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As licitações internacionais brasileiras e a OMC

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26/10/2004 às 00:00
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Enquanto a lei brasileira busca tornar a licitação uma política pública macroeconômica para um melhor controle de mercado e proteção do mesmo; o GPA prevê a possibilidade de envolver a licitação no âmbito da OMC, por ser este o último bastião impeditivo do livre acesso ao setor consumerício.

1- Introdução

O festejado economista Samuelson, em seu manual sobre o tema, afirma categoricamente que, se lhe fosse dada a escolha dentre ser político ou apenas quem forma a opinião econômica destes, com certeza optaria pela segunda hipótese. Dentro do quadro das relações internacionais, vários são os tópicos de importância estratégica, mas poucos deles são de tal forma condicionantes sobre a atuação dos governos soberanos como onde, como e porquê os recursos serão melhor alocados.

De forma análoga, a Carta Magna brasileira, em seu art. 37, elenca cinco princípios para a administração pública; são eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Quando se trata de empregar o ônus público para adquirir bens ou realizar serviços, estes são os baluartes da atuação governamental. Se isso é verdade dentro do âmbito nacional, quando o capital privado interno é foco de atuação pública, também se mostra condizente na relação do executivo brasileiro com entes privados internacionais (a própria Constituição de 1988 veda tratamento discriminatório – emenda 6/95 – ao capital externo).

Em um contexto globalizado, no qual os indivíduos têm acesso em tempo real às informações, a opinião pública tem um peso cada vez mais significativo sobre a formação das políticas econômicas; até mesmo de forma dialética, sendo o direito um dos condicionantes sociais e ao mesmo tempo modificado pela própria sociedade. Destarte, os acordos firmados sob a égide da Organização Mundial do Comércio, como fórum de discussões econômicas, possuem um componente a mais de eficácia jurídica.

No que tange às Compras Governamentais, mesmo o país não participando do acordo plurilateral, já se faz mister um estudo mais apurado sobre o assunto, uma vez que esse protocolo já possui um grande número de adeptos. Torna-se uma possibilidade, cada vez mais preemente, a efetiva participação brasileira neste tema. E, ipso jure, o ordenamento jurídico nacional (para não dizer a ‘sociedade nacional’) também ver-se-á obrigado a adaptar-se às novas normas adotadas. Fica clara, destarte, a importância do presente trabalho, atual per si, e porque "Cuivis potest accidere quod cuiquam potest" [1].


2 – Histórico

2.1 - Período anterior à Bretton Woods

A historiografia do sistema de cooperação internacional no âmbito econômico não é nova. Na verdade, podemos rastrear as origens de tal fenômeno desde a Idade Média, quando o nível de desenvolvimento das cidades e da Liga Hanseática já era perceptível.

Já no séc. XVIII, a ‘law merchant’ seria incorporada à Common Law da Inglaterra. No mesmo período, foi assinado o Tratado de Utrecht (1713), descrito como um precursor do G.A.T.T.

No período compreendido entre os sécs. XVI e XVIII, foram assinados tratados bilaterais sobre Amizade, Comércio e Navegação os quais representam um importante passo para o estabelecimento de regras sobre as relações econômicas entre os Estados. Um dos importantes avanços dessa época é o surgimento de cláusulas como a da ‘Nação mais favorecida’ e do ‘Tratamento Nacional’, pilares da estrutura do G.A.T.T.

Já em 1890 houve um Tratado sobre a Criação de uma União Internacional para a Publicação de Tarifas Costumeiras, sendo que congressos sobre cooperação foram realizados em 1900, 1908 e 1913. [2]

Entretanto, estamos nos referindo à Sociedade Internacional clássica, na qual os sujeitos são Estados-nação com prerrogativas soberanas. In casu, muitas vezes a eficácia das normas de direito internacional fica restrita às deliberações políticas de seus criadores – destinatários. Por exemplo, em 1907, foi adotada a ‘Convenção Relativa à Limitação do Emprego da Força para Recuperação de Dívidas Contratuais’, ou simplesmente ‘Convenção Drago–Porter’. Essa convenção foi concebida para impedir a repetição das represálias (bloqueios marítimos e bombardeios) exercidas por Alemanha, Itália e Inglaterra contra a Venezuela em 1902, devido ao não pagamento de contratos pelos venezuelanos junto aos nacionais desses países. O incidente chocou líderes latino-americanos (em situação semelhante) e aos Estados Unidos (Doutrina Monroe). [3]

No séc. XX, dois conflitos mundiais alteraram o quadro das relações internacionais, modificando o antigo paradigma clássico de plena liberdade estatal, coordenando-o com tendências jurídicas pré-cooperação. Onde antes existia o paradigma político, com dois sólidos pilares da soberania interna (legitimidade) e externa (igualdade entre Estados), agora havia o primado do direito natural, cristalizado na concepção de justiça como o arcabouço das relações entre os Estados (paradigma legal). A corrente idealista tinha como lastro as doutrinas da segurança coletiva e da autodeterminação dos povos. Isso ficou bem claro na instituição de organizações internacionais de Estados conhecidas como Liga das Nações e posteriormente as Nações Unidas.

Aliás, uma das lições que o lado vencedor retirou da Segunda Guerra Mundial, foi a de que os erros concernentes às políticas econômicas cometidos no período entre-guerras foram uma das causas relevantes para o início do segundo conflito. A Grande Depressão (período subseqüente à quebra da Bolsa de Nova Iorque em 1929) e as duras reparações exigidas da Alemanha após a Primeira Guerra são exemplos.

Pode-se dizer que após a Segunda Guerra Mundial, a união em torno de objetivos comuns é vista como forma de superar divergências, manter a paz e obter maior padrão de vida para os indivíduos. "Tenta-se, basicamente, substituir a lógica do confronto, marcada pelo nacionalismo e protecionismo econômicos anteriores à Segunda Guerra, pela lógica da cooperação, como forma de reduzir as tensões políticas e econômicas." [4]

Neste cenário deu-se a Conferência de Bretton Woods, em 1944, na qual todo o sistema econômico internacional foi remodelado. O meio financeiro ganhou duas instituições, a saber, o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BM). A chamada ‘Nova Ordem Econômica Internacional’ seria completa com a criação de um organismo para coordenar as relações comerciais entre Estados: a Organização Internacional do Comércio (OIC).

2.2 – De Bretton Woods ao G.A.T.T.

"The two main objectives of the Conference were, first, to advance the reduction of tariffs and other barriers to international trade, and, second, to create a global economic framework to minimize the economic conflicts among nations (…). The underlying philosophy of the system is the theory of comparative advantage which had been developed by the British economists David Ricardo and John Stuart Mill by applying the market theory of Adam Smith to international transactions." (5)

As instituições monetárias tinham objetivos específicos e integrados: enquanto o FMI se preocupa com os ajustamentos de curto prazo das economias nacionais, o Banco tem por norte oferecer ajuda às economias devastadas pela guerra a financiar projetos produtivos. Estas instituições tiveram pleno funcionamento a partir de 1944, já a OIC seria estabelecida posteriormente.

Em 1948, na cidade de Havana, foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Emprego, fruto de uma Resolução do Conselho Econômico e Social da ONU. Ficou acordado, no capítulo sétimo da ‘Carta de Havana’, que a OIC seria uma organização especializada, integrada à ONU e funcionando segundo os mesmos princípios. Contudo, a sua não – implementação é devida ao fato de que os Estados Unidos, país que detinha grande influência no comércio internacional da época, não ratificou o compromisso firmado na Conferência.

"Esta negociação sobre a OIC vai ser alvo de um conflito de competências entre o Congresso e o Presidente, considerando o primeiro que o segundo não tem poderes para, sozinho, comprometer os Estados Unidos na adesão à OIC (...). Este texto nunca foi aprovado pelo Congresso dos Estados Unidos: o Presidente Truman é democrata, ao passo que o Congresso é majoritariamente republicano. A esta oposição política acrescenta-se o fato de, em 1948, os imperativos ligados ao fim da guerra estarem longe das preocupações do momento, com o desenvolvimento da ‘guerra fria’ entre os Estados Unidos e o bloco soviético e de o texto da Carta não parecer suficientemente liberal aos membros do Congresso (...)." (6)

O fracasso da Conferência de Havana não extinguiu por completo a busca por uma legislação internacional. Em 1947, antes mesmo da discussão em Cuba, houve um encontro em Genebra, divido em três grandes partes: a primeira lidava com um rascunho da Carta da OIC; a segunda parte referia-se à negociação de um acordo multilateral para a redução recíproca de tarifas; enquanto a terceira se concentrava em cláusulas gerais de obrigações referentes às tarifas. Essas segunda e terceira partes, juntas, foram assinadas por 23 Estados inicialmente e constituem o substrato do G.A.T.T. (General Agreement on Tariffs and Trade). Este tratado entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 1948.

2.3.– Do G.A.T.T. à OMC

Como dito acima, o G.A.T.T. não é uma organização, mas sim um acordo multilateral que, estabeleceu uma estrutura institucional reduzida. Sempre mantendo a filosofia liberal, houve uma progressiva institucionalização. "Além das disposições sobre matéria comercial, o GATT (sic.) possuía dispositivos que permitiam caracterizá-lo como uma instituição. Isso porque, desde sua criação, previu-se que ele seria um foro para negociações comerciais, possuindo inclusive uma estrutura institucional, constituída de órgãos encarregados de sua administração." [7]

Oito rodadas de negociações tarifárias e comerciais foram realizadas, culminando na Rodada Uruguai (quando da criação da Organização Mundial do Comércio). São elas: Genebra (1947), Annecy, França (1949), Torquay, Inglaterra (1951), Genebra (1956), Genebra, ‘Rodada Dillon’ (1960/61), Genebra, ‘Rodada Kennedy’ (1964/67), Genebra, ‘Tokyo Round’ (1973/79) e Rodada Uruguai (Punta Del Este, 1986, Marrakech, 1994).

2.4.– A Organização Mundial do Comércio

Enquanto o G.A.T.T. tinha uma aparência híbrida entre tratado e organização, a OMC não deixa dúvidas de sua natureza institucional: trata-se de uma entidade permanente, dotada de personalidade jurídica de direito internacional (art. VIII) e beneficiada da legislação já existente. Todos os seus membros têm a obrigação de adequar seu ordenamento interno às suas normas gerais [art. XVI (4)].

A estrutura é tripartite (arts. IV ao VI): há um Conselho Ministerial não-permanente com reuniões a cada dois anos, composto de todos os membros, e com caráter decisório. O Conselho Geral, também composto de todos os membros, de caráter permanente e que toma funções de Conferência durante o período de limbo sem seções. Por fim, há ainda um Secretariado, conduzido por um Diretor Geral, que cuida das questões administrativas.

A jurisdição também foi ampliada: no sistema anterior as discussões se mantinham restritas às mercadorias (‘comércio visível’). Na OMC, a ratione materiae inclui, além dos bens físicos, os serviços (‘comércio invisível’) e operações (investimentos, propriedade intelectual).

Outra diferença é a característica multilateral. No G.A.T.T. havia possibilidade dos Membros selecionarem o que desejavam e derrogar (waiver) o que não lhes interessava (pick and choose, ou G.A.T.T. à la carte); na OMC o compromisso é único, ou seja, há um engajamento global das regras acordadas (single undertaking). [8]

No entanto, em algumas partes específicas do Acordo (como o Anexo concernente às Compras Governamentais, melhor explicado infra),

"la terminologie employeé à dessein par les négociauteurs, même si elle n’entraîne pas la conviction, a bien pour but de montrer une différence de nature quant au régime juridique posé par les accords << multilatéraux >> et celui institué par les accords << plurilatéruax >>. Si les premiers sont obligatoires et lient tous les membres de l’O.M.C., en revanche les seconds ne le sont que pour ceux qui les ont formellement acceptés [article II (2) et (3) de l’accord O.M.C.]" [9]

Em suma, "(...) o ativo da OMC é constituído de suas normas, criadas por meio de codificação e desenvolvimento progressivo durante a Rodada Uruguai; e da possibilidade de servir como foro de negociação para criar novas normas." [10]

As principais características da OMC são, de modo geral:

A) Legislação coordenada

A primeira característica de ressalva é a constante referência aos outros dispositivos que tratam sobre o assunto. A vantagem desta opção é a de não deixar espaço para contradições entre os vários textos legiferantes, em coerência com os trabalhos anteriores.

B) Norma criadora de outras normas

Além de criar obrigações e direitos para os membros signatários, tece parâmetros para que os próprios membros criem legislações internas. Os Estados soberanos podem, mas não estão obrigados, a possuir legislações dotadas de uma proteção mais rígida do que a requerida pelo Acordo, desde que não o contrarie.

C) Cláusula da Nação Mais Favorecida

Este é um princípio geral do GATT, o qual foi alterado para os membros da OMC e pode ser descrito, nas palavras do prof. Alain Pellet: "Esta disposição exige de todo Estado que concede uma concessão aduaneira a um de seus parceiros do GATT que amplie o benefício a todas as outras partes (...)". [11]

D) Tratamento Nacional

Outro princípio geral do GATT, e da mesma forma adaptado à OMC. A regra geral é a de que qualquer membro fica impedido a dispensar a um produto estrangeiro qualquer tratamento menos favorável do que ao similar nacional.

E) Tratamento preferencial para Estados em desenvolvimento

O GATT de forma geral positivou uma série de disposições preferenciais dos países mais desenvolvidos. A OMC também adaptou pelo menos duas dessas disposições especiais, quais sejam, a concessão de prazos maiores e limites menos rígidos para a adoção dos itens estipulados, bem como o oferecimento de assistência técnica, legal e treinamento, levados à cabo pelo Secretariado Geral da OMC e outros órgãos específicos.

A profa. Vera Thorstensen elenca ainda algumas importantes características do conjunto normativo da Organização [12]:

F) Lista das Concessões

Cada parte contratante deve conceder ao comércio com outras partes tratamento não menos favorável do que o previsto nas Listas de Concessões adotadas no Acordo.

G) Transparência

Publicação obrigatória de todos os regulamentos relacionados ao comércio.

H) Eliminação das Restrições Quantitativas

Nenhuma outra proibição ou restrição tornada efetiva através de quotas, licenças de importação e de exportação, ou outras medidas pode incidir sobre as importações e/ou exportações.


3– Acordo plurilateral sobre Compras Governamentais [13]

3.1 - Histórico

O controle sobre as Licitações Governamentais foi inicialmente proposto, no âmbito do Direito Internacional Econômico, durante as negociações para a composição do texto da Carta de Havana. Contudo, como já citado no capítulo anterior, este tratado foi "esquartejado" pelos Estados Unidos, tendo apenas a sua parte II e III adotada, ou seja, o GATT 1947. Não bastasse a exclusão da parte da Carta de Havana que versava sobre as Licitações Governamentais, o GATT 1947 carregava dentro da redação de sua cláusula do tratamento nacional [14] uma previsão expressa excluindo as mesmas desta obrigação:

"Article III

National Treatment on international Taxation and Regulation

8. (a) The provisions of this Article shall not apply to laws, regulations or requirements governing the procurement by government agencies of products purchased for government purposes and not with a view to commercial resale or with a view to use in the production of goods for commercial sale." (15)

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Após perceber um grande vazio na regulação do comércio internacional, já que as Licitações Governamentais representavam, na verdade, de 10 – 15% do PIB de um Estado, o GATT se propôs regular tal esfera comercial.

"The original Agreement on Government Procurement was negotiated during the Tokyo Round of trade negotiations and was done in Geneva on 12 April 1979 ("Tokyo Round Agreement"). This Agreement was amended following negotiations in pursuance of Article IX:6(b) through a Protocol which entered into force on 14 February 1988. During the Uruguay Round of Trade Negotiations, Parties to the Tokyo Round Agreement held further negotiations in the context of an Informal Working Group, (16) which involved the broadening of entity coverage, expansion of the coverage to services and construction services and further improvements of the text of the Agreement." (17)

No mais, também durante o Uruguay Round, foram colhidas estatísticas referentes ao Acordo sobre Licitações Governamentais, e notou-se que o mesmo, à época, regulou em torno de 30 bilhões de dólares, durante 1990-1994. Este fato levou ao estabelecimento do grupo acima referido e à adoção do GPA como um dos Acordos Plurilaterais [18] que compõe o anexo 4 do Acordo constitutivo da OMC.

Contemporaneamente, estima-se que os valores regulados por este Acordo orbitem em aproximadamente 300 bilhões de dólares. Desta maneira, foi criado, na redação deste, um comitê responsável pelo seu melhor funcionamento e para buscar novos avanços na normatização das Licitações Governamentais. [19]

3.2 – Regime Jurídico do Tratado

O GPA estabelece um conjunto de direitos e obrigações para suas Partes Contratantes no que toca às suas leis nacionais, regulamentos, portarias e práticas referentes às licitações governamentais. A pedra de toque das normas deste Acordo é a não-discriminação. Em respeito às normas do acordo, nenhum de suas Partes Contratantes deverá tratar menos favoravelmente os produtos, serviços e fornecedores de outro Estado membro, em relação a seus produtos e serviços nacionais; além do que não deverá haver discriminação dos produtos, serviços e fornecedores de um Estado membro em relação a outro. [20] Além do mais, cada Parte Contratante deverá assegurar que seus órgãos governamentais não dêem um tratamento menos favorável a um fornecedor nacional em relação à outro fornecedor nacional, tendo por base a participação acionária estrangeira nestas empresas, ou a origem dos produtos vendidos pelas mesmas (Artigo III:2 GPA).

Tendo em mente assegurar a aplicação do princípio da não-discriminação, o Acordo estabelece grande ênfase no estabelecimento de procedimentos para garantir a transparência das leis, regulamentos, portarias e práticas que regulam as licitações governamentais.

3.2.1 – Acesso ao GPA

O acesso ao GPA está previsto em uma decisão da Conferência Ministerial de Marrakech, que também finalizou o Tratado constitutivo da OMC. [21] O que deve ser destacado na mesma é a possibilidade de um Estado poder se tornar Parte Contratante deste Acordo, sem ser signatário do Tratado constitutivo da OMC.

3.2.2 – Alcance do GPA

O Acordo não se aplica à todas as Licitações Governamentais das Partes Contratantes. As obrigações deste acordo aplicam-se às Licitações:

- dos órgãos governamentais que cada Parte listou nos seus quadros nos anexos 1 a 3 do apêndice 1, relatando respectivamente os órgãos centrais da administração, os órgãos "sub-centrais" e outros órgãos de serviço público;

- como os de fornecimento de benefícios;

- como os de prestação de serviços e serviços de construção, que devem ser especificados de maneira positiva, respectivamente, nos anexos 4 e 5 do apêndice 1;

- e no que toca às Licitações Governamentais acima, o estabelecimento de valores limites para se aplicarem as regras deste acordo. Cada Parte deve estabelecer um limite do valor mínimo na qual o Acordo poderá ser aplicado em cada Licitação de produtos e serviços prevista nos Anexos 1, 2 e 3.

O acordo autoriza às partes a modificar a cobertura dos apêndices 1 a 4 mutualmente acordados, sujeitos a procedimentos de retificação e modificação previstos no artigo XXIV (6), do acordo. Este sistema, denominado de loose-leaf system, foi adotado para proporcionar a melhor dinâmica para este tratado, no sentido de ser possível a sua atualização automática sempre que um dos apêndices for modificado.

"It should be noted that exceptions from the obligations of the agreement are also allowed for developing countries in certain situations(Article IV) and for non-economic reasons, for example to protect national security interests, public morals, order or safety, human, animal, plant life or health or intellectual property, etc. (Article XXIII)" (22)

O Acordo (Artigo IX:11) obriga à todos as Licitações Governamentais que deixem claro, no seu convite ou na publicação onde ela é feita, se a licitação em questão está sobe o regime jurídico da Tratado ou não.

3.2.3 – Procedimentos de Licitação

O Acordo permite o uso de um aberto, seletivo ou limitado procedimento de Licitação, desde que eles sejam consistentes com as previsões estabelecidas pelos artigos VII a XVI:

- Dentro de uma Licitação aberta, todos os fornecedores interessados devem ser capazes de submeter uma proposta (Artigo VII:3(a)).

- Dentro de um processo licitatório seletivo apenas aqueles fornecedores convidados pelo órgão governamental deverão entregar proposta (Artigos VII:3(b) e X). Para assegurar a maior eficiência nesta competição internacional, os órgãos governamentais são obrigados a convidar o maior número possível de fornecedores estrangeiros. Salvaguardas, para assegurar que procedimentos e condições para a qualificação dos fornecedores não discriminarão os fornecedores das outras Partes Contratantes, estão previstas no artigo VIII. Uma vez por ano, os órgão governamentais que fazem uso deste tipo de Licitação devempublicar sua lista de fornecedores habilitados, como o modelo do apêndice III, e especificar o período de validade destas listas e as condições que novos fornecedores devem preencher para entrar na mesma (Artigo IX:9).

- Dentro de uma Licitação limitada, os órgãos governamentais contatam cada fornecedor individualmente (Artigo VII:3(c)). O GPA prevê, de maneira restritiva, as situações nas quais este método pode ser usado, por exemplo: na ausência de propostas em resposta à abertura de uma Licitação aberta ou de uma Licitação seletiva; na verificação de presença de um conluio entre os fornecedores durante o processo seletivo; quando o produto pode apenas ser fornecido por um fornecedor específico; ou por razões de extrema urgência, graças a eventos impossíveis de serem previstos pelo Órgão governamental (Artigo XV).

O GPA estabelece certas dead lines mínimas que devem ser estabelecidas para a preparação, submissão e recepção das propostas, permitindo, assim, uma escorreita Licitação (Artigo XI:2). Esta dead line deve ser longa o bastante para permitir que todos os fornecedores, domésticos e estrangeiros, tenham tempo hábil para preparar e submeter suas propostas antes do encerramento do processo licitatório. Em geral o mínimo previsto deve ser de 40 dias a partir da data de publicação do edital. Contudo, podem haver circunstâncias específicas que permitam uma redução deste tempo para entre 25 e 10 dias.

No edital o órgão governamental está obrigado a fornecer toda a informação relacionada à Licitação em questão, para permitir que fornecedores em potencial apresentem suas propostas; como exemplo destas informações que devem ser publicadas, deve-se citar: pré-requisitos técnicos e econômicos dos fornecedores em potencial, garantias financeiras, o critério usado para estabelecer o vencedor do processo licitatório e a informação processual geral, tal como, a data final para o recebimento de propostas.

O objetivo das regras processuais para a submissão, recebimento e abertura de propostas é garantir a justiça, equidade e transparência no processo de Licitação(Artigo XIII:1-3). Todas as propostas recebidas, sob os processos de Licitação aberta e seletiva por órgãos governamentais, devem ser recebidas e abertas sob procedimentos e condições que garantam a regularidade de suas aberturas.

Apenas propostas que se conformam com os requerimentos essenciais do edital, e que são provenientes de uma empresa que se enquadrou nas condições estabelecidas também pelo edital, podem ser consideradas para a contratação. Os órgãos governamentais têm a obrigação de contratar a empresa cuja proposta preencheu todos os pré-requisitos estabelecidos no edital, sendo a de menor preço ou a mais vantajosa de acordo com o critério de avaliação estabelecido no edital. Um órgão governamental que tiver recebido uma proposta de preço muito mais baixo que o das outras deve se assegurar junto a empresa se ela está hábil a completar os termos do contrato nas condições estabelecidas (Artigo XIII: 4).

Os modos habilitados de transmissão dos dados da empresa pleiteante, de acordo com o GPA, são o telex, telegrama e fax.

3.2.4 – Outras Previsões para a Licitação Aberta

O uso de offsets – medidas para encorajar o desenvolvimento local, ou melhorar os índices da balança de pagamentos por meio de contenção do mercado doméstico, licenciamento de tecnologia, requerimento de investimentos, contrapropostas comerciais ou requerimentos similares – são expressamente proibidos no GPA.

Mesmo assim, os países em desenvolvimento devem negociar, no momento de sua entrada no acordo, condições para o uso de offsets, desde que estes sejam usados apenas no processo de qualificação para o edital e não como critério de seleção para o contrato mais vantajoso (Artigo XVI).

O Acordo contém obrigações acerca das especificações técnicas para prevenir a discriminação, por parte dos órgãos governamentais, de e entre fornecedores e produtos estrangeiros em relação às características técnicas dos produtos e serviços especificados no edital (Artigo VI). As especificações técnicas devem ser baseadas mais nos termos de performance que nos termos de design, e estarem de acordo com os standards internacionais, onde eles existirem.

O mais importante deste processo de Licitação é que o edital deve ser publicado de acordo com o modelo do Apêndice II do GPA; este deve ser seguido pelos órgãos governamentais centrais, definidos no anexo 1 por cada Parte Contratante, já as entidades governamentais previstas nos anexos 2 e 3 devem usar o modelo edital de sua preferência desde que se enquadre no estabelecido pelo Acordo (Artigo IX).

3.2.5 – Informação e Publicação após o Estabelecimento do Vencedor

Informações também devem ser fornecidas após o estabelecimento do vencedor da Licitação, na forma de uma notificação, acerca da natureza e quantidade dos produtos e serviços previstos no contrato vencedor; o nome e endereço da empresa vencedora; e o valor do contrato ou a maior e menor ofertas tidas em consideração para a escolha do contrato (Artigo XVIII: 1).

Ainda mais, em resposta a um pedido de uma empresa derrotada no processo de Licitação, deve o órgão governamental prover pronta e pertinente informação sobre: suas práticas de Licitação; uma explicação sobre as razões pelas quais uma proposta de um fornecedor é rejeitada na qualificação; porque a qualificação desta empresa, especificamente, foi rejeitada; as características e relevantes vantagens da proposta escolhida (Artigo XVII: 2). Entretanto, as entidades governamentais detêm legitimidade para não fornecer certas informações consideradas confidenciais (Artigo XVIII: 4) – o GPA fundamenta a proteção de informações confidenciais (Artigo XIX: 4).

Existe uma obrigação geral de publicar as Leis, Regulamentos, Decisões Judiciais, normatização administrativa de aplicação geral e qualquer regulação sobre Licitações Governamentais envolvidas no Acordo. As publicações relevantes estão listadas no apêndice IV (Artigo XIX: 1). Como último elemento de transparência previsto pelo GPA, cada governo deve fornecer para as outras Partes Contratantes, estatísticas sobre as Licitações reguladas pelo Acordo (Artigo XIX: 5) [23]

3.2.6 – Regras Especiais para os Países em Desenvolvimento

O Acordo reconhece o desenvolvimento, financiamento e comércio necessários para os países em desenvolvimento [24] (daqui em diante, PDV), em particular os países menos desenvolvidos [25] (daqui em diante, PMD), e permite tratamento especial e diferenciado para que todos este países possam alcançar o objetivo do seu desenvolvimento. O objetivo de desenvolver-se deve ser tomado em conta, quando um PDV ou um PMD negocia sua entrada, no que tange à regulação de suas Licitações (Artigo V: 3-7). Este também prevê: assistência técnica (Artigo V: 8-11); o estabelecimento de centros de informação para ajudar na composição dos processos e práticas de Licitação destes países (Artigo V: 11); tratamento especial para os PMD (Artigo V: 12-13); e a supervisão da aplicação deste Artigo V (Artigo V: 14-15).

3.2.7 – Resolução de Controvérsias e Litígios [26]

Disputas entre as Partes Contratantes sob o GPA estão sujeitas aos procedimentos previstos no Memorando de estabelecimento de disputas (daqui em diante, DSU – Disputes Settlement Understanding) (Artigo XXII: 1). Devido à natureza plurilateral deste Acordo, o artigo XXII contém um número de regras ou procedimentos especiais (Artigo XXII: 3, 5 e 6). [27] Particularmente interessante é a previsão que impede a chamada "cross-retaliation" – a suspensão de concessões ou outras obrigações sob o GPA como um resultado das disputas resolvidas no DSB; ou a suspensão de qualquer outra concessão sob qualquer outro tratado da OMC, como fruto de qualquer disputa estabelecida sob a égide do GPA (Artigo XXII: 7). [28]

Outro inédito ponto sobre a resolução de controvérsias no sistema da OMC é o Artigo XX do GPA. Ele estabelece a permissão para o estabelecimento de um sistema doméstico de resolução de disputas que versem sobre a Licitação; possibilitando às Partes o recurso à um Tribunal nacional independente, caso acreditem que uma Licitação tenha sido inconsistente com os requerimentos do GPA. As partes devem conferir autoridade às empresas para que elas possam resolver a controvérsia em cortes nacionais, ou em um órgão de revisão imparcial e independente, como exemplo, uma câmara de arbitragem. O órgão que julgará a disputa, se não for um órgão judicial, deverá seguir o estabelecido pelo Artigo XX: 6 (a)-(g); e, ambos, deverão ter a autoridade para ordenar a correção de uma quebra do Acordo ou a compensação por perdas e danos sofridos pela empresa perdedora, mas estes devem estar limitados aos custo da preparação da proposta e do protesto. Se for estabelecida a disputa durante o decorrer da Licitação, o órgão de revisão poderá aplicar medidas cautelares, como suspender o processo de Licitação ou corrigir os procedimentos inconsistentes com o GPA para preservar a oportunidade comercial representada pela Licitação (Artigo XX: 7 (a)-(c)).

3.2.8 – Regulações das Licitações Governamentais fora do GPA

As Licitações Governamentais estão expressamente reguladas pelo GPA, no entanto, existem em outros dois Tratados previsões sobre as mesmas.

No GATT 1994, como supracitado, existe a previsão do Artigo III (8) referente à exclusão das Licitações Governamentais do regime estabelecido pela cláusula de Tratamento Nacional. Além disso, o Artigo XVI (2):

"Article XVI

State Trading Enterprises

2.The provisions of paragraph 1 of this article shall not apply to imports of products for immediate or ultimate consumption in government use and not otherwise for resale or use in the production of goods for sale. With respect to such imports, each contracting party shall accord to the trade of the other contracting parties fair and equitable treatment" [29]

Exclui as Licitações Internacionais no que toca às Empresas Governamentais. [30]

No GATS, também existe uma previsão acerca das Licitações Governamentais:

"Article XIII

Government Procurement

1.Articles II, XVI and XVII shall not aply to laws, regulations or requirements governing the procurements by governmental agencies of services purchased for governmental purposes and not a view to commercial resale or with a view to use in the supply of services for commercial sale.

2.There shall be multilateral negotiation on government procurement in services under this agreement within two years from the date of entry into force of the WTO Agreement." [31]

Esta previsão equivale à do GATT acima citada, também excluindo as Licitações Governamentais da esfera das regulações acerca das Empresas Governamentais. No entanto, o parágrafo segundo é de relevante importância para perceber o desenrolar do GPA; tal desenvolvimento do acordo será estudado a seguir.

Desta maneira, percebe-se que as Licitações Governamentais foram excluídas de ambos tratados que versam sobre a compra e venda de mercadorias e serviços; nem mesmo incluindo-as no seu foro mais íntimo, as Empresas Governamentais. Conclui-se, então, ser o GPA a única fonte de direito nesta matéria dentro do âmbito da OMC.

3.3 – Julgados da OMC

Para aqueles que buscam compreender os conceitos jurídicos contidos nos tratados que compõe o Tratado constitutivo da OMC, faz-se necessária a análise dos casos levados ao DSB.

Neste órgão de resolução de controvérsias e litígios, os Estados membros do Tratado da OMC definem a real natureza dos instrumentos jurídicos que acordaram para regular o comércio internacional, retirando a possibilidade de duplas interpretações, ou mesmo, preenchendo lacunas; além de buscar estabelecer uma maior segurança aos direitos e obrigações contidos nos Tratados:

"Article 3

General Provisions

2.The dispute settlement system of the WTO is a central element in providing security and predictability to the multilateral trading system. The Members recognize that it serves to preserve the rights and obligations of Members under the covered agreements, and to clarify the existing provisions of those agreements in accordance with customary rules of interpretation of public international law. Recommendations and rulings of the DSB cannot add to or diminish the rights and obligations provided in the covered agreements." [32]

O GPA, ut supra, prevê em seu artigo XXII: 1, que suas Partes Contratantes poderão recorrer ao memorando de resolução de controvérsias para resolver suas disputas acerca da aplicação do Acordo, dentro dos mesmo objetivos estabelecidos pelo artigo citado no parágrafo anterior.

Ao todo forma três os casos levados ao DSB pelas partes do GPA, em relação ao Japão, Estados Unidos e Coréia.

3.3.1 – Japão – Licitação sobre Sistema de Navegação de Satélites [33]

Em abril de 1997, a Comunidade Européia entrou com um pedido de negociações com o Japão diante do DSB, para resolver uma questão sobre uma licitação japonesa publicada pelo Ministério dos Transportes para a compra de um satélite multifuncional para a instalação de um sistema de satélite para navegação global buscando o controle do tráfego aéreo.

A Comunidade Européia questionava o fato de que a licitação editada pelo Ministério dos Transportes japonês, nas suas especificações técnicas, fazia referência explícita ao sistema de navegação global americano; saindo, desta maneira, de uma posição neutra. Isso prejudicaria a Comunidade Européia, caso ela quisesse fazer parte da licitação, estipulando condições menos favoráveis aos seus participantes.

Como o Ministério dos Transportes estava coberto pelo GPA, de acordo com os compromissos japoneses assumidos no Anexo I do Apêndice I deste Acordo, a Comunidade Européia(daqui em diante, CE) traz esta querela ao DSB.

Após este comunicado da CE, os Estados Unidos (daqui em diante, EUA) entraram com um pedido para participar das consultas entre a CE e o Japão, como terceira parte.

Após o aceite do Japão diante dos dois pedidos, em 31 de julho de 1997, foi fechado um acordo entre o Japão e a CE, não havendo necessidade da constituição de um panel. O acordo envolveu a modificação da licitação editada pelo Ministério dos Transportes japonês e o início de um projeto de cooperação entre eles para o desenvolvimento de um novo sistema de navegação global.

3.3.2 – Estados Unidos – Leis de Massachusetts sobre licitações [34]

No dia 16 de junho, 1997, a CE fez um pedido para consultas com os EUA dentro do foro do DSB, alçando respostas para as perguntas que surgiram após a edição de um ato legislativo sobre contratos com companhias que possuem negócios em Burma, editada pelo estado de Massachussets.

Este ato legislativo, essencialmente, não permite que sejam feitos negócios pelas empresas governamentais com empresas, americanas ou não, que tenham negócios em Burma. De acordo com a CE, sendo Massachussets um estado norte-americano, ele está sob o regime do GPA, acarretando que a medida acima descrita, pelo seu caráter discriminatório, viola este Acordo: o artigo VIII (b) afirma que não podem ser impostas condições à empresa pleiteante que não sejam essenciais para assegurar o completo preenchimento do contrato; além do artigo X, deste mesmo artigo, proibir a imposição de um critério baseado em considerações políticas ou econômicas. Destarte, este conjunto de violações parece anular ou impedir os benefícios conseguidos pela CE no quadro deste acordo.

O Japão, após receber a notificação divulgada pela OMC, encaminhou um pedido para participar das consultas como terceira parte interessada.

Como as negociações resultaram em fracasso, a CE, no dia 9 de setembro de 1998, pediu a formação de um panel para a análise do caso, o que foi realizado pelo DSB. Contudo, logo a seguir, a Suprema Corte americana impediu que a medida legislativa em questão entrasse em vigor, o que acarretou a suspensão dos trabalhos do panel, devido à falta de objeto.

3.3.3 – Coréia – Licitação Envolvendo a Construção de um Aeroporto [35]

No dia 22 de fevereiro, 1999, os EUA requisitou o estabelecimento de consultas, no seio do DSB, para a resolução de um conflito acerca de uma licitação editada pelo governo coreano versando sobre a construção de uma aeroporto. Após a publicação deste pedido, o Japão e a CE resolveram requerer permissão para participar das consultas.

Tendo as conversações chegado à discordância de onde partiram, já que a Coréia afirmava que a licitação para a construção de seu aeroporto internacional não estava sob a regulação do GPA (afirmava não ter inscrito esta empresa governamental dentro do anexo I, apêndice I), os EUA pediram a formação de um panel analisar a questão. De acordo com este país, o governo coreano editou uma licitação para a construção de um aeroporto internacional, que é inconsistente com o GPA, do qual a Coréia é signatária, pois estabelece que:

- Pré-requisitos de parceria nacional, ou seja, as empresas internacionais competidoras deverão estar em regime de parceria com alguma empresa coreana.

- Ausência de previsão da possibilidade de questionamento da licitação por parte das outras Partes Contratantes, de acordo com o texto da licitação.

- Prazos mais diminutos que os previstos pelo GPA como standards mínimos.

Portanto, os EUA alegavam que a Coréia estava desrespeitando o acordo e/ou suas atitudes estavam anulando e impedindo os benefícios conseguidos pelos EUA com a ratificação do GPA. [36]

O relatório do panel foi adotado pelo DSB no dia 06 de novembro de 2000, concedendo ganho de causa à Coréia, após um minucioso estudo de como a interpretação dos anexos do apêndice I do GPA deveria ser feita, tendo em vista as regras da Convenção de Viena de 1969:

"Tariff concessions provided for in a Member''s Schedule – the interpretation of which is at issue here – are reciprocal and result from a mutually-advantageous negotiation between importing and exporting Members. A Schedule is made an integral part of the GATT 1994 by Article II:7 of the GATT 1994. Therefore, the concessions provided for in that Schedule are part of the terms of the treaty. As such, the only rules which may be applied in interpreting the meaning of a concession are the general rules of treaty interpretation set out in the Vienna Convention." [37]

Acabou-se optando por uma interpretação restritiva, considerando envolvidos pelo acordo, os órgãos governamentais expressamente citados. Sendo este o único caso, no que tange às Licitações Governamentais, que foi analisado por um panel.

3.4 – Perspectivas do GPA

Dentro do texto do GPA existe a previsão, no seu artigo XXI, da criação de um Comitê para as Licitações Governamentais que deverá: se reunir, no mínimo, anualmente; revisar as alterações feitas no apêndice do Acordo; zelar pela aplicação e funcionamento do mesmo; e analisar as informações estatísticas comunicadas pelas partes.

Além deste comitê, mais dois foram criados tendo em vista o GPA:

- O Grupo de Trabalho sobre Transparência na Contratação Pública (daqui em diante, WGTGP).

- O Grupo de Trabalho sobre as normas do GATS (daqui em diante, WPGR).

Desta maneira, serão analisados os trabalhos de cada um destes comitês ou grupos durante o último ano, para que possa ser construída uma previsão do futuro do GPA.

3.4.1 – Comitê para Licitações Governamentais

O relatório anual da reunião do Comitê, realizada em 6 de novembro de 2002 [38] - de acordo com os moldes estabelecidos pelo artigo XXIV: 7 (a) do GPA - relata:

- as modificações dos apêndices do GPA, estabelecidos pelas partes;

- a reafirmação do conceito de loose-leaf system comoregime jurídico dos apêndices do Acordo;

- as notificações de modificação de legislação, feitas pelas Partes Contratantes;

- os pedidos de acessão ao acordo;

- a discussão da aplicação do artigo XXIV: 7(a), que estabelece o início de negociações buscando o aprofundamento e alargamento do Acordo. Estas negociações deveriam começar até o fim de 2002 e terminar em 1 de janeiro de 2005, baseando-se nas minutas da reunião [39], realizada em maio de 2002, que estabeleceu o esboço das modificações, nomeadamente: os princípios básicos, o alcance e cobertura dos conceitos jurídicos do tratado, as exceções, os países em desenvolvimento e a análise dos pedidos de acessão que já constam na agenda.

3.4.2.- Grupo de Trabalho sobre Transparência na Contratação Pública (WGTGP) [40]

Este grupo de trabalho foi criado por um mandato estabelecido na Conferência Ministerial de Singapura, 1997, sendo este mandato renovado na Conferência Ministerial de Doha. A função deste grupo é realizar estudos sobre a corrupção e transparência nas licitações governamentais, para propor um Acordo multilateral [41] em matéria de transparência nas licitações governamentais.

O relatório de sua última reunião [42] - 29 de novembro, 2002 – informa que os pontos que vêm sendo discutidos no âmbito deste grupo são: a definição e o objetivo de uma licitação governamental; a publicação de informação sobre a legislação e procedimentos nacionais; informação sobre oportunidades de licitação, procedimentos de qualificação de propostas; períodos contidos nas licitações.

Entretanto, de acordo com as minutas [43] da reunião de 13 de agosto de 2002, as discussões são mais acaloradas do que parecem no relatório do WGTGP. Existe um grande problema para a formação do conceito de transparência, os países formadores deste grupo trabalho dividiram-se em dois grupos: o primeiro que busca a afirmação de um conceito mais aberto para transparência – este grupo é formado majoritariamente por países em desenvolvimento, liderados pela Índia; já o segundo grupo busca a definição de um conceito mais estrito e concreto para transparência, liderados pela CE.

3.4.3 - Grupo de Trabalho sobre as normas do GATS (WPGR)

A instituição deste grupo de trabalho aconteceu para atender ao enunciado do, supracitado, artigo XIII do GATS. O último relatório anual deste grupo de trabalho [44] faz apenas uma breve remissão às negociações sobre licitações governamentais, ao afirmar que, na reunião de julho, o grupo de trabalho adotou um programa, que inicialmente se reduz a receber propostas dos países membros, que deverão ser entregues até 31 de março, 2003. Até lá, as discussões sobre o programa de trabalho estão suspensas.

Apesar das discussões sobre o programa de trabalho estarem suspensas, neste grupo de trabalho também existem divergências sobre a extensão dada pelo artigo XIII do GATS para negociar sobre as licitações governamentais no que se refere à serviços. Pelo que se vê nas minutas da reunião de novembro último [45], também, aqui, existe uma dualidade de correntes: a primeira procura um alcance mais estrito à possibilidade de incluir as licitações governamentais no GATS – novamente, nesta ala estão os PDV, liderados pela Índia; já o segundo grupo tenta uma maior amplitude para as licitações governamentais dentro do GATS – também este se repete, liderado pela CE.

3.5 – A Atual Posição Brasileira

Após sua não adesão ao acordo em Marrakesh, o Brasil vem repetindo sua posição em todas as últimas conferências ministeriais da OMC (Singapura, 1996; Seattle, 1999; Doha, 2002), ou seja, afirma não considerar o tema prioritário; a não ser no que toque à constituição de um novo acordo multilateral dentro do quadro da OMC, neste caso, predispõe-se a participar ativamente das negociações. [46]

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Sobre o autor
Rangel Garcia Barbosa

Professor de Direito Internacional Público da PUC-MG, Mestree doutorando na área de Direito Internacional pela Faculdade de Direito da UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Rangel Garcia. As licitações internacionais brasileiras e a OMC. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 476, 26 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5811. Acesso em: 29 mar. 2024.

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