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A instabilidade dos governos no sistema de gabinete: vantagens e desvantagens

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7.  Fecho.

Nesse ponto do nosso estudo, podemos afirmar que a menor estabilidade dos gabinetes (que é o preço que se paga por sua ampla responsabilidade) não implica (a) instabilidade administrativa; (b) dificuldade na implementação de reformas de fundo; (c) a formação de governos mais fracos; (d) a concessão de um poder excessivo ao parlamento ou (e) enfraquecimento da democracia, tal como a entendermos.


8. Bibliografia

BAGEHOT, Walter. The English Constitution. In. The Works and Life of Walter Bagehot. Volume V.  Londres. LONGMANS, GREEN, AND CO: 1915a.

___________. The Assassination of Mr. Lincoln. In. The Works and Life of Walter Bagehot. Volume IX.  Londres. LONGMANS, GREEN, AND CO: 1915b.

___________. Essays on Parliamentary Reform. Londres. KEGAN PAUL, TEENCH & CO:1883.

CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Introdução à Ciência Política. Rio de Janeiro. FGV: 1969.

FACCIONI, Victor. (Coordenador). Parlamentarismo Já. Anais do Simpósio sobre o Parlamentarismo. Brasília. Câmara dos Deputados. Centro de Documentação e Informação. Coordenação de Publicações: 1987.

FERREIRA FILHO, Manuel Gonçalves. Comentários à Constituição Brasileira: emenda constitucional no 1, de 17 de outubro de 1969. Vol. 2. São Paulo. Saraiva: 1974.

NABUCO, Joaquim. Minha Formação. Rio de Janeiro. Jackson: 1952.

PILLA, Raul. Catecismo Parlamentarista. Porto Alegre. Assembleia Legislativa: 1992.

RÉMOND, René. O Século XIX: 1815 - 1914. Trad. Frederico Pessoa de Barros. São Paulo. Cultrix: 1974.

SALDANHA, Alcides. Parlamentarismo e demais sistemas de governo: Guia Prático. Porto Alegre. AGE: 1993.


Notas

[1] Que aqui também chamaremos de sistema de Gabinete, governo de Gabinete ou sistema Westminster.

[2] Cf. no mesmo sentido, a respeito das características essenciais do Parlamentarismo: “Adaptando-se às necessidades de cada povo que o adotou, o sistema parlamentar não é fácil de se definido, face às variações naturais que pode apresentar. Para caracterizá-lo adequadamente, sem perigo de equívocos, devemos encontrar três elementos que lhe são essenciais. A falta de qualquer um deles afasta a existência do sistema parlamentar. São eles: a) interdependência dos poderes; b) responsabilidade política do Executivo perante o Parlamento (voto de confiança – voto de desconfiança); c) dissolução do Parlamento pelo Presidente da República”. (SALDANHA: 1993, p. 76)

[3] Caso as eleições gerais resultem em um parlamento dividido (no qual nenhum partido ou bloco detêm a maioria da casa) as tratativas para formação do gabinete poderão se alongar, demandando, eventualmente, a realização de novas eleições.

[4] Eis como Raul Pila descreve as ações do Chefe de Estado para formar o governo no sistema Parlamentarista: “(...) cabe ao Presidente da República, como chefe do Estado, providenciar a formação do novo governo. Condição essencial é que este possa merecer a confiança do parlamento, isto é, da nação representada pelo parlamento. Começa, pois, o Presidente da República por ouvir o chefe do gabinete demissionário, o chefe da oposição que o derribou, os demais líderes parlamentares, para finalmente, depois de assim estudada a situação política, convidar o estadista que lhe pareça mais indicado a formar o novo governo”. (1992, p. 26)

[5] Em alguns países, a legislação exige que o voto de desconfiança seja acompanhado com os nomes que integrarão o novo gabinete. É o que acontece, por exemplo, na Alemanha. Essa medida é salutar pois impede que a câmara derrube um gabinete sem que exista uma alternativa política viável ao governo em exercício. Uma outra medida que tende a agilizar as transições entre os gabinetes é a prévia instituição de um gabinete reserva, ou sombra, tal como ocorre no Reino Unido.

[6] Além das crises ministeriais, uma outra circunstância que pode levar à retirada do gabinete é o desafio de liderança, que ocorre quando um político do partido ou bloco majoritário, desafia a liderança do premier. A questão se resolve com uma votação que toma lugar no parlamento.

[7] A partir dessa exposição sobre a dinâmica do Parlamentarismo, podemos chegar a outras características importantes desse sistema, embora não reputemo-nas essenciais, mas sintomas a denunciar a presença daquelas características a pouco delineadas, são elas: a) Exercício da chefia do Estado por pessoa diferente daquela que chefia o governo; b) Exercício do poder colegiado (em oposição ao caráter personalista do Executivo em um sistema Presidencialista) e c) Ampla responsabilidade dos agentes políticos.

[8] Nessa seção, fazemos uso de dois conceitos essenciais: Poder e Responsabilidade. Para que haja uma melhor compreensão de tudo que aqui falamos cabe, pois, que façamos uma breve depuração conceitual.

Por “poder” designamos a posse atual de meios de ação, os quais – por sua vez – podem ser alcançados violenta ou consensualmente. No contexto de nossas reflexões (v § 1º) cuidamos do poder consensual, apenas.  Pois bem, haverá, necessariamente, um hiato entre o acordo (explícito ou tácito) que concede o poder e o seu posterior exercício, eis que os eventos acontecem na seguinte ordem: (1) O delegante concede um mandato ao seu escolhido; (2) O escolhido aceita a delegação e, a partir de então, se transforma em um delegado; (3) O delegado, de posse dos meios de que necessitava para agir (o consentimento), de fato age. Da existência desse hiato decorre que a ação nunca se dá no mesmo instante em que houve o consentimento. E, por isso mesmo, se o delegado não quer que seu poder descambe para a tirania, ele deverá, em seguida (4) expor ao mandante, do modo o mais claro possível, tudo quanto fez e os resultados que logrou obter. De posse desses dados, dentre outras possibilidades, o delegante poderá: (5.1) Ratificar o mandato, por aprovar as ações praticadas até aqui e acreditar que, com mais tempo, o delegado concluirá a tarefa. (5.2) Revogar o mandato, por entender que o seu objeto fui cumprido ou (5.3) Revogar o mandato por desaprovar as ações praticadas. Esse julgamento do desempenho daquele que exerce o poder (concretizável através de 5.1, 5.2, 5.3, …, 5.n) é, precisamente, o que chamamos de responsabilização do mandatário. Nesse contexto, podemos definir responsabilidade como a faculdade que o mandante possui de, após a prestação de contas, avaliar a conduta do mandatário, eventualmente punindo-o caso esse tenha agido mal. Punição que pode levar, até mesmo, à revogação do mandato.

[9] Manoel Gonçalves Ferreira Filho chegou a designar esse estado de coisas como de uma “irresponsabilidade política”, com o que não concordamos. Cremos que o mais preciso seria afirmar que no sistema presidencial há uma semiresponsabilidade política do Presidente da República, na medida em que essa demanda, como dito, a subsunção da conduta do dirigente ao tipo previsto em Lei. Eis, de todo modo, as palavras do autor: “No presidencialismo, o Presidente da República não é politicamente responsável perante o Congresso Nacional. Isto significa, em última análise, não poder ele ser afastado do cargo, muito menos perde-lo, por motivos e razões meramente políticas, como as que decorrem da desaprovação de sua política de governo, da orientação geral que imprime à ação governamental. A irresponsabilidade política, todavia, não importa em irresponsabilidade criminal” (1974, p. 151).

[10] Cabe transcrever a impressão de Joaquim Nabuco sobre o problema: “A Câmara dos Comuns, (...)  faz e desfaz o Gabinete, de modo que o Governo está sempre nas mãos da representação nacional. Se se dá um desacordo entre eles, em que o Ministério suponha ter de seu lado a opinião, dissolve a Câmara, e, dentro de dias, a nação se pronuncia. Comparados os dois governos, o norte-americano ficou-me parecendo um relógio que marca as horas da opinião, o inglês, um relógio que marca até os segundos.  (1952, p. 28)

[11] A maior organicidade que no sistema de Gabinete há entre os poderes executivo e legislativo permite que eventuais tensões entre o Gabinete e a Legislatura possam ter um desfecho institucional que leve à solução do imbróglio político, o que abre espaço ao enfrentamento dos chamados “problemas de fundo”. Quando tensões similares ocorrem no sistema presidencial, fora o traumático e convulsivo processo de impeachment, nada mais há a se fazer a não ser aguardar o fim dos mandatos dos deputados e do Presidente da República. Desse modo, o calendário político se impõe ao calendário da nação. Até as próximas eleições, o grupo que não conta com a simpatia da opinião pública agonizará lentamente em praça pública, em um espetáculo que, para além de desnecessário, obstrui o enfrentamento das grandes questões nacionais. Ver, sobre o assunto, a seguinte passagem da Constituição Inglesa de Walter Bagehot: “Na Inglaterra, em uma ocasião vital, o Gabinete pode compelir uma legislação pela ameaça de renúncia, ou a ameaça de dissolução; mas nenhum desses institutos pode ser usado em um Estado Presidencial. Lá, a legislatura não pode ser dissolvida pelo Governo; e esse não teme ser demitido, pois a legislatura não tem como encontrar um sucessor. Portanto, quando surge uma diferença de opiniões, a legislatura é forçada a lutar contra o executivo, e o executivo é forçado a lutar contra o legislativo; e então, muito provavelmente, eles seguirão se digladiando até a conclusão dos seus respectivos mandatos” (1915a, p. 172).

[12] Os efeitos positivos desse rigoroso e continuado exame não passaram despercebidos por Walter Bagehot: “O governo de gabinete educa a nação; o presidencial não a educa, e pode corrompe-la. Tem sido dito que a Inglaterra inventou a frase, ‘A Oposição de Sua Majestade’, que ela foi a primeira nação a ter um Governo que fez da crítica à administração tanto uma parte do regime como uma parte da própria administração. Essa oposição crítica é a consequência do governo de Gabinete. O grande cenário do debate, o grande motor de instrução popular e controvérsia política, é a assembleia legislativa. Um discurso lá proferido por um estadista eminente, o movimento de um partido em uma grande combinação política, são os melhores meios até aqui conhecidos para se despertar, animar e educar um povo. O sistema de Gabinete garante tais debates, pois faz deles os meios através dos quais os estadistas anunciam-se para futuros Governos e se confirmam nos Governos atuais. Ele dá à luz homens ansiosos por falar, e dá-lhes ocasiões para fazê-lo. As catástrofes decisivas dos governos de Gabinete são divisões cruciais precedidas por excelentes discussões. Tudo que vale a pena ser dito, tudo que deve ser dito, muito provavelmente será dito. Homens conscienciosos acham que devem persuadir os outros; os egoístas gostariam de se impor. A nação é forçada a ouvir dois lados – todos os lados, talvez todos aqueles que mais se preocupam com o tema. E a nação gosta de ouvir – ela está ansiosa por saber. A natureza humana despreza longas discussões que não levam a nada - discursos densos que não são seguidos de nenhuma moção – investigações abstratas que deixam as coisas visíveis no mesmo lugar onde eles já estavam. Mas todos os homens prestam atenção aos grandes resultados, e uma mudança de Governo é um grande resultado. Possui centenas de ramificações; esparrama-se pela sociedade; dá esperança a muitos, e a tira de muitos. É um daqueles eventos marcantes que, pela sua magnitude e seu melodrama, impressionam até demais os homens. E debates que têm, ou podem ter, essa catástrofe no seu final, certamente serão ouvidos, e com certeza calarão fundo na mente nacional” (1915a, p. 172-173. Traduzimos). E, contrastando esse quadro com o que existe no sistema presidencial, ele afirma em seguida: “Mas, sob um governo presidencial, uma nação não tem, a não ser quando das eleições, qualquer influência. Sem uma urna diante de si, ela perde seu valor, devendo esperar pelo retorno do seu instante de despotismo. A nação não é incitada a formar uma opinião, como acontece sob um governo de gabinete; nem é instruída como uma nação parlamentar. Há debates sem dúvida, no legislativo, mas eles são como prólogos sem uma peça. Posto que esses debates não podem levar à demissão do Governo, nada há de catastrófico neles. Os dons dos legisladores não são premiados com o poder, e, por isso, ninguém se importa com eles. O executivo, o grande centro de poder e cargos, permanece inamovível, pois não se pode mudá-lo em qualquer caso. Lá não existe o aparelho de ensino que tem educado a nossa mente pública, que prepara nossas resoluções e que molda as nossas opiniões. Nenhum país Presidencial precisa formar refinadas opiniões diárias, ou é estimulado a fazê-lo” (Ob. Cit, p. 174. Traduzimos).

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[13] Podemos colher, na história do Brasil, um exemplo de como a instabilidade do governo e do parlamento pôde viabilizar reformas que, de outro modo, seriam impensáveis ou traumáticas. Nos quatro anos que antecederam a promulgação da Lei Áurea, caíram nada menos do que três gabinetes em razão da falta de meios políticos para fazer a abolição imediata e sem indenização. Falamos do 33o, 34o e 35o gabinetes do segundo reinado, liderados por Dantas, Saraiva e Cotegipe, respectivamente. Além disso, foram convocadas duas eleições antecipadas: em dezembro de 1884 e outubro de 1885. A transição entre o gabinete Saraiva e o gabinete Cotegipe pode ilustrar bem do que estamos falando. Após obter a aprovação da Lei dos Sexagenários na Câmara dos Deputados e antevendo que não teria condições de alcançar semelhante êxito no Senado, que era de maioria conservadora, Saraiva apresenta à Coroa a demissão do seu gabinete. Na sequência, é chamado a formar um novo gabinete o Barão de Cotegipe, o qual, sendo uma importante liderança conservadora do Senado, fez aprovar, nessa Casa Legislativa, a Lei dos Sexagenários, que – por justiça – ficaria conhecida como Lei Saraiva-Cotegipe. Aqui vemos um caso concreto no qual a instabilidade do governo não só não foi óbice à reforma como – em última análise – forneceu, através de sucessivas mudanças, o arranjo político necessário à sua aprovação

[14] E, para Walter Bagehot, essa não seria uma característica acidental do sistema norte-americano, que se tem tentado reproduzir no nosso país, mas um resultado preordenado que decorreria de uma certa antipatia pelo poder central. Eis o que ele deixou escrito ao refletir sobre o assassinato de Lincoln: “Agora, a dificuldade de se criar um governo forte na América será quase insuperável. O seu povo, em primeiro lugar, antipatiza com o Governo, não com essa ou aquela administração, mas com o Governo em abstrato, em tal grau que eles criaram uma quase teoria filosófica, que demonstra que o Governo, assim como a guerra ou a prostituição, é um “mal necessário”. Além disso, eles construíram uma máquina na forma de Estados, especial e deliberadamente calculada para impedir a ação central, parar o exercício do poder e reduzir o Governo, exceto na medida em que esse se expressa em prisões pela polícia local, a uma impossibilidade. Eles têm um Parlamento absoluto e, embora tenham um forte Executivo, ele fica, quando se opõe ao povo, ou mesmo quando se antecipa a ele, paralisado por uma total ausência de amigos. Para tornar permanente essa fraqueza eles privaram até a si mesmos de poder absoluto, proibiram a si mesmos de mudar a Constituição, exceto sob circunstâncias que nunca ocorrem, e deram a essa Constituição, através do mecanismo das escolas públicas, o peso moral de um documento religioso. A construção de um governo forte, portanto, isto é, de um Governo capaz de fazer grandes atos muito rapidamente, é realmente impossível, exceto na hipótese de o chefe do Executivo vir a ser, por um acaso infinitesimal, um homem tão exatamente representante do povo, que seus atos sempre representem seus pensamentos, tão astuto que ele possa traçar uma rota em meio às dificuldades legais empilhados deliberadamente em seu caminho, e tão bom que ele deseje o poder só para os fins nacionais. A chance de se obter um homem com tais características era, como dizíamos, infinitesimal; mas os Estados Unidos, por uma boa fortuna da qual um dia eles se darão conta, tinham-no obtido”. (1915b, p. 29-30. Traduzimos)

[15] Nesse ponto, faz-se necessária mais uma incursão conceitual. Pois, afinal de contas, o que seria a opinião pública? Também aqui nos socorremos da obra de Walter Bagehot. Ao refletir sobre o sistema representativo inglês que se praticava antes de 1832, Bagehot pondera que o primeiro requisito para um sistema representativo é que o corpo de representantes deve representar a real opinião pública da nação (1883, p. 125. As reflexões que se seguem são feitas a partir do segundo ensaio dessa obra). E acrescenta que a existência de uma opinião pública requer o que se poderia chamar de uma coordenação de julgamentos. Para que haja tal coordenação, algumas pessoas devem ser reconhecidas como mais sábias do que outras. Nas suas palavras: “Em cada distrito, devem existir pessoas que, no juízo dos seus vizinhos, possuem mais senso, mentes mais instruídas, julgamentos mais cultos dos que os outros” (1883, loc. Cit. Traduzimos). Da discordância entre diversos “formadores de opinião” (expressão não utilizada pelo autor) formar-se-ão grandes partidos, cada um dos quais com opiniões diferentes sobre as grandes questões nacionais.  Mas a característica mais importante de uma nação capaz de opinião pública, pondera Bagehot, é a seguinte: Esses partidos serão organizados de tal modo que em cada um deles exista um líder. “Em cada um deles haverá alguns que são observados pela base, e muitos que os observam: a opinião do partido será formada e sugerida por poucos e criticada e aceita por muitos” (Ob. e, loc. Cit. Traduzimos)..

[16] Cabe trazer à consideração do leitor, por oportunas, as reflexões do historiador francês René Rémond, que mostram existirem, desde o século XIX, pelo menos duas alternativas democráticas, uma delas, como veremos, mais afeita ao sistema parlamentarista e a outra ao presidencialista: “É preciso, portanto, ter presente ao espírito que, no século XIX, continua aberta a alternativa para o regime democrático entre a forma representativa e parlamentar e a forma direta e autoritária. Tanto num caso como no outro, a origem do poder é o consentimento popular; mas, no primeiro caso, o povo soberano delega esse poder a representantes por todo o tempo da legislatura, enquanto que no outro caso ele o confia a um executivo, que está acima das assembleias parlamentares. Existe, assim, um tipo de democracia plebiscitária, antiparlamentar, antiliberal, que associa a autoridade e a base popular, que constitui, a seu modo, uma forma de democracia. Este encontrou sua expressão na França, com o regime bonapartista” (1974, p. 74). No mesmo sentido se posicionou César Saldanha Souza Júnior, professor da UFRGS. Ele afirmou: “Há duas vertentes na democracia. Nós temos a democracia plebiscitária (a democracia heroica, a democracia de combate, como foi muito bem descrita) é a democracia revolucionária francesa, que é a democracia dos franceses, que é a democracia continental. Ao lado dessa democracia heroica, militar, plebiscitária, há uma outra vertente da democracia, que é a democracia – perdão da má palavra – eu diria conservadora, no bom sentido da palavra, a democracia da evolução, a democracia inglesa, clássica, que foram eles que inventaram, da democracia não como uma teoria, uma solução teórica, mas como uma solução prática”. (In FACCIONI: 1987, pp 134 – 135).  Também é digna de nota a seguinte passagem de Themístocles Brandão Cavalcanti, que traz um bom fundamento para investigações posteriores tendentes à descrição das democracias contemporâneas de massa: “A democracia se caracteriza principalmente por três princípios considerados fundamentais: a participação do povo na organização do poder, a lei das maiorias e o respeito às minorias”. (1969, p. 90). Observe-se, dizemos nós, que essas balizas contemplam as duas concepções de democracia que são aqui contrastadas, a plebiscitária (a lei das maiorias) e a parlamentar (o respeito às minorias). Desse modo, uma definição de democracia que enfatize o princípio da lei das maiorias tende a se aproximar mais do Presidencialismo, ao passo que uma definição que carregue nas cores do princípio do respeito às minorias, tende a sugerir que a democracia parlamentar seria mais perfeita. O risco que se corre aos se abordar esse problema no presente trabalho, e mais amplamente em um contexto de discussão de reformas políticas, é o de se tentar vencer o debate por “legislação verbal”, é dizer, apresentando o conceito de democracia de tal modo que o embate entre os dois sistemas de governo acabe “resolvido” já na etapa conceitual.

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Sobre o autor
Haroldo Augusto da Silva Teixeira Duarte

bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Haroldo Augusto Silva Teixeira. A instabilidade dos governos no sistema de gabinete: vantagens e desvantagens. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5075, 24 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/57934. Acesso em: 26 abr. 2024.

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