A experiência advocatícia no âmbito tributário revela um lado temeroso, despótico, arbitrário e opressivo por parte do fisco nacional. São várias atitudes habituais que levam o contribuinte ao desgaste cotidiano no lodoso recinto administrativo-tributário. O descaso e a demora da prestação administrativa já são fatores abstraídos e incorporados no dia-a-dia do contribuinte, mas a falta de informação propositada é uma nova forma de vexame a que o contribuinte é exposto, causando traumas na relação contribuinte/fisco.
Não bastasse a inércia, o fisco agora age de maneira mais ávida, voraz e coativa, agindo com a simples omissão em determinados atos que são de sua obrigação essencial. Nesse diapasão, cumpre verificar alguns casos em que o fisco se omite e causa danos ao contribuinte, conforme veremos adiante no âmbito do INSS e da Receita Federal.
Como é cediço, no início de 2004 o Ministério da Previdência e Assistência Social fez algumas modificações estruturais no Regimento Interno do Conselho de Recursos da Previdência Social (CRPS), por intermédio da Portaria do MPAS de n.º 88, de 22 de janeiro de 2004, que revogou as disposições em contrário da Portaria MPAS n.º 2.740, de 25 de julho de 2001. Trata-se de uma reestruturação que, em tese, seria benéfica aos contribuintes, mas, como toda tese tem sua antítese, não é assim que ocorre na realidade.
Conforme a experiência advocatícia cotidiana evidencia, em vários processos administrativos interpostos recentemente perante o INSS, ocorreram muitas situações estranhas e ilegais, as quais já estão virando premissas no âmbito administrativo-previdenciário. As empresas interpõem Recurso de Revisão, com Pedido de Efeito Suspensivo, em face de Decisão de Acórdão proferido por qualquer Câmara de Julgamento do CRPS, mas esses recursos não são processados administrativamente porque os funcionários do INSS desconhecem a nova legislação ou, simplesmente, alegam uma interpretação diversa.
De acordo com a Portaria do MPAS de n.º 88, de 22 de janeiro de 2004, o Recurso de Revisão é interposto perante o INSS que, ao proceder a sua regular instrução, fará remessa à Câmara respectiva, de acordo com o caso. É cediço que o pedido de efeito suspensivo deve ser analisado pelo presidente da instância julgadora do CRPS, conforme entendimento do §4º, do art. 27 da Portaria supracitada. Essa é uma inovação trazida pela Portaria n.º 88/2004, ou seja, o Recurso de Revisão era interposto diretamente no CRPS, mas agora é interposto na Gerência-Executiva do INSS competente, que fará a remessa à Câmara respectiva, conforme explicado acima.
No entanto, em detrimento do procedimento acima, várias Gerências-Executivas do INSS, local onde é protocolizado o Recurso, exaram despachos totalmente ilegais, infundados e demasiadamente temerários, até mesmo em face da confiabilidade na Instituição. Segundo o entendimento enviesado de várias Gerências-Executivas do INSS, o pedido de revisão disposto no artigo 60 da Portaria do MPAS de n.º 88, de 22 de janeiro de 2004, o Regimento Interno do Conselho de Recurso da Previdência Social, somente poderia ser feito pelo próprio INSS e não pelo contribuinte.
Esse entendimento desarrazoado, sem qualquer lastro jurídico, não goza de nenhuma segurança jurídica uma vez que apenas a Câmara de Julgamento do CRPS poderia se manifestar a respeito do Recurso e da conseqüente concessão ou não de seu efeito suspensivo. Trata-se de absurdas decisões que perpassam à barreira da razoabilidade e que pode causar sérios prejuízos para o contribuinte. À Gerência-Executiva do INSS caberia apenas processar o feito e encaminhar para o CRPS.
De acordo com o Regimento Interno do CRPS, não cabe à Gerência-Executiva se manifestar sobre a admissibilidade do Recurso de Revisão e muito menos a respeito de seu fundamento jurídico. Nem mesmo se manifestar sobre prescrição administrativa, conforme o caput do art. 60 do Regimento Interno do CRPS, a Gerência-Executiva poderia fazer.
Para corroborar com essa imprudente e ilegal decisão, a Procuradoria do INSS, em muitos casos, ratifica os termos das decisões da Gerência-Executiva, pugnando ainda pelo arquivamento dos Recursos de Revisão, o que é uma atitude ilegal e arbitrária do INSS. A Procuradoria e a Gerência-Executiva do INSS criaram uma nova modalidade legal e transgrediram os preceitos criado pelo próprio INSS.
A estratégia omissiva do fisco-previdenciário relega o direito do contribuinte a ter o seu recurso administrativo julgado e, agindo em consonância com as orientações da Procuradoria do INSS, a execução fiscal é interposta imediatamente após o arquivamento do processo, fazendo com que o contribuinte fique de mãos atadas em relação aos demais recursos administrativos que tinha em sua defesa. Em outras palavras, os recursos administrativos no âmbito previdenciário são totalmente inumados por uma atitude arbitrária do INSS, fazendo com que o contribuinte tenha apenas os embargos à execução fiscal para comprovar o seu direito.
Em relação à Receita Federal, a omissão também não é diferente. Como se sabe, a exigência de certidão negativa de débito tributário constitui hoje um dos maiores obstáculos ao desempenho de certas atividades, especialmente daquelas que envolvem contratações com o Poder Público e empresas que necessitam de empréstimos bancários.
Nesse contexto, tendo em vista as várias dificuldades enfrentadas pelas empresas nos últimos anos, no que diz respeito ao zelo pelo pagamento dos seus tributos e sua estreita relação com a emissão da competente CND, explicitada alhures, essas empresas foram obrigadas a aderirem ao programa de Parcelamento Especial (PAES), Lei n.º 10.684, de 27 de junho de 2003, cujo objetivo primordial seria o parcelamento de todos os seus débitos perante a Secretaria da Receita Federal e o Instituto Nacional de Seguro Social (INSS), em 180 (cento e oitenta) prestações mensais e sucessivas.
O Parcelamento Especial (PAES) causa a suspensão da exigibilidade do crédito tributário em razão da própria natureza da medida e em face do comando do art. 151 do Código Tributário Nacional. No entanto, o que se observa na prática é a impossibilidade procedimental em consolidar todos os débitos nos Órgãos Federais acima, uma vez que existem milhares de empresas que ingressaram no programa e precisam ter os seus débitos consolidados.
A Receita Federal pondera que o Parcelamento Especial possa ser pago no valor em que a empresa calcular como devido, respeitando o valor mínimo, enquanto o débito não for consolidado. O procedimento adotado pela Receita Federal conduz à sistemática de que o contribuinte recolha um valor, respeitando o valor mínimo, e, quando o débito total for consolidado, o contribuinte terá que recolher a diferença eventualmente existente. Até hoje os parcelamentos não foram consolidados, o que causa insegurança sobre o real valor a ser recolhido pelo contribuinte.
Por outro lado, as empresas que tinham aderido ao Programa de Recuperação Fiscal (REFIS), Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, também poderiam incluir esse parcelamento (REFIS) no Parcelamento Especial (PAES), conforme preconiza o art. 2º da Lei n.º 10.684, de 27 de junho de 2003, vejamos:
"Art. 2º Os débitos incluídos no Programa de Recuperação Fiscal - REFIS, de que trata a Lei nº 9.964, de 10 de abril de 2000, ou no parcelamento a ele alternativo, poderão, a critério da pessoa jurídica, ser parcelados nas condições previstas no art. 1º, nos termos a serem estabelecidos pelo Comitê Gestor do mencionado Programa.
Parágrafo único. Na hipótese deste artigo:
I - a opção pelo parcelamento na forma deste artigo implica desistência compulsória e definitiva do REFIS ou do parcelamento a ele alternativo;
II - as contribuições arrecadadas pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS retornarão à administração daquele órgão, sujeitando-se à legislação específica a elas aplicável;
III - será objeto do parcelamento nos termos do art. 1º o saldo devedor dos débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal."
É justamente nesse ínterim que a omissão da Receita Federal causa sérios danos aos contribuintes. Ora, para o contribuinte entrar no PAES necessitaria haver a desistência do REFIS, procedimento que é feito no momento do pedido de inclusão no PAES. O fato é que a Receita Federal não está repassando ao Comitê Gestor do REFIS os pedidos de desistências, fazendo com que o contribuinte continue no REFIS.
Essa atitude causa quatro efeitos imediatos:
1 – a parcela do PAES não é consolidada;
2 – o REFIS continua ativo e incidindo TJLP em suas prestações;
3 – o contribuinte fica inadimplente com o REFIS, pois está pagando apenas a parcela do PAES;
4 – a CND é obstada haja vista que no sistema informatizado da Receita Federal consta o débito do REFIS.
O contribuinte segue todos os passos para incluir os débitos do REFIS no PAES, conforme manda a lei. Ou seja, o contribuinte fez a sua parte. No entanto, a obrigação de encaminhar o pedido de desistência do REFIS ao Comitê Gestor é da Receita Federal, que não o faz por total incúria e, quem sabe, má-fé absoluta. São procedimentos estritamente administrativos e de difícil justificação em um eventual mandado de segurança. Novamente, o direito do contribuinte tende a perecer em face dos reprováveis artifícios utilizados pelo INSS e pela Receita Federal.
Muitos são os casos nos quais o contribuinte se vê obrigado a pagar tributos, ainda que os considere indevidos, apenas porque sem tal pagamento simplesmente não poderá continuar exercendo sua atividade. Não raros também são os casos em que o contribuinte é prejudicado em sua atividade por simples questões burocráticas, quando na verdade não é devedor de tributo nenhum, porque não consegue obter a certidão em tempo hábil. Ou é devedor de quantias insignificantes, e ao ser advertido do fato já não há tempo para o pagamento. Ou ainda, é devedor apenas pelo fato de que não tem condições financeiras para saldar seu débito para com o Tesouro Público, e poderia fazê-lo se lhe fosse admitida a contratação da obra ou do serviço com o Estado.
As exigências absurdas e os reprováveis procedimentos do fisco federal causam traumas na relação contribuinte/fisco, fazendo com que haja um desgaste na atividade fim do contribuinte e criando um obstáculo a mais para este contribuinte desenvolver suas atividades. O obstáculo é criado e muitas vezes o contribuinte termina pagando quantias indevidas, porque este é o caminho mais prático para alcançar o resultado pretendido e, conseqüentemente, colaborar com o desenvolvimento da atividade econômica do país.
Referência Bibliográfica
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 12. ed., São Paulo: Editora: Malheiros, 2002.
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 11ª ed. rev. atua. amp., São Paulo: Malheiros Editores, 1998.
DA SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Editora Malheiros, 13ª Edição, 1997.
TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 7ª ed. São Paulo. Editora: RT, 1990.