência a que estava obrigado, porque confiava convictamente que ele não ocorrerá”.

Em outros termos, o elemento subjetivo da culpa consciente representa uma infringência ao dever de cuidado ao qual todos devemos ter em nossas relações sociais, pois, quando se está diante de uma situação sabidamente (previsão) de perigo, o agente infrator confia convictamente em sua destreza de tal maneira, que acaba, mesmo assim, causando um resultado danoso.

3.2 CARACTERES ESSENCIAIS E DISTINTIVOS

Pois bem, mas em termos claros, o que distingue o dolo eventual e a culpa consciente?

Analisemos o dolo eventual.

Em análise inicial, devemos ter em mente que o dolo em sentido lato (seja ele direto ou eventual) apresenta dois caracteres essenciais, que são a consciência (elemento cognitivo) e a vontade (elemento volitivo), indispensáveis para a sua caracterização.

No que toca a consciência na seara do crime doloso, esta exprime uma ciência que o sujeito ativo de um crime tem, acerca de estar concorrendo para a prática de um delito, ou seja, é saber que viola um bem dotado de importância e, por tal motivo, protegido pela lei penal. Entretanto, a vontade que é a sua mola mestra e impulsionadora, representa o estado de ânimo do delinquente no sentido de buscar uma satisfação pessoal ou de terceiro, com a prática do crime.

O dolo eventual, ao contrário do dolo direto, não possui esse caráter acentuado de volição na causação do resultado danoso, mas, sim, de maneira menos acentuada, anui (concorda) com a sua realização, ante o desejo de execução de um fim alheio ou não ao crime.

Já na culpa consciente, o violador da norma penal não deseja a busca de um delito, pelo contrário, até a repulsa, mas, por uma imprudência, negligência ou, imperícia, acaba-o causando.

Sendo assim, pode-se dizer, em termos conceituais que a culpa consciente é caracterizada pela previsão de um resultado ser passível de acontecimento (previsibilidade objetiva), mas, apesar de acreditar seriamente que tal fato não se concretizará, o agente falha (por uma imprudência, negligência ou, imperícia) em sua conduta, violando, assim, o dever de cuidado.

Para o já citado Professor Bitencourt (2012, p. 377) “duas teorias, fundamentalmente, procuram distinguir dolo eventual e culpa consciente: teoria da probabilidade e teoria da vontade ou do consentimento. Para a primeira, diante da dificuldade de demonstrar o elemento volitivo, o querer o resultado, admite a existência do dolo eventual quando o agente representa o resultado como de muito provável execução e, apesar disso, atua, admitindo a sua produção. No entanto, se a produção do resultado for menos provável, isto é, pouco provável, haverá culpa consciente. Para a segunda, isto é, para a teoria da vontade, é insuficiente que o agente represente o resultado como de provável ocorrência, sendo necessário que a probabilidade da produção do resultado seja incapaz de remover a vontade de agir, ou seja, o valor positivo da ação é mais forte para o agente do que o valor negativo do resultado, que, por isso, assume o risco de produzi-lo”.

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Isto posto, ante uma análise ampla do exposto, pode-se chegar a dizer que o clímax do ponto diferenciador das duas figuras reside, no que toca a culpa consciente, na negação da vontade do autor em causar um resultado, acrescida há uma infringência ao dever de cuidado, em quanto, o dolo eventual, ainda que de maneira paralela, busca realizá-lo.

3.3 CASO PRÁTICO

Ao ser elaborada a introdução deste artigo jurídico foi posto para a análise do leitor, um caso hipotético em que se buscou demonstrar as dificuldades práticas em se diferenciar a culpa consciente e o dolo eventual.

Analisemos um caso hipotético e, tentemos desvendar se estamos diante de um crime doloso ou culposo.

A situação fictícia é a seguinte: José é um jovem engenheiro civil e, após uma série de dificuldades para se alocar no mercado de trabalho, consegue, enfim, seu tão sonhado emprego, muito embora não levasse muito jeito com os cálculos que a tão sonhada profissão exige destreza.

Nosso rapaz, apesar de bom moço era extremamente desatento com os seus afazeres, sobretudo, por ser extremante falante volta e meia se envolvia em alguns deslizes. Certo dia, após receber um projeto de seu novo empregador, qual seja, estabelecer a reforma da fachada de um imóvel, o novato engenheiro ávido a demonstrar eficiência e celeridade, ordenou a aquisição de um material de pouquíssima qualidade, de “segunda mão” e, de procedência duvidosa. Mesmo assim, empregados os materiais na obra, poucos dias depois a entregou pronta ao seu patrão.

Ocorre que, passados alguns dias, algumas tascas de reboco caírem da fachada do prédio no corpo de uma transeunte, causando-lhe escoriações leves. Diante de tais fatos, praticou o engenheiro, responsável pela obra, o crime de lesão corporal dolosa ou culposa?

Diante de tal indagação deve-se elaborar a seguinte pergunta: o agente criminoso agiu com indiferença (em relação à possibilidade de causar acidentes) no momento em que adquiriu materiais impróprios para uso ou, violou um dever de cuidado com a qual a sua profissão exige, sendo assim, imprudente no exercício de seu ofício?

Parece-nos que a segunda inquirição mais se encaixa perfeitamente ao caso proposto.

Vejamos.

Desde o início as qualidades pessoais do nosso personagem apontam para o fato de ser uma boa pessoa, não denotando, com isso, em análise superficial, um animus aflorado e proposital em causar acidentes.

Na verdade, pela narrativa apresentada, parece-nos que o sujeito ativo do delito mais faltou com um dever de cuidado no momento da compra dos materiais, do que com uma aquiescência em causar acidentes.

Sendo assim, parece estar confirmada a existência do crime de lesão corporal culposa (na modalidade culpa consciente), pois, era previsível que ao adquirir materiais impróprios para o uso, podia-se causar acidentes (previsibilidade objetiva) faltando, assim, o inexperiente jovem, com zelo e diligência com o qual a sua importante profissão exige.

Logo, cometeu o engenheiro o crime de lesão corporal culposa, na forma de culpa consciente.


CONCLUSÃO

Com o decorrer do artigo, procurou-se demonstrar a zona limítrofe que existe quando se debruça sob o binômio dolo eventual/culpa consciente, notadamente quando se está diante de casos práticos. Por isso, não é de se surpreender, na análise concreta dos fatos se, algum dos personagens do processo criminal sentir sérias dúvidas quanto a ocorrência de um crime doloso ou culposo.

Para tanto, diante de tais casos, deverá o observador lançar mão de algumas questões que o ajudarão na resolução do caso, como, por exemplo, se na narrativa casuística é preponderante a falta de diligência (cuidado) do agente ao exercer a sua atividade causal ou, se este agiu com indiferença quanto à possibilidade de praticar um resultado danoso, ao se buscar um determinado objetivo?

Afora tais critérios basilares, há teorias (como demonstrado no item 3.2) que ajudarão o operador do direito na enfadonha missão de adequar tipicamente um fato de dúbia subsunção, como fora o apresentado, logo, em outras palavras, nada melhor do que os fatos e, a personalidade do sujeito conhecida em juízo, para auxiliar ao estudioso de nossa ciência a superar as tão revoltas ondulações que o oceano jurídico de vez em quando nos proporciona, como o caso em tela.


REFERÊNCIAS

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral 1. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.

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Sobre o autor
Pedro Henrique Viana

Bacharel em Direito, pela Faculdade de Direito da Universidade Santa Cecília, em Santos-SP. Professor e Militante nos ramos do Direito do Trabalho; Direito Empresarial e Direito Previdenciário. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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