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A cobrança pelo uso dos recursos hídricos como instrumento estadual de política macroeconômica

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24/10/2004 às 00:00
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IV - Classificação Econômica da Cobrança sobre o Uso dos Recursos Hídricos como Instrumento de Intervenção Econômica

            Entre os autores atuais brasileiros que mais repercussão têm apresentado em questões econômico-ambientais, podemos colocar a dupla Rabah Benakouche e René Santa Cruz que nos trazem a seguinte ligação entre instrumentos econômicos e padrões ambientais:

            Os instrumentos econômicos constituem meios para atingir determinadas metas prefixadas, no caso, certos padrões ambientais. Esses instrumentos podem ser utilizados paralelamente ou em complemento com outros instrumentos (regulamentações legais, acordos com indústrias, etc.).

            Diferentemente de outros instrumentos, os de natureza econômica influem sobre vantagens e custos dos agentes econômicos, modificando suas ações no sentido favorável ao Meio Ambiente. Traduzem-se em transferência financeira dos agentes privados ao governo ou permitem a criação de novos mercados (mercados de "direitos de poluição", por exemplo). [1994, p. 162]

            Os mesmos autores agrupam os principais instrumentos econômicos de política ambiental em duas categorias: princípio do poluidor pagador (PPP) e as taxações (6). A primeira categoria pode ser resumida da seguinte forma:

            Do ponto de vista econômico, o PPP significa a "internalização" das externalidades. Foi Pigou, como foi dito anteriormente, que formulou esse princípio. Partindo-se do fato de que a "gratuidade" do Meio Ambiente é, fundamentalmente, responsável pela degradação ambiental. Pode-se conseguir internalizar as externalidades, ou seja, passa-se a incorporar o MA na esfera do mercado. Equivale a dizer que há restabelecimento da "verdade dos preços", ou seja, o dano ambiental tem um custo e deve ser suportado pelo poluidor. Do ponto de vista da justiça, seria correto, certo e líquido que o poluidor arcasse, pelo menos, com o custo da despoluição. [1994, p.164].

            E a segunda categoria, a qual, por motivos de técnicas de planejamento público, preferimos chamar de exacionais, podem ser consideradas como sendo o preço da poluição, por conduzir os agentes econômicos a internalizar os custos ambientais em sua atividade.

            Dessa, poderíamos classificar as seguintes exações utilizadas pelos países da OCDE:

            - por emissão de poluentes;

            - por serviços prestados por entes públicos/privados para reparação/prevenção de danos ambientais;

            - sobre produtos mais nocivos ao meio ambiente (sobre taxação);

            - administrativas;

            diferenciadas para estimular feitos/produtos mais adequados e menos agressivos ao meio ambiente.

            Segundo Cánepa [2000], o preço (valor) ideal a ser utilizado por tais exações é o representativo pelo custo marginal de recuperação dos danos ambientais e sociais equivalente à utilidade marginal desejada pela sociedade/Estado.

            Entretanto, podem-se apresentar outros instrumentos econômicos de políticas econômico-ambientais, que se alinham mais facilmente ao conceito do PUP, como: Subsídios, Sistema de Consignação (espécie de depósito prévio de agentes potencialmente poluidores), Mercado de direitos de poluição (disposição de cota de poluição), Incentivos Financeiros. Podendo-se inclusive assemelhar tais instrumentos, com exceção dos subsídios, com instrumentos de políticas monetaristas de manipulação macroeconômica. (7)

            Cabe ressaltar que o conjunto de todas essas medidas estatais, somadas à análise de investimento considerando aspectos estratégicos associados ao meio ambiente, têm sido tema de capital importância para o ciclo econômico atual, tanto no curto quanto no longo prazo [MOURA, 2000].

            A cobrança sobre o uso dos recursos hídricos, ao verificar-se a literatura econômico-jurídica existente, encaixar-se-ia, em primeira analise, dentre os instrumentos econômicos exacionais, entretanto pode adquirir um viés de Mercado de direitos de poluição (8), dependendo da regulamentação a ser dada pelo ente estatal instituidor. Isso devido à possibilidade da cobrança pelo uso dos recursos hídricos servirem como venda de cota de poluição.


V - Perda da Autonomia dos Estados Membros para Definirem suas Políticas Macroeconômicas

            Em tempo, deve ser exposto o fato de que todos os Estados-membros da República Federativa do Brasil perderam, nos últimos 6 (seis) anos, quase todos os seus instrumentos clássicos de gerenciamento de políticas macroeconômicas, especialmente de natureza monetária e fiscal. Observa-se que quase todos os Estados-Membros perderam seus bancos estaduais, Companhias de Eletricidade, de Telecomunicações, algumas de Saneamento, vêm sofrendo uma grande limitação no gerenciamento de seus tributos (Emenda Constitucional no. 42/2003, Lei Complementar no. 87/1997, avanços da União em suas receitas por meio da instituição de contribuições sociais e de intervenção de domínio econômico), estão proibidos de lançar no mercado títulos creditícios (Lei Federal Complementar no. 101/2001), entre outras restrições impostas por alterações do texto constitucional brasileiro, a partir da Emenda Constitucional no. 19/1998. (9)

            O Estado do Mato Grosso é um retrato de toda essa perda de autonomia. E tal perda foi agravada pela falta de utilização de meios alternativos disponibilizados pela legislação. Apontando para os pontos supra apresentados, temos, nitidamente, a inter-relação entre meio ambiente e economia, e, mais especificamente, entre recursos hídricos e economia. Até o presente ano de 2003, a política estadual de gerenciamento hídrico esteve praticamente parada, sendo somente este ano com real formação do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (Diário Oficial do Estado de 07 de maio de 2003).

            Acrescenta-se, como fato novo em relação ao gerenciamento dos recursos hídricos, a inclusão de programas para a implantação e efetivação dos Comitês de Bacia e Sub-Bacias Estaduais do Plano Plurianual 2004-2007, conforme Lei Estadual n. 8.064/2003, que teve seu projeto enviado pela Mensagem no. 49/2003, para aprovação da Assembléia Legislativa do Estado de Mato Grosso.

            Logo, há condições administrativas e políticas de execução de uma política estadual de gerenciamento de recursos hídricos e a implementação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos, bem como a sua definição dentro de uma política macroeconômica estadual (10).

            Em suma, o Estado-membro pode utilizar as cobranças pelo uso dos recursos hídricos como instrumento de manipulação macroeconômica, podendo aquecer ou desaquecer setores da econômica de acordo com sua importância sócio-econômico-social.


Aspectos Finais: Primeiras Hipóteses e Problemas a Serem Respondidos

            As nossas primeiras hipóteses podem ser enumeradas da seguinte forma:

            1 - A água tem apresentado a cada dia um aumento em seu valor econômico, apresentando sua face de recurso econômico (recurso hídrico);

            3 – A cobrança pelo uso dos recursos hídricos deve ser classificada como instrumento jurídico-econômico para a interiorização das externalidades negativas causadas pelos usuários da água;

            3 – Entre os instrumentos macroeconômicos a cobrança pelo uso dos recursos hídricos pode ser classificada como exação ou criadora de um mercado de direitos de poluição, dependendo de como for disciplinada pelo órgão instituidor;

            4 – A cobrança pelo uso dos recursos hídricos pode ser utilizada como instrumento de políticas macroeconômicas.

            Entretanto, pairam dúvidas sobre qual é o papel da cobrança sobre o uso dos recursos hídricos como instrumento de política macroeconômica estadual. Por esse motivo, para evitarmos previsões sem qualquer base fática, deveremo-nos pautar no Plano Plurianual 2004-2007 do Estado de Mato Grosso, conforme Lei Estadual n. 8.064/2003, no que tangem as políticas macroeconômicas do Estado de Mato Grosso, principalmente, em sua vertente ambiental.

            E qual a importância econômica de tais definições? Está claro que essa exação afetará o mercado como um todo, pois os valores cobrados serão repassados aos preços finais. O principal setor microeconomicamente afetado será o setor produtivo, incluindo indústrias de base, agroindústrias e agricultores, pois todos eles utilizam quantidades consideráveis de água para o exercício de suas atividades econômicas.

            Mais. Novamente na macroeconômica, pode haver criação de demanda efetiva por meio da manipulação da cobrança pelo uso dos recursos hídricos? Ou, a sua manipulação se tornaria semelhante ao instrumento mais adotado pelos defensores da cartilha monetarista, taxa de juros, afetando a oferta de recursos hídricos à semelhança de créditos?


Referências Bibliográficas

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Notas

            1

Torna-se válida a colocação de ser recente esse raciocínio, já que era paradoxal para o clássico Ricardo a questão do valor dado ao diamante e à água, devido o questionamento de ser o primeiro de alto valor econômico, mas de pouca utilidade, e o segundo o inverso.

            2

É interessante esclarecer, para os não acostumados com o vocabulário econômico, que, ao utilizarmos qualquer locução nominal finalizada com marginal, estamo-nos referindo ao acréscimo de alguma unidade valor (custo, satisfação, utilidade) pelo aumento da quantidade de algum outro item a ele relacionado.

            3

Sitio da Associação Brasileira de Recursos Hídricos, www.abrh.org.br, visitado no dia 18 de setembro de 2003.

            4

Agropecuária comercial.

            5

O papel como instrumento econômico da cobrança dependerá em grande parte de como ela será interpretada pelo Estado-Executivo e o Estado-Juiz. Em que relação a isso, podemos separar a existência de três correntes mais fortes:

            a) Trazida por economistas, a tese de ser a cobrança efetivada por preço público, no Brasil, um dos autores de maior profundidade no assunto CÁNEPA [2000] adota a teoria de J. H. DALES que motiva sua posição na consideração de serem os corpos d’água propriedade da União e/ou dos Estados-membros. Logo, seu uso deve ser valorado pelas regras de mercado. Juridicamente, no Brasil, tem seu principal apoio nos pareceres do civilista CID TOMANIK POMPEU [1999]. Essa corrente foi a introdutora do princípio ambiental do usuário-pagador ao lado do poluidor-pagador. Um precedente jurisprudencial que pode reforçar essa tese é a Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2.586/DF, da relatoria do Ministro Carlos Velloso do Supremo Tribunal Federal, publicada no Diário da Justiça da União no dia 01.08.2002, referente a exações incidentes sobre a exploração de minérios.

            b) Outro posicionamento, apesar de não direcionar para a questão dos recursos hídricos, mas observado em casos análogos, sugere que as cobranças pelo uso e por serviços públicos envolvendo recursos naturais devem ser efetivadas pelo tributo da espécie taxa, por serem serviços públicos, essenciais, não regidos pelas leis de livre mercado (Recurso Especial n. 127.960 / RS, 1a. Turma do STJ, 01.07.2002);

            c) Existem ainda outros defensores da tese que para a redução das externalidades negativas ocorridas no meio ambiente devem internalizadas por meio de contribuições de melhoria (NUSDEO, 1997);

            6

Esta classificação, apesar de ser a mais difundida, tem sofrido críticas construtivas por parte da doutrina econômica trazida por CANEPA, PEREIRA & LANNA (2000), que adotam as idéias de J.H. DALES. Em sua proposta, deixa-se claro que as taxações são, na verdade, a adoção do Princípio do Usuário Pagador (PUP), de sentido muito mais amplo que o PPP, sendo o ponto em comum entre os dois princípios a necessidade de internalizar as externalidades. Assim, o PPP seria o regente de uma atuação a posteriori, e o PUP seria o regente de uma atuação a anteriori.

            7

Ressalta-se, como será colocado no ponto seguinte, sobre a perda de autonomia dos Estados-Membros da República Federativa do Brasil em definirem a sua política macroeconômica por perdas graduais de seus instrumentos econômicos. Logo, mesmo que para fins econômico-ambientais, não há como o Estado do Mato Grosso atuar em políticas mais assemelhadas ao controle monetário e creditício.

            8

Sobre essa questão da formação de mercados de água há um interessante ensaio de Marcelo F. Guimarães [2001], que relaciona com grande propriedade a relação entre a agricultura e os recursos hídricos, ressaltando formas de solução de conflitos por meio de mercados sobre corpos d’água.

            9

Tais alterações tiveram como base a aplicação de políticas monetaristas, também comumente chamadas de neoliberais, que defendem a livre atuação dos agentes econômicos nos mercados, com a única atuação do estado no controle da moeda e da inflação (Hayek, Friedman, e outros). Tese oposta à linha de pensamento político ligada a Keynes e Kalec, vigorante até metade da década de 70, defensora da intervenção estatal, principalmente, em momentos de baixa atividade econômica.

            10

Estamos utilizando o termo políticas no sentido bobbiano, como conjunto de deliberações, providências, tendentes ao atendimento de uma ética coletiva (BOBBIO, 2000, p. 176-177).
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Sobre o autor
Gustavo Vettorato

advogado militante em Porto Alegre e Cuiabá, pós-graduando em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET) e em Economia Agroindustrial pela Universidade Federal do Mato Grosso

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VETTORATO, Gustavo. A cobrança pelo uso dos recursos hídricos como instrumento estadual de política macroeconômica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 474, 24 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5803. Acesso em: 7 nov. 2024.

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