SUMÁRIO: 1) Introdução; 2) A relevância da Classificação de ações e sentenças; 3) Classificação das ações segundo as cargas de eficácias das sentenças; Elementos Identificadores das ações; 4) Eficácia Sentencial – Classificação Quinária; 5) A efetividade e efetivação do processo frente a dicotomia processual; 6) Sincretismo processual; Tutelas Mandamental e Executivas Lato Sensu; 7) Considerações finais; 8) Referencias.
1) INTRODUÇÃO
Não obstante o título Classificação das Ações, o objetivo principal não foi o de aprofundar-se neste tema, mas sim de apresenta-lo, por um exame superficial, segundo as duas teorias – trinaria e quinária – e apontar a relevância das tutelas mandamentais e executivas lato sensu para a maior efetividade do processo.
A visão tradicional do sistema processual, aprisionada na dicotomia entre processo de conhecimento e execução, ao longo do tempo, principalmente a partir dos anos 90, vem sofrendo profundas reformulações. Diante da teoria quinária, apresentada por pontes de Miranda, a separação das atividades cognitiva e executiva, paulatinamente, vão deixando de ser um princípio absoluto e intocável. O sincretismo processual traduz este posicionamento através das tutelas mandamental e executiva lato sensu.
Em linhas gerais, nosso o foco principal foi de afirmar o sincretismo processual como princípio atual do Processo Civil brasileiro decorrente das tutelas mandamental e executiva lato sensu, na busca da maior efetividade do processo.
2) A RELEVÂNCIA DA CLASSIFICAÇÃO DE AÇÕES E SENTENÇAS
Antes de adentrar o tema da classificação das ações propriamente dito, é curial destacarmos a importância de seu domínio, tanto para o advogado, na formulação de pedidos adequados, como, também, ao magistrado na prolação de decisão precisa, nos exatos termos que a situação de fato lhe impõe.
Com efeito, a perfeita compreensão da classificação das ações importa no domínio da classificação das sentenças, segundo sua carga de eficácia.
Para a melhor assimilação do tema proposto neste tópico, é relevante entendermos, inicialmente, a distinção existente entre as relações jurídicas de direito material e de direito processual, já que apenas com o surgimento desta teremos a ação processual e conseqüentemente as tutelas a serem classificadas.
Na vida cotidiana, ocorrem fatos que por sua relação provocam conseqüências na esfera jurídicas e outros não. Para o estudo das relações jurídicas apenas os primeiros são relevantes, fatos que ocorridos provocam aos sujeitos de direito um vínculo que os uma - para uns o dever de indenizar, ao passo que para os outros surgirá a faculdade de direito à reparação dos danos ocorridos. Este novo vínculo que surgiu é a chamada relação jurídica de direito material, que nada mais é do que uma relação jurídica pré-processual. (direito subjetivo material)
Independentemente da relação jurídica material, pode [1] existir uma outra relação jurídica distinta, a chamada relação jurídica processual, que surge com a invocação da tutela jurisdicional para a satisfação de determinada pretensão. Esta é a que nos interessa, pois dela resulta a ação processual, que será objeto de análise na perspectiva alinhada. [2]
Para melhor fixação, devemos entender ação como o exercício da atividade jurisdicional do Estado, que por sua vez é desempenhada através do complexo de atos que é o processo. Importante notar a autonomia do direito de ação, que constitui conquista definitiva do direito processual. Este conceito será curial para o entendimento da classificação proposta neste trabalho.
Segundo Cândido Rangel Dinamarco, "caracteriza-se a ação, pois, como uma situação jurídica de que desfruta o autor perante o Estado, seja ela um direito (direito público subjetivo) ou um poder. Entre os direitos públicos subjetivos, caracteriza-se mais especificamente como um direito cívico, por ter como objeto uma pretensão positiva por parte do estado (obrigação de dare, facere, praestare): a facultas agendi do indivíduo é substituído pela facultas exigendi". [3]
A doutrina brasileira tradicionalmente, tem classificado as ações segundo o provimento jurisdicional pleiteado, sob o argumento de que, se toda ação implica pedido de provimento de dada ordem e se as ações diferenciam entre si também na medida em que os provimentos pedidos sejam diferentes, será lícito classifica-las com base nesse seu elemento. [4]
Deste modo, de acordo com a natureza do provimento visado, segundo a teoria trinaria de classificação das ações, temos em primeiro lugar a ação de conhecimento, que dá causa a um processo de conhecimento visando um provimento de mérito, que se opõe a ação executiva, que por sua vez, através do processo de execução busca um provimento satisfativo.
E para que a reintegração do direito – de conhecimento ou de execução - pela via jurisdicional possa ser eficaz e tempestiva, instanteneamente, sem o perigo da demora, e sem suprimir o desenvolvimento das atividades indispensáveis para a declaração e a execução, surge a terceira atividade que é a cautelar que se desenvolve pelo processo com o mesmo nome, buscando o provimento acautelatório que pode preceder ou ser incidente ao processo principal [5].
As ações de conhecimento, subdividem-se da mesma forma como seus provimentos cognitivos em: meramente declaratória, constitutivas (positivas e negativas) e condenatórias, indubitavelmente, esta orientação está ligada à construção germânica do século passado, especialmente em Adolf Wach, que leva por suporte a procedência da demanda, na medida em que a ação julgada improcedente terá sempre natureza declaratória negativa.
3) CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES SEGUNDO AS CARGAS DE EFICÁCIAS DAS SENTENÇAS
Diante da diversidade dos provimentos jurisdicionais a que o exercício da ação pode transmitir, a doutrina costuma apresentar a classificação das ações de acordo com o provimento que constitui o pedido, dotando-se do mesmo nome o processo através do qual a jurisdição atua. Processo de conhecimento, processo de execução e processo cautelar.
Pelo processo de conhecimento, provocado o juízo, este é chamado a julgar, declarando qual das partes tem razão - daí ser também chamado de declaratório em sentido amplo - através do provimento declaratório denominado sentença. Por sua vez o processo de conhecimento também se subdivide-se em três categorias; processo meramente declaratório, processo declaratório, processo constitutivo (este último ainda pode ser positivo ou negativo).
Através das ações de natureza declaratórias busca-se a certeza onde havia incerteza. Busca-se a declaração de existência ou inexistência da relação jurídica. O exemplo mais comum deste tipo de ação é a de investigação de paternidade, onde se busca a declaração de existência ou não de consangüinidade entre os litigantes. Com a sentença meramente declaratória invocada o direito do autor se torna certo, porém caso pretenda exigir sua satisfação, deverá propor nova ação, de natureza condenatória.
O ação condenatória invoca uma sentença de condenação do réu. Julgada procedente, a decisão afirma a existência do direito do autor e sua respectiva violação, criando para o réu um dever de indenizar. O provimento condenatório é o único capaz de possibilitar ao autor o acesso à via processual da execução forçada, criando um novo direito de ação, que é o direito a tutela jurisdicional executiva. Na esfera cível, todos os processos que buscam a imposição ao réu de uma prestação de dar, fazer, ou não fazer, são condenatórios, também denominados de prestação. [6]
Nas ações de natureza constitutiva, busca-se o provimento jurisdicional para a criação, extinção ou modificação da relação jurídica. Esta ação pode ter cunho positivo quando faz surgir no mundo empírico uma nova relação jurídica; e por sua vez pode ser negativa quando extingue uma relação jurídica já existente. São exemplos da primeira as ações indenizatórias, e das segundas o divórcio. As ações constitutivas negativas também são chamadas pela doutrina de desconstitutivas.
Ao lado da teoria clássica da tripartição das ações - também conhecida como classificação trinaria- a doutrina, encabeçada por Pontes de Miranda, cada vez mais maciça, coloca as ações mandamentais e as executivas lato sensu.
Para parte da doutrina não trata-se de uma nova teoria, mas mero desdobramento das ações condenatórias, seria sim, apenas uma nova classificação das tutelas, o que discordamos, uma vez que não há dúvidas de que existem peculiaridades próprias para as novas categorias, visto que a ação mandamental e a executiva lato sensu não demandam de nova ação de execução, uma vez que a atuação concreta do comando da sentença são autuadas no próprio processo de conhecimento.
As ações mandamentais, tem por objetivo principal a busca de uma ordem do juízo para que se faça ou deixe de fazer alguma coisa, de acordo com o sentido da pretensão deduzida. São exemplos clássicos de ação mandamental, o mandado de segurança e a ação de modificação de registro público.
Por seu turno, a ação executiva lato sensu, representa a possibilidade de ações que tragam embutidas no processo de conhecimento capacidade executória, possibilitando ao juízo determinar, desde logo, e independentemente de qualquer outra providencia, a entrega do bem da vida objeto da lide, isto porque o provimento jurisdicional tem caráter executório.
Segundo Pontes de Miranda toda ação ou sentença carrega em si mesma, no bojo do projeto de provimento jurisdicional esperado, por quem pede ao Estado, a satisfação de seu interesse ofendido, existe uma carga maior, uma eficácia maior, preponderante, sobre as demais provisões satisfativas de direito material contidas na sentença. Desta forma, em toda ação declaratória a eficácia maior é a de declarar; na constitutiva, é a de constituir; na condenatória, a de condenar; na mandamental a de mandar e, na executiva, a de executar. Eis, os cinco verbos que emprestam à cada ação ou sentença sua força ou eficácia preponderante. [7]
4) EFICÁCIA SENTENCIAL: DIVISÃO QUINÁRIA DE PONTES DE MIRANDA
Ainda quando era predominante no direito nacional a doutrina processualística européia da classificação trinaria das ações, Pontes de Miranda teve a intuição (sentindo a cultura histórico-jurídica nacional naquela época), de colocar em cheque o paradigma clássico, e criar outra nova classificação, que mais se adequava à realidade do logos nacional, reconhecendo a presença de cinco tipos diversos de eficácias sentenciais: declaratória, condenatória, constitutiva, executiva e mandamental, que estariam sempre presentes em qualquer sentença em graus diversos, havendo a predominância de uma eficácia sobre as demais.
Segundo a explicação do próprio Pontes de Miranda:
Há expressões comuns a essas cinco situações: a primeira situação é a mesma que era, daí dizer-se é ou não é; a segunda faz existir algo que não existia, ou deixar de existir o que existia; a terceira afirma que houve ou não houve, e impõe que não haja; a quarta resulta de ato de alguém que não a fez, porém mandou que se fizesse; a quinta faz passar o que existe a outro lugar onde não existia, porque aí é que devia existir. [8]
Porém, para este trabalho consideraremos apenas a existência desses cinco tipos de eficácia e determinar que a opção por um ou outro tipo preponderante não é livre, nem, muito menos, determinada pelo direito processual, e sim que a eficácia sentencial está indissoluvelmente ligada à ação e ao direito material que a provocam.
Assim se uma pessoa tem direito à entrega da posse – seja em fundada em direitos obrigacionais ou reais -, então ela tem ação material de imissão na posse. Em outras palavras, tem o direito de que lhe seja outorgada a posse do bem. Essa ação, portanto, cujo resultado, necessariamente, é a entrega da posse, só pode ter predominante eficácia executiva.
Essa constatação divorcia-se com a divisão dicotômica do Código de Processo Civil, em que são necessárias duas atividades tendentes ao mesmo fim (realizar o direito no mundo empírico), que acaba excluindo as eficácias mandamental e executiva do processo de conhecimento. Na ideologia do estatuto processual, não há reconhecimento da eficácia executiva e mandamental dentro do processo de conhecimento. Contudo a diferença da eficácia de uma sentença em ação possessória, com a ação de cobrança é patente. Pois que, na primeira, há a entrega efetiva do bem; enquanto que na segunda, ocorre apenas a condenação sem satisfação.
Com a individualização do processo como ramo do direito, consagrou-se o procedimento ordinário como rito comum, através do qual era processada a ação de direito processual. E, pior, consagrou-se o processo de conhecimento com suas eficácias declaratória, constitutiva e condenatória, como processo hábil à solução de todos os litígios quer fossem relativos ou absolutos, reais ou pessoais.
Na gênese dessa formulação, está a idéia equivocada de que a ação de direito processual substituíra, ou melhor, suprimirá, as diversas ações de direito material. Com esse entendimento, nada mais natural do que unificar os procedimentos em um só - o procedimento ordinário. Entretanto, por maior que tenha sido o esforço no sentido de apagar as ações de direito material, a ciência processual contemporânea teve de constatar que não só essas ações não haviam sido suprimidas, como, pelo contrário, elas haviam permanecido em atuação a cada sentença de procedência.
Àquilo que intuíra e que ao longo de cinqüenta anos de sua existência vinha empiricamente comprovando, ARAKEN DE ASSIS, em meados da década de 80, procurou dar foros de cientificidade, utilizando-se, para tanto, do princípio da falseabilidade de KARL POPPER, a fim de demonstrar que a teoria trinária da classificação das ações e das sentenças, então clássica e incontestada, não resistiria à comprovação do teste da refutação, pois de fato existiam, além das ações declaratórias, constitutivas e condenatórias, mais duas: a mandamental e a executiva, que espontaneamente brotavam das necessidades práticas do cotidiano jurídico nacional, a exigir classificação adequada.
É imperiosa a constatação de que os direitos se distinguem exatamente pelas diferentes pretensões e ações que deles emanam. A valorização e independização da ação processual não extinguiu as diversas ações materiais. Portanto, torna-se imprescindível - para que o processo possa desempenhar com eficiência a sua finalidade instrumental - reconhecer que determinadas ações, por suas características intrínsecas, devem ter eficácias diversas, incluindo a executiva e a mandamental, com a conseqüente quebra da divisão conhecimento/execução.
5) A EFETIVIDADE E EFETIVAÇÃO DO PROCESSO DO PROCESSO FRENTE A DICOTOMIA PROCESSUAL
Na ceara do Direito Processual, a questão da efetividade adquire um novo matiz. Já não se trata de saber se as normas de Direito Processual se atualizam no mundo fático, mas, antes saber se tal concreção contribui para a efetividade das normas e aspirações consagradas nos ramos ditos substantivos do Direito.
Sendo o Direito Processual caracterizado por seu aspecto instrumental, a "efetividade do processo" há que ser entendida não como um fim-em-si, mas como um postulado necessário para viabilizar-se a efetivação dos demais ramos jurídicos.
Do ponto de vista do direito substantivo, o processo é, ele próprio, um meio de efetivação. Assim, para atingir o objetivo que se acha por trás do clamor de efetividade do processo - o de efetividade do direito material - eventualmente será necessário até mesmo preconizar-se a revogação de certas disposições processuais e relativizar-se determinados princípios tradicionalmente caros a este ramo.
Em suma: mais importante do que a efetividade do processo é a efetividade (do direito material) pelo processo, ou seja, torna-lo um meio capaz para se atingir uma decisão mais ampla possível – útil e eficaz - aos direitos reconhecidos.
Na visão clássica do direito processual a atividade jurisdicional é desempenhada em dualidade de processos, duas atividades tendentes ao mesmo fim de realização do direito no mundo empírico.
No processo de conhecimento busca-se a certeza jurídica quanto ao direito, atingindo seu fim com a coisa julgada. Com a regra jurídica concreta e imutável, como na maioria das vezes o vencido não cumpre espontaneamente a norma contida na sentença, o detentor do direito buscará a efetividade da tutela jurisdicional através de nova provocação do Estado, em uma nova relação jurídico-processual, desta vez de natureza executiva, que através de atos materiais disciplinados na lei processual faz atuar, de forma imperativa, a norma jurídica contida na sentença.
A atividade desempenhada no processo de conhecimento não poderá alterar a realidade empírica. A efetiva satisfação do direito buscado através da tutela jurisdicional necessita aguardar o trânsito em julgado da tutela jurisdicional (sentença ou acórdão), e a sua completa execução através de nova relação processual executiva, já que nulla executio sine titulo.
Pertinentes, como sempre, são as palavras de Ovídio Batista da Silva:
A justificação teórica para a formação do conceito moderno de Processo de Conhecimento decorre, fundamentalmente, da necessidade de expurgá-lo de toda e qualquer atividade executória, de modo que a relação processual declaratória que lhe dá substância encerre-se com a prolação da sentença de mérito, tal como dispõe o art. 463 do nosso Código de Processo Civil, transferindo-se para a subseqüente - e autônoma - relação processual executória toda a atividade jurisdicional posterior à decisão da causa. [9]
Em síntese, esta é a chamada dicotomia ou dualidade processual adotada pelo sistema processual de 1973, duas modalidades de processo, duas atividades jurisdicionais, diante de uma mesma lide e unicidade do poder jurisdicional.
Entre as garantias processuais proclamadas na carta política de 1988, está a garantia à fundamental de efetividade da tutela jurisdicional, que clama pela alteração e aperfeiçoamento da sistemática processual.
A propósito, nosso sistema processual, desde o início da década de 1990, tem sofrido profundas alterações, pautadas na garantia de efetividade processual, revelando a fase transitória que vive o processo civil brasileiro, dentre as quais destacamos as relativas ao sincretismo processual.
6) SINCRETISMO PROCESSUAL; TUTELAS MANDAMENTAL E EXECUTIVAS LATO SENSU.
Como visto, a garantia fundamental da efetividade da tutela jurisdicional está intimamente ligada a visão do processo como um instrumento de realização dos direitos subjetivos materiais. A dinâmica da aplicação do instrumento (processo) deve ter em vista atender aos anseios do consumidor da justiça e suas pretensões materiais. O processo encarado a serviço da sociedade, do direito e da justiça.
Comentando a respeito da função social do processo, Ovídio Batista ensina que:
"Segundo se diz, se a função do processo há de ser verdadeiramente instrumental, deverá ele ser concebido e organizado de tal modo que as pretensões de direito material encontrem, no plano jurisdicional, formas adequadas, capazes de assegurar-lhes realização específica, evitando-se, quanto possível, que os direitos subjetivos primeiro sejam violados para, só então, merecer tratamento jurisdicional, concedendo-lhes a seu titular, às mais das vezes, um precário e aleatório sucedâneo indenizatório". (10)
É certo que nem todos os conflitos sociais possam ser vistos de maneira igual, sob a ótica da tempestividade e adequação do processo ao Direito Processual, demandando tratamento diferenciado, ou seja, novas formas de tutela.
Nesta ceara, o diploma processual civil sofreu alterações significativas, superando em alguns casos a necessidade de dualidade de mecanismos para atingir um mesmo fim, dentre elas merecem destaque em nosso estudo as tutelas previstas nos artigos 273, 461, 461-A, através das quais tem-se a busca da especificidade de direitos, a antecipação da tutela jurisdicional e a possibilidade de cognição e execução na mesma demanda dispensando a necessidade de nova relação executiva.
O professor da FURB, Jeferson Isidoro Mafra em seu ensaio sobre o sincretismo processual, afirma que a doutrina moderna tem reconhecido a superação da dicotomia processual e, por conseguinte, a manifestação do sincretismo processual em nosso sistema. [11]
Em recente trabalho comentando as alterações do Processo Civil, imprimidas pela Lei 10.444/2002, Joel Dias FIGUEIRA JÚNIOR ensina que:
"... o processo de conhecimento clássico não compadece, de regra, com as ações sincréticas, que são justamente aquelas que admitem, simultaneamente, cognição e execução, isto é, à medida que o juiz vai conhecendo e, de acordo com as necessidades delineadas pela relação de direito material apresentada e a tutela perseguida pelo autor, vai também executando (satisfazendo) provisoriamente, fulcrado em juízo de verossimilhança ou probabilidade. Significa dizer que as ações sincréticas não apresentam a dicotomia entre conhecimento e executividade, verificando-se a satisfação perseguida pelo jurisdicionado numa única relação jurídico-processual, onde a decisão interlocutória de mérito (provisória) ou a sentença de procedência do pedido (definitiva) serão auto-exeqüíveis." [12]
Em suma, no sincretismo entre execução e cognição, as duas atividades realizam-se na mesma relação jurídico-processual – atos executivos no processo de conhecimento, através de provimentos mandamentais e executivos lato sensu. De modo que as mais diversas formas de relação entre cognição e execução podem ser aceitas, e é o que de fato tem ocorrido, o legislador consciente em obter tutelas jurisdicionais mais efetivas tem proposto reformas em nosso sistema processual.
Os meios destinados a obter o resultado pretendido pela jurisdição, seja pela execução direta (sub-rogação), seja pela execução indireta (coação) estão dimensionadas nos já citados artigos 273, 461 e 461-A do Código de Processo Civil.
Através da tutela mandamental, o juiz não se limita a condenar (convidar o autor a pagar), ele ordena o cumprimento da decisão utilizando mecanismos coercitivos (multa por tempo de atraso), exercendo seu poder de imperium.
Exatamente neste ponto, a sentença mandamental se distingue das demais, por tutelar o direito do autor impondo ao réu adimplir a ordem judicial, dado a carga coercitiva que emana da decisão. A mandamentalidade da tutela está, precisamente, na conjugação entre ordem e força que se empresta à sentença, que tem o poder de fazer com que o réu cumpra obrigação imposta sob pena de multa, visto que, sem as quais a decisão teria apenas cunho declaratório. Da mesma forma que a condenação só é condenação porque aplica sanção, a sentença mandamental somente é mandamental porque há coerção. [13]
O sincretismo da tutela mandamental é obvio, já que ela implica na admissão, em uma única demanda, existência de conhecimento e execução, expressando a força da jurisdição na mesma relação processual em que é concedida, independentemente de nova relação executiva.
Por seu turno, a eficácia executiva lato sensu dá ao juiz a possibilidade em adotar incidentalmente ao processo cognitivo, medidas materiais necessárias a obter o resultado prático que o cumprimento da relação geraria, sem a manifestação de vontade do réu, a própria decisão proferida (seja interlocutória ou final) por si só é executiva, capaz de produzir resultados práticos.
A decisão já é proferida com execução, e não para execução, de forma que, assim como a mandamental, também não depende de execução autônoma, como é o caso a ação de reintegração de posse, ação de despejo, ação reivindicatória, entre outras.
Tais provimentos, ao mesmo tempo em que reconhecem o direito tutelado estabelecem as medidas executivas próprias para realiza-los. Em linha geral, estão previstos no art. 461, § 5º do CPC, que versa sobre as tutelas específicas das obrigações de fazer e não fazer. Para as obrigações de dar coisa certa art. 461-A, § 3º combinado com art. 461, § 5º.
Pelo sincretismo, os atos executivos para a efetivação da sentença são praticados na mesma relação processual, dispensando a formação de nova lide, deixando de forçar a parte a se lançar em outro desgastante e tortuoso caminho processual.
Viabilizar, em uma mesma relação processual, tanto atos de conhecimento como executivos, através de atividades sincréticas, como a mandamentabilidade e a executividade lato sensu, a nosso ver, torna o processo um instrumento, tanto quanto possível, flexível e efetivo ao direito subjetivo material e, por conseguinte, aos anseios da sociedade que serve [14].
Aliás esta é a visão que os julgadores devem ter do processo, como afirmam os professores Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, ao comentarem as reformas do Código de Processo Civil, a principal preocupação foi a de tornar o nosso processo apto a realizar os seus objetivos e melhor servir à sociedade, recordada a advertência de Fritz Baur, o admirável reformulador do Processo Civil alemão, segundo o qual só procedimentos céleres preenchem a finalidade do processo, dando-lhe efetividade. [15]