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Redução da maioridade penal:

entre o direito e a opinião pública

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09/10/2004 às 00:00
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6. Considerações Finais

As controvérsias em torno da redução da maioridade penal não são recentes na história brasileira. Ao longo do tempo, é possível constatar uma tendência a enxergá-la como um instrumento suficiente e necessário no combate à violência, uma panacéia social, por assim dizer. Seja como for, a fim de validar seus argumentos, defensores e opositores dessa tese apóiam-se na crítica ao Estatuto da Criança e do Adolescente. Enquanto os primeiros atribuem a ele o status de diploma moderno, inspirador da legislação de vários países e afinado com a ordem jurídica mundial, seus interlocutores advogam a idéia de que se trata de um código normativo ornamental, posto que suas metas não são passíveis de realização e não encontram correspondência efetiva na realidade socioeconômica por que passa o País [44]. Colocando, portanto, o ECA como o epicentro dos debates relativos ao assunto, doutrinadores e formadores de opinião não se furtam a questionar sua eficácia.

Há, naturalmente, outros aspectos do problema que necessitariam de exame acurado, mas não nos cabe aqui analisá-los, visto que é outro o nosso propósito nesse artigo [45]. De acordo com os pressupostos que orientam esse trabalho, o que assume sinal de relevo é a discussão da eficácia da redução da idade penal de um ponto de vista dúplice: a partir da opinião pública e da doutrina jurídica. Nessa perspectiva, se "o direito e a opinião pública são condicionantes e condicionados recíprocos", conforme assinalou Miranda Rosa [46], resta-nos saber como as influências de um para com o outro podem ser exercidas de modo a não ensejar medidas impensadas e movidas pelo calor dos acontecimentos. Seria pertinente proceder-se ao exame desta questão balizando, simultaneamente, os valores constitucionais e os preceitos adotados pela comunidade jurídica internacional [47]. Isso não significa que se deva elidir, por completo, o sentimento coletivo de justiça como quesito a compor o mosaico legiferante do Brasil. O clamor popular deve constituir-se de referencial para a instituição de leis desde que não macule os princípios do Estado Democrático de Direito. Eis o desafio imposto aos legisladores brasileiros em sua tarefa de promover as condições para a conquista da justiça.


Bibliografia

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Notas

1 ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Sociologia do direito: o fenômeno jurídico como fato social. 13. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1996, p. 203.

2 SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica: introdução a uma leitura externa do direito. 2 ed. São Paulo: RT, 2002.

3 CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Sociologia Jurídica (Você conhece?). 10 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 186.

4 SABADELL, Ana Lúcia. Manual de Sociologia Jurídica, op. cit., p. 212.

5 Idem, Ibidem, p. 211.

6 ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Sociologia do direito, op. cit., p. 204.

7 Idem, Ibidem, p. 73-74.

8 O caso em questão refere-se aos assassinatos de Felipe Silva Caffé, 19, e Liana Friedenbach, 16, amplamente divulgados pela mídia, entre novembro e dezembro de 2003.

9 Consultar "Casal de alunos do São Luís desaparece". Folha de São Paulo, 06.11.2003 e "Pai usa até helicóptero em busca pela filha". Folha de São Paulo, 07.11.2003.

10 "Caso Embu tem inquérito concluído". Folha de São Paulo, 20.11.2003.

11 "Promotoria pediu fitas de programa em que ela disse querer matar Xampinha". Folha de São Paulo, 19.11.2003.

12 Folha de São Paulo, Painel do leitor, 23.11.2003. Carta de José Eduardo Brunaldi.

13 MORAIS, Regis. "Mídia e multimídia nos labirintos da violência". In: _______ (Org.). Sociedade: o espelho partido. Campinas: Edicamp, 2003, p. 69.

14 Embora centrando atenção na questão da indústria cultural, Adorno e Horkheimer fazem as seguintes observações sobre o assunto: "O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção quotidiana, tornou-se uma norma da produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme". ADORNO, Theodor & HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antônio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1985, p. 118.

15 A esse respeito, Regis de Morais se posiciona da seguinte forma: "... estou de acordo que a TV não decide, de forma todo-poderosa, a vida social, mas penso não ser difícil ver que as mensagens televisivas jogam um papel muito considerável em tal decisão". Cf. MORAIS, Regis. "Mídia e multimídia nos labirintos da violência", op. cit., p. 72.

16 "Pai quer redução da maioridade penal", Folha de São Paulo, 13.11.2003.

17 Idem, Ibidem.

18 Folha de São Paulo, Painel do leitor, 12.11.2003. Carta de Nestor Rodrigues Pereira Filho

19 SALVO, Maria Paola de. "Febem tortura Estatuto da Criança e do Adolescente". Disponível em <http://agenciacartamaior.uol.com.br/agencia.asp?coluna=reportagens&id=1186>.

20 De acordo com Maria Paola de Salvo: "Em crise permanente, a instituição completa três décadas marcada pela política truculenta e violenta de encarceramento em grandes complexos, sem ter assimilado ainda as medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), promulgado em 1990". Cf. SALVO, Maria Paola de. "Há 30 anos, Febem-SP falha na recuperação de menores infratores". Disponível em

<http://agenciacartamaior.uol.com.br/agencia.asp?coluna=reportagens&id=1185>.

21 Algumas experiências desse tipo têm logrado sucesso. É o caso da cidade de São Carlos (SP) que, de acordo com Rubens Naves, teve seus índices de roubo, homicídio e reincidência criminal reduzidos significativamente. Cf. NAVES, Rubens. "Pelo cumprimento do estatuto". Folha de São Paulo, 15.11.2003.

22 Assinalemos que a idade para a imputabilidade penal varia de acordo com as características sociais e jurídicas de um determinado país. O limite de 18 anos é predominante na maioria dos países. Não obstante, há nações que reduziram esse limite, conforme observa Mirabete: "Esse mesmo limite de idade [18 anos] para a imputabilidade penal é consagrado na maioria dos países (Áustria, Dinamarca, Finlândia, França, Colômbia, México, Peru, Uruguai, Equador, Tailândia, Noruega, Holanda, Cuba, Venezuela etc.). Entretanto, em alguns países podem ser considerados imputáveis jovens de menor idade, como: 17 anos (Grécia, Nova Zelândia, Federação Malásia); 16 anos (Argentina, Birmânia, Filipinas, Espanha, Bélgica, Israel), 15 anos (Índia, Honduras, Egito, Síria, Paraguai, Iraque, Guatemala, Líbano); 14 anos (Alemanha, Haiti); 10 anos (Inglaterra)". MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal. Volume I. 20 ed., São Paulo: Atlas, 2003, p. 216.

23 Idem, Ibidem, p. 210.

24 Idem, Ibidem, p. 210.

25 Idem, Ibidem, p. 216.

26 ABI-ACKEL, Ibrahim. "Exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal". In: GOMES, Luiz Flávio. (Org.). Código Penal. 4. ed. São Paulo: RT (RT-mini-códigos), 2002, p. 222. Grifos meus.

27 A propósito da relação entre o processo de socialização e o conhecimento das normas penais, Ana Lúcia Sabadell observa: "No tocante ao conhecimento das leis, as pesquisas indicam que a opinião pública é bem informada sobre a legislação penal. Isto se explica pelo fato de que as mais importantes leis penais e as respectivas sanções são ensinadas como regras morais aos jovens no âmbito do processo de socialização e largamente veiculadas pela mídia". Cf. SABADELL, Ana Lúcia. Manual de sociologia jurídica, op. cit., p. 209.

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28 BERGER, Peter & BERGER, Brigitte. "Socialização: como ser membro da sociedade". In: MARTINS, José de Souza & FORACCHI, Marialice Mencarini (Orgs.). Sociologia e sociedade. Leituras de introdução à Sociologia. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos Editora S.A., 2000, p. 206-207.

29 A esse propósito, Marion Levy Jr assevera: "Evidentemente, a socialização não é restrita à necessidade de inculcar estruturas sociais na criança de uma sociedade. (...) Inclui-se na socialização tanto o desenvolvimento de novos membros adultos, a partir de infantes, como o ajustamento de um indivíduo de qualquer idade em qualquer papel social da sociedade ou nos subsistemas nos quais o aprendizado é realizado". LEVY JR, Marion J. "Socialização". In: CARDOSO, Fernando Henrique & IANNI, Octávio (Orgs.). Homem e Sociedade. 12 ed., São Paulo: Ed. Nacional, 1980, p. 61.

30 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, op. cit., p. 217.

31 JORGE, Éder. "Redução da maioridade penal". Disponível em http://jus.com.br/artigos/3374

32 Sem nos deter no assunto, aduziríamos a essa discussão que, de forma semelhante, teriam os adolescentes condições de se transformar em condutores de automóveis, porquanto são dotados de razão para responder por eventuais infrações no trânsito. Sendo assim, deveria ser facultada aos maiores de 16 anos a habilitação para dirigir.

33 Referimo-nos, entre outros aspectos, à impossibilidade de alteração da Constituição Federal e da inconstitucionalidade da redução da maioridade penal. A esse respeito, consulte-se LOCHE, Adriana Alves & LEITE, Antônio José Maffezoli. "Redução Da imputabilidade penal – ineficácia social e impossibilidade constitucional". Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 37, jan/mar, 2002, p. 253-260; MASSA, Patrícia Helena. "A menoridade penal no direito brasileiro". Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 04, out/dez, 1993, p. 126-132; PIOVESAN, Flávia. "A inconstitucionalidade da redução da maioridade penal". Disponível em <http://www.ibccrim.org.br>.

34 ABI-ACKEL, Ibrahim. "Exposição de motivos da nova parte geral do Código Penal", op. cit., p. 222.

35 GOMES, Luiz Flávio. "Preservar o ECA, mas com razoabilidade". Folha de São Paulo, 15.11.2003.

36 MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, op. cit., 217.

37 LOCHE, Adriana Alves & LEITE, Antônio José Maffezoli. "Redução Da imputabilidade penal – ineficácia social e impossibilidade constitucional", op. cit., p. 256.

38 "84% apóiam redução da maioridade penal", Folha de São Paulo, 01.01.2004.

39 Folha de São Paulo. 15.11.2003. Carta de Alcemir Cássio Amgarten. Façamos aqui a ressalva de que a porcentagem mencionada pelo autor diz respeito à pesquisa da OAB, realizada anteriormente à do Datafolha.

40 "''Não podemos legislar pela emergência'', diz ministro". Folha de São Paulo, 24.11.2003.

41 GOMES, Luiz Flávio. "Preservar o ECA, mas com razoabilidade", op. cit.

42 Nessa perspectiva, Dalmo de Abreu Dallari se posiciona nos seguintes termos: "Em conclusão, a redução da idade de responsabilidade penal trará mais prejuízos do que benefícios à sociedade, pois jogará definitivamente no mundo da criminalidade adolescentes que, se receberem a aplicação das medidas sócio-educativas, inclusive privação da liberdade nas condições previstas na lei, estarão sendo preparadas para a convivência pacífica e respeitosa". Cf. DALLARI, Dalmo de Abreu. "A razão para manter a maioridade penal aos 18". Gazeta Mercantil, 27.04.2001.

43 Também parece ser esse o ponto de vista de Patrícia Massa sobre o assunto: "Cumpre aos que se incumbem a abordagem jurídica do tema separar minuciosamente as verdades das crenças e verificar as conseqüências da implantação das sugestões ora analisadas no universo das crianças e dos adolescentes, na sociedade como um todo e na estrutura do Estado, em face dos deveres constitucionais e das possibilidades efetivas. Esse procedimento preliminar torna-se necessário na medida em que o impacto desejado da norma penal na sociedade deve ter correspondência com a efetividade material e eficácia alcançadas". MASSA, Patrícia Helena. "A menoridade penal no direito brasileiro", op. cit., p. 126-127.

44 Para uma análise pormenorizada das medidas socioeducativas do Estatuto da Criança e do Adolescente, consultar VIDAL, Luís Fernando Camargo de Barros. "Medidas sócio-educativas". Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 37, jan/mar, 2002, p. 191-208.

45 Como exemplo tome-se a relação entre a maioridade penal e a maioridade civil que fora abordada em primoroso trabalho a respeito das transformações ocorridas na esfera penal por meio da instituição do novo Código Civil. Consultar: TORRES, José Henrique Rodrigues. "Reflexos do novo Código Civil no sistema penal". Revista Brasileira de Ciências Criminais, n.º 44, jul/set, 2003, p. 86-127.

46 ROSA, Felippe Augusto de Miranda. Sociologia do direito, op. cit., p. 73.

47 É de assinalar, nesse sentido, que o Brasil seja signatário da Convenção dos Direitos da Criança, aprovada pela ONU.

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Sobre o autor
Roberto Barbato Jr.

mestre em Sociologia, doutor em Ciências Sociais pela UNICAMP, professor de Sociologia nos cursos de Direito da METROCAMP (Campinas) e UNIP (Limeira)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBATO JR., Roberto. Redução da maioridade penal:: entre o direito e a opinião pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 459, 9 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5771. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Originalmente publicado na Revista dos Tribunais, vol. 822, Abril/2004, pp. 429-443.

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