A condenação não pode se fundar com exclusividade na delação. É o que dispõe o parágrafo 16º., do artigo 4º., da Lei 18.850/2013: "Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador."
Delações não fazem prova de coisa alguma dado ao interesse do delator de se livrar da punição. Delações servem, sim, para perseguir e alcançar a verdadeira prova. Se a delação não leva à prova, levou a lugar nenhum.
O testemunho do delator vale menos que o de uma criança de dez anos. O da criança, ao menos, embora imantado pela fantasia, não está viciado pelo interesse.
Vale menos do que o depoimento de uma testemunha comprada. É que o preço que o acusador paga pela delação (a liberdade) é muito mais valioso do que o recebido por testemunhas. E o comprador não se interessa por qualquer delação. Ela precisa ser útil. O delator inventa o que for necessário para fechar o negócio. Sim. É uma negociação. É uma compra de depoimento.
O delator - que em princípio já é alguém desprovido de caráter - diz, para se livrar da prisão ou reduzir sua pena, o que o investigador desejar. Não é difícil para o delator descobrir exatamente o que investigador quer. E há casos que chegam a forjar provas para valorizar suas delações. E não suponham ingenuamente que haverá preocupação do investigador/acusador em esclarecer se houve fraude probatória. Não propriamente por má-fé, porém por razões relacionadas com o condicionamento psíquico do acusador e sobre as quais não vou me estender para não tornar este texto mais longo que já é.
O investigador, seja ele policial ou membro do Ministério Público, é parcial. A tese de que o Promotor Público e o Procurador da República são imparciais não decola das páginas dos livros de Direito. É uma ficção legal, em outras palavras, uma mentira. Sendo parcial, só escuta, ou consegue escutar, do delator, aquilo que quer ouvir.
A desvalia de seu depoimento em nada se altera por ser novamente inquirido durante a instrução contraditória do processo pelo magistrado, já que, se voltar atrás nos termos de sua delação, cai por terra o benefício que havia acordado.
Acusadores costumam dizer que o delator não sofre coação ilegal. Correto. Mas é coagido. Legalmente, mas coagido. Não é ameaçado ilegalmente. Todavia está sob ameaça, e ameaça gravíssima muitas vezes.
Confiar na palavra do delator é confiar no testemunho daquele que está no cadafalso e ao qual se oferece retirar a corda do pescoço para que indique seus comparsas e provas contra eles. Se preciso, inventará nomes e provas. Dirá exatamente aquilo e delatará exatamente aqueles que coincidir com o desejo onipotente do carrasco.
Concluindo. O depoimento do delator vale, enquanto prova, um nada, umas bulhufas, essa coisa nenhuma. Valem, sim, as provas a que esse depoimento levar. Se levar.