“Foi do enfraquecimento das paixões fortes que nasceram entre os homens as noções obscuras de honra e virtude; e essa obscuridade subsistirá sempre, porque as ideias mudam com o tempo, que deixa sobreviver os nomes às coisas, que variam segundo os lugares e os climas; é que a moral esta submetida, como os impérios, a limites geográficos.”
(BECCARIA, 1764)
RESUMO: A presente pesquisa busca compreender melhor a relação entre paixão e crime; quando, sob a justificativa ilusória de defesa da honra, um indivíduo é tomado pelo impulso assassino e acaba por tirar a vida da pessoa por quem nutre seus sentimentos mais intensos. A sociedade considera dois perfis completamente diferentes de um mesmo tipo penal, ou um homicida exagerado cheio de ciúme e completamente despido de sua humanidade, ou um ser humano abalado por ter tido sua honra esmagada que não consegue, ou não pode, deixar de agir para defendê-la. Compreender as duas visões de maneira jurídico-social será importante para analisar os limites do conservadorismo que entende a necessidade de defender a honra e a passionalidade que limita direitos do outro em razão de um desequilíbrio fisiológico. Nesta perspectiva será preciso definir o que é o crime passional, quando será cometido, qual o perfil de quem comete esse tipo de crime e de que maneira o direito se comporta frente a essas situações. O objetivo principal é, então, verificar como o direito enxerga quem comete um homicídio passional. É absolutamente necessário analisar o perfil e as características do homicida passional, sendo importante, para isso, entender quais os traços principais que compõem o tipo penal do homicídio e de que maneira é possível identificar o componente da passionalidade criminal. O direito penal não trabalha com a tipologia: homicídio passional, mas traz no artigo 121 do CP, § 1º do artigo que define homicídio, motivações que poderiam enquadrar a espécie que se pretende aqui tratar, tais quais o relevante valor moral ou o domínio de violenta emoção. Nestes casos, a lei trabalha com uma diminuição de pena, sem realizar um trabalho de identificação da real motivação para o crime, veja-se que em caso de defesa da honra tratamos com uma justificativa conservadora que coloca a honra acima da vida quando diminui a pena do autor do crime, já no caso de violenta emoção poderíamos estar diante de um caso de transtorno psicológico, o que importaria, talvez, na imposição de uma medida de segurança substituindo a pena. O trabalho parte de uma pesquisa interdisciplinar, já que precisará de conceitos trazidos de outras áreas do conhecimento, como a medicina e a psicologia. Será utilizada a metodologia qualitativa, a pesquisa bibliográfica e documental, bem como, método dedutivo de estudo. Tem-se por hipótese a impossibilidade de contrapor, justificando ações ilegais, dois direitos humanos fundamentais de pesos diferenciados, o direito à honra subjetiva e o direito à vida. Por qualquer que seja o olhar inicial dirigido ao objeto, ou seja, se por uma razão de fundo psicológico ou por uma razão de manutenção da honra, não é possível ao direito admitir que uma vida passionalmente se esvaia sem consequências para o autor do crime.
Palavras-chave: Homicídio. Paixão. Honra. Vida.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 CRIMES PASSIONAIS:uma análise jurídica do tipo penal e dos sujeitos. 1.1 O Artigo 121 do Código Penal. 1.1.1 Classificação do Crime Passional: Fato Típico, Antijurídica e Culpável, teoria tripartite. 1.2 Os Sujeitos do homicídio passional. 1.2.1 A vítima. 1.2.2 O homicida. 2 MARCOS HISTÓRICOS E ASPECTOS SUBJETIVOS DOS CRIMES PASSIONAIS. 2.1 Marcos históricos na legislação sobre crimes passionais. 2.2 Elementos subjetivos do crime: conduta psicopata, a emoção, paixão, ciúme, honra e ódio.2.2.1 Ciúme .2.2.2 Amor .2.2.3 Paixão .2.3 Lei da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher .3VIDA REAL: Dados, casos concretos e norma . 3.1 Homicídios passionais: questão de gênero ou não? . 3.2 Casos reais noticiados pela mídia. 3.2.1 Elize Matsunaga e Marcos Matsunaga. 3.2.2 Mizael Bispo e Mércia Nakashima. 3.2.3 Lindemberg Fernandes Alves e Eloá Pimentel. 3.2.4 Outros casos recentes. 3.3 O Direito e a Passionalidade. 3.4 A imputabilidade relativa do tribunal do júri.CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O tema abordado pela presente pesquisa é o tratamento conferido pelo direito ao sujeito ativo de crimes passionais. Diante disso a temática é interdisciplinar, vez que aborda elementos da ciência do direito bem como da psicologia e da psiquiatria.
Condenar um ser humano sem conhecer as razões que o levam ao cometimento de um crime pode ser tão criminoso quanto o crime em si. Não é possível justificar o conservadorismo torpe que acredita que a defesa da honra se sobrepõe ao direito de vida de outros, isto porque o direito à vida é inviolável e não pode ser tolhido porque se acredita ter sido ferido em sua reputação. Apesar disso, existe a hipótese de que a pessoa não tenha controle sobre sua passionalidade, o que faria com que o ciúme excessivo levasse ao crime em um desenrolar de acontecimentos fisiologicamente desencadeados sem o controle do indivíduo.
É papel do direito compreender as atitudes humanas para julgá-las, em especial porque o direito penal compreende além da pena a medida de segurança, que não é sanção, mas é imposta aquele que comete crime quando não se encontra em seu juízo perfeito.
Assim, é preciso compreender o crime passional, bem como de seus sujeitos, diante do direito, já que sua não compreensão poderá implicar no afastamento da sociedade e no tolhimento da liberdade de alguém que, de fato, precisaria de tratamento médico. Em outros casos poderá se verificar que sob uma falsa ideia de emoção exarcebada será aceita a hipótese de cometimento de crime, será justificada a infração penal, ficando seu agente impune. Desta forma, a análise dos componentes da passionalidade é imprescindível no campo do direito penal, para que se compreenda quando o choque de direitos fundamentais pode ser entendido como crime hediondo e quando será um caso de distúrbio psicológico acentuado.
A interpelação dos reais motivos de cometimento de uma infração penal é necessária para que não se caia no erro de penalizar pessoas que não conseguirão ser reeducadas ou reinseridas no contexto social apenas em função desta penalidade - caso da punição ao agente com transtorno psicológico, a sanção não é capaz de curar o transtorno -, e para não justificar crimes por motivos retrógrados de uma sociedade que considerava aceitável que a defesa da honra pudesse superar o direito à vida.
A discussão que perpassa por uma questão constitucional, importa no sentido de que é necessário garantir o direito humano fundamental à vida, assim, não se poderia tratar de maneira não aprofundada de um tema tão relevante quanto à punibilidade e à culpabilidade de um agente que comete um homicídio passional, seja a justificativa baseada no conservadorismo institucional ou fundada em uma problemática não investigada pelos agentes do direito por ser psicológica ou psiquiátrica.
Afinal, de que maneira é possível compreender, juridicamente, o sujeito ativo dos crimes passionais? Ainda questiona-se o modo como se pretende justificar tais crimes, ou como defesa da honra ou como originados por problemas psíquicos.
No intuito de analisar tal questão o trabalho se divide em três capítulos. O primeiro trata sobre o homicídio na modalidade dolosa, quando o agente deseja o resultado e, única possível nos casos de crime passional, abordando todas as suas subdivisões. Além disso, aborda especificamente o homicídio passional e a maneira como é visto dentro da legislação penal brasileira, e quem são os sujeitos de um crime passional.
No segundo capítulo é realizada uma análise dos marcos históricos, não se pretende realizar uma síntese histórica do crime, isto porque o objetivo do trabalho é jurídico, apesar da necessidade de contextualização através de marcos fornecidos pela história social e legislativa. Também neste capítulo se elucidam os aspectos subjetivos da criminologia no homicídio passional. Apresentando a realidade atual da legislação e dos julgamentos do tipo penal em estudo, analisando as influências histórico-sociais, políticas e emocionais que determinam o posicionamento do direito frente ao sujeito ativo de um crime motivado pela paixão.
O terceiro capítulo que pretende fechar o estudo será composto da análise de alguns casos concretos já noticiados e escolhidos para representar o crime e os sujeitos. Aproveita-se de notícias informativas fornecidas pela mídia e de apontamentos realizados pela doutrina e pelo próprio judiciário nos casos que serão apontados.
Tem-se por hipótese a impossibilidade de contrapor, justificando ações ilegais, dois direitos humanos fundamentais de pesos diferenciados, o direito à honra subjetiva e o direito à vida. Por qualquer que seja o olhar inicial dirigido ao objeto, ou seja, se por uma razão de fundo psicológico ou por uma razão de manutenção da honra, não é possível ao direito admitir que uma vida passionalmente se esvaia sem consequências para o autor do crime.
Como suporte metodológico, o tipo de pesquisa adotado será o bibliográfico, buscando o saber para a resolução do problema, utilizando livros, eventuais jurisprudências, artigos e outros meios de informação como internet para melhor desenvoltura do tema proposto, com isso os conhecimentos serão aprofundados. Será ainda realizada análises de fatos reais, através de notícias midiáticas, para se ter maior compreensão do estudo no trabalho.
1 CRIMES PASSIONAIS: uma análise jurídica do tipo penal e dos sujeitos
O crime passional é dotado de uma “névoa” que embaraça a psicologia e o direito, embaralhando as disciplinas e fazendo com que os observadores se confundam na noção de importância de seu tratamento. A clareza dos conceitos talvez seja o primeiro ponto para fazer compreender a maneira como o direito, que para este trabalho é condição de existência, enxerga os sujeitos que praticam tal crime e a maneira como pode (ou não) puni-los.
1.1 O artigo 121 do Código Penal
Cumpre-nos esclarecer o artigo 121 do Código Penal vigente no ordenamento jurídico brasileiro. O artigo não traz a proibição da morte de forma expressa, mas implícita ao impor uma pena punitiva/condenatória àqueles que tirarem a vida de outro. Assim, homícidio simples se define: Art. 121. “Matar alguém; Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos” (BRASIL, 1940).
A figura do homicídio simples apresenta-se completamente abrangente, visto que não define condições de ação nem do agente, ou seja, nenhuma qualidade se exige para o cometimento do crime, basta tirar a vida de outra pessoa (notar a diferença com o suicídio que é tirar a própria vida e não se enquadra em nenhum tipo penal), podendo-se realizar o ato em razão de ação ou omissão, ou ainda apenas tentar tirar a vida de outro, conduta que levaria ao resultado tipificado de tentativa de homicídio. Assim, aquilo que se reprova é simplesmente a conduta de matar alguém, nada mais (BITENCOURT, 2007, p. 45).
O Código Penal (CP) brasileiro diferencia ainda os homicídios que se dão de maneira culposa dos homicídios dolosos. Aqui cumpre, rapidamente, diferenciá-los, isto porque não há que se falar em crime passional na modalidade culposa.
Mesmo assim, entende-se por homicídio culposo aquele que for cometido sem a vontade do sujeito ativo de tirar a vida de outro. Agirá assim de maneira negligente, imprudente ou com imperícia, tendo sua conduta como resultado a morte de alguém.
Imprudência é a prática de uma conduta arriscada ou perigosa. Negligência é a displicência no agir, a falta de precaução, a indiferença do agente, que, podendo adotar as cautelas necessárias, não o faz. Imperícia é a falta de capacidade, despreparo ou insuficiência de conhecimento técnico para o exercício de arte, profissão ou ofício (BITENCOURT, 2012, p. 205).
Nas três possibilidades, mesmo sem a intenção de cometer o crime o agente se coloca em posição de fazê-lo. Podemos então seguir sem culpa, aproveitando a expressão, entendendo que não há possibilidade de uma agente cometer homicídio passional de forma culposa. Passamos por isso à definição das modalidades dolosas previstas pelo tipo penal.
O dolo vem definido no artigo 18, I, CP, e consiste na intenção pelo resultado ou na assunção do risco de produzí-lo.
A ação de matar alguém pode ser executada pelos mais diversos meios e das mais distintas formas ou modos e pelos mais diversos motivos. Essa diversidade possível de suprimir a vida alheia, merecedora de mais ou menos censura penal, é a causa determinante que levou o Código Penal a prescrever três figuras ou espécies de homicídio doloso: simples, privilegiado e qualificado (BITENCOURT, 2007, p.42).
Das três espécies dadas pelo autor, já apontamos a primeira, aquela que se contem no caput do artigo 121, CP, a essência do crime de homicídio, matar alguém, ceifar a vida de outro. Além da espécie simples ainda estão presentes no CP brasileiro os homicídios dolosos: privilegiado e qualificado.
Do primeiro entende-se que é uma criação doutrinária, ou seja, não está previsto em lei o homicídio privilegiado, o que o parágrafo 1º do artigo 121 estipula é a possibilidade de diminuição de pena, “se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço” (grifo nosso) (BRASIL, 1940).
Entretanto, como estamos falando de homicídio e, especificamente, de homicídios dolosos, é interessante lembrar que o julgamento é realizado pelo tribunal do júri e que em sede deste, se os jurados optarem pela redução da pena esta torna-se um direito subjetivo do réu, por força do princípio constitucional da soberania dos vereditos[1]. Não se pode, portanto, alterar a decisão de redução da pena se concedida pelo tribunal do Júri.
A lei estipula, portanto, que estarão aptos a receber o privilégio, se o tribunal do juri assim entender, aqueles que cometerem o homicídio em razão de relevante valor moral, social ou influenciados por violenta emoção logo em seguida à justa provocação da vítima. Por partes, relevante valor moral representa o primeiro obstáculo para o operador do direito, haja vista que a moral é baseada em costumes sociais, são regras de convívio social e poderão ser diferentes de acordo com determinados fatores, tais quais: época, idade e sociedade.
O sentido do Código Penal parece-se nos um tanto quanto diferente em razão da próxima causa que poderá possibilitar o privilégio, “relevante valor social”, assim passamos a compreender a valor moral como algo do próprio agente já que este segundo aspecto se mostra completamente conexo à sociedade. Rogério Greco define:
Relevante valor moral é todo e qualquer motivação de homicídio que se restringe ao universo intimo do agente, já a relevante valor social é todo e qualquer motivação que extrapola o foro intimo e atinge as relações sociais e coletivas do agente (GRECO, 2015, p. 80).
O último ponto do parágrafo dispõe enquanto situação que possibilitará a redução da pena a conduta que se dê sob o domínio de violenta emoção logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Dois aspectos são fundamentais, portanto, o primeiro, que haja uma provocação prévia da vítima e o segundo, que esta provocação seja injusta. Ressalta-se ainda a necessidade de que a conduta seja imediata, ou seja, consecutiva à injusta provocação da vítima. Isto se retira de “sob o domínio de violenta emoção” (BRASIL, 1940), assim, só pode a ação se enquadrar na causa de diminuição de pena se for realizada enquanto ainda perdurar a situação que entorpece a capacidade do agente de saber definir sobre o “certo” e “errado” nos padrões do homem médio[2].
Para dominar por completo as ações de um homem não se faz suficiente qualquer injusta provocação, é preciso que seja intensa, forte o suficiente para abalar o senso de comportamento social adequado do agente que comente o crime movido por suas emoções.
Além das espécies de homicídios simples e privilegiado além existe a figura do homicídio qualificado apresentado pelo § 2º do artigo 121, CP:
§2º. Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo fútil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos (BRASIL, 1940).
Qualificado se entende pelo crime que apresenta uma pena maior que aquela ordenada pelo caput do tipo penal, em regra, esses tipos aparecem porque são desmembramentos do tipo principal, mas se dão de maneira que pareceu ao legislador mais gravosa. Sempre aparecem em parágrafos do artigo que define o tipo principal.
O inciso primeiro já pode ser subdividido, “mediante paga promessa ou por outro motivo torpe” (BRASIL, 1940). Paga promessa se entende quando há uma recompensa paga pelo cometimento do crime de homícidio e, nesses casos, tanto o agente que comete o crime quanto o agente que paga pelo seu cometimento devem responder pelo homicídio na modalidade qualificada.
Importa ainda dizer que o pagamento não necessariamente terá que se dar em quantia monetária, poderá ser qualquer vantagem, sendo inclusive apenas preciso que se dê a promessa. Isso dizer que, mesmo não havendo o pagamento, em havendo sido prometida uma vantagem em contraposição à realização do crime já se enquadram os agentes na modalidade em questão (BITENCOURT, 2007).
O segundo ponto do inciso I é a torpeza, ou ante “outra” torpeza, vemos que o legislador entendeu ser torpe matar alguém em troca de promessa. Por torpe entende-se aquilo que não tem dignidade, moralidade, que é vil, que não tem ética. Seria assim torpe assim matar os pais pelo dinheiro que se vai receber à título de herança (BITENCOURT, 2007).
O inciso segundo fala do motivo fútil, que se configura pela pequenez de motivação, vingança, ciúme, briga de vizinhos seriam considerados enquanto fúteis. A insignificância, a fragilidade e banalidade do motivo que originam o crime fazem merecer uma pena maior que aquela estipulada no caput do tipo penal do homicídio.
O terceiro inciso trata do “emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum” (BRASIL, 1940). Cumpre esclarecer alguns pontos, primeiro, veneno é toda substância suficiente para lesar ou matar a vítima, mesmo que em doses diferentes seja utilizada como remédio, por exemplo, se propositalmente utilizada com a finalidade de lesar ou matar será enquadrado o agente neste inciso. Deve-se, então, verificar a condição da vítima e, quanto o agente sabia desta condição e tirou proveito disso (BITENCOURT, 2007).
Fogo, explosivo e asfixia: o primeiro identifica-se quando da utilização de produtos inflamáveis, o segundo quando se observar o uso se substâncias, materiais capazes de causar explosões e, por fim, a asfixia se caracteriza pelo bloqueio da respiração da vítima. Todos meios que fazem sofrer além de matar e por essa razão merecem atenção especial do operador do direito.
A tortura tem especial atenção, principalmente, porque existe um crime próprio de tortura, em face disso é preciso analisar a situação criminosa e delimitar o momento em que há vontade de torturar e vontade de matar, e os momentos em que acontecem tortura e morte. Bitencourt (2007) afirma:
Se, ao torturar alguém, o sujeito ativo agir com animus necandi, deverá responder pelo crime de homicídio qualificado pela tortura (art. 121, §2º, III, 5a figura). Contudo, se o resultado morte for preterdoloso, isto é, se a tortura tenha sido dolosa, mas o resultado morte, enquanto evento qualificador, for produto de culpa, estaremos diante da figura capitulada na Lei n. 9.455/97, que configura uma nova modalidade de homicídio preterintencional, além daquele do art. 129, §3º, do CP (BITENCOURT, 2007, p. 56).
Ainda, é preciso estar atento para a tortura, que poderá ser não apenas física, mas também moral ou psíquica que apesar de fazerem sofrer a vítima são de mais difícil identificação (SILVA et al, 2007).
Qualquer outro meio cruel, ou insidioso, assim, aquele que se utilize de brutalidade ou aquele que seja ardil, que use de dissimulação para enganar a vítima também receberão o tratamento de homicídios qualificados.
Perigo comum se define quando a maneira escolhida para matar a vítima possa expor risco a um número indeterminado de pessoas indefinidas além da pessoa que era objetivada.O inciso IV trata do crime cometido com “traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido” (BRASIL, 1940).
Todos meios que enganam a vítima, de maneira que fica impossível para esta perceber que será preciso se defender e, quando for a hora não consegue fazê-lo. A surpresa é o ponto imobilizador da vítima, que não tem tempo de reação(BITENCOURT, 2007).
Por último, o inciso quinto confere pena qualificada ao homicídio que se dê para “assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime” (BRASIL, 1940). Haverá meses casos sempre que se analisar o instituto processual penal da conexão, uma vez que se denota a presença de outro crime.
Ressalta-se que as qualificadoras poderão ocorrer em conjunto, assim se o agente se enquadrar em mais de um inciso do parágrafo 2º do artigo 121, CP, entende-se que o homicídio será duplamente qualificado ou, até triplamente qualificado (SILVA et al, 2007).
1.1.1 Classificação do Crime Passional: Fato Típico, Antijurídico e Culpável, teoria tripartite
O crime passional é motivado pelas emoções, pela paixão quando não bem administrados pelos sujeitos.
Em termos básicos, consiste o homicídio passional no ato de matar alguém movido por um sentimento de paixão. Assim, homicida passional seria o agente do delito que, por um impulso de um estado de degradação emocional irresistível, acaba por tirar a vida de outrem, objeto de seu desejo. A maneira que a sociedade brasileira contemporânea, bem como seu ordenamento jurídico, enxerga a figura do homicida passional é ultrapassada e fria. O que muitos não vêem é que, no caso específico do delito passional, muitas vezes o homicida é a maior vítima. Sua relação com a vítima, ao contrário do que normalmente se pensa, nem sempre é pautada em violência e possessividade. Em diversos casos notórios no Brasil e no mundo, o desencadear do impulso assassino se verifica em pessoas que, até então, possuíam uma conduta social irreprovável até o momento do comportamento decisivo da então vítima (SHIMA, 2011, p.02).
Antes de entrar na esfera dos porquês de se cometer um homicídio passional ou de quem são seus sujeitos tentaremos compreender, de maneira sucinta, como o direito enxerga os crimes.
Importa trazer que os doutrinadores brasileiros, penalistas, vivem em polêmica sobre a teoria que se deve adotar para conceituar crime. Em regra, duas são as teorias mais utilizadas, a teoria bipartida e a teoria tripartida. Para a primeira o crime se conceitua quando a conduta incorre em fato típico e antijurídico (ilícito), já a segunda vê ainda a necessidade de que o fato seja também culpável (BITENCOURT, 2012).
Para fins deste trabalho adotamos a teoria tripartite e, com esta escolha passamos a ela. O primeiro ponto, portanto, considera crime a ação humana que seja fato típico. Por tipicidade entende-se a previsão da conduta em norma jurídico-penal. Exige-se ainda que seja uma ação humana com vontade consciente, omissiva ou comissiva, culposa ou dolosa. Assim, a conduta humana é condição de existência do crime, ela pode ser positiva ou negativa, Gustavo Junqueira afirma:
A conduta humana é requisito essencial do fato típico, e não poderia ser diferente. Como a norma é comando de dever ser, de nada adiantaria proibir um evento da natureza, que não poderia se deixar intimidar ou conduzir. Apenas a conduta humana pode ser motivada pela norma penal. Por outro lado, o “ser” não é criminoso, ou seja, o direito penal moderno é um direito penal de condutas (normalmente chamado direito penal de fatos), e não de autores. O sujeito não pode ser punido pelo que é, ou pelo que pensa, mas apenas pelo que faz, em prol da garantia da individualidade e da liberdade de pensamento. Dai a necessidade de ação humana, ainda que omissiva (á diferente ser mau e fazer maldade), para que haja crime (JUNQUEIRA, 2013, p. 61-62).
A conduta além de humana deve ser dotada de vontade e consciência, o agente não precisa ser consciente do resultado, mas sim da conduta. A exemplo de quem dirige um carro sem habilitação, conscientemente se coloca em situação proibida; quem desfere um soco em outro em uma briga não tensiona, de certo matar, mas tem consciência e vontade de desferir o soco que pode, inclusive levar a óbito.
Poderá ser também comissiva, ou seja, de ação, o agente realiza uma conduta; ou omissiva, quando deixa de realizar uma conduta necessária. Caso por exemplo de quem deixa de prestar socorro. A omissão poderá ser ainda própria se realizada por quem teria o dever jurídico de agir - um bombeiro que não entre em um prédio em chamas ou, imprópria como já explicada e exemplificada. Não entraremos em mais detalhes para que não nos fuja o tema principal que é o homicídio passional (JUNQUEIRA, 2013).
A questão de dolo ou culpa foi já mencionada quando falamos de homicídios culposos e dolosos. Notamos que no crime passional, homicídio, especificamente, há uma conduta, consciente e voluntária, comissiva e dolosa de matar em razão da paixão, mesmo que influenciado pelos sentimentos, e isso será discussão em momento posterior, o agente sabe o que faz e quer fazer.
O segundo componente conceitual de crime é a antijuridicidade, também conhecida por ilicitude e, significa que a ação é contrária a todo o ordenamento jurídico. O CP brasileiro adota algumas causas que são capazes de excluir essa antijuridicidade, são elas, a legítima defesa, o estado de necessidade, o estrito cumprimento do dever legal e o exercício regular de direito.
A legítima defesa consiste na reação do agente “à injusta agressão, atual ou iminente, contra o direito próprio ou de terceiro, utilizando os meios necessários de forma moderada” (JUNQUEIRA, 2013, p. 103).
O estado de necessidade acontece quando é preciso escolher entre um bem jurídico para salvar, assim, “age em estado de necessidade aquele que, diante de situação de perigo atual que não provocou, sacrifica bem jurídico com o fim de salvaguardar outro, desde que o sacrifício seja inevitável e razoável” (JUNQUEIRA, 2013, p. 107).
No estrito cumprimento do dever legal a ação se dá em razão de comando que o agente deve seguir por seu dever, o fato típico é então praticado dentro dos limites deste, a este exemplo tem-se o policial que leva preso em flagrante aquele que comete um crime, o cerceamento da liberdade alheia é realizado por força do dever legal do policial. É preciso ter cuidado, pois não se pode exceder nos limites desse dever, Gustavo Junqueira (2013, p. 109) observa: “o dever legal pode ser cumprido além dos limites permitidos pela lei, tornando-se relevante penal, mas o estrito cumprimento do dever legal afasta, desde logo, a possibilidade de excesso”.
E, por fim, o exercício regular de direito ocorre quando há permissão para realização da conduta antijurídica, caso de lutas de box ou das cirurgias com fim de embelezamento tais quais a lipoaspiração. Lembra, novamente, Gustavo Junqueira (2013, p. 110) “importa verificar aqui o excesso, causado pelo exercício regular de direito, que implicará a relevância penal da conduta”.
Além de típica e antijurídica, na escolha da teoria tripartite, consideramos que para que se considere crime a conduta deve ser ainda culpável ou, dotada de culpabilidade. A culpabilidade é “o juízo de censura sobre a conduta do sujeito que, livre para agir, poderia e deveria ter agido de acordo com o direito” (JUNQUEIRA, 2013, p.111). É em verdade um juiz de valor realizado sobre a ação que se julga criminosa ou não.
O direito penal estrutura a culpabilidade em outras dirimentes: imputabilidade, potencial consciência da ilicitude e, exigibilidade de conduta diversa, entre outras. Se qualquer desses quesitos não estiver presente não há que se falar em conduta reprovável e, portanto, não há culpabilidade.
Da primeira dirimente, imputabilidade, diz-se imputável aquele à quem se pode atribuir responsabilidades. Em regra o direito penal trabalha aqui com as exceções, assim, serão inimputáveis os doentes mentais e aqueles com desenvolvimento mental incompleto ou retardado. Nesses casos o sujeito é levado a julgamento e, se reconhecida a prática da ação típica, antijurídica será absolvido impropriamente, isto porque sofrerá uma sanção na forma de medida de segurança internação em estabelecimento médico próprio) (BITENCOURT, 2012, p.302).
Quanto a potencial consciência da ilicitude, o direito penal entende que não se pode punir o sujeito que não tenha como, por suas características e circunstâncias pessoais, saber da ilicitude de suas ações. Aqui, novamente se pode aplicar a figura do homem médio para compreender se a situação é digna de fazer incorrer em erro de proibição. O erro de proibição é a equivocada percepção acerca do que é permitido e do que é proibido. Se o erro de proibição é inevitável, ou executável, a culpabilidade se afasta (BITENCOURT, 2012, p. 302).
A exigibilidade de conduta diversa também se baseia em um juízo de reprovabilidade social e, da mesma maneira que a imputabilidade, conseguimos percebê-la nas exceções. É, assim, inexigível que se tenha uma conduta diversa nos casos de: a. coação moral irresistível - como o agente sofre violência moral tem afastada sua voluntariedade na conduta, importa-nos compreender que existe a possibilidade de agir de modo diverso, mas que isso não é exigível diante da coação; b. obediência hierárquica - desde que se trate de uma ordem não manifestamente ilegal do superior e que se denote um vinculo público (BITENCOURT, 2012, p. 304).
Ressalta-se a importância do exame de culpabilidade, pois, como dissemos, existem dirimentes em sua estrutura e essas dirimentes não necessariamente se esgotam em três. Para fins deste trabalho existe uma corrente minoritária que afirma que quando a emoção e paixão são tamanhas a fim de tomar por completo o raciocínio de um agente faz-se necessário questionar se ele poderia ser considerado enquanto culpado(BITENCOURT, 2012, p. 306).
Esse é um ponto chave em nosso trabalho que quer tentar compreender se isso não se tornaria talvez uma desculpa para o cometimento de crimes passionais ou se de fato a emoção e a paixão são capazes de dominar o corpo e a mente do agente, que deixa de discernir o certo e o errado, o lícito e o ilícito.
1.2 Os sujeitos do homicídio passional
O homicídio passional é aquele que nasce motivado pela paixão, assume-se assim que deva haver entre seus sujeitos um vinculo afetivo diferenciando-o de outros homicídios. São componentes desse crime, em regra, sentimentos ruins, tais quais o ciúme, a vingança, a posse dentro de um relacionamento. É a criminologia a ciência forense responsável pelo estudo dos componentes do crime e, nele inclusos, o agente criminoso - homicida, e a vítima.
1.2.1 A vítima
O que se pretende ao analisar a vitimologia é a compreensão do papel que esta exerce para o cometimento do crime. Isto é, estaria a vítima nesta posição por obra do acaso ou algo em seu comportamento reforçaria a posição em que se encontra. Não queremos com isso insinuar de nenhuma maneira que o homicídio passional possa ser culpa da vítima, tão somente pretende-se apontar situações onde possa ser mais comum.
No caso dos homicídios passionais parece haver um excesso de realidade por parte do homicida, assim a vítima teria, para ele dado causa ao crime, ou traindo, ou terminando o relacionamento, ou olhando para outro, ou não aceitando algo nele próprio. Castelo Branco (1975, p.203), em seus estudos de criminologia já assim dizia:
Nos delitos passionais, por sua vez, se examinados em profundidade, verifica-se que a vítima sempre prepara a tragédia, seja porque trai o amante, seja porque rompe a ligação amorosa, sendo então justiçada pelo agente do crime. Este, psicologicamente neurótico, está mais do que certo de que não poderia agir de outra forma, pois a vítima merecia tal castigo (BRANCO, 1975, p. 203)
A vítima não espera que seu comportamento de romper com o relacionamento, por exemplo, seja suficiente para desencadear o ódio daquele que lhe jurava amor e, desta forma, se encontra sem defesas.
A vítima não está dando causa ao crime como quer fazer entender o agente criminoso, apenas tem um comportamento que poderá ser moralmente aceitável ou não, mas que apesar de poder se enquadrar dentro de um juízo de reprovabilididade social não pode ser considerado enquanto motivo para a morte.
Ainda dentro de uma sociedade patriarcal quase sempre, quando em face de um homicídio passional onde a vítima é a mulher, tem-se a necessidade de provar a culpa desta. Isto porque de diversas maneiras se espera da mulher um comportamento social diferente daquele que se espera de um homem, inclusive religiosamente. Exatamente por essa razão o número de vítimas passionais masculinas é infinitamente menor que as femininas (ELUF, 2012).
Para Roberto Lyra (s.d, p. 135) a mulher é carente nos três aspectos que envolvem um crime passional: físico, social e individual. Veja-se, por exemplo, culturalmente o homem tende a sentir-se enquanto dominador, sentir que a mulher faz parte de seus objetos pessoais.
O próprio direito, historicamente reitera a situação quando autoriza a colocação do sobrenome do homem no nome de sua esposa (até bem recentemente não era possível fazer o contrário no Brasil).Veremos a frente que esses padrões históricos culturais reforçam a mulher enquanto vítima, já que é vista ainda em muito na qualidade de propriedade do marido. De tal sorte que não poderia mesmo abandoná-lo ou decepcioná-lo, ou olhar para outro.
Para Luiza Eluf (2012) há que se ressaltar, o maior número de vítimas é do sexo feminino, poucas são as mulheres que, tomadas pelo sentimento de posse ou de vingança quando rejeitadas, tiram a vida de seus maridos ou namorados.
1.2.2 O homicida passional
O autor do crime de homicídio passional é em regra narcisista, e possui um necessidade sem fim de se auto afirmar, não é possível para ele se ver em uma situação onde é rejeitado por sua vítima. Por essa mesma razão é comum que o relacionamento seja, antes do crime, aparentemente normal. A vítima ou a sociedade não se dão conta do real perfil do assassino antes que ele cometa o crime, isto porque antes de ser rejeitado o indivíduo não se vê na posição de quem precisa se afirmar, é amado, é venerado e tem seu objeto de desejo da maneira como quer (ELUF, 2003).
Quando contrariado o indivíduo se torna agressivo e não terá limites para demonstrar sua insatisfação, sobre isso se posiciona Luiza:
Os homicidas passionais trazem em si uma vontade insana de auto- afirmação. O assassino não é amoroso, é cruel. Ele quer, acima de tudo, mostrar-se no comando do relacionamento e causar sofrimento a outrem. O assassino não vê limites e apenas se satisfaz com a morte do suposto traidor. Os homicidas passionais padecem de amor obsessivo, de desejo doentio, de insensatez. São narcisistas, querem ver na outra pessoa o engrandecimento de seus próprios egos, transformando o ser amado em idéia fixa, em única razão de existir (ELUF, 2003, p. 117).
De acordo com Luciana Garcia Gaia (2009), esses criminosos são em sua essência compostos por um egoísmo que os cega, e movidos de tal forma que não importa o que a sociedade considera apropriado. São narcisos e, por isso, só lhes importa seu próprio bem estar, suas concepções e suas vontades. Para a autora o criminoso passional pode causar danos a ele mesmo e a outros em razão de seus sentimentos desmedidos.Quando um homicida passional imagina que sua honra foi ferida terá ações desproporcionais, extremamente exageradas, para restaurá-la.
Os atos passionais geralmente são praticados às claras, sem premeditação, com a arma que o criminoso mais facilmente tiver a seu alcance, às vezes até na frente de testemunhas. Essa superexcitação nervosa, algumas vezes, pode levar o criminoso ao arrependimento imediato, conduzindo-o ao suicídio (GAIA, 2009).
Luiza Eluf (2003) entende que os criminosos apenas raramente se arrependem e, inclusive, para os advogados chegam a dizer que se encontravam no direito de matar já que estariam defendendo sua honra.
São, portanto, indivíduos tomados pela paixão cega, pela vingança, pelo ciúme transformado em raiva, por seu egoísmo e sua vontade de defender uma honra que, em suas mentes, só poderá ser limpa com a morte da vítima.