Da Promoção por bravura dos Militares no Estado de Goiás (legislação comparada)

Exibindo página 2 de 5
25/05/2017 às 22:34
Leia nesta página:

3. Da apuração do ato de bravura

A legislação vigente estabelece procedimentos diversos para a investigação do ato de bravura.

Para os Oficiais se trata de “ação altamente meritória”, na PMGO, apurada em investigação por comissão designada pelo Comandante-Geral (Lei nº 08.000/75, art. 25, § 1º), sem indicar com se inicia o procedimento, onde entendo prevalecer o art. 5º e 9º da Lei nº 13.800/01. Já no CBMGO, é apurado em investigação sumária, a cargo de um conselho especial designado pelo Governador mediante proposta do Comandante-Geral (Lei nº 11.383/90, art. 16, I).

No tocante aos Praças, a promoção por bravura poderá ser requerida pelo interessado ao seu comandante de Organização Policial Militar (OPM) ou Organização Bombeiro Militar (OBM), cabendo a este determinar a apuração dos fatos através de sindicância (Lei nº 15.704/06, art. 9º, § 2º), valendo destacar decisão da CPP, quanto a essa solicitação de instauração pelo Interessado:

(...) I - Das Preliminares. Apenas para fins didáticos, o Tenente Coronel requisitante, manifestou em seu pedido de abertura do presente procedimento que ao Praça não é dado o direito de pedir a instauração de sindicância para fins promoção por bravura, o que é equivoco porque a lei 15.704/06, em seu art. 9º, § 2º, entrega esse direito à praça e determina no seu artigo 22, § 1º, III, que apenas a CPP faça a avaliação da concessão ou não da bravura. Uma vez o interessado apresentar pedido para ver seus atos analisados pela CPP, não há que haver recusa porque é seu direito legal. (...) (Protocolo CPP-02731-2014, DOPM nº 155/2015)

Desta forma a norma em vigor estabelece a forma como deve ser apurada a promoção por ato de bravura, para os Oficiais da PMGO e CBMGO verifica-se que dada a complexidade da apuração o legislador utilizou as expressões “comissão” e “conselho especial”, o que remete a um colegiado, ou seja, o procedimento quanto aos Oficiais deve ser composto pelo menos por três membros (Presidente, relator e escrivão), situação diferente das Praças que deve ser apurado através de Sindicância com o Encarregado singular, de qualquer forma, deve ser respeitado o devido processo legal, para cada caso.


4. Do procedimento para apuração do ato de bravura.

Superada a fase de instauração do procedimento, este deve respeitar o devido processo legal que no caso do Estado de Goiás é previsto na Lei nº 13.800/01, respeitada a legislação especifica de cada Força.

Durante a instrução, investigação ou avaliação do Ato de Bravura, o Administrador é levado a responder várias perguntas, com o fito de se chegar a um juízo de valoração, afinal, o significado destes termos para a Administração não se trata de ato de escolha (discricionário), mas sim de interpretação/obediência (vinculado) à Lei, que estabelece os requisitos previamente estabelecidos que nada mais são do que as qualidades que devem ser avaliadas nesse procedimento subsumindo o caso concreto a norma.

4.1. Da Instrução do procedimento

Assim, a instrução tem como função principal comprovar os fatos narrados na portaria, averiguar e comprovar se a situação fática subsume a norma legal, juntar provas para que se esclareça os fatos necessários e a convicção da autoridade delegada, o que deve ser feito de forma motivada em seu parecer/relatório de forma clara, explícita e congruente, que quando ausente será fatalmente nula, conforme decisão deste Sodalício:

Agravo Regimental em Apelação Cível. Ação ordinária de anulação de ato administrativo. (...). II - Não concessão de promoção por ato de bravura aos Policiais Militares requerentes/apelantes. Ausência de motivação no ato administrativo impugnado. Nulidade.  Princípio da motivação. Previsão constitucional. Deve ser desconstituído o ato administrativo que não vislumbra ato de bravura desempenhado pelos recorrentes, face a ausência de motivação, por afrontar o artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal. O princípio da motivação das decisões é consectário lógico da garantia do devido processo legal e ampla defesa. (...). (TJGO, APELACAO CIVEL 46156-47.2012.8.09.0051, Rel. DES. CARLOS ALBERTO FRANCA, 2ª CAMARA CIVEL, julgado em 17/03/2015, DJe 1755 de 26/03/2015)

O início da instrução deve proceder ao recebimento dos documentos constantes da portaria de instauração, seguido de um planejamento por parte do sindicante ou da comissão para o início dos trabalhos, o que facilita o andamento do feito, que deve, como dito, seguir o devido processo legal, informando a parte interessada da apuração e início dos trabalhos que estão sendo realizados para que possa contraditar, solicitar diligencia e participar em homenagem ao devido processo legal, no sentido de facilitar o trabalho do encarregado visando a apuração dos fatos e a busca da verdade, ainda, por ser ainda seu direito.

4.1.1. Dos questionamentos que devem ser elucidados para apurar a bravura

Para facilitar o planejamento dos trabalhos e a eficiência na investigação, existe uma ferramenta clássica que é conhecida como o Heptâmetro de Quintiliano, que propõe sete perguntas, que, uma vez respondidas, evidenciam algo como factual, sendo estas: Quem? O quê? Quando? Onde? Como? Com que auxílio?

Aplicando esse princípio ao esclarecimento do ato de bravura, a fim de facilitar o trabalho exegético elencamos algumas perguntas, sendo suas respostas o caminho para a subsunção do fato à norma, para verificar se a ação praticada pelo Sindicado se enquadra nos requisitos objetivos estabelecidos pela Lei.

Nesse sentido a Procuradoria Geral do Estado (PGE) através do Processo nº 201500003004899, emite o Parecer nº 4020/2015, onde estabelece requisitos para a configuração do ato de bravura, que dependerá simultaneamente da constatação inequívoca das seguintes características envolvendo a ação do policial ou bombeiro:

7. Desse modo, a configuração do ato como ato de bravura dependerá simultaneamente da constatação inequívoca das seguintes características envolvendo a ação do policial ou bombeiro atuante na situação que a demanda:

Que tenha conhecimento do risco envolvido na operação;

Que a sua atuação seja qualificável pelo senso comum como corajosa e audaciosa;

Que a sua atuação ultrapasse os limites normais do cumprimento do seu dever; e

Que se demonstre indispensável ou útil para a operação de que participou.

Lembrando que o Parecer da PGE não é vinculativo, mas serve como parâmetro, que pode facilitar o trabalho dos envolvidos na apuração.

Conforme demonstrado somente quando recolhidas as respostas a estes questionamentos e as suas respectivas provas, está o Administrador apto e autorizado a formar um convencimento (Juízo de Valor) devidamente motivado.

Ressaltando que o Sindicado não deve preencher todos os requisitos elencados na norma para concessão por ato de bravura, basta que ocorra na pratica ato ou atos incomuns de coragem e audácia e o preenchimento de qualquer um dos demais requisitos no caso concreto para fazer jus a promoção por ato de bravura, vez que a regra traz duas conjunções: Conjunção alternativa “ou”, o que proporciona uma escolha e Conjunção subordinativa condicional “se”, que estabelece um sentido, uma condição, o que será debatido pormenorizadamente adiante.

4.2. Do termino da instrução do procedimento

O devido processo legal estabelece que o Interessado na fase instrutória e antes da tomada de decisão possa juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias, bem como aduzir alegações referentes à matéria objeto do processo (art. 38, Lei nº 13.800/01), sendo que os elementos probatórios deverão ser considerados na motivação do relatório e da decisão (art. 38, § 1º, Lei nº 13.800/01), sendo ausente de motivação será o ato nulo, ou com recurso ao Poder Judiciário para avaliar a legalidade do feito.

Assim, ao final dos trabalhos do procedimento encerra-se a instrução, com termo de encerramento e lavra-se relatório ou parecer do encarregado/comissão, com base nas provas juntadas aos autos. Com base no conjunto dos autos e no parecer do encarregado/comissão, a Autoridade Delegante emite sua decisão ou solução, devidamente motivado nesses elementos probantes, pois, de nada adiantaria todo o processo legal e atuação do administrado/interessado se tais elementos não forem considerados na motivação do Relatório/Parecer e na Decisão/Solução, de outra forma, não atendendo a essa exigência legal, devem os atos serem sanados ou anulados, segundo art. 53 da Portaria nº 6947/15:

Art. 53. Havendo necessidade de novas diligências, a autoridade delegante lançará despacho de saneamento, em que descreverá as diligências imprescindíveis à solução da demanda.

Parágrafo único. Nesse caso, o sindicante deverá lavrar parecer complementar sobre as diligências realizadas e sua convicção.

Em caso de desídia do envolvidos na apuração, devem os atos serem sanados ou anulados, devendo responder os responsáveis por suas irresponsabilidades/omissões/negligencias, conforme o caso concreto.

Perceba que o procedimento possui três fases distintas, a primeira é a instauração, através da Portaria, que dá publicidade ao ato e que delega poderes ao responsável ou comissão encarregados da apuração, em seguida a instrução, que permite os atos procedimentais dentro do devido processo legal, reunindo os elementos probatórios, defesa e o relatório da Autoridade Delegada, finalmente o julgamento ou solução pela Autoridade Delegante, conforme doutrina majoritária com base no art. 151 da Lei nº 08.112/90:

Art. 151.  O processo disciplinar se desenvolve nas seguintes fases:

I - instauração, com a publicação do ato que constituir a comissão;

II - inquérito administrativo, que compreende instrução, defesa e relatório;

III - julgamento.

Previsão similar do art. 45 da Lei nº 13.800/01, onde a autoridade encarregada da instrução do procedimento que não for competente para emitir a decisão final elaborará relatório indicando o pedido inicial, o conteúdo das fases do procedimento e formulará proposta de decisão, objetivamente justificada, e encaminhará o processo à autoridade competente para a decisão.

4.3. Do julgamento pela Autoridade Delegada – Sindicante/Encarregado (Parecer)

O Relatório/Parecer deve trazer de forma resumida as principais peças constantes dos autos (testemunhas, diligências, documentos), motivando de forma explícita, clara e congruente a sua convicção que deve retratar fielmente o teor das provas colhidas, as teses e os argumentos apresentados pela defesa (se houver), concluindo pela pratica ou não de ato de bravura, com seu respectivo embasamento legal, conforme determina o art. 46 da Portaria nº 6947/15:

Art. 46. O sindicante deverá elaborar parecer, o qual conterá o relatório das diligências realizadas durante a instrução, e o dispositivo em que indicará, de forma fundamentada, se o sindicado incorreu em transgressão disciplinar e/ou crime militar ou comum.

Neste caso sendo a sindicância de natureza meritória (ato de bravura), devera conforme reza o art. 54 da Portaria nº 6947/15, ser solucionada pela autoridade delegante, da seguinte forma:

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Art. 54. A sindicância de natureza meritória deverá ser solucionada pela autoridade delegante, conforme prescreve o artigo 48 da presente norma, sem, contudo, emitir juízo de valor, e encaminhá-la à comissão de promoção de oficiais (CPO), comissão de promoção de praças (CPP) ou para a comissão permanente de medalhas (CPM), para a devida apreciação.

Determinação administrativa que teimo em discordar, quanto a não emissão de juízo de valor pela Autoridade Delegante, pelo simples fato da presente norma ser editada por Portaria, e confrontar diretamente com o texto da Lei nº 13.800/01, que determina que o encarregado encaminhará o processo à autoridade competente para a decisão, nos seguintes termos:

Art. 47 – A autoridade encarregada da instrução do procedimento que não for competente para emitir a decisão final elaborará relatório indicando o pedido inicial, o conteúdo das fases do procedimento e formulará proposta de decisão, objetivamente justificada, e encaminhará o processo à autoridade competente para a decisão.

Conforme exposto a lei determina que o processo será encaminhado à autoridade competente para decisão, onde não cabe qualquer outra interpretação ou edição de norma inferior pela PMGO, sendo tal artigo nulo, por ir contra a expressa disposição de lei.

Estando o art. 46 da Portaria em consonância com o art. 47 da Lei, que define a última fase do procedimento, que é a confecção do parecer por parte da autoridade delegada (encarregado), neste caso, deve de forma fundamentada apontar se o Sindicado incorreu em ato de bravura, devendo elaborar Relatório/Parecer, que conterá:

1. Indicação do pedido inicial;

2. As diligências realizadas, com seus respectivos conteúdos: Oitiva de testemunhas; Diligências realizadas; Documentos de oficio ou fornecidos pelas partes;

3. Dispositivo (Parecer) em que indicará, de forma motivada e fundamentada:

3.1. da negativa ou impossibilidade da realização de diligências solicitadas;

3.2. resumo da defesa apresentada;

3.3. legalidade e outras providencias tomadas;

3.4. proposta de decisão, que deverá demonstrar o convencimento da autoridade delegada, de forma clara, objetiva e motivada, com base nos autos e nas provas colacionadas, se o sindicado faz jus a promoção por ato de bravura.

3.5. Após a confecção do parecer encaminha os autos a autoridade delegante para decisão, de forma clara, objetiva e motivada, se concorda ou discorda o Parecer apresentado.

4.4. Do julgamento do procedimento pela Autoridade Delegante (Solução)

A Autoridade Delegada após a conclusão de seu Relatório/Parecer, remeterá os autos à Autoridade Delegante que emitirá Decisão/Solução da sindicância tendo como referência a documentação encaminhada pelo Sindicante, conforme arts. 47 e 48 da Portaria nº 6947/15:

Art. 47. A autoridade delegante solucionará a sindicância, tendo como referência o parecer do sindicante, ao qual não estará vinculado.

Art. 48. A autoridade delegante proferirá sua decisão de forma clara e concisa, a qual conterá:

I - O relatório, que descreverá toda a instrução, os argumentos da defesa e o parecer do sindicante;

II - Os fundamentos, em que a autoridade delegante analisará as questões de fato e de direito; e

III - O dispositivo, em que a autoridade delegante preferirá sua conclusão, indicando as medidas disciplinares e administrativas.

Assim, é certo que a Autoridade Delegante tem como referência o parecer do sindicante, mas não está a este vinculada, que é apresentado ao final dos trabalhos realizados na Sindicância. No entanto, se as conclusões do Parecer se encontrem em harmonia com as provas colhidas durante a instrução da Sindicância, mostra-se prudente o seu acolhimento, a fim de ser evitado um arbítrio e abuso, neste caso, relevante consignar a lição de José Armando da Costa, in Processo Administrativo Disciplinar. Teoria e Prática. Forense, 6ª ed., Rio de Janeiro, 2010, p. 327:

“Da mesma forma que ocorre no âmbito do processo disciplinar, a autoridade julgadora deverá, em princípio, acatar as conclusões do sindicante ou da comissão sindicante. Contudo, pode e deve a autoridade julgadora decidir diferentemente, quando as deduções contidas no relatório da sindicância contrariarem as provas dos autos. Em face de tais desencontros, deve a autoridade julgadora, em articulação fundamentada, decidir em desacordo com tal relatório”.

Essa decisão deve estar em conexão com os autos, conforme a ensina Hely Lopes Meirelles, em sua obra Direito Administrativo Brasileiro.  São Paulo: Malheiros, 2003. p. 663:

“O essencial é que a decisão seja motivada com base na acusação, na defesa e na prova, não sendo lícito a autoridade julgadora argumentar com fatos estranhos ao processo ou silenciar sobre razões do acusado, porque isto equivale a cerceamento de defesa e conduzirá à nulidade do julgamento, que não é discricionário, mas vinculado ao devido processo legal.” (negritei)

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Rogerio Goulart

Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Uni-Anhanguera em Goiânia Goiás. Estudioso, pesquisador e escritor sobre Direito Administrativo Militar

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos