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A suspensão condicional do processo decorrente da Lei nº 9.099/95, "mutatio libelli" e a desclassificação do crime

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Com o advento da Lei nº 9.099/95, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, introduziu-se no nosso ordenamento jurídico o instituto denominado de suspensão condicional do processo, que tem aplicação aos crimes cuja pena mínima, abstratamente cominada, não ultrapasse 1 ano. Esta concessão se aplica, inclusive, aos processos não regulados pela referida Lei, em conformidade com o estipulado no seu artigo 89.

Para tanto, é necessário que o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, apresente a proposta de suspensão do processo por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, atendidas as demais condições estabelecidas na referida norma, ou seja, não estar o acusado sendo processado ou já ter sido condenado por outro crime e presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (em conformidade com o disposto no artigo 77 do C.P). Aceita a proposta pelo acusado e seu defensor, na presença do juiz, este recebendo a denúncia, poderá suspender o processo, submetendo o acusado a período de prova, sob as condições elencadas no §1º do já citado artigo.

Como visto, a concessão criada pela Lei nº 9.099/95, atinge apenas as infrações cuja pena mínima, abstratamente cominada, seja igual ou inferior a 1ano, seja o processo comum ou aquele criado pelo próprio diploma legal, ressalvados o processo penal militar e aqueles cuja instrução já iniciara quando da sua publicação. Entendo, inclusive, que a suspensão condicional do processo alcança também os processos com rito especial, desde que a pena mínima não ultrapasse 1 ano, pois a norma contida na Lei nº 9.099/95 os exclui apenas da competência dos Juizados Criminais.

Portanto, seja no processo comum, seja nos processos com rito especial é aplicável a suspensão condicional do processo.

Por força dos artigos 383 e 384 do CPP que possibilitam ao magistrado dar ao fato definição jurídica diversa da que foi dada pelo Ministério Público na denúncia, pode ocorrer uma situação em que um delito, submetido a processo comum ou especial, cuja reprimenda seja pena superior a 1 ano, no seu limite mínimo, e, portanto, não contemplado pela beneplácito legal, seja desclassificado para outro cuja sanção esteja contida dentro do permissivo legal.

Ocorrendo tal situação, pode surgir dúvida acerca do procedimento a ser adotado visando à suspensão do processo. É que, uma vez publicada a sentença, fica findado o ofício do juiz, não podendo mais inovar no processo, salvo nas situações previstas em lei.

Na verdade esta dúvida é muito fácil de elidir.

Em respeito ao princípio da correlação, a sentença deverá guardar uma relação com a denúncia (ou queixa), esta como peça fundamental da exposição da pretensão punitiva do Estado. A condenação deverá, consequentemente, manter uma liame entre o fato relatado na peça vestibular e o fato pelo qual o réu é condenado, como garantia da ampla defesa. O juiz está, assim, vinculado aos fatos descritos na denúncia ou queixa, não podendo condenar o réu por fato de que não foi acusado, sob pena de nulidade da sentença. É o chamado princípio da mutatio libelli. Contudo ele não é absoluto, sofrendo uma mitigação por outro princípio que vigora no direito penal: o princípio da livre dicção do direito (jura novit curia – o juiz conhece o direito), consubstanciado no brocardo "narra-me o fato e te darei o direito". Isto significa que o juiz ao sentenciar poderá dar ao fato descrito na exordial nova definição jurídica, sem ofender o princípio da ampla defesa e da correlação. É que o réu se defende dos fatos a ele imputados e não da capitulação dada pela acusação.

O juiz não poderá, contudo, modificar a denominação jurídica do crime feita na denúncia sem que baixe o processo para que a defesa faça as alegações que julgar necessárias, no caso da desclassificação importar em aplicação de pena igual ou mais branda, conforme caput do art. 384 do CPP; ou, se da nova definição jurídica advier aplicação de pena mais rigorosa, os autos deverão ser remetidos ao MP para aditar a denúncia, abrindo-se prazo para que a defesa apresente provas e, se quiser, indique até 3 testemunhas. É o que estabelece o parágrafo único do supracitado artigo.

Ressalte-se que o art. 384 aplica-se aos casos em que, no decorrer do processo, fique provada a existência de circunstância elementar não contida na denúncia, de forma explícita ou implícita, importando em nova definição jurídica do fato. Ocorrendo tal hipótese, o juiz deverá baixar o processo. O caso previsto no art. 383 refere-se à errada classificação jurídica do fato, articulada na inicial. Neste caso, o juiz não precisa baixar os autos, podendo, contudo, fazê-lo.

Portanto,

quando o magistrado, da análise das provas, verificar a possibilidade de dar ao fato definição jurídica diversa da articulada na peça vestibular, resultando na aplicação de pena igual ou inferior a 1 ano, poderá baixar o processo para que o MP se pronuncie a respeito da suspensão do processo e, em caso positivo, faça o aditamento da denúncia, apresentando a proposta de suspensão condicional do processo, obviamente, desde que presentes as demais condições exigidas, conforme preceitua o art. 89 da referida Lei, aplicando por analogia os dispositivos acima analisados.

Pode-se questionar, contudo: e se o MP não concordar com a nova capitulação? O acusado ficaria prejudicado? Bom, o magistrado não está restrito à definição jurídica apresentada na denúncia. Portanto, mesmo que o MP não concorde, ele pode e deve reconhecer na sentença a nova capitulação para o fato. Pode-se argumentar, todavia, que já será tarde porque o juiz já esgotou sua função no processo, não pode mais suspendê-lo. Concordo, contudo a suspensão condicional do processo não é um direito subjetivo do acusado. Tanto é verdade que a dicção legal é (...) o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo (...).

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É pacífico que em matéria de direito penal, quando a lei diz que o juiz pode fazer algo que beneficie o réu, na verdade entende-se que o juiz deve fazer. Contudo, entendo que neste caso não é esta a mens legis, mesmo porque se assim o fosse, seria tal norma inconstitucional por atentar contra a privatividade da ação penal pública. Entender de outra forma é obrigar o dominus littis a desistir do processo.

Na melhor das hipóteses, a fim de prover maiores garantias ao acusado, seria o caso de aplicar-se, também por analogia, o art. 28 do CPP, encaminhando-se os autos ao Procurador Geral de Justiça para que indique outro membro do Parquet para fazer o aditamento ou o faça ele mesmo - princípio da devolução (neste sentido: Súmula 696 do STF).

Não há, portanto, qualquer dificuldade, do ponto de vista do direito positivo, para a aplicabilidade do instituto da suspensão condicional do processo na hipótese aqui aventada. Os instrumentos processuais encontram-se na própria Lei nº 9.099/95 e no Código de Processo Penal, além é claro, dos princípios aplicados ao processo penal.


BIBLIOGRAFIA

GOMES. Luiz Flávio. Código Penal, Código de Processo Penal e Constituição Federal. 6ª edição, atualizada até 05.01.2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 15ª edição, revista e atualizada até julho de 2003. São Paulo: Atlas, 2003.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal, 20ª edição, revista, modificada e ampliada. São Paulo: Saraiva, 1998.

MARQUES. José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal, vol. I. Campinas: Bookseller, 1997.

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Sobre o autor
Antônio Moisés Almeida Braga

Servidor Público Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Antônio Moisés Almeida. A suspensão condicional do processo decorrente da Lei nº 9.099/95, "mutatio libelli" e a desclassificação do crime. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 449, 29 set. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5756. Acesso em: 25 abr. 2024.

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