CRIMES PASSIONAIS: O tratamento conferido pelo direito àqueles que agem sob o domínio do sistema emocional

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25/05/2017 às 19:04

Resumo:


  • O conceito de honra e virtude, historicamente, é mutável e dependente de fatores sociais, geográficos e temporais, o que gera uma obscuridade permanente nessas noções.

  • A pesquisa investiga a relação entre paixão e crime, explorando como a sociedade interpreta o homicídio passional, ora como ato de defesa da honra, ora como resultado de um desequilíbrio emocional.

  • O direito penal não possui uma categoria específica para homicídio passional, mas o Código Penal, em seu artigo 121, § 1º, contempla motivações que podem se encaixar nessa categoria, permitindo a diminuição da pena em determinados contextos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

3 VIDA REAL: Dados, casos concretos e norma

Os casos de crimes passionais levados a conhecimento da sociedade civil pela mídia são muitos e emblemáticos. No presente capítulo pretende-se enumerar alguns casos de maior repercussão e sua influência diante do tribunal do júri.

Diversas vezes durante esse trabalho foram abordados crimes passionais cometidos por homens contra suas parceiras. Pareceu-nos em dado momento que poderia ser tendencioso dizer que apenas homens podem ser sujeitos ativos de crimes passionais. Ocorre que, historicamente, como restou demonstrado, o homem tende a ser protegido pela lei e pela sociedade em razão de poder defender sua honra.

3.1 Homicídios passionais: questão de gênero ou não?

Os homicídios passionais praticados por homens contra suas parceiras certamente são mais noticiados, mas realmente indicam a realidade, ou apenas exprimem mais um traço de uma cultura machista que não aceita ter a mulher enquanto figura mais aparente, mesmo que seja uma figura ruim.

De acordo com reportagem realizada por Andreia Bahia para o site do sindicato dos delegados de polícia do estado de Goiás, poucos são os casos onde um homem figura enquanto vítima de um crime passional, e quando isso acontece, não é sua companheira o sujeito ativo do crime, mas um homem traído, ou que sinta sua honra ofendida e conecte este fato com atitudes da vítima (o homem).

Mulheres são as maiores vítimas dos crimes passionais. Nos últimos anos, os homicídios motivados por ciúmes ou traição que tiveram maior repercussão na imprensa, mostra que os homens foram vítimas em 5 em 17 crimes da mesma natureza ocorridos na capital e no interior. O empresário Rildo José Brasão, de 41 anos, morto com cinco tiros (de 11 disparados) na manhã do dia 26 de outubro foi o sexto. Rildo foi morto pelo empresário Fernando da Rocha Nascimento, de 39 anos, horas depois da mulher dele lhe confessar ter tido um caso com a vítima. Esse também é o motivo do assassinato dos outros homens vítimas de crime passional: um relacionamento amoroso com a mulher ou ex-mulher do autor. A exceção é o português Antônio Joaquim Ramos Tavares, 41 anos, morto a facadas este ano por Wellington Rangel, Wellington desconfiou que a vítima fosse amante de sua ex-mulher. Mas ele estava apenas hospedado na casa dela, segundo a polícia (BAHIA, 2015 p. s/n).

A honra parece ser o motivo mais frequente que desencadeia reações passionais e que possam levar ao homicídio. Caminhando ao lado dela estão o ciúme e a paixão exagerada; ambos desmedidos acabam causando revolta e um sentimento de posse que pode ser desastroso.

Os sentimentos, positivos ou negativos, não são exclusividade dos homens, pertencem à raça humana e, por isso mesmo, também podem alcançar mulheres. É bem verdade que por um determinado tempo as mulheres eram consideradas frágeis e, em razão disso, sucetíveis aos mandos e desmandos dos homens, inclusive abusos físicos.

Hoje, apesar de atestar as diferenças físicas entre homens e mulheres, não se pode negar que houve uma redução na fragilidade ou mesmo uma inversão da mesma em alguns casos. À mulher se concedeu um local de poder, lhe foi dado o direito de estudar, trabalhar, votar e com isso, deixou de ser tão suscetível aos homens.

Nesta nova posição, assumimos a possibilidade de uma mulher cometer um crime passional tanto quanto qualquer homem, ressaltando que historicamente a legislação protetiva da honra masculina reforça que a prática de tais crimes seja mais comumente realizada tendo por vítima sujeitos do sexo feminino.

Ainda lembramos que existem crimes passionais em relacionamentos homoafetivos, sendo assim, vítima e autor do crime poderiam pertencer ao mesmo sexo.

3.2 Casos reais noticiados pela mídia

Alguns casos merecem destaque e, por isso mesmo, falaremos de sua disseminação midiática. Como já discutido, as mulheres não são apenas vítimas de crimes passionais e exatamente por isso daremos início a nossa listagem de crimes passionais famosos com o assassinato de um homem por sua esposa.

3.2.1 Elize Matsunaga e Marcos Matsunaga

A mídia e as investigações ainda apontam em direções diversas quanto ao motivo do crime e a maneira como teria sido cometido. De acordo com as primeiras notícias dadas à época o crime teria acontecido no dia 19 de maio de 2012.

Segundo a polícia, o casal teria chegado ao apartamento na noite de sábado com a filha de um ano e com a babá; esta última tendo sido dispensada logo depois da chegada. Instantes depois, o empresário teria descido para buscar uma pizza enquanto falava ao celular. Estas imagens gravadas nas câmaras do prédio seriam as últimas que se tem dele com vida.

No domingo, dia 20 de maio de 2012, quando da chegada da segunda babá, as câmeras mostram Elize, a esposa de Marcos descendo de elevador com três malas, onde, de acordo com as investigações, estaria o corpo esquartejado de seu marido.

As investigações apontam ainda que Marcos teria sido morto por um tiro na cabeça, por uma arma dada por ele próprio de presente à esposa. Após ser alvejado foi esquartejado (a esposa, com conhecimento técnico esperou cerca de 12 horas para cortar em pedaços o corpo do marido, o que explica a ausência de sangue).

Ao levar o corpo, com intuito de abandoná-lo, Elize foi parada por policiais rodoviários federais que atestaram a irregularidade do documento do carro, de tal sorte que o carro foi revistado, sem que fossem encontradas as malas e o restos mortais de seu marido recém executado.

O corpo de Marcos Kitano só foi encontrado depois, dentro de sacos plásticos, nas proximidades da cidade de Cotia, Grande São Paulo. Confirmou-se a presença de Elize no local através de informações cedidas por sua operadora de celular.

A motivação do crime seria uma traição de Marcos Kitano. Após inúmeras brigas entre o casal, Elize teria contratado um detetive particular para seguir seu marido, descobrindo que este estaria tendo um caso. Imagens do relacionamento extra conjugal lhes foram enviadas pelo detetive comprovando a traição. Assim que a mídia noticiou o caso, Elize confessou suas ações e foi levada presa pela polícia de São Paulo.

3.2.2 Mizael Bispo e Mércia Nakashima

Mércia Mikie Nakashima de 28 anos foi afogada dentro do carro trancada na represa de Nazaré Paulista interior de São Paulo, perto das margens da rodovia Dom Pedro I. Mércia desapareceu no dia 23 de maio, após participar de um almoço em família em Guarulhos.

Segundo familiares, ela deixou a casa da avó onde aconteceu o jantar por volta das 18h30 e o trajeto até a casa dela é de cinco, dez minutos, mas ela não chegou. Ainda segundo familiares, antes de sair, Mércia recebeu um telefonema; era o ex-namorado e ex-sócio em um escritório de advocacia, Mizael Bispo de Souza. Ele foi considerado como o principal suspeito de matar a advogada, porém o também ex-policial nega ter cometido o crime.

Mizael confirma que tentou ligar para Mércia no dia em que ela desapareceu, mas afirma que não conseguiu. Quando questionado sobre a afirmação de que o seu carro estava próximo à casa da avó da advogada, local para onde ela estava se dirigindo quando desapareceu, Bispo confirmou e disse que estava com uma mulher neste momento, porém não disse quem era ela.

Segundo Sammir Haddad Júnior, advogado que representa Mizael Bispo de Souza, seu cliente mora perto da casa da avó de Mércia, o que explica o fato de o carro dele estar perto da residência da avó dela no dia do desaparecimento.

Ainda segundo Haddad Júnior, Mércia vinha sendo ameaçada por um ex-cliente para quem ela atuou em ações de divórcio e ação trabalhista, e não teria ficado satisfeito com o resultado. Segundo ele, amedrontada, Mércia pedia a Mizael que fosse buscá-la.

Entretanto, a pasta com os processos que Mércia cuidava para o cliente, identificado como Messias, foi encontrada na tarde de 16 de Junho de 2010, pela irmã da vítima, Cláudia Nakashima, e de acordo com o advogado da família de Mércia, Alexandre de Sá Domingues, o cliente não teria motivos para fazer ameaças.

No dia 10 de Junho, por meio de uma denúncia anônima feita diretamente à família da vítima, o carro da advogada foi encontrado na represa da cidade de Nazaré Paulista. O veículo estava submerso a uma profundidade de aproximadamente 6 metros, tinha o vidro do motorista aberto e estava com os pertences da advogada. No dia seguinte, o corpo de Mércia foi encontrado na mesma represa.

A testemunha que fez a denúncia era um comerciante que estava pescando na represa no mesmo dia do desaparecimento de Mércia. Segundo o homem não identificado, ele ouviu gritos de mulher na noite do crime e viu um carro ser empurrado para dentro d’água após uma pessoa descer de dentro dele.

Segundo o delegado Antônio de Olim, que comanda a investigação, a testemunha estava do outro lado da represa, a uns 100 metros do carro da advogada e não consumiu bebida alcoólica no dia.

Em depoimento à polícia, o vigia Evandro Bezerra da Silva disse que combinou com Mizael de buscá-lo na represa de Nazaré Paulista no dia 23 de maio, o mesmo dia do desaparecimento de Mércia, mas depois mudou a versão negando envolvimento no crime.

De acordo com o Ministério Público, este crime tratou-se de crime passional, sendo que o acusado Mizael Bispo de Souza foi condenado a 20 anos de reclusão pela morte de Mércia Nakashima. Foram considerados agravantes: motivo torpe (fim do namoro), emprego de meio cruel (tiros em pontos vitais do corpo) e impossibilidade de defesa da vítima.

3.2.3 Lindemberg Fernandes Alves e Eloá Pimentel

Lindemberg Fernandes Alves, então com 22 anos, invadiu o domicílio de sua ex-namorada, Eloá Cristina Pimentel, de 15 anos no dia 13 de outubro de 2008, no bairro de Jardim Santo André, em Santo André (Grande São Paulo), onde ela e colegas realizavam trabalhos escolares. Inicialmente dois reféns foram liberados, restando no interior do apartamento, em poder do sequestrador, Eloá e sua amiga Nayara Silva.

No dia 14, Eduardo Lopes, o advogado do sequestrador, passou a acompanhar as negociações do cliente com o Grupo de Ações Táticas Especiais (GATE). Às 22h50min desse dia, Nayara Rodrigues, 15 anos, amiga de Eloá, foi libertada, mas no dia 15 a sua amiga voltou para continuar as negociações. Após mais de 100 horas de cárcere privado, policiais do GATE e da Tropa de Choque da Polícia Militar de São Paulo explodiram a porta - alegando, posteriormente, ter ouvido um disparo de arma de fogo no interior do apartamento - e entraram em luta corporal com Lindemberg, que teve tempo de atirar em direção às reféns.

A adolescente Nayara deixou o apartamento andando, ferida com um tiro no rosto, enquanto Eloá, carregada em uma maca, foi levada inconsciente para o Centro Hospitalar de Santo André.

O sequestrador, sem ferimentos, foi levado para a delegacia, e depois para a cadeia pública da cidade. Posteriormente foi encaminhado ao Centro de Detenção Provisória de Pinheiros, na cidade de São Paulo. Eloá Pimentel, baleada na cabeça e na virilha, não resistiu e veio a falecer por morte cerebral confirmada às 23h30min de sábado (18 de outubro de 2008).

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De acordo com o Ministério Público este crime tratou-se de crime passional, sendo o acusado Lindemberg Alves condenado pelo Conselho de Sentença a uma pena de 98 anos e 10 meses de reclusão pela prática de 12 crimes.

Os crimes a que foi condenado Lindemberg foram os seguintes: homicídio qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima (Eloá Pimentel), homicídio tentado qualificado pelo motivo torpe e recurso que dificultou a defesa da vítima (Nayara), homicídio qualificado tentado (vítima Atos Valeriano), cinco crimes de cárcere privado e quatro crimes de disparo de arma de fogo.

3.2.4 Outros casos recentes

Em outras situações, uma pessoa acometida por ciúmes pode cometer um crime, matando um indivíduo com a intenção de atingir a outro. Casos recentes divulgados na mídia apresentaram maridos que mataram os filhos da esposa, ou os próprios filhos, com intenção de atingir emocionalmente a mulher.

Um caso que ganhou notoriedade na mídia em 2016 foi o crime passional cometido pelo vaqueiro Antônio Ribeiro Barros de 26 anos, que espancou até a morte os gêmeos David Luiz e Lucas Felipe de 11 meses e esfaqueou a mãe das crianças, em São Miguel do Araguaia/GO. Antônio relatou que não aceitava o fim do relacionamento com a mãe das crianças, que havia duração de apenas um mês. Ele alegou que não tinha intenção de feri-las; sua intenção era matar apenas a mulher, mas em um surto de fúria acabou por matar as crianças (G1, 2016).

Já em setembro de 2016, Hugo Imaizumi, de 41 anos, matou os dois filhos, de três e quatro anos, a facadas, em São Paulo. Filmou o crime com o telefone celular e enviou o vídeo à família. A mãe das crianças alegou que Hugo tinha uma paixão obsessiva por ela e não aceitava o pedido de separação. Ele, por sua vez, alegou ter cometido o crime devido a uma alegada traição da mulher, o que não foi confirmado (G1, 2016).

3.3 O Direito e a Passionalidade

O ordenamento jurídico brasileiro optou, como vimos até agora, por não tratar da passionalidade especificamente, expressamente. Assim, justificar o homicídio dando como causa a paixão não importa aos operadores do direito.

Dizer que um homicídio tem caráter passional não serve de nada ao direito, posto que o tipo penal não reconhece a "paixão" como motivo para um assassinato. Pelo contrário: a pena pode ser aumentada se for reconhecido que o réu agiu com motivação torpe ou fútil, ou ainda sem dar possibilidade de defesa à vítima. Tramita hoje no Congresso o relatório final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Violência contra a Mulher, que no seu relatório final tipifica o feminicídio, com pena de reclusão de 12 a 30 anos para assassinatos de mulheres com circunstâncias de violência doméstica ou familiar, violência sexual, mutilação ou desfiguração da vítima (CARTA CAPITAL, 2016)

A nova Lei do Feminicídio, Lei 13.104, de 9 de março de 2015, aborda crimes em razão do gênero e não trabalha na perspectiva da passionalidade, mas tenta resgatar a dívida histórica construída na legislação brasileira ao longo do tempo, permissionária dos crimes cometidos contra a mulher.

O femicídio é descrito como um crime cometido por homens contra mulheres, seja individualmente seja em grupos. Possui características misóginas, de repulsa contra as mulheres. Algumas autoras defendem, inclusive, o uso da expressão generocídio, evidenciando um caráter de extermínio de pessoas de um grupo de gênero pelo outro, como no genocídio (PASSINATO, 2011, p. 228).

A lei em questão altera a redação do artigo 121 do Código Penal, para prever o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio, e o artigo 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, incluindo o feminicídio no rol dos crimes hediondos.

Femicídio está no ponto mais extremo do contínuo de terror anti-feminino que inclui uma vasta gama de abusos verbais e físicos, tais como estupro, tortura, escravização sexual (particularmente a prostituição), abuso sexual infantil incestuoso e extra-familiar, espancamento físico e emocional, assédio sexual (ao telefone, na rua, no escritório e na sala de aula), mutilação genital (cliterodectomia, excisão, infibulações), operações ginecológicas desnecessárias, heterossexualidade forçada, esterilização forçada, maternidade forçada (ao criminalizar a contracepção e o aborto), psicocirurgia, privação de comida para mulheres em algumas culturas, cirurgias cosméticas e outras mutilações em nome do embelezamento. Onde quer que estas formas de terrorismo resultem em mortes, elas se tornam femicídios (RUSSEL; CAPUTTI, 1992).

Logo,consideram-seFeminicídio os crimes praticados contra mulher em razão do gênero. Após a Lei nº 13.104/2015, entrar em vigor, o artigo 121 passa a prever o feminicídio como prática qualificadora do homicídio. A pena de reclusão pode variar de 12 a 30 anos.

Sendo esses crimes cometidos por violência doméstica e familiar ou pelo simples fato da vitima ser mulher, fica claro que nem sempre no referido crime há envolvimento de sentimento dito, “amor”, ou relacionamentos conjugais, logo, não há relação necessária com a passionalidade mais uma vez.

Lembramos que, segundo dados do Mapa de Violência contra a mulher de 2015, apontam-se enquanto principais motivos do feminicídio, os casos em que mulheres que denunciaram o marido/companheiro ou ex-marido/ex-companheiro por agressões. Salienta-se que o crime ser cometido por qualquer um dos familiares como também ser cometida pelo próprio parceiro ou ex-parceiro.

Por sua vez, a paixão, não é recepcionada no Código Penal Brasileiro como tipificação penal, ainda assim, o termo passional é usado pelos magistrados, operadores do direito e doutrinadores, apontado enquanto motivação de crimes cometidos por uma triangulação amorosa, e por inúmeras vezes, tem sido, sorrateiramente, usado como atenuante para diminuir a pena do criminoso, que alega ter matado por amor.

3.4 A imputabilidade relativa do tribunal do júri

Ante ao exposto, resta um questionamento. Será que o indivíduo que comete o homicídio impelido por violenta emoção ou avassaladora paixão, após surpreender a vítima em traição, deve realmente ser penalizado da mesma maneira que o indivíduo que por suspeita ou até mesmo por ciúmes calcula friamente e executa de forma brutal a morte da vítima? Será no caso de ter sido o agente motivado por violenta emoção ou paixão em caso de flagrante de adultério ser absolvido diante de júri?

De acordo com o ordenamento jurídico brasileiro e a doutrina majoritária, não é passível de absolvição o agente que comete crime motivado por violenta emoção ou paixão. O que pode ocorrer é ser este agente ter sua pena reduzida.

No entanto, o Direito como sendo uma ciência humana, inerente às relações humanas, não pode ser engessado e visto de uma forma pronta e acabada, aplicando a norma da mesma forma nos diferentes casos concretos.

A norma positivada, que se materializada e se realiza no princípio da legalidade, existe para que, se possa evitar as possíveis arbitrariedas em sua aplicação, a proibição da criação de crimes e penas a devaneios e ao bel-prazer do legislador ou a incriminação vazia e indeterminada, dentre outras (CUNHA, 2015).

Quanto ao principio da legalidade que rege no Direito Penal dispõe Mendes (2014) que:

A Constituição de 1988, em seu art. 5º, II, traz incólume, assim, o princípio liberal de que somente em virtude de lei podem-se exigir obrigações dos cidadãos. Ao incorporar essa noção de lei, a Constituição brasileira torna explícita a intrínseca relação entre legalidade e liberdade. A lei é o instrumento que garante a liberdade. A legalidade também não pode ser dissociada, dessa forma, da ideia de “Império da Lei”, que submete todo poder e toda autoridade à soberania da lei. (...) Todo o Direito está construído sobre o princípio da legalidade que constitui o fundamento do Direito Público moderno. O Direito Penal funda-se no princípio de que não há crime sem lei anterior, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX), expressado pela famosa expressão cunhada por Feuerbach no século XIX nullum crimen nulla poena sine lege.

Sendo assim, o princípio da legalidade, em que funda-se o Direito Penal vai limitar a punibilidade e a aplicação da lei.No entanto, quanto a exclusão do crime, o que deve levar em consideração é o princípio da culpabilidade, que analisa a reprovabilidade da conduta do agente, com relação às condições em que ele se encontrava, levando em consideração que o mesmo detinha o livre arbítrio de agir de outra maneira (CUNHA, 2015).

Quando se exige conduta diversa do agente, ou seja, o agente poderia ter agido de outra forma, se esbarra nas complexidades e diferenças das personalidades humanas, pois o que se considerará será uma regra padrão, quanto que na realidade as circunstâncias que são trazidas são diferentes e as condutas nunca são iguais.

Sendo assim, tem-se que os agentes são dotados de personalidades diversas uns dos outros, agindo também de forma diversa diante de uma mesma situação. A personalidade caracteriza-se pela estrutura somática e psíquica do indivíduo, promovendo a individualidade de cada ser humano. Pode a personalidade no senso comum ser definida como o temperamento e o caráter da pessoa.

Assim, com relação a relacionamentos amorosos, se porventura acontecer de uma das partes cometer o adultério, as reações da pessoa que foi traída poderá gerar, em virtude da personalidade cada um, diversas reações. Pode a pessoa traída perdoar a pessoa amada que lhe traiu, ou chorar compulsivamente e depois se separar de forma, ainda que traumática, mas amigável, no entanto, outros podem decidir se vingar de todas as formas possíveis e imagináveis, inclusive tirando a vida da pessoa que o traiu.

Desta forma, as possibilidades de condutas do agente são inúmeras e vão depender da personalidade da cada agente, de forma que, a pena aplicada a ser aplicada também deve ser levaao em consideração todas as circunstâncias que levaram o agente a cometer o delito.

Cada caso é um caso, devendo ser analisado em todas as suas especificidades. Todos os tipos de homicídios são comoventes, no entanto, existem casos que são mais impactantes cometidos de forma brutal e fria, merecendo ser analisados de forma minuciosa e aplicada a pena máxima.No entanto, realmente existem homicídios que são praticados no calor da emoção e da paixão sem ser premeditado pelo agente, que talvez pudesse ser aplicada uma pena menor, mas a absolvição somente pode ser aplicada pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri que é soberano em suas decisões, de acordo com a defesa no caso de homicídio passional. Dessa forma, o Código Penal Brasileiro não exclui a punibilidade em caso de homicídio passional, no entanto, como o crime de homicídio seja ele de qual natureza for é julgado no Tribunal do Júri, sendo então passível de absolvição de os populares considerarem que o agente cometeu o homicídio passional movido por violenta emoção e paixão (LEAL, 2005).

Ocorre que, na maioria das vezes o conselho de sentença no Tribunal do Júri é composto por pessoas que não possuem conhecimento técnico, onde julgaram conforme os seus sentimentos e sua consciência, votando sem nenhuma justificativa jurídica.

Paulo Rangel (2011) tece criticas a esse sistema de íntima convicção aduzindo que:

Não faz sentido que o poder emane do povo e seja exercido em seu nome, por intermédio dos seus representantes legais, mas quando diretamente o exerça não o justifique para que possa lhe dar transparência. Todos os atos do Poder Judiciário devem ser motivados e o júri não pode fugir dessa responsabilidade ética (RANGEL, 2011, p. 238).

O objetivo é demonstrar que diante de um homicídio passional o Tribunal do Júri possui liberdade para julgar de acordo com sua intima convicção, podendo deixar de condenar o réu absolvendo-o tornando ele inimputável.

Tal fato, na prática não ocorre com muita frequência, nada obsta que possa acontecer, relativizando assim a imputabilidade imposta pelo artigo 28, I, do Código Penal.

Dessa foram, a imputabilidade não pode ser dada como absoluta por ter sido ela imposta em virtude de lei infraconstitucional, em contrapartida a soberania dos veredictos se trata de princípio constitucional, classificado como cláusula pétrea, passível de proteção especial, e que deve prevalecer.

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Sobre a autora
Nara Rubia Gomes Carneiro

Bacharel em direito pela Faculdade de Jussara.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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