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A imunidade tributária dos templos de qualquer culto sob a interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal

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01/05/2017 às 12:30
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4 IMUNIDADES DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

O artigo 150, inciso VI, alínea b, da Lei Maior, preceitua ser vedado às pessoas políticas instituir impostos sobre os templos de qualquer culto. E, ao instituir esta imunidade tributária, a Constituição vinculou, nos termos do § 4º, do mesmo dispositivo, sua incidência às finalidades essenciais desses entes, não estando abrangidas as finalidades apenas decorrentes das essenciais.[38] 

A imunidade, como uma garantia constitucional, alberga os templos de qualquer culto com a finalidade de proteger o direito fundamental da liberdade de consciência e de crença, assegurado aos fiéis de qualquer religião, conforme o artigo 5º, inciso VI da CF.

4.1 BREVE HISTÓRICO

A imunidade tributária concedida a templos de qualquer culto surge pela primeira vez na Constituição de 1946 e, desde então, foi mantida pelos sucessivos textos constitucionais como uma forma de garantir a expressão da fé religiosa, a crença, em todas as suas dimensões.[39] 

Contudo, a origem dessa norma imunizante remonta à separação entre a Igreja e o Estado, estatuída com a proclamação da República, a partir da Constituição de 1891, pois, segundo Heleno Torres, "essa liberdade tornou-se um patrimônio dos cidadãos livres que não poderia ser violado por ações do poder de tributar."[40]

Ademais, a liberdade de religião está fortemente relacionada com a Declaração Universal de Direitos Humanos (1948), que, ao enumerar os direitos que todos os homens possuem, incluiu a liberdade religiosa entre eles, nos termos de seu artigo 18:

Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos.[41]

Hodiernamente, no Brasil, com a inserção da liberdade dos templos, o legislador constitucional objetivou dar eficácia ao exercício da liberdade religiosa, afastando a tributação sobre patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais destas instituições.

4.2 DA SIMPLES COMPREENSÃO JURÍDICA DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

Da simples leitura do artigo 150, IV, alínea b" da Constituição Federal, compreende-se que a previsão da imunidade tributária a templos de qualquer culto não dispõe a respeito do conceito da palavra templo, muito menos remete a outro dispositivo que elucide a presente questão.

Com efeito, enquanto a alínea “c” versa sobre a proibição da instituição de impostos sobre “patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei”, a alínea “b” somente veda a tributação sobre “templos de qualquer culto”.

Portanto, é imprescindível realizar um exame simultâneo do artigo 150, VI, alínea "b" com seu respectivo § 4º para a compreensão de que a abrangência da imunidade aos templos de qualquer culto estende-se ao seu patrimônio, renda ou serviços desde que concatenados com suas atividades essenciais. Porém, observa-se que o legislador deixa de especificar o que é "essencial" para condicionar a exonaração tributária, permitindo uma percepção tanto restritiva quanto extensiva.

Trata-se a imunidade tributária dos templos como propriamente dita e incondicionada, pois esta é amparada no direito fundamental da liberdade de crença e não depende de outros expedientes legais para produzir seus efeitos. Entretanto, isso não significa que a norma imunizante não possui limites.[42]

Deste modo, a interpretação da presente norma é fruto de construção doutrinária e jurisprudencial.

4.3 DA COMPREENSÃO DOUTRINÁRIA SOBRE O CONCEITO DE TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

A priori, tem-se que a exata conceituação de templo de qualquer culto traz algumas divergências doutrinárias, podendo ser dividida em duas grandes correntes. A primeira seria a restritiva, a qual apenas admite que a imunidade alcance o local destinado exclusivamente a prática do culto religioso. A segunda seria a extensiva, a qual sustenta que a imunidade se estenderia aos anexos do templo, isto é, a todos os bens vinculados à atividade religiosa, como os conventos, as casas paroquiais, as residências dos religiosos, bem como os serviços religiosos em si.

O professor Sacha Calmon Navarro Coelho posiciona-se na linha conceitual mais restritiva, aderindo ao conceito de que o templo é o lugar destinado ao culto e hoje os templos de todas as religiões são comumente edifícios.[43] Porém, nada obsta que o templo ande sobre barcos ou caminhões, ou seja, em terreno não edificado, logo, o local onde se oficie um culto compreende-se como templo.

Seu pensamento continua ao afirmar que, como no Brasil o Estado é laico – não tem religião oficial, todas as religiões devem ser respeitadas e protegidas, salvo para evitar abusos – quando ocorre a tributação, almeja-se evitar que sob a capa da fé se pratiquem atos de comércio ou se tenha o objetivo de lucro, sem qualquer finalidade benemérita, concluindo:

Imune é o templo, não a ordem religiosa. Esta pode gozar de isenções quanto a seus bens, rendas, serviços, indústrias e atividades, se pias, caritativas, filantrópicas. Tal, porém, constitui ordem diversa de indagação, matéria estranha ao tema imunitório. Dependerá, aí, a isenção do prudente alvedrio do legislador federal, estadual e municipal, conforme seja o tributo. No mesmo sentido, Pontes de Miranda.[44] 

O emérito professor Paulo de Barros Carvalho tece semelhante abordagem, dando ao vocábulo “culto” a maior amplitude possível, restringindo, contudo, o sentido da palavra “templo” ao lugar onde se realiza o culto em questão, destacando que vários questionamentos surgiram sobre a amplitude semântica do vocábulo “culto”, pois, conforme a acepção que lhe for dada, o conceito do que seja “templo” restará prejudicado.[45]

Já para o saudoso jurista Aliomar Baleeiro:

[...] o templo não deve ser apenas a igreja, sinagoga ou edifício, onde se celebra a cerimônia pública, mas também a dependência acaso contígua, o convento, os anexos por força de compreensão, inclusive a casa ou residência oficial do pároco ou pastor, pertencente à comunidade religiosa, desde que não empregados para fins econômicos.[46]

Ainda, leciona que, o templo, assim, “compreende o próprio culto e tudo quanto vincula o órgão à função”, seguindo, portanto, a linha da doutrina mais extensiva e liberal.[47]

Nesta senda, Roque Antônio Carrazza afirma que a palavra templo deve ser entendida com certa dose de liberalidade. Sua interpretação transcende aos limites físicos da edificação, pois são considerados templos não somente os edifícios destinados à celebração pública dos ritos religiosos, quer dizer, os locais onde o culto se professa, mas, também, os seus anexos, considerando-se anexos do templo todos os locais que tornam possível a realização da cerimônia religiosa, ou seja, que viabilizam a realização do culto religioso, em suas palavras:

São considerados templos não apenas os edifícios destinados à celebração pública dos ritos religiosos, isto é, os locais onde o culto se professa, mas, também, os seus anexos. Consideram-se “anexos dos templos” todos os locais que tornam possível, isto é, viabilizam, o culto ou dele decorrem. Assim, são “anexos dos templos”, em termos de religião católica, a casa paroquial, o seminário, o convento, a abadia, o cemitério etc., desde que, é claro, não sejam empregados, como observa Aliomar Baleeiro, em fins econômicos. Também eles não podem sofrer a incidência, por exemplo, do IPTU. Se a religião for protestante, são anexos a casa do pastor, o centro de formação de pastores etc. Se a religião for israelita, a casa do rabino, o centro de formação de rabinos etc.[48]

No mesmo diapasão, o professor Heleno Torres:

  Por isso, no que concerne aos limites da sua aplicação, a expressão “templo de qualquer culto” deve ser interpretada de modo extensivo, como designativo do lugar para onde os membros da religião acorrem para seus atos de espiritualidade. Que se trate por igreja, terreiro, sinagoga, mesquita ou templo, simplesmente, não importa. Prevalecerá sempre a situação fática que se demonstre apta à realização dos atos de culto religioso, ou seja, sua exata finalidade.[49]

Isto posto, da apreciação conjunta do artigo 150, VI, alínea "b e a primeira parte do §4º da CF, segundo a interpretação mais liberal, o patrimônio das instituições religiosas abrange seus bens imóveis e móveis, desde que necessários ao exercício de suas finalidades essenciais, entendidos não somente como os imóveis ligados à realização das cerimônias e liturgias, mas também os imóveis relacionados diretamente com essas atividades, tais como os seminários, conventos, as sacristias e a residência oficial dos padres ou ministros religiosos[50], inclusive os cemitérios e os veículos utilizados como templos móveis.[51]

Ainda, imune é a renda decorrente da prática do culto religioso, a qual compreende as doações dos fiéis (incluindo as espórtulas e os dízimos), tal como as consequentes de aplicações financeiras, pois estas visam à preservação do patrimônio da entidade.[52]

Ademais, a realização de feiras, bazares ou quaisquer outras atividades comerciais que agregam renda à entidade religiosa, igualmente, não existe a hipótese de incidência de impostos, eis que em alguma natureza vincula-se à atividade religiosa.[53]

Ainda, os serviços religiosos são imunes, gratuitos ou não, mesmo que envolvam o fornecimento de mercadorias, como ocorre na assistência às pessoas carentes.[54]

Oportuno mencionar, que o ministro Gilmar Mendes, além de acolher a linha da interpretação extensiva, preceitua que a proteção à tributação é somente válida para qualquer religião licitamente praticada, não abarcando as religiões que pratiquem ato ilícito e repudiados socialmente.[55]

Deve haver a diferenciação de liberdade religiosa para a prática de condutas reprovadas socialmente e legalmente, como as torturas em rituais onde se há violação da dignidade humana e grave violência física às pessoas, bem como a morte de animais que são oferecidos em sacrifício. Isso não se trata de liberdade e sim de uma afronta constitucional, ocasionando um desquilíbrio entre as liberdades públicas.[56]

Assim, a Constituição procura estabelecer a harmonia, com a manutenção da paz social, por isso dá incentivos aos templos religiosos e, conforme alguns doutrinadores mais conservadores, expurga do nosso ordenamento o culto de seitas que se utilizam de atos ilícitos, defendendo a perda ou a não concessão da imunidade tributária a estas. Todavia, tal entendimento não é unânime e há quem entenda pela manutenção da imunidade.[57]

Conclui-se que a imunidade assinalada é uma típica garantia instrumental prevista no artigo 5º, inciso VI da Constituição Federal, que resguarda a liberdade de consciência e de crença e o livre exercício dos cultos religiosos, com proteção aos locais de culto e suas liturgias, sem discriminação de nenhuma espécie, cuja finalidade é impedir a criação de obstáculos econômicos, por meio de tributação, à realização de cultos religiosos – como prescreve o inciso IV do artigo 3º combinado com o artigo 19, inciso I, ambos da Lei Maior. [58]

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Deste modo, a corrente mais liberal, que conceitua o templo de forma ampla, como todo um conjunto de bens e atividades organizadas para o exercício do culto religioso ou a ele vinculados, aparenta ser a mais contextualizada, pois analisa sob o ponto de vista realista, não afastando assim a ideia de que toda a estrutura de qualquer organização religiosa visa, em um todo, a propiciar a propagação da crença e da fé.

Compreende-se que a imunidade subjetiva refere-se à entidade e não a um determinado bem, ou seja, destinada à pessoa jurídica que promove a profissão da fé.

Contudo, não se confunde com sujeição tributária dos seus entes, dirigentes, empregados, etc. Assim, a expressão “templos de qualquer culto” deve ser interpretada de forma abrangente, desde que seu patrimônio, renda e serviços estejam devidamente relacionados com as finalidades essenciais do templo, tendo em vista que a imunidade tem limites e não alcança atividades desvinculadas do culto (art. 150, §4º da CF).

4.4  DO ARTIGO 150 §4º: AS FINALIDADES ESSENCIAIS DOS TEMPLOS DE QUALQUER CULTO

A Constituição Federal de 1988, estabeleceu algumas restrições para a aplicação do benefício fiscal, em seu artigo 150, §4º, preceituando que: “As vedações expressas no VI, alíneas “b” e “c“ compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”.[59]

Segundo o Ministro Gilmar Mendes, o §4º do dispositivo constitucional citado "serve de vetor interpretativo das alíneas b e c do inciso VI do art. 150 da CF"[60].  Logo, considera-se a essencialidade como fator determinante para a desoneração do pagamento dos impostos pelas entidades consideradas imunes.

Contudo, a Constituição não oferece elementos suficientemente aptos a informar com precisão quais os serviços, rendas e patrimônios dos templos devem ou não ser tributados. Em outras palavras, não define precisamente qual é a finalidade essencial dos templos.

Por conseguinte, faz-se relevante discutir qual seria o significado das finalidades essenciais dos templos de qualquer culto, com o intuito de compreender o alcance da imunidade nas atividades desenvolvidas pelas organizações religiosas, a fim de que não reste contrariado a determinacão do parágrafo 4º do artigo 150 da Carta Magna.

As finalidades essenciais das entidades, ora previstas na norma, decorrem da necessidade de uma conexão entre o patrimônio, renda e serviços e a atividade religiosa da instituição, a fim de não desvirtuar a concessão da imunidade ao ensejar o desenvolvimento de atividade diversa daquela que o legislador pretendeu proteger.

Assim, a doutrina apresenta uma variação de entendimento sobre essa questão, podendo uma única situação ser considerada imune por uma vertente doutrinária e por outra não.

A definição apresentada pela professora Regina Helena Costa versa que:

Finalidades essenciais são aquelas inerentes à própria natureza da entidade – vale dizer, os propósitos que conduziram à sua instituição. Finalidades essenciais dos templos de qualquer culto, portanto, são a prática do culto, a formação de religiosos, o exercício de atividades filantrópicas e a assistência moral e espiritual aos fiéis. [61]

Partindo deste entendimento, evidente concluir que as doações recebidas em missas, os valores pagos à paróquia para a celebração de batizados, de casamentos e os dízimos, estão albergados pela imunidade, uma vez que se originam de práticas litúrgicas ou estão diretamente vinculados a realização dos cultos. São serviços de natureza predominantemente religiosa.

Entende-se, pois, que as finalidades essenciais representam uma ponte entre o culto e o patrimônio, bem como com as rendas da instituição religiosa, consubstanciando-se nas atividades que propiciam tanto a manutenção do templo como a prática do culto. [62]

Não obstante, as controvérsias cingem-se daquilo que deve ser tributado, em razão de que é cada vez mais comum a prática de atividades econômicas pelas igrejas, pouco importando que estas estejam diretamente ligadas às práticas litúrgicas. Isto porque, na prática, ocorre uma grande dificuldade em se identificar nas atividades executadas pelas organizações religiosas quais seriam ou não relacionadas com suas finalidades essenciais, com o fim de usufruírem a garantia imunizante prevista no texto constitucional.

À vista disso, presume-se a existência de dois parâmetros básicos para determinação da imunidade sobre as atividades dos templos, sendo que, o primeiro considera se a atividade está diretamente vinculada com a prática litúrgica e, o segundo, se as rendas ou bem estão sendo destinados na manutenção das finalidades essenciais da entidade religiosa.[63]

Partindo deste pressuposto, a doutrina criou duas correntes dominantes que buscam uma melhor interpretação sobre a relação das atividades dos templos de qualquer culto com suas finalidades essenciais.

Para a primeira corrente, denominada restritiva, há a exigência que o patrimônio, as rendas e os serviços em questão tenham origem nas atividades essenciais da entidade e se destinem à sua manutenção. Para esta linha é irrelevante, para os fins de demarcação da imunidade das organizações religiosas, a destinação dos recursos auferidos, importando, tão somente, a sua origem.[64]

A necessidade de vinculação da atividade à prática litúrgica é defendida pela doutrina minoritária e, em sua acepção, estão desamparadas da garantia constitucional imunizatória quaisquer atividades que não guardam relação direta com o culto religioso.

Nas palavras de Marco Aurélio Greco:

 [...] o §4º do art. 150 da Constituição Federal de 1988 se preocupa de onde as rendas vêm. Assim, para fins de aplicação do dispositivo constitucional, não importa a sua aplicação [...], mas, sim, é preciso identificar se eles foram gerados por atividades ligadas às suas finalidades essenciais. [65]

Desse modo, por exemplo, descaberia a incidência da imunidade na receita auferida com a venda de produtos diversos nas dependências do templo, pois estariam desvinculados do ato religioso, bem como sobre os valores recebidos a título de aluguel de imóveis ou móveis pertencentes a congregação ou de estacionamento de veículos em dia de culto, etc.

Da mesma forma é o posicionamento de Roque Antonio Carrazza, o qual entende que a imunidade não se estende às rendas provenientes de aluguéis de imóveis, de locação do salão de festas da paróquia, da venda de objetos sacros, da exploração comercial de estacionamentos, da venda de licores entre outros, ainda que os rendimentos assim obtidos revertam em benefício do culto.[66] 

Logo, entende-se que a vertente restritiva impõe que a exoneração tributária somente terá lugar caso se origine de atividade diretamente ligada com a prática religiosa, restringindo o conceito de finalidades essenciais. Assim, as rendas advindas de outros serviços, desconexos com o culto religioso, mesmo que empregados integralmente na realização das atividades religiosas e, consequentemente, dos interesses sociais, não terão guarida na norma imunizante, ficando tais atividades sujeitas a tributação.

De outra parte, a segunda corrente preconiza que a melhor exegese ao artigo 150, §4º da CF é a amplitude da expressão “finalidades essenciais”, pois desde que as receitas sejam aplicadas na consecução dos ideais dos templos religiosos, devem elas receber o beneplácito da norma imunizante, desde que adquiridas licitamente, irrelevante a vinculação direta das atividades com a prática religiosa em si.[67]

As entidades do chamado Terceiro Setor [68], dentre as quais se inserem as organizações religiosas, não têm como escopo o lucro, uma vez que sua finalidade não é atuação no mercado, mas esforçam-se elas para obterem uma receita maior do que a despesa, necessários para sua sobrevivência, manutenção e até mesmo para garantir maior eficácia do atendimento religioso.

Entretanto, as atividades ou operações que dão origem a estas rendas, via de regra, não estão relacionadas com suas finalidades essenciais em sentido estrito da palavra.

Por isso, há uma diversificação das fontes de custeio, pois visa-se êxito na execução das finalidades sociais a que se propõem.

Em função do exposto, torna-se adequada uma interpretação extensiva do dispositivo legal, haja vista a relevância social das atividades desenvolvidas pelas entidades religiosas.

A professora Regina Helena Costa, interpretanto artigo 150, § 4º da Constituição, entende que, mesmo que a igreja explore comercialmente, por exemplo, estacionamentos de veículos em suas dependências, ingressos em cinemas de sua propriedade, venda de caixões funerários, imóveis em locações, mas, invista a renda obtida em suas finalidades essenciais, estará satisfazendo a vontade constitucional. Não é a tipicidade da atividade religiosa o fato decisivo, mesmo atividades atípicas podem ser consideradas imunizadas, porquanto, é a destinação constitucional dos recursos obtidos pela entidade religiosa o fator determinante para a análise do alcance da imunidade tributária, e nesse sentido verificar, no caso concreto, se foi respeitada ou não a teleologia da norma imunizante.[69]

No entanto, não se pode negar que a realidade vem demonstrando que algumas organizações religiosas estão sendo utilizadas por alguns líderes para seu enriquecimento pessoal – com a finalidade de subversão da fé – por meio do desvirtuamento da garantia constitucional da imunidade.

Sendo assim, deve-se verificar, à luz de cada situação fática, a amplitude que é dada à interpretação dessa imunidade, pois a execução das atividades com o fim econômico pelos templos de qualquer culto deverá atender sua destinação constitucional, bem como respeitar o princípio constitucional da livre concorrência.

Assim, esclarece o professor Ives Gandra Martins:

 O § 4º, todavia, ao falar em atividades relacionadas, poderá ensejar a interpretação de que todas elas são relacionadas, na medida em que destinadas a obter receitas para a consecução das atividades essenciais. Como na antiga ordem, considero não ser esta a interpretação melhor na medida em que poderia ensejar concorrência desleal proibida pelo art. 173, §4º da Lei Suprema. Com efeito, se uma entidade imune explorasse atividade pertinente apenas ao setor privado, não haveria a barreira e ela teria condições de dominar mercados e eliminar a concorrência ou pelo menos obter lucros arbitrários, na medida em que adotasse idênticos preços de concorrência mas livre de impostos.

Ora, o Texto Constitucional atual objetivou, na minha opinião, eliminar, definitivamente, tal possibilidade, sendo que a junção do princípio estatuído nos arts. 173, §4º e 150, § 4º, impõe a exegese de que as atividades, mesmo que relacionadas indiretamente com aquelas essenciais das entidades imunes enunciados nos incs. b e c do art. 150, VI, se forem idênticas ou análogas às de outras empresas privadas, não gozariam de proteção imunitória. Exemplificando: se uma entidade imune tem um imóvel e o aluga. Tal locação não constitui atividade econômica desrelacionada de seu objetivo nem fere o mercado ou representa uma concorrência desleal. Tal locação do imóvel não atrai, pois, a incidência do IPTU sobre gozar a entidade de imunidade para não pagar imposto de renda. A mesma entidade, todavia, para obter recursos para suas finalidades decide montar uma fábrica de sapatos, porque o mercado da região está sendo explorado por outras fábricas de fins lucrativos, com sucesso. Nessa hipótese, a nova atividade, embora indiretamente referenciada, não é imune, porque poderia ensejar a dominação de mercado ou eliminação de concorrência sobre gerar lucros não tributáveis exagerados se comparados com os de seu concorrente.[...] O que vale dizer que apenas se as atividades puderem gerar concorrência desleal ou as finalidades das entidades imunes não forem beneficiadas por tais resultados é que a tributação se justifica, visto que, de rigor, tais atividades refogem ao campo de proteção tributária que o legislador supremo objetivou ofertar a essas finalidades da sociedade.[70]

Em consequência, é vedada a invocação da imunidade utilizada pelas instituições religiosas no incontestável exercício de atividade econômica submetida à livre concorrência, como ocorre quando da exploração de serviços de telecomunicação[71] com a disponibilização de programas ou propagandas publicitárias que, em sua maioria, são remuneradas.

A negativa a esta vedação traria uma verdadeira e ilegítima dominação do mercado consumidor, eliminando deslealmente a concorrência, surgindo, como resultado, o lucro abusivo, conforme previsão constitucional estabelecida no artigo 173, §4°, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.[72]

De igual forma, qualquer bem ou renda que execeda o caráter essencial para o exercício da religiosidade, como exemplo, o veículo de propriedade de membro de igreja e a sua renda eventualmente obtidas, não deleitam de nenhuma imunidade.

Constata-se que tem prevalecido, atualmente, tanto na doutrina quanto na jurisprudência, a linha de interpretação funcional da norma imunizante, conhecida como ampliativa ou extensiva, a qual admite que as entidades imunes possam prestar serviços, auferir rendas e adquirir patrimônio por meio de atividades estranhas ao caráter religioso, ou seja, que não estejam diretamente relacionadas com as finalidades essenciais das instituições religiosas. Pois, o ponto central reside na destinação da renda ou do bem às finalidades essenciais da entidade religiosa, ressalvado o princípio da livre concorrência.

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Sobre a autora
Isabella Bishop Perseguim

Advogada. Graduada pela PUCPR em Direito em 2014. Pós- Graduada pela PUCPR em Direito Tributário Empresarial e Processual Tributário 2015. Curso de Extensão de Direito Empresarial na Universidade Federal do Paraná - UFPR – 2015-2016.Pós- Graduada Processo Civil pelo IBMEC 2017.Certificação em Propriedade Intelectual e Contratos de Tecnologia, pela WIPO e Instituto Nacional de Propriedade Intelectual - INPI 2022. MBA em Gestão Tributária, pela Universidade de São Paulo – USP 2023-2025. Membro da comissão de Direito Tributário da OAB/SP. Advogada atuante em Gestão Empresarial e Tributária. reestruturação de empresas, planejamento sucessório, gestão de passivos e contratos empresariais nacionais e internacionais. Em especial, ao contencioso tributário e desenvolvimento de teses.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BISHOP, Isabella Perseguim. A imunidade tributária dos templos de qualquer culto sob a interpretação constitucional do Supremo Tribunal Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5052, 1 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57120. Acesso em: 24 nov. 2024.

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