4. A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNFICÂNCIA NOS CRIMES EM ESPÉCIE
Como já informado, a constatação da existência do Princípio da Insignificância no caso concreto demanda uma análise da tríade objeto, autor e vítima. A partir de agora serão verificadas as hipóteses de incidência do princípio supracitado nos crimes em espécie:
No crime de furto simples, com fulcro no artigo 155 caput do CP, a jurisprudência majoritária admite a incidência para aplicação do Princípio da Insignificância, porém não se aplica para a hipótese de incidência do furto qualificado do artigo 155 §§ 4º, 5º e 6º CP em razão da maior ofensividade da conduta, apesar de existirem julgados pretéritos no sentido da aplicação.
Embora esta seja a posição majoritária, a partir do julgamento do EResp 1.609.444/SP no dia 26 de outubro de 2016, a Terceira Seção do STJ passou a entender que o furto qualificado pelo concurso de agentes previsto no art. 155. § 4° IV CP, por si só, não afasta a incidência da insignificância. O magistrado deverá observar se no caso concreto houve ou não maior reprovabilidade da conduta observando, por exemplo, como critérios a ausência de reincidência, ausência de violência, incidência do instituto da tentativa não se consumando o crime e recuperação da rés furtiva.
O furto insignificante difere do furto privilegiado, ou de pequeno valor do artigo 155 § 2° CP, neste a doutrina utiliza como referência o valor de até um salário, enquanto naquele, existem jurisprudências variando da ordem de 10% a 25% do valor de um salário mínimo para o bem subtraído.
No crime de roubo a jurisprudência majoritária não aplica a insignificância, isto porque o roubo é um crime complexo atingindo mais de um bem jurídico. Além disso, nenhuma violência ou grave ameaça poderá ser considerada insignificante, neste sentido HC 310.298 STJ.
Nos Crimes contra a administração pública, em regra a jurisprudência majoritária não aplica o princípio, visto que o bem jurídico tutelado é a moralidade administrativa. Neste sentido STJ AgRg no REsp 1.195.566, porém o STF entendeu em alguns julgados pela aplicação.
O crime de descaminho é um crime contra a administração pública, eminentemente fiscal (tributário), no qual a jurisprudência reconhece a incidência do Princípio da Insignificância sendo exceção à regra geral dos crimes contra administração pública. O critério baseia-se no valor sonegado do imposto e não no da mercadoria importada ou exportada.
Para o STF incide a aplicação se o valor não ultrapassar 20 mil reais com fundamento na portaria 75/2012 do Ministério da Fazenda conforme o informativo 739 STF. Para o STJ o valor considerado para incidência do princípio é até 10 mil reais com base no artigo 20 da lei 10.522/2002, aplicando a lei pois entende que portaria não tem força normativa para revogar uma lei conforma informativo 551 STJ.
No crime de Contrabando há entendimento pacífico do STF, STJ e TRFs pela não aplicabilidade visto que não é um crime apenas fiscal, já que o produto é proibido no Brasil. Neste sentido AgRg no REsp 330.323 STJ e AgRg no REsp 1.309.952. Nos Crimes contra a ordem tributária: aplica-se o mesmo critério do descaminho com base na lei 8.137/1990.
Nos Crimes ambientais: o bem jurídico tutelado é difuso não sendo identificado em uma única pessoa, porém aplica-se o Princípio da Insignificância, em regra, se no caso concreto ficar demonstrado que não houve potencialidade lesiva da coletividade do meio-ambiente, neste sentido AgRg no REsp 1.430.848 STJ e informativo 676 STF.
Quanto à posse de drogas praticadas por militar: A jurisprudência majoritária não aplica com fulcro no artigo 290 do CPM pela relevância da função militar. Neste sentido HC 107688 STF.
No crime de moeda falsa: não se aplica visto que o bem jurídico tutelado é a fé pública e nenhuma lesão a esta pode ser considerada de pequena monta. Neste sentido HC 108.193 STF e AgRg no AREsp 595.323 STJ.
A posse de drogas para uso pessoal praticada por civil: o STJ não aplica por entender como crime de perigo abstrato onde o bem tutelado é a saúde pública de interesse supraindividual, neste sentido RHC 35.072 STJ. Cabe ressaltar que o MP-RJ tem arquivado e não oferecido denúncia para posse de maconha inferior a quantidade de 1 (uma) grama. O STF possui julgado favorável à aplicação da insignificância no art. 28. da lei 11.343/06.
No crime de tráfico de drogas se utiliza o mesmo fundamento anterior, ou seja, não se aplica por entender como crime de perigo abstrato onde o bem tutelado é a saúde pública de interesse supra-individual, neste sentido AgRg no AREsp 330.958 STJ.
No crime de porte de munição, a jurisprudência majoritária não aplica por entender como crime de perigo abstrato de interesse supraindividual. Há decisão do STF favorável à insignificância num caso de porte de munição, sendo a mesma utilizada como pingente em um cordão.
CONCLUSÃO
Como foi demonstrado no decorrer deste artigo, se o Delegado de Polícia não pudesse fazer a análise da tipicidade conglobante no caso concreto, justamente onde se afere a incidência do Princípio da Insignificância diante da ausência de existência de lesão ou perigo de lesão ao bem jurídico, e estivesse restrito pura e simplesmente à análise da tipicidade formal, mera análise de subsunção da conduta à norma penal, estaria certamente fadado a cometer injustiças diante de fatos penalmente insignificantes ao ver-se obrigado à indiciar o suspeito desrespeitando direitos e garantias fundamentais, além do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
O direito não é estático e evolui em conjunto com a sociedade, sendo assim, em um Estado Garantista, na vigência da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, é imperioso que ao primeiro agente público incumbido da tarefa de analisar o caso concreto de forma técnica e jurídica, com embasamento na lei 12.830 de 2013 a qual versa sobre a investigação criminal conduzida pelo Delegado de Polícia, seja reconhecida a possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância diante de fato penalmente insignificante.
O tema já ganhou importância inclusive no Projeto de Lei do Senado n° 236, de 2012, que trata da reforma do Código Penal Brasileiro, trazendo de forma expressa a aplicação do princípio sobre qual trata este artigo. Apesar de por um lado ser uma grata evolução no âmbito das garantias fundamentais, o referido texto deverá ser cuidadosamente redigido para que não limite e restrinja demasiadamente a possibilidade de sua aplicação.
Diante de todas as razões expostas neste artigo, não se pode chegar a outra conclusão a não ser pelo reconhecimento da possibilidade de aplicação do Princípio da Insignificância, inclusive pelo Delegado de Polícia, além das demais autoridades já pacificamente competentes.
REFERÊNCIAS
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Notas
1 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral. v. 1, 15 ed. - Niterói: Impetus, 2013.
2 FONTES, Eduardo; MORAES, Geovane. Temas controversos de Direito Penal. - Recife: Armador, 2016.
3 Ibidem, p. 34
4 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n° 126.613, da 17ª Vara Federal Especializada Criminal da Seção Judiciária do Estado da Bahia , Brasília, DF, 18 fev. de 2015.
5 BARBOSA, Ruchester Marreiros. Delegado deve efetivar a garantia de defesa na investigação criminal. Consultor Jurídico, 2015. Disponível em: <https:// https://www.conjur.com.br/2015-ago-25/academia-policia-delegado-efetivar-garantia-defesa-investigacao-criminal> Acesso em 01 Out. 2016
6 TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. - 9. ed. revista, ampliada e atualizada. - Salvador: Jus PODIVM, 2014.
7 NICOLITT, André. Manual de Processo Penal - 6 ed. rev., atual. e ampl. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.
8 HOFFMANN, Henrique. Missão da Polícia Judiciária é buscar a verdade e garantir direitos fundamentais. Consultor Jurídico, 2015. Disponível em: <https:// https://www.conjur.com.br/2015-jul-14/academia-policia-missao-policia-judiciaria-buscar-verdade-garantir-direitos-fundamentais> Acesso em 2 out. 2016
9 CHOUK, Fausi Hassan. Garantias Constitucionais na Investigação Criminal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.7.
10 Anuário brasileiro de segurança pública, ano 8, 2014, publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
11 LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2. ed. revista, ampliada e atualizada. Niterói: Impetus, 2012. p. 134
12 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. p.153
13 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo nº 441. Brasília, DF, 6 de agosto de 2010
14 PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 18. ed. revista, ampliada e atualizada. São Paulo: Atlas, 2014. p. 59
15 Por Redação, com colaboração de NICOLITT, André. Delegado reconhece princípio da Insignificância, Ministério Público denuncia e Juiz absolve sumariamente uma acusada de tentativa de furto de 13 bisnagas de cosméticos, no RJ. Empório do Direito, 2016. Disponível em <https://emporiododireito.com.br/juiz-reconhece-o-principio-da-insignificancia-e-absolve-sumariamente-uma-acusada-de-tentativa-de-furto-de-13-bisnagas-de-cosmestico/>. Acesso em 15 out. 2016
16 ZANOTTI, Bruno. Enunciados aprovados no 1º Congresso Jurídico dos Delegados da Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Penso Direito, 2014. Disponível em <https://pensodireito.com.br/03/index.php/component/k2/item/171-enunciados-aprovados-no-1º-congresso-jurídico-dos-delegados-da-polícia-civil-do-estado-do-rio-de-janeiro> Acesso em 19 set. 2016
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