Capa da publicação Infiltração virtual de agentes: avanço nas técnicas de investigação
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Infiltração virtual de agentes representa avanço nas técnicas especiais de investigação

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Resumo:


  • A infiltração de agentes é uma técnica especial de investigação criminal, dependente de autorização judicial, marcada pela dissimulação e sigilosidade.

  • A infiltração virtual de agentes é uma nova modalidade que visa investigar crimes contra a liberdade ou dignidade sexual de crianças e adolescentes, exigindo autorização judicial e respeitando limites legais.

  • Os agentes infiltrados devem observar estritamente a finalidade da investigação, respeitando os limites impostos pelo juiz, evitando desvios de conduta que possam configurar crimes, como o armazenamento indevido de material pornográfico.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. Prazo de Duração

De acordo com a doutrina[13], a infiltração de agentes pode ser classificada em duas modalidades: a) Light Cover ou infiltração leve, com duração máxima de seis meses e que exige menos engajamento por parte do agente infiltrado; e b) Deep Cover ou infiltração profunda, que se desenvolve por mais de seis meses, exigindo total imersão no bojo da organização criminosa, sendo que na maioria dos casos o agente infiltrado assume outra identidade e praticamente não mantém contato com a sua família. Nos termos do artigo 10, §3º, da Lei de Organizações Criminosas, admite-se as duas formas de infiltração, uma vez que este procedimento pode ser adotado por seis meses, mas com a possibilidade de renovações.

A Lei 13.441/17, por outro lado, estabelece que a infiltração virtual poderá se desenvolver pelo prazo de 90 dias, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que não exceda o prazo máximo de 720 dias[14]. Percebe-se, destarte, que a inovação legislativa promovida no ECA também admite as duas formas de infiltração (Ligth Cover e Deep Cover). Consigne-se, todavia, que a necessidade da renovação do prazo deve ser devidamente demonstrada pela autoridade que a provocar, cabendo ao juiz decidir fundamentadamente em todos os casos, conforme já estabeleceu o Supremo Tribunal Federal em relação às renovações da interceptação telefônica.[15]

É interessante frisar que a Lei em análise, diferentemente da Lei 12.850/13 (art.10 §4º), não exige um relatório circunstanciado da diligência ao final do seu prazo de duração. Nos termos do seu artigo 190-A, §1º, o juiz e o Ministério Público poderão requisitar relatórios parciais acerca da infiltração antes do esgotamento do seu prazo, deixando claro que se trata de uma faculdade para essas autoridades. Não obstante, parece-nos que a exposição de relatório circunstanciado das diligências seja imprescindível para a renovação do procedimento, permitindo, ademais, a fiscalização dos atos de Polícia Judiciária. Sem embargo, entendemos, em analogia com o artigo 10, §5º, da Lei 12.850/13, que o delegado de polícia poderá determinar de seus agentes e o Ministério Público requisitar, a qualquer tempo, relatório parcial das atividades de infiltração.

De todo modo, a Lei 13.441/17 impõe que ao final da investigação todos os atos eletrônicos praticados durante a operação deverão ser registrados, gravados, armazenados e encaminhados ao juiz e ao Ministério Público, juntamente com relatório detalhado (art.190-E). Com o objetivo de assegurar a eficácia do procedimento de infiltração, preservar a identidade do agente infiltrado, bem como a intimidade da criança ou adolescente envolvidos, essa técnica excepcional de investigação deve ser formalizada em autos apartados, apensados ao inquérito policial de origem apenas ao final das diligências (art.190-E, parágrafo único).


5. Procedimento Sigiloso

O artigo 190-B, da Lei 13.441/17, prevê que as informações obtidas através da infiltração virtual devem ser encaminhadas ao juiz responsável pela autorização da medida, que zelará pelo seu sigilo. Outrossim, visando assegurar a eficácia do procedimento, o parágrafo único desse artigo estabelece a sigilosidade da investigação até a conclusão das diligências, destacando que apenas o juiz, o Ministério Público e o delegado de polícia responsável pelo caso poderão ter acesso aos autos da infiltração.

Percebe-se que a nova lei não fez qualquer menção à forma de distribuição do requerimento ou representação pela infiltração virtual, razão pela qual, deve-se aplicar por analogia o artigo 12, da Lei 12.850/12[16], assegurando-se, assim, a sigilosidade dessa técnica de investigação desde o seu início, o que, vale dizer, pode ser essencial para o sucesso da medida.

Consigne-se nesse ponto que a Lei das Organizações Criminosas prevê no seu artigo 14, inciso III, ser direito do agente infiltrado “ter seu nome, sua qualificação, sua imagem, sua voz e demais informações pessoais preservadas durante a investigação e o processo criminal, salvo se houver decisão judicial em contrário” (grifamos). Sob tais premissas, questiona-se: esse direito seria extensível ao agente virtual?

Antes de respondermos essa indagação, salientamos que o tema causa enorme polêmica no âmbito da Lei 12.850/13, onde para uma parcela da doutrina o agente infiltrado poderia ser ouvido como testemunha anônima, desde que o advogado do acusado participe da produção dessa prova[17]. Uma segunda corrente, por outro lado, a qual nos filiamos, sustenta que nem sequer a defesa poderá participar da audiência do agente infiltrado.[18] Isto, pois, o réu se defende dos fatos e não das pessoas, sendo certo que os princípios do contraditório e ampla defesa poderão ser observados em uma audiência especial, sem que as características do agente sejam expostas. Com efeito, além de proteger a integridade física do agente em relação aos acusados do processo, o depoimento anônimo também viabilizaria a sua participação em infiltrações futuras.

Agora, em se tratando da infiltração virtual de agentes, não há razões para se preservar a identidade do agente em relação à defesa após a conclusão do procedimento. Ora, é cediço que os policiais de um modo geral desenvolvem uma atividade de risco, não havendo diferença entre um policial que consegue reunir provas e elementos de informações contra um “pedófilo”, por exemplo, através de uma investigação convencional ou por meio de uma infiltração virtual. Tanto em um caso, como no outro, a ação policial poderia dar ensejo a retaliações por parte dos criminosos.

Demais disso, tendo em vista que a diligência se desenvolve pela Internet, de maneira que a identidade física do agente não possa ser revelada, não vemos a necessidade de preservar o seu nome, sua qualificação, sua voz e demais informações pessoais durante o processo, pois tais revelações nem sequer inviabilizariam sua participação em infiltrações futuras. Sem embargo, o artigo 190-E, da nova lei, assegura a preservação da identidade do agente infiltrado[1], sendo que tal previsão não se aplica à defesa durante o processo, conforme já salientado.


6. Da Proporcionalidade da Infiltração Virtual e da Licitude da Ação Policial

O artigo 190-C, parágrafo único, dispõe que: “O agente infiltrado que deixar de observar a estrita finalidade da investigação responderá pelos excessos praticados”. Como todo servidor público, o agente policial virtual deve pautar suas condutas pelos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, proporcionalidade etc.

Com efeito, é imprescindível que o agente infiltrado desenvolva suas ações com base nos limites impostos pelo juiz na decisão que autorizou o procedimento, atentando-se especialmente para o prazo estabelecido e o objeto da investigação. Assim, o policial que se aproveitar da diligência para armazenar fotografia ou vídeo de cunho pornográfico envolvendo criança ou adolescente para satisfazer sua própria lascívia, responderá pelo crime previsto no artigo 241-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Haverá, outrossim, desvio de finalidade nos casos em que o agente se aproveita da identidade virtual fictícia para efetivar transações pessoais de seu interesse pela Internet.

Se, por outro lado, ele armazenar em seu computador de trabalho, por exemplo, fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de registro que contenha material pornográfico infantil, com a finalidade de eventualmente transmiti-lo para uma pessoa investigada, tudo com o objetivo de ganhar a sua confiança e, assim, reforçar os indícios de autoria e materialidade criminosa (técnica de engenharia social), não há que se cogitar a prática dos crimes previstos nos artigos 241-A[19] e 241-B[20], do ECA.

Em tais situações, considerando seu animus investigativo e observadas as regras de proporcionalidade no desenvolvimento da infiltração, considerando, ademais, que a intenção do agente policial é proteger o bem jurídico tutelado pelos tipos penais e não ofendê-los (ausência de dolo), exclui-se, em nosso ponto de vista, a própria tipicidade da conduta, sendo perfeitamente aplicável a teoria da tipicidade conglobante.

Por fim, o artigo 190-C, caput, da Lei 13.441/17, estabelece que não comete crime o policial que oculta sua identidade para, por meio da Internet, colher indícios de autoria e materialidade dos crimes previstos no caput do artigo 190-A. Trata-se de uma hipótese de excludente de ilicitude pelo estrito cumprimento do dever legal[21], desde que, é claro, o agente observe os limites e as finalidades da investigação, conforme exposto acima.

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7. Infiltração Virtual: Atividade de Polícia Judiciária

Feitas todas as considerações acerca desse novo instituto e considerando a natureza investigativa da infiltração de agentes, concluímos que a infiltração virtual só pode ser efetivada por policiais civis ou federais.

Reforçando esse entendimento, o artigo 190-A, inciso II, da nova Lei, faz menção expressa à necessidade de representação do delegado de polícia para a adoção da medida, sendo certo que nos casos em que ela for requerida pelo Ministério Público, será necessária a manifestação técnica da autoridade policial, em analogia com o artigo 10 da Lei 12.850/13.

Se não bastasse, o §3º, do artigo 190-A, exige que a infiltração virtual seja utilizada apenas em último caso, quando não houver outros meios de obtenção de provas disponíveis. Isso significa que o juiz só deve autorizar esta medida diante do exaurimento de outras técnicas investigativas, o que, uma vez mais, inviabiliza a infiltração de agentes que não compõem os quadros das Polícias Judiciárias, responsáveis, nos termos da Constituição da República, pela apuração de infrações penais.

Nesse cenário, pode-se afirmar que é ilegal a infiltração realizada por policial militar, por exemplo, ainda que sob o comando do delegado de polícia. Da mesma forma, é vedada a infiltração virtual de agentes do Ministério Público nas investigações que correrem sob a responsabilidade deste órgão.[22] Por fim, os agentes da ABIN (Agência Brasileira de Inteligência) também não estão autorizados a executar este procedimento, muito embora seja recomendável o apoio técnico às Polícias Judiciárias visando uma maior eficácia da investigação.


8. Considerações finais

Considerando os aspectos que envolvem a infiltração policial na Internet, pode-se concluir que a referida medida é imprescindível para enfrentar com eficácia muitos dos crimes praticados contra a dignidade sexual das crianças e dos adolescentes através da rede mundial de computadores, bem como os crimes relacionados com a invasão de dispositivo informático.

Não obstante, parece-nos imprescindível que a nossa legislação avance no sentido de inserir essa técnica especial de investigação no próprio Código de Processo Penal, de forma a estender a infiltração virtual para outros crimes que, muitas vezes, necessitam de uma medida dessa natureza para que não haja impunidade, como, por exemplo, em alguns casos de homicídio, latrocínio, extorsão mediante sequestro, ou até mesmo crimes de ameaça ou contra a honra, praticados de forma contumaz em face de determinadas vítimas por intermédio da Internet.

De maneira ilustrativa, a infiltração de agentes na Internet seria absolutamente eficaz no enfrentamento de comportamentos nocivos, como o observado em razão do denominado “Desafio da Baleia Azul”, que utiliza redes sociais para agregar jovens, geralmente que apresentam um quadro de depressão, que são estimulados a realizar um total de cinquenta mórbidos desafios, sendo que o último deles consiste em tirar a própria vida.

Nesse cenário é possível, ao menos em tese, que os autores sejam responsabilizados pelo crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art.122, CP), ou, ainda, em se tratando de vítima menor de 14 anos, pode caracterizar o crime de homicídio.

Em conclusão, é necessário que se promova a capacitação de todos integrantes da persecução penal para lidarem com essa nova realidade, que, cada vez mais, vem demonstrando seus efeitos nocivos e colocado em risco a vida de nossos jovens. Da mesma forma, é mister que o Estado intensifique a adoção de medidas de caráter educativo visando a conscientização das crianças e adolescentes sobre o uso ético e seguro da Internet.

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Sobre os autores
Francisco Sannini Neto

Mestre em Direitos Difusos e Coletivos e pós-graduado com especialização em Direito Público. Professor Concursado da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. Professor da Pós-Graduação em Segurança Pública do Curso Supremo. Professor do Damásio Educacional. Professor do QConcursos. Delegado de Polícia do Estado de São Paulo.

Higor Vinicius Nogueira Jorge

Delegado de Polícia, professor de análise de inteligência da Academia da Polícia Civil e professor universitário. Tem feito palestras sobre segurança da informação, crimes cibernéticos, TI e drogas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANNINI NETO, Francisco Sannini Neto ; JORGE, Higor Vinicius Nogueira. Infiltração virtual de agentes representa avanço nas técnicas especiais de investigação. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5641, 11 dez. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57632. Acesso em: 22 dez. 2024.

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