CONCLUSÃO
A partir da análise do crime quando cometido em razão da paixão e das características do agente, foi possível compreender melhor como o ordenamento jurídico brasileiro encara tais situações. Notadamente, apreendeu-se que existem diversos fatores que levam ao cometimento de um crime passional e nem sempre o gênero é predominante para desencadear a ação, a não aceitação de término de relacionamento amoroso, a rejeição da pessoa amada, o adultério e a vingança são causas comuns.
Quanto aos sentimentos que conduzem ao homicídio passional, resta demonstrado que em se tratando de amor, apenas o sensual (apelativo ao sexual) pode dar origem à ação criminosa dada de maneira passional, por ser efêmero, egoísta, que gera males e ódios como insegurança psicológica, possessividade, desestruturação emocional, orgulho avassalador e vingança conduzindo a esse delito.
A paixão e o ciúme são normalmente o pavio dos casos passionais (vê-se como o próprio nome foi escolhido), pois arrasta suas vítimas para as situações que desencadeiam o crime. No que diz respeito a imputabilidade da emoção e da paixão, resta dizer que o Direito é uma ciência que deve ser analisada minuciosamente em cada caso, estudando detalhadamente a norma em abstrato e adequando-a ao caso concreto para que promova a justiça de forma correta e justa.
A tentativa do ordenamento jurídico brasileiro de minimizar os danos causados por crimes passionais se pode visualizar pela lei do feminicídio, que tem como sujeito da proteção maior as mulheres em geral.
De certa forma, ao longo do trabalho pontuamos que não apenas as mulheres são vítimas desse tipo de crime, mas também podem assumir a condição inversa, todavia, os crimes passionais não são crimes direcionados à violência de gênero, pois homossexuais também podem ser vítimas tanto quanto autores do delito, abolindo-se assim conceitos retrógrados. Parece-nos, entretanto, que o legislador pretendeu quitar uma dívida histórica, todo um passado que protegia legislativamente homens que, através da falaciosa justificativa de defesa da honra, podiam tirar a vida de suas parceiras ou ex-parceiras sem maiores questionamentos.
Apesar da inovação legal e da proteção concedida às mulheres, deve-se notar que não houve da parte do legislativo a vontade de encarar um novo tipo penal ou de acrescentar aqueles já existentes a passionalidade. Desta forma, seguimos, sem orientação normativa, tateando um mar de subjetividades quando do julgamento de crimes motivados pela paixão, pelo ciúme, vingança, ódio, adultério.
No caso de homicídios dolosos motivados pela paixão, continuamos aguardando o julgamento dos tribunais de júri, da complacência ou indignação de pessoas do povo, de leigos jurídicos, dominados também por suas emoções, ou seja, um crime cometido em razão das emoções e julgado também por elas.
Por tal razão, mostra a falha sócio cultural e sócio educacional do Estado com seus cidadãos.
Faz-se necessário que o homicídio com motivação passional seja devidamente disciplinado no Ordenamento Jurídico Brasileiro, não ficando a mercê dos julgamentos, que seja tipificado, que a lei delimite a aplicação de pena quando ocorrerem, para que não sejam aplicadas atenuantes de penas em casos que o homicídio foi praticado de forma premeditada e com requintes de crueldade, para que o direito fundamental à vida humana prevaleça sobre o direito à honra, e para que não se possa confundir relacionamento com direito de propriedade, visto que este último só pode existir entre ser humano e coisas apropriáveis.
Portanto, relacionamentos devem ser tratados com respeito mútuo, liberdade e individualidade, pois a vida é algo sublime e única, não podendo ficar a mercê das violentas emoções causadas por motivos fúteis, torpes, embaladas pela possessividade e egolatria.
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Notas
[1]Artigo 5º, CF: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) XXXVIII - e reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados: (…) c) a soberania dos veredictos; (…)” (BRASIL, 1988)
[2]O homem médio seria aquele que representa o equilíbrio dentro de uma sociedade, nem aquele que seja completamente ignorante, nem aquele que entenda de tudo, absolutamente brilhante. Utiliza-se enquanto paradigma no campo do direito para solucionar situações conflituosas, onde se questiona o que um homem centrado, equilibrado em termos de moral e costumes faria.
[3]A Organização dos Estados Americanos foi fundada em 30 de abril de 1948, constituindo-se como um dos organismos regionais mais antigos do mundo, sendo fundada três anos após a criação da ONU. Com 21 países signatários, entre eles o Brasil, reunidos em Bogotá, Colômbia, assinaram a Carta da Organização dos Estados Americanos, onde a organização definia-se como um organismo regional dentro das Nações Unidas. Os países-membros se comprometiam a defender os interesses do continente americano, buscando soluções pacíficas para o desenvolvimento econômico, social e cultural.