Capa da publicação Estabilidade como garantia da impessoalidade (e da preclusão temporal para avaliação do servidor)
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Do direito à estabilidade como garantia constitucional da impessoalidade administrativa.

E da preclusão temporal para a avaliação do servidor por parte da Administração

29/05/2017 às 13:58
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A Administração está obrigada a proceder ao exame do servidor dentro do prazo de três anos (ou dois anos para magistrados e membros do Ministério Público), sob pena de preclusão por decurso de tempo.

A estabilidade é a garantia de permanência no serviço público outorgada ao servidor que preencher os requisitos necessários previstos em lei. É instituto alçado a patamar constitucional (art. 41 da CF/88) que tem por objetivo propiciar, ao ocupante de cargo público de provimento efetivo, as condições necessárias para o regular desempenho de suas atribuições, sem ingerências de natureza política ou pressões de grupos econômicos. Busca-se, desta forma, evitar qualquer tipo de coação que possa afastar o servidor público da necessária observância ao princípio da impessoalidade que rege a Administração Pública.

Semelhante garantia também foi concedida aos juízes e aos membros do Ministério Público − sendo chamada, nestes casos, de vitaliciedade (art. 95, inciso I, da CF/88) −, os quais, por força de se submeterem a maiores pressões, possuem, ainda, as prerrogativas constitucionais da inamovibilidade e da irredutibilidade de subsídio (art. 95, incisos II e III, da CF/88).

Ambas (estabilidade e vitaliciedade) são, portanto, garantias contra possíveis arbitrariedades do Estado (e de seus administradores), de sorte que tanto o servidor público quanto o juiz e o membro do Ministério Público possam desempenhar as respectivas funções públicas com relativa independência.

Registre-se que, embora pertencentes a um mesmo gênero, vitaliciedade e estabilidade diferem em alguns pontos. A começar pelo prazo constitucionalmente previsto para a aquisição de cada uma delas. Enquanto para a estabilidade se requer o decurso do prazo de três anos de efetivo exercício no cargo, para a vitaliciedade se requer o decurso de apenas dois anos. Além disso, os detentores da vitaliciedade (magistrados e membros do Ministério Público) somente podem vir a experimentar a perda do cargo por força de sentença judicial transitada em julgado. Já o servidor estável pode ter seu vínculo funcional rompido nas seguintes hipóteses: i) sentença judicial transitada em julgado; ii) processo administrativo com ampla defesa; iii) reprovação em avaliação periódica de desempenho, assegurada a ampla defesa; iv) excesso de despesa com pagamento de pessoal, nos termos do que dispõe o art. 169, §4º, da CF/88.

A par das distinções apontadas, importa reconhecer que a estabilidade, assim como a vitaliciedade, se constituem em garantias não apenas para o próprio servidor público, mas também para a Administração Pública e, em última análise, para toda a sociedade, na medida em que asseguram a autonomia, a impessoalidade e a imparcialidade na atuação funcional destes agentes públicos.

Relativamente à estabilidade no serviço público, convém ressaltar que a aquisição de tal garantia depende do preenchimento, pelo servidor, de determinados requisitos, quais sejam a aprovação em concurso público, a nomeação para cargo de provimento efetivo, o exercício das funções pelo prazo de três anos e a avaliação especial de desempenho por comissão instituída para essa finalidade (art. 41, §4º, da CF/88, incluído pela EC 19/1998).

Depois de longos debates doutrinários e jurisprudenciais, o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que o prazo de estágio probatório dos servidores públicos deve observar a alteração promovida pela EC 19/1998, que aumentou para três anos o lapso temporal para aquisição da estabilidade no serviço público, tendo em vista que, embora reconhecida a distinção entre os institutos da estabilidade e do estágio probatório, não há como negar que ambos se encontram associados de modo intrínseco (MS 12.523/DF, Rel. Ministro FELIX FISCHER, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2009, DJe 18/08/2009).

Consequentemente, para definir o momento em que o servidor deve ter o seu desempenho avaliado por uma comissão, com o propósito de adquirir a garantia da estabilidade, há que se conjugar o disposto no art. 41, caput e §4º, da CF/88, com o que estabelece o art. 20, §1º, da Lei nº 8.112/90, que dispõe sobre o estágio probatório para os servidores públicos federais. Ao assim proceder, nos deparamos com a inquestionável conclusão de que a avaliação de desempenho realizada pela comissão deve ser concluída e submetida à homologação da autoridade competente, necessariamente, no prazo de até quatro meses antes do decurso temporal de três anos de exercício.

A jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça, entretanto, vem evoluindo e se posicionando (data maxima venia em direção oposta aos verdadeiros interesses da Administração Pública),- em contrariedade à sua própria e anterior orientação -, no sentido de que a aquisição da estabilidade depende do implemento cumulativo, e independente, de dois fatores: o decurso temporal de três anos no cargo e a aprovação na avaliação especial de desempenho ao final do estágio probatório, "ainda que esta venha a ser efetivada em momento posterior aos prazos fixados pelos normativos aplicáveis" (REsp 1442020/PB, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 11/02/2016).

Essa interpretação jurisprudencial exsurge da imposição constitucional de avaliação especial de desempenho por comissão instituída para esta finalidade como condição obrigatória para a aquisição da estabilidade. Em decorrência deste caráter cogente, diz-se que a Administração Pública tem o amplo (e, de uma certa forma, na prática cotidiana, ilimitado) poder-dever de realizar a avaliação do servidor, que dela não pode ser liberado ou dispensado.

Essa fundamentação, embora absolutamente correta, não deve conduzir, todavia, à absurda conclusão de não preclusão do respectivo ato administrativo. Ao contrário, precisamente em razão de se constituir um poder-dever da Administração Pública, esta não pode deixar de observá-lo, descumprindo imposição constitucional, ou mesmo a cumprindo a destempo, posto que, se assim fosse, estaríamos diante de mera liberalidade ou, muito pior, de arbitrariedade do Estado, através do afastamento efetivo do binômio que umbilicalmente associa o poder estatal ao correspondente dever de utilizá-lo, tempestivamente, nos exatos limites da lei e de sua correta (e técnica) interpretação.

Se assim não fosse, restaria possível, por exemplo, o absurdo de um servidor público que, após mais de trinta anos de efetivo exercício no cargo, vir a ser submetido à avaliação de desempenho prevista no art. 41, §4º, da CF/88, e poder, através da mesma, ser reprovado e, consequentemente, exonerado às vésperas de sua aposentadoria. Simplesmente não haveria, na prática, a garantia da estabilidade e, por conseguinte, a realização última da vontade popular expressa na Carta Magna.

Em outras palavras, seria possível à Administração (leia-se grupos que estivessem no poder na Administração e que defendessem certa política e/ou ideologia em oposição àquela defendida pelo servidor) formar uma comissão, a qualquer momento após o decurso do prazo de três anos de exercício, com o propósito (ainda que velado e dissimulado) de examinar determinado servidor e, eventualmente, reprová-lo e demiti-lo. Seria, em última instância, um verdadeiro contrassenso e uma efetiva afronta à garantia constitucional da estabilidade.

Aliás, se tomarmos por empréstimo, das lições de hermenêutica jurídica, a máxima segundo a qual toda a interpretação que conduza a um resultado absurdo deve ser, de imediato, descartada, semelhante conclusão se apresentaria com a mais cristalina lucidez.

No caso dos servidores públicos que se qualificam como docentes do ensino público superior, em particular, mormente por se tratarem de verdadeiros "formadores de opinião", são por demais conhecidas as indisfarçáveis pressões políticas a que os mesmos estão submetidos, inclusive por meio da formação de grupos políticos dominantes nas Universidades Públicas, nas quais são igualmente conhecidas, infelizmente, as eventuais "montagens" de bancas examinadoras, tanto para a aprovação de candidatos já previamente "escolhidos" em concursos públicos, quanto para a composição de comissão de avaliação de desempenho, quando, por qualquer motivo, não tenha sido possível, na primeira hipótese, a "escolha" do candidato ou quando o candidato "escolhido" não tenha se comportado politicamente como esperado ou não tenha se "adequado" aos ditames impostos pelos grupos políticos dominantes.

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De tão comum essa sorte de arbitrariedade, que revelam-se incontáveis os registros de bancas examinadoras para a avaliação de desempenho de profissionais de uma determinada área de conhecimento por outros de áreas supostamente afins, como os casos já apresentados ao Judiciário em que médicos, em Faculdades de Medicina, são avaliados por bancas compostas, em sua maioria, por outros profissionais de saúde (terapeutas, psicólogos, nutricionistas), ou de engenheiros civis, em Faculdades de Engenharia, que são avaliados por arquitetos e agrônomos, como se fosse possível, em uma banca de exame de juízes, em analogia, se ter sociólogos, filósofos e outros profissionais de ciências humanas.

Tanto é assim que a Lei nº 12.772/2012 buscou coibir essa e outras (reconhecidas) práticas indesejadas, prevendo que a comissão especial de concurso para o Magistério Superior seja composta, no mínimo, por 75% de profissionais externos à Instituição de Ensino (art. 9º, §3º, da Lei nº 12.772/2012), mesmo sem expressamente prever a exigência da composição da banca exclusivamente por profissionais equivalentes (rigorosamente da mesma área específica de conhecimento) e de maior grau acadêmico (muitas vezes, o examinando possui, por absurdo, grau acadêmico ou profissional superior ao examinador), por se tratar de evidente exigência deduzível da própria legislação em vigor. Ainda assim, subsiste a possibilidade de "montagens de bancas internas" por ocasião da avaliação especial de desempenho do docente em estágio probatório, tendo em vista que a Comissão de Avaliação de Desempenho será "composta de docentes estáveis, com representações da unidade acadêmica de exercício do docente avaliado e do Colegiado do Curso no qual o docente ministra o maior número de aulas" (art. 23, Parágrafo único, da Lei nº 12.772/2012).

Por essa sorte de razões, cada vez mais comum a atuação do Poder Judiciário para coibir esse conjunto de irregularidades, não somente na realização de concursos públicos, mas, também, na avaliação de desempenho em estágio probatório, merecendo destaque o julgamento, pelo Superior Tribunal de Justiça, do REsp nº 550.717/CE, da relatoria do eminente Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, que, elucidativamente, pontuou a sinérgica e insuperável necessidade de conclusão, em tempo hábil, da avaliação do servidor em estágio probatório, sob pena de preclusão do ato de exoneração com base no resultado dessa avaliação intempestiva (REsp 550.717/CE, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Quinta Turma, julgado em 07/11/2006, DJ 27/11/2006, p. 305).

Entretanto, na contramão de todos os esforços, data maxima venia, a mais recente orientação da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria manifesta-se no sentido de conferir ampla e irrestrita possibilidade de se impedir a aquisição da garantia da estabilidade, tendo em vista o posicionamento firmado pela não preclusão temporal do poder-dever de avaliar o desempenho do servidor, somado ao reconhecimento da total desnecessidade de a Administração instituir a comissão avaliadora no momento oportuno, podendo fazê-lo a destempo (e a seu alvitre), o que permite conduzir a uma perigosa fronteira do arbítrio.

Resta registrar, em tom sublime, por conseguinte, que a única conclusão possível, na esteira do próprio e anterior entendimento sufragado pelo STJ, é que a Administração está irremediavelmente vinculada a proceder ao exame do servidor dentro do prazo de três anos (ou dois anos para magistrados e membros do Ministério Público), precluindo para aquela, por decurso de tempo, a possibilidade de fazê-lo, quando de sua eventual (e condenável) inércia (e desídia), assegurando, automaticamente, por consequência lógica, a estabilidade do servidor público ou a vitaliciedade dos juízes e membros do Ministério Público.

Neste sentido, vale consignar, - em tom de necessário destaque -, que não se trata, como pode parecer prima facie, de entendimento contrário aos interesses da Administração, mas sim, em sentido diametralmente oposto, de medida amplamente protetiva aos princípios da eficiência e da impessoalidade administrativas, na exata medida que combate os eventuais grupos que buscam estabelecer verdadeiros feudos no âmbito dos diversos órgãos e instituições da Administração Pública, notadamente nas Autarquias e Fundações Públicas Universitárias.

Rogamos, portanto, ao Superior Tribunal de Justiça, e, em especial, aos seus ilustres membros, que reflitam sobre as drásticas consequências práticas desse novo entendimento sobre o tema, para que possamos resgatar os necessários instrumentos judiciários com o objetivo último de prover a efetiva (e sempre almejada) justiça.

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Sobre o autor
Reis Friede

Desembargador Federal, Presidente do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (biênio 2019/21), Mestre e Doutor em Direito e Professor Adjunto da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Graduação em Engenharia pela Universidade Santa Úrsula (1991), graduação em Ciências Econômicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1985), graduação em Administração - Faculdades Integradas Cândido Mendes - Ipanema (1991), graduação em Direito pela Faculdade de Direito Cândido Mendes - Ipanema (1982), graduação em Arquitetura pela Universidade Santa Úrsula (1982), mestrado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (1989) e doutorado em Direito Político pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1991). Atualmente é professor permanente do Programa de Mestrado em Desenvolvimento Local - MDL do Centro Universitário Augusto Motta - UNISUAM, professor conferencista da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, professor emérito da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. Diretor do Centro Cultural da Justiça Federal (CCJF). Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 2ª Região -, atuando principalmente nos seguintes temas: estado, soberania, defesa, CT&I, processo e meio ambiente.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FRIEDE, Reis. Do direito à estabilidade como garantia constitucional da impessoalidade administrativa.: E da preclusão temporal para a avaliação do servidor por parte da Administração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5080, 29 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58095. Acesso em: 25 abr. 2024.

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