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Da constitucionalidade da tributação operada por via de contribuições

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É notório, até para o brasileiro mais desinformado, que a cada ano pagamos cada vez mais tributos. Nos últimos 12 anos operou-se no Sistema Tributário Nacional uma verdadeira revolução, que paulatinamente e sem muito alarde vem modificando a participação dos tributos federais no contexto nacional.

SUMÁRIO: 1) Introdução ; 2) Da Natureza Jurídica das Contribuições; 3) Dos Princípios Constitucionais tributários relevantes para as Contribuições; 4) Da Constitucionalidade das Contribuições segundo o STF; 5) Das Conclusões


1) INTRODUÇÃO

É tema recorrente na mídia nacional que a carga tributária brasileira é uma das maiores do mundo. É notório, até para o brasileiro mais desinformado, que a cada ano pagamos cada vez mais tributos.

Contudo, nos últimos 12 anos operou-se no Sistema Tributário Nacional uma verdadeira revolução, que paulatinamente e sem muito alarde vem modificando a participação dos tributos federais no contexto nacional.

Vejamos então o quadro abaixo que demonstra a evolução da arrecadação nos anos de 1992, 2002 e nos meses de janeiro a maio de 2004 e cuja fonte é a própria Receita Federal, que disponibiliza aos cidadãos os dados sobre a arrecadação dos tributos federais :

RECEITAS EM MILHÔES DE R$ / ANO

1992

%

2002

%

2004*

% *

IMPOSTO SOBRE IMPORTAÇÃO

1.597

3,66%

7.970

3,28%

3.351

2,63%

I.P.I-TOTAL

8.450

19,36%

19.798

8,15%

8.619

6,78%

I.P.I-FUMO

1.554

3,56%

1.923

0,79%

933

0,73%

I.P.I-BEBIDAS

915

2,10%

1.795

0,74%

830

0,65%

I.P.I-AUTOMÓVEIS

726

1,66%

2.664

1,10%

1.126

0,89%

I.P.I-VINCULADO À IMPORTAÇÃO

637

1,46%

4.888

2,01%

1.904

1,50%

I.P.I-OUTROS

4.618

10,58%

8.528

3,51%

3.826

3,01%

IMPOSTO SOBRE A RENDA-TOTAL

13.698

31,38%

85.802

35,31%

42.699

33,57%

I.RENDA-PESSOA FÍSICA

727

1,67%

4.461

1,84%

2.959

2,33%

I.RENDA-PESSOA JURÍDICA

4.896

11,22%

33.893

13,95%

17.105

13,45%

I.RENDA- ENTIDADES FINANCEIRAS

0

0,00%

0

0,00%

3.754

2,95%

I.RENDA- DEMAIS EMPRESAS

0

0,00%

0

0,00%

13.351

10,50%

I.RENDA-RETIDO NA FONTE

8.074

18,50%

47.448

19,53%

22.635

17,80%

I.R.R.F-RENDIMENTOS DO TRABALHO

3.915

8,97%

22.479

9,25%

11.869

9,33%

I.R.R.F-RENDIMENTOS DE CAPITAL

3.157

7,23%

16.361

6,73%

7.414

5,83%

I.R.R.F-REMESSAS PARA O EXTERIOR

445

1,02%

5.371

2,21%

2.071

1,63%

I.R.R.F-OUTROS RENDIMENTOS

558

1,28%

3.237

1,33%

1.282

1,01%

IOF - I. S/ OPERAÇÕES FINANCEIRAS

2.363

5,41%

4.023

1,66%

2.049

1,61%

ITR - I. TERRITORIAL RURAL

18

0,04%

245

0,10%

38

0,03%

IPMF/COMF

0

0,00%

20.368

8,38%

10.231

8,04%

FINSOCIAL/COFINS

3.590

8,22%

52.266

21,51%

29.136

22,91%

CONTRIBUIÇÃO PARA O PIS/PASEP

4.086

9,36%

12.870

5,30%

7.716

6,07%

CSLL

2.292

5,25%

13.363

5,50%

8.504

6,69%

CIDE-COMBUSTÍVEIS

0

0,00%

7.241

2,98%

3.274

2,57%

CONTRIB PLANO SEGUR.SOCIAL SERVIDORES

0

0,00%

4.424

1,82%

0

0,00%

CONTRIBUIÇÃO PARA O FUNDAF

423

0,97%

339

0,14%

115

0,09%

OUTRAS RECEITAS ADMINISTRADAS

69

0,16%

2.649

1,09%

1.162

0,91%

SUBTOTAL [A]

36.585

83,82%

231.358

95,21%

116.894

91,91%

REFIS [B]

0

0,00%

1.353

0,56%

297

0,23%

PAES [C]

0

0,00%

0

0,00%

1.116

0,88%

RET.FONTE PIS/COFINS CSLL LEI 10.833

0

0,00%

0

0,00%

1.204

0,95%

RECEITA ADMINISTRADA PELA SRF[C]=[A]+[B]

36.585

83,82%

232.711

95,76%

119.510

93,97%

DEMAIS RECEITAS [D]

7.064

16,18%

10.294

4,24%

7.668

6,03%

TOTAL GERAL DAS RECEITAS [E]=[C]+[D]

43.649

243.005

127.178

Fonte : Receita Federal * Janeiro a Maio de 2004

Analisando os números apresentados, podemos observar uma crescente participação das contribuições em relação ao total arrecadado pela União, em detrimento de outros tributos.

Tomemos como exemplo o Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, cuja participação no total geral a arrecadação passou de 19,36 % em 1992 para 8,15 % em 2002 e 6,78 % nos primeiros cinco meses de 2004.

Por outro lado devemos observar a evolução da participação da contribuição denominada FINSOCIAL que foi sucedida pela COFINS, que passou de 8,22 % em 1992 para 21,51 % em 2002, atingindo 22,91 % nos primeiros cinco meses de 2004.

Da mesma forma a Contribuição sobre a Intervenção no Domínio Econômico, também conhecida com CIDE-Combustíveis, que inexistia em 1992, no ano de 2002 respondia por 2,98 % da arrecadação de tributos federais, tendo sofrido uma pequena redução para 2,57 % da arrecadação no ano de 2004.

Os exemplos citados ilustram bem o fenômeno ocorrido ao longo dos últimos 12 anos, qual seja, a crescente participação das contribuições em relação ao total da arrecadação dos tributos federais, com inúmeras repercussões sobre a estrutura jurídico-social-econômica do Brasil, podendo inclusive afetar o que se costumou definir como pacto federativo, ou seja, o equilíbrio na coexistência entre os diversos membros da federação brasileira.

Contudo esta situação não esta restrita ao âmbito federal, diversos municípios vem sistematicamente criando novas contribuições, como fonte de recursos para a consecução de fins públicos, tendo muitas delas sido afastadas pelo judiciário.

Por outro lado, a Emenda Constitucional 39 de 19/12/2002, acrescentou o artigo 149-A à Constituição, estabelecendo a competência para os municípios cobrarem contribuição para o custeio do serviço de iluminação pública.

Constatado o fenômeno, resta-nos estuda-lo sob o aspecto jurídico, buscando determinar se é constitucionalmente correto estabelecer os alicerces do Sistema Tributário Nacional na arrecadação de contribuições.

No item 2 estudaremos a natureza jurídica das contribuições, seus aspectos tributários.

No item 3 estudaremos alguns princípios constitucionais que diferem as contribuições dos demais tributos, em especial anterioridade e a indivisibilidade do produto de sua arrecadação.

No item 4 teceremos breves comentários sobre como os tribunais superiores brasileiros têm se manifestado em relação à constitucionalidade das contribuições.

No item 5 teceremos comentários quanto a constitucionalidade da tributação através de contribuições.


2) DA NATUREZA JURÍDICA DAS CONTRIBUIÇÕES

A natureza jurídica das contribuições sempre gerou grande divergência na doutrina.

Inicialmente houve grande discussão se as contribuições possuíam natureza tributária.

Porém, com o advento da constituição de 1988, o legislador constitucional, no Capítulo I do Título VI que trata do Sistema Tributário Nacional, definiu a competência para a instituição das contribuições, tornando quase unanimidade que não se poderia afastar sua natureza tributária.

Continuou porém existindo discenso em relação a que espécie de tributo as contribuições seriam, havendo aqueles que entendem se tratar de tributos que oscilam entre taxas e impostos, não sendo propriamente uma espécie autônoma de tributo.

Outros doutrinadores, porém entendem que as contribuições possuem especificidade e características de tal ordem que na verdade se constituem uma espécie distinta de tributo.

Defendendo a primeiro entendimento podemos encontrar Ruy Barbosa Nogueira [1] e Aliomar Baleeiro [2], para quem:

A ´´parafiscalidade´´ contém algo novo e inconfundível como instituto fiscal e categoria financeira, ou, afinal, não passa de uma palavra, sem dúvida cômoda, para distinguir pela delegação um tributo que se diferencia dos demais apenas pelo destino especial de sua arrecadação e pela técnica desta ? (...) O chamado problema da parafiscalidade, a despeito dos estudos acima indicados, ainda não se libertou dessas dúvidas iniciais. O artigo de Merigot e as notas de Laufenburger, a propósito da réplica de Morselli, indicam que, se a palavra foi feliz, o conceito por ela fixado não vem obtendo recepção encorajadora do ponto de vista teórico. (...) A delegação do poder fiscal e a destinação específica do tributo, pois, como já observou Merigot, não bastam por si só para assegurar à parafiscalidade qualidades distintivas, que a diferenciam dos impostos e taxas. (...) Visto sumariamente o conceito de parafiscalidade, parece-nos que ela, teoricamente, em que pese a douta opinião do Prof. Morselli, não oferece fisionomia distinta daquela que identifica os tributos em geral, pois a delegação e a aplicação especial são aspectos meramente técnicos"

Em relação ao segundo entendimento encontramos Hugo de Brito Machado [3] que bem observa :

"Não obstante as dificuldades que se apresentam na definição dos elementos que identificam a contribuição como espécie de tributo, é praticamente unânime a doutrina ao afirmar que o elemento relevante nesta identificação é a finalidade"

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No mesmo sentido se manifesta Eduardo Secchi Munhoz [4] :

"A maior dificuldade está, porém, em identificar as notas distintivas das contribuições, isto é, o que as faria diferentes dos impostos e das taxas. A posição dominante é no sentido de caracterizar a hipótese de incidência da contribuição, apontando uma atividade estatal destinada ao interesse geral da coletividade, mas que oferece uma vantagem individual a determinado grupo de contribuintes."

Neste momento, se faz necessário, mesmo que rapidamente, conceituar as espécies de tributos definidas na legislação, quais sejam, o imposto, a taxa e a contribuição de melhoria.

De acordo com o artigo 16 do Código Tributário Nacional, imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte, ou seja, ocorrendo a hipótese definida em lei, nasce a obrigação tributária sem que haja nexo com uma atividade estatal, sendo vedada a vinculação entre sua arrecadação e uma finalidade específica.

Os impostos estão expressamente definidos na Constituição Federal de 1988 no capítulo do Sistema Tributário Nacional, estando ainda determinadas as competências para institui-los e as eventuais divisões do produto da arrecadação com os demais entes da federação.

As taxas, por outro lado, são tributos cujo núcleo é a retribuição por um serviço prestado ou disponibilizado pelo Estado, não podendo guardar relação ou vinculo com os impostos. Contudo não possuem competências definidas na constituição, podendo ser cobradas pela União, pelos Estados membros e pelos Municípios.

A contribuição de melhoria é sem dúvida, a espécie de tributo mais pontual e determinada, sua cobrança tem como pano de fundo uma obra pública, cuja execução gerou valorização dos imóveis circunvizinhos.

Na verdade busca-se impedir o enriquecimento sem causa do particular em função da execução de uma obra publica.

Como afirmado anteriormente, a principal característica das contribuições é a finalidade para a qual a mesma foi instituída, ou seja, um fim público almejado.

Assim as contribuições não podem ser impostos, pois uma das característica deste último tributo é a impossibilidade de vinculação do produto de sua arrecadação com o uma finalidade determinada.

Da mesma forma, não podem as contribuições serem consideradas taxas, por não remunerarem serviços cobrados ou disponibilizados aos contribuintes. Esta afirmação persiste mesmo que considerarmos as contribuições vinculadas à seguridade, na qual não existe relação direta entre o contribuinte e o benefício.

Para Eduardo Secchi Munhoz [5]:

"Assim como a taxa, a contribuição seria um tributo vinculado a uma determinada atividade estatal, mas se diferenciaria desta porque exigiria a obtenção de um benefício, uma vantagem especial ao indivíduo, pelo motivo deste pertencer a um determinado grupo social, ou estar em uma determinada situação."

Não podem ainda, as contribuições em geral, serem consideradas como contribuição de melhoria, pois neste caso falta o núcleo para a sua cobrança, qual seja, a valorização de imóvel ocasionada pela execução de obra pública em sua proximidade.

Nosso entendimento, face ao que expusemos anteriormente, é que as contribuições possuem cunho eminentemente tributário, cujo núcleo é a arrecadação para o cumprimento de determinada finalidade definida pelo ente estatal que a instituir.

A arrecadação, pode contudo, ser efetuada diretamente pelo ente estatal ou indiretamente através de suas autarquias.

As contribuições por sua vez, admitem classificação, sendo a que reputamos bem elucidativa, a que é atribuída a Misabel Abreu Machado Derzi [6], que as dividiu em :

a)Contribuições Sociais, tais como COFINS e PIS, CPMF; CSL

b)Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, como AFRMM. CIDE

c)Corporativas, tais como OAB, CRM, CRC etc.

Apresentamos ao final do presente trabalho um quadro inspirado nesta classificação elaborada por Aldemário Araujo de Castro [7].

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Sobre o autor
Aloisio José Alves de Oliveira

Advogado ,especializando em Direito Empresarial na Universidade Mackenzie – SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Aloisio José Alves. Da constitucionalidade da tributação operada por via de contribuições. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 463, 13 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5807. Acesso em: 19 abr. 2024.

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