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Acidentes do trabalho.

Responsabilidades relativas ao meio ambiente laboral

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V. DANOS ORIUNDOS DE ACIDENTES DO TRABALHO E A RESPONSABILIDADE DE REPARÁ-LOS

5.1 Teorias norteadoras da responsabilidade civil de reparar os danos provocados à vítima de acidente do trabalho

A importância do equilíbrio e da harmonização social, a partir da reparação dos danos, torna o tema da responsabilidade civil ou penal um dos mais relevantes para as ciências humanas, especialmente para a jurídica. Portanto, aquele que por sua conduta ou exercício de atividade produz uma modificação negativa no mundo exterior, violando direitos de outrem, deverá responder pelos seus atos com fito de satisfazer não só o lesado, mas principalmente, visando a paz social. Mesmo porque "o anseio de obrigar o agente, causador do dano, repará-lo inspira-se no mais elementar sentimento de justiça". [40]

Os imensuráveis e estarrecedores casos de acidentes do trabalho, na sua grande maioria oriundos do descaso dos empregadores em manter um meio ambiente laboral salutar e outras vezes pelos riscos próprios da atividade econômica das suas empresas, afrontam o princípio constitucional da dignidade humana e da integridade física, psíquica e moral do trabalhador.

O acidente de trabalho é evento danoso tanto para a vítima quanto para seus dependentes e, em muitos casos, é irreparável, devido à extensão de seus efeitos. Mas se o direito à vida e à integridade física do trabalhador é violado pela ocorrência de sinistro relacionado ao meio ambiente laboral, ocasionando-lhe perda parcial ou total, temporária ou permanente da sua capacidade para trabalhar ou até mesmo a morte, tal dano deverá ser reparado, ao menos pelo seguro social, independentemente de culpa do empregado ou empregador, ainda que tal indenização apenas mitigue o mal sofrido. É imperiosa, portanto, a reparação do dano causado a outrem para, na medida do possível, desfazer seus efeitos funestos e restituir statu quo ante aquele que sofreu o prejuízo.

Nos dizeres de Maria Helena Diniz "o interesse em restabelecer o equilíbrio violado pelo dano é fonte geradora da responsabilidade civil", independentemente de que a causa da lesão ao bem material ou moral, seja ato ilícito ou lícito. Porque também as atividades permitidas legalmente, mas que por sua natureza, impliquem em risco para os direitos de outrem, cria o dever de indenizar, bastando haver nexo de causalidade entre o dano e atividade de risco desenvolvida, sem levar em conta a existência de culpa do criador do risco (CCB, art. 927, par. único). [41]

Por sua natureza social, a responsabilidade civil decorrente de acidente do trabalho funda-se em norma cogente de caráter público elevado à categoria constitucional.

A nossa Carta Magna assegura ao trabalhador, com base nos princípios da valorização do trabalho e da dignidade humana, o direito ao meio ambiente laboral salutar e entre outros direitos o "seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa" (CF/88. art. 7º, inc. XXVIII). E determina que a Previdência Social atenderá, em concorrência com o regime de seguro privado, a cobertura dos riscos de acidente do trabalho, inclusos eventos de doença, invalidez ou morte (CF/88, art. 201, inc I e § 10).

Mas no que tange à reparação a lesão ao meio ambiente, inclusive, ao meio ambiente do trabalho, a Constituição, cujo bem maior protegido é a vida, determina também, em seu parágrafo 3º, artigo 225 que:

As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Na combinação desses dispositivos está delimitada a fundamentação legal e teórica para as normas infraconstitucionais relativas à reparação acidentária laboral, seja de cunho civil, administrativa ou penal. E, infere-se das normas mencionadas que a responsabilidade civil poderá ter natureza contratual ou extracontratual, cujos pressupostos básicos são: a ocorrência de dano, nexo causal entre o evento danoso e o dano e a causa oriunda de ato ilícito ou não.

Sendo assim, o tema está compreendido tanto pelas teorias civilistas (teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva) quanto pelas teorias publicistas (teoria do risco ou da responsabilidade objetiva).

A. Teoria da culpa civil ou da responsabilidade subjetiva

A ânsia de obter a reparação do dano é tão antiga quanto a origem do homem. Com fulcro na Lei de Talião, surgiu a justiça privada. Impunha-se a regra "olho por olho, dente por dente", ou seja, reparava-se o mal pelo mal. Inclusive, sequer verificava-se a existência ou não de culpa. Inúmeros abusos foram cometidos em nome da reparação do dano, que de reparação nada tinha, mas caracterizava como mera vingança e dano em dose dupla (da vítima e do ofensor).

Percebeu-se que a vingança privada era contraproducente. Optou-se, pois, pela exceção do dispositivo da lei 11ª, tábua VII, ínsita na Lei das Doze Tábuas, cuja determinação era que "se alguém fere a outrem, que sofra a pena de Talião, salvo se existiu acordo"

Assim, a composição das partes para reparar o dano, mediante pecúnia, transferia ao patrimônio do agressor que agira com culpa, o ônus da reparação.

Entrou em vigor, nova lei romana – a Lex Aquilia de damno – que introduziu a culpa do agente como fundamento da sua obrigação de reparar o dano, mediante prestação de pena pecuniária.

Surgiu a clássica teoria da culpa, cujo pressuposto básico para a concessão da reparação impõe que "o respectivo fato gerador seja moralmente imputável ao seu autor, isto é que se origine de sua vontade determinada ou de sua atividade consciente". [42] Porque, "pela teoria da responsabilidade subjetiva ou da culpa (...) a obrigação de reparar o dano decorre do juízo de reprovação ao comportamento do agente". [43]

Segundo essa teoria, a obrigação de indenizar pressupõe a existência do elemento subjetivo: dolo (culpa latu sensu), em que o agente tem pleno conhecimento do mal e intenção de praticá-lo; ou a culpa stricto sensu, advinda da negligência, imprudência ou imperícia do agressor, que viola o dever de conhecer e agir de modo a não prejudicar outrem. Além de tal pressuposto, também são requisitos indispensáveis para configurar a responsabilidade civil subjetiva, a existência do dano contra o direito tutelado e o nexo causal entre o dano e o fato imputável ao sujeito agressor.

Assim, se alguém pela sua conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe prejuízo ou dano, tem o dever de indenizar.

A tradicional teoria da culpa ainda é o principal fundamento da responsabilidade civil, vez que ninguém será obrigado a indenizar se não houver agido culposamente, salvo nos casos especificados em lei ou quando sua atividade seja perigosa e implique em risco para os direitos de outrem (CCB, art. 927, par. único).

Exceto raras exceções, como na hipótese do dispositivo do parágrafo acima mencionado [44], que determina a responsabilidade objetiva, o nosso Código Civil acolhe a responsabilidade civil subjetiva e, em parte, adota o princípio geral do processo civil, que incumbe a quem alega, o ônus de provar o seu direito e os fatos que o fundam, ou seja, cabe ao lesado provar a culpa do agressor.

Contudo, em determinados casos, a teoria da culpa aproxima-se da teoria da responsabilidade objetiva ao aceitar a culpa presumida.

Deveras, muitas são as hipóteses em que praticamente fica impossível ao lesado provar a culpa do responsável pela violação do seu direito. Uma delas é o que acontece nos casos de acidente do trabalho decorrente de culpa ou dolo do empregador (CF/88, art. 7º, inc. XXVIII). Em tais situações, como regra, se não houver a inversão do ônus da prova, dificilmente o lesado poderá provar a culpabilidade do empregador.

Houve uma evidente evolução na teoria da responsabilidade civil nos últimos tempos, uma busca de socialização dos riscos. A aplicação pura da teoria da culpa, definitivamente, não se mostrou suficiente para atender às transformações sócio-econômicas da nossa época. Ratifica essa assertiva os dizeres de Maria Helena Diniz: [45]

A insuficiência da culpa para cobrir todos os prejuízos, por obrigar a perquirição do elemento subjetivo na ação, e a crescente tecnização dos tempos modernos, caracterizado pela introdução de máquinas, pela produção de bens em larga escala e pela circulação de pessoas por meio de veículos automotores, aumentando assim os perigos à vida e à saúde humana, levaram a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização.

O primeiro passo foi admitir a presunção da culpa. Ardorosos defensores da culpa como fundamento da responsabilidade civil, os irmãos Mazeud, numa concepção moderna, ante as dificuldades encontradas para efetivar a reparação do dano, criaram a teoria da culpa sem imputabilidade moral, mediante o artifício da presunção juris et de jure, que na verdade foi uma transição para aceitar as novas teorias do risco, defendidas por Saleiles e Josserand, precursores da objetivação da responsabilidade civil, seguidos no Brasil, dentre outros, por Alvino Lima, Orozimbo Nonato, Aguiar Dias. [46]

Segundo Alvino Lima, para os aguerridos defensores da culpa como princípio moral basilar da responsabilidade civil, dentre eles Ripert, as teorias de presunção da culpa, na verdade, são mentiras jurídicas criadas para não dar o verdadeiro nome às coisas, para acobertar as novas tendências. [47]

Enfim, como assinalou o próprio Ripert, a tendência atual do direito, que a cada dia se concretiza mais, inclusive no direito positivo brasileiro [48], manifesta-se no sentido de substituir a idéia da culpa pela idéia do risco, a responsabilidade subjetiva pela responsabilidade objetiva, tudo em prol da socialização dos riscos. [49]

B. Teoria do risco ou da responsabilidade objetiva

A impossibilidade de concretizar reparação dos danos oriundos de acidentes, especialmente, do trabalho, cujo número cresceu assustadoramente nos últimos tempos (com alguma redução no quadro do mercado de trabalho formal), determinou a insuficiência responsabilidade subjetiva. O operário hipossuficiente e vulnerável ou seus dependentes, sempre se encontraram em irrefragável desvantagem em relação ao poderio do empregador. Como provar a culpa deste? A lei que por um lado tutelava o direito à integridade física e a reparação dos danos ocorridos com a violação desse direito, praticamente, negava o efetivo direito de ação, ao dificultar (quase impossibilitar) a prova da culpa do empregador. Conceder o direito à reparação do dano aos lesados, mas negar-lhes, ainda que indiretamente, instrumentos para provar o direito, equivale à negação do direito.

Surgiu a teoria do risco como fundamento da responsabilidade objetiva, ante a necessidade de amparar as vítimas de acidentes e tendo em vista os problemas sociais deles originados, principalmente, para o operário e sua família, cuja sobrevivência depende do trabalho. Esta teoria vem, portanto, como resposta aos anseios de ordem sócio-econômica.

Como bem esclarece o árduo defensor da teoria do risco em nosso país, Alvino Lima, "a necessidade imperiosa de se proteger a vítima, assegurando-lhe a reparação do dano sofrido, em face da díspar entre as empresas poderosas e as vítimas desprovidas de recursos, (...) [torna] imprescindível, pois, rebuscar um novo fundamento à responsabilidade extracontratual, que melhor resolvesse o grave problema da reparação dos danos, de molde a se evitarem injustiças que a consciência jurídica e humana repudiavam". [50]

Para Saleiles, o precursor das bases de sustentação para a nova doutrina, desenvolvida por Josserand e seus seguidores "a teoria objetiva é uma teoria social que considera o homem como fazendo parte de uma coletividade e que o trata como atividade em confronto com as individualidades que o cercam". [51]

Segundo Sérgio Cavalieri Filho [52], a teoria do risco foi embasada sob vários prismas e podem ser identificadas em diversas modalidades a seguir expostas:

a)Teoria do risco-proveito – funda-se essa teoria na idéia de que aquele que tira proveito da atividade danosa é responsável pela reparação do dano. Porém, aplica-se somente aos exploradores de atividades econômicas, e ao lesado impende provar a existência do proveito.

b)Teoria do risco criado – por essa teoria "aquele que, em razão de sua atividade ou profissão, cria um perigo, está sujeito à reparação do dano que causar, salvo prova de haver adotado todas as medidas idôneas de evitá-lo" Dessa elucidação do Mestre Caio Mário se infere, que prescinde a prova do proveito da atividade. [53]

c)Teoria do risco profissional – esta teoria foi desenvolvida especificamente para justificar a reparação dos prejuízos advindos de acidentes do trabalho, e sustenta ser suficiente a lesão, seja em decorrência da atividade ou da profissão do lesado.

d)Teoria do risco excepcional – voltada para responsabilizar exploradores de atividades de riscos coletivos (exploração de energia nuclear, materiais radioativos, ect.), que podem lesar até mesmo terceiros alheios a estas atividades.

e)Teoria do risco integral – para esta teoria basta haver o dano para caracterizar o dever de indenizar. Não admite quaisquer causas excludentes da responsabilidade (culpa exclusiva da vítima, de terceiros, caso fortuito ou força maior).

Cavalieri [54] afirma que, em qualquer das modalidades, a teoria do risco se resume na seguinte afirmação: "Todo prejuízo deve ser atribuído ao seu autor e reparado por quem o causou, independentemente de ter ou não agido com culpa ".

Por conseguinte, para assegurar o ressarcimento ao prejudicado, cabe verificar se ocorreu o evento e dele emanou o dano, não se cogitando da imputabilidade ou antijuridicidade do fato danoso. É satisfatória a relação de causalidade entre o prejuízo e aquele que materialmente o causou, isto é, basta o nexo causal entre o dano e o fato gerador. O agente deve ser responsabilizado pelo simples fato da ocorrência do fato danoso prejudicial a outrem, relacionado à atividade exercida, visto que aquele assumiu, ao explorá-la, todos os riscos a ela inerentes.

5.2. Responsabilidade civil: subjetiva ou objetiva e seus elementos

Conforme o fundamento teórico adotado, a responsabilidade civil se apresentará como: subjetiva ou objetiva.

Maria Helena Diniz afirma que "o dever ressarcitório pela prática de atos ilícitos decorre da culpa, ou seja, da reprovabilidade ou censurabilidade da conduta do agente (...) Portanto, o ato ilícito qualifica-se pela culpa. Não havendo culpa, não haverá, em regra, qualquer responsabilidade". (grifou-se).

A culpa é elemento subjetivo moralmente imputável ao agente, conforme seja sua conduta reprovável, a partir o juízo de valor feito a respeito de sua capacidade intelectiva e volitiva (capacidade mental para ter consciência e vontade de praticar o ato). Daí, a responsabilidade civil sob o fundamento da culpa é conhecida como responsabilidade subjetiva.

No direito civil brasileiro a norma fundamental da responsabilidade civil está gravada nos artigos 186 e 187 (parte geral) combinado com o artigo 927, caput, (parte especial) do Código Civil nos seguintes termos:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Conforme se deduz dos dispositivos acima, especialmente do artigo 186, a responsabilidade civil, a princípio, está intimamente ligada à existência de um ato ilícito (que pressupõe a culpa), cujos elementos constitutivos são:

a)a conduta culposa (dolo ou culpa stricto sensu) – violação de dever jurídico preexistente (contratual ou legal), imputável a alguém (agente ou responsável legal) que por ato comissivo (intencional) ou omissivo (ausência do cuidado exigível) causou dano a outrem;

b)o dano – é a lesão ao direito patrimonial ou moral da vítima causado pela conduta culposa do agente, ressarcível mediante pecúnia; e

c)nexo causal – é a relação de causalidade entre o dano e a conduta do agente.

Toda regra tem exceção. As exceções existem como forma de equilibrar, harmonizar situações fáticas e dar respostas aos anseios de justiça e paz social.

A responsabilidade com base na culpa se tornou insuficiente para solucionar questões complexas em torno de eventos danosos oriundos dos riscos de determinadas atividades econômicas, especialmente dos eventos sinistros ocorridos no ambiente laboral.

Como bem esclarece Maria Helena Diniz [55]:

...a crescente tecnização dos tempos modernos, caracterizado pela introdução de máquinas, pela produção de bens em larga escala e pela circulação de pessoas por meio de veículos automotores, aumentando assim os perigos à vida e à saúde humana, levaram a uma reformulação da teoria da responsabilidade civil dentro de um processo de humanização. Este representa uma objetivação da responsabilidade, sob a idéia de que todo risco deve ser garantido, visando a proteção jurídica à pessoa humana, em particular aos trabalhadores e às vítimas de acidentes, contra a insegurança material, e todo dano deve ter um responsável.

Surge, então, a responsabilidade com fundamento nos riscos da atividade (responsabilidade objetiva), cujos pressupostos são apenas a existência do prejuízo e a relação entre este e o evento danoso que o causou (nexo causal).

O nosso atual código civil abre exceção ao instituto da responsabilidade subjetiva, mediante norma genérica ao determinar no parágrafo único do artigo 927, que:

Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (Destacou-se)

Logo, o dever de reparar, em determinadas hipóteses, independe da existência ou não de ato ilícito, de conduta culposa. Basta o dever legal de indenizar ou que a atividade, por sua natureza, cause riscos aos direitos de outrem, segundo fundamento da responsabilidade objetiva.

Nos próximos itens, serão expostas as características mais detalhadas dos elementos constitutivos das duas espécies de responsabilidade civil – subjetiva ou objetiva – e sobre a aplicabilidade de ambas na solução dos danos advindos de acidentes do trabalho.

5.3 Reparação das lesões acidentárias laborais e a responsabilidade civil subjetiva do empregador

A responsabilidade civil subjetiva do empregador, além da previsão constitucional do artigo 7º, inciso XXVIII, última parte, encontra-se regulada nos artigos 186 e 187 combinado com o artigo 927, caput, do atual Código Civil. Com efeito, rezam esses novos comandos que, in verbis:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927: Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, é obrigado a repará-lo.

Os dois primeiros dispositivos conceituam ato ilícito. Uma norma conceitua o ato ilícito comissivo ou omissivo, doloso ou culposo (art. 186) e a outra ato ilícito por abuso de direito (art.187). O comando da cabeça do artigo 927 evidencia que a espécie de responsabilidade civil adotada é a subjetiva, pois é imprescindível a existência de ato ilícito que por sua vez é indissociável da idéia de culpa (elemento constitutivo do ato ilícito).

Ato ilícito se resume, segundo Sérgio Cavalieri, em "ato voluntário e consciente do ser humano que transgride um dever jurídico". [56]

Maria Helena Diniz ensina que ato ilícito é aquele, "praticado culposamente em desacordo com a norma jurídica, destinada a proteger interesses alheios. É o que viola direito subjetivo individual, causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão". [57]

Portanto, o dever de reparar do empregador, segundo a teoria da responsabilidade subjetiva, pressupõe conduta ilícita (comissiva ou omissiva, dolosa ou culposa), dele ou de seu preposto, contrário a um dever jurídico, que viole o direito à segurança, à incolumidade de seus empregados, no ambiente laboral, lhes causando prejuízos (danos físicos ou psíquicos).

5.3.1. Pressupostos da responsabilidade civil subjetiva

Deduz-se do item anterior, que são pressupostos básicos da responsabilidade civil subjetiva: o ato ilícito (conduta dolosa ou culposa); imputabilidade; dano e relação de causalidade entre a conduta e o dano.

A. Conduta humana (dolosa ou culposa)

A conduta humana exigida para caracterizar o ato ilícito é voluntária e consciente (aspecto psicológico, subjetivo), se exterioriza (aspecto físico ou objetivo) em uma ação ou omissão, em desacordo com um dever legal, isto é transgridem a lei preexistente. A ação ou conduta comissiva viola um dever geral de abstenção enquanto a conduta omissiva infringe o dever de agir. Ambas produzem conseqüências jurídicas ante a culpabilidade do autor. A culpa pode ser lato sensu, abrangendo o dolo (vontade consciente de violar o direito, dirigida à consecução do fim ilícito), ou culpa stricto sensu (violação de um dever que o agente podia conhecer e acatar, mas por ausência de cuidado não o fez).

É importante assinalar que tanto o ato ilícito penal como o civil tem o mesmo fundamento moral: transgressão a uma obrigação jurídica preexistente (definida em lei) e a conseqüente imputação moral à consciência do agente (porque agiu deliberadamente com intenção de causar o dano ou porque não teve a cautela exigida para evitá-lo).

O ilícito penal se configura quando a conduta infringe norma imprescindível à existência harmoniosa da sociedade, portanto consiste em ofensa à ordem social. Ocorre ilícito civil quando o ato viola direito subjetivo privado. Porém, o ilícito poderá ter natureza dúplice – civil e penal, se violação for atentatória de direito do particular e da sociedade concomitantemente.

Não se pode olvidar que nos casos de acidentes do trabalho, mesmo que não haja dolo, os resultados advindos da exposição da vida ou da integridade física dos empregados a perigo (CP, arts. 132, 250, § 2º; 251, § 3º; 252, par. único; 271, par. único); quase sempre implicam em lesão (CP, art. 129, § 6º) ou morte da vítima (CP, art. 121, § 3º). Destarte, pode-se afirmar que nessas hipóteses, se for tipificada a conduta e não houver nenhuma excludente da antijuridicidade, o empregador responderá penal e civilmente.

Contudo, a responsabilidade civil não está jungida à responsabilidade penal. Mesmo que ocorra a absolvição do réu por falta de prova de culpabilidade penal, é possível responsabilizar o empregador civilmente, visto que na esfera cível, basta a culpa levíssima.

a) Conduta dolosa

Pela conduta dolosa, a ação ou omissão do autor, origina de vontade consciente e deliberada de violar o direito de outrem e causar-lhe prejuízos.

O dolo se caracteriza quando o agente ao omitir-se ou agir, tem a representação do fato e a vontade de causar o resultado. Isto é, o agente tem a previsão do resultado e consciência da ilicitude de sua conduta e quer o resultado (dolo determinado) ou assume o risco de produzi-lo (dolo eventual), ficando indiferente se ocorrerá ou não o resultado danoso.

b) Conduta culposa

O agente que se conduz de modo contrário à conduta esperada do ser humano prudente e produz resultado indesejado, mas moralmente imputável, tem erro de conduta ou conduta culposa. É a culpa estrita que se origina de ação ou omissão voluntária do agente, o qual não previu (porém, deveria prever) e nem quis o resultado danoso,

Então, segundo o clássico conceito de Planiol, "a culpa é a violação de uma obrigação preexistente" [58], é a produção involuntária do resultado, por inobservância do cuidado objetivo (negligência, imprudência ou imperícia) e ausência de previsão objetiva (possibilidade de antever o resultado).

São, portanto, elementos da culpa:

a) conduta voluntária – vontade de fazer ou não fazer, porém, sem intenção de causar resultado danoso;

b) previsibilidade objetiva – possibilidade de antevisão do resultado, porque a imprevisibilidade é causa excludente da culpa (caso fortuito ou força maior);

c) ausência de previsão – o resultado poderia ter sido representado mentalmente, ter sido previsto segundo capacidade mental do homem comum, mas não o foi (é a imprevisão do previsível); [59]

d) falta de cuidado objetivo – exterioriza-se pela: 1) imprudência (é a conduta comissiva em desacordo com a cautela exigida, é a falta involuntária de observância de medidas de precaução e segurança, de conseqüências previsíveis, que se faziam necessárias no momento para se evitar um mal ou a infração da lei); 2) negligência (é conduta omissiva, é a omissão voluntária de diligência ou cuidado, falta ou demora no prevenir. O agente deixa de fazer algo imposto pela lei) e; 3) imperícia (é a falta de aptidão, habilidade, ou experiência, ou de previsão, ou de conhecimento ou de prática do agente no exercício de sua atividade técnica);

e) resultado involuntário – o agente não quis nem assumiu o risco de causar resultado danoso;

f) nexo causal – relação de causalidade entre a conduta culposa e o resultado danoso.

g) Imputabilidade – é o elemento constitutivo da culpa, relativa à consciência e vontade do agente. A imputabilidade pressupõe ação livre, consciente e capaz do agente. São excludentes de imputabilidade: a menoridade, a demência, anuência da vítima, exercício normal de um direito (o manifesto excesso implica em abuso de direito), legítima defesa e estado de necessidade.

A.1 Classificação da culpa

Segundo disposição didática de Maria Helena Diniz [60] a culpa se desdobra em diversas modalidades, conforme:

a) a natureza do dever violado – pode ser culpa contratual (violação de obrigação jurídica preexistente relativa a um contrato) ou culpa extracontratual ou aquiliana (se o dever violado for estabelecido em preceito genérico de direito, ou seja, princípio geral de direito que manda respeitar as pessoas e bens).

b) a sua graduação – classifica-se em: grave ou lata (quando o agente atuar com grosseira falta de cautela; é a conduta injustificável se comparado ao bom senso do ser humano normal; se aproxima do dolo); leve (quando a lesão poderia ser evitada por medidas de cautela ordinária, própria do homem comum) e levíssima (caracteriza-se pela falta de atenção extraordinária, ou especial habilidade e conhecimento singular).

c) quanto ao seu conteúdo – existem as espécies: in commitendo (conduta comissiva, positiva, como imprudência e imperícia); in omittendo (conduta omissiva, negativa, negligência); in eligendo (oriunda da má escolha do representante ou preposto); in vigilando (ausência de fiscalização por parte do patrão das coisas e do exercício de atividade de seus operários); in custodiendo (ausência de cautela em relação à pessoa, coisa ou animal, que se encontravam sob os cuidados do agente).

d) quanto ao conteúdo de sua apreciação – pode ser: culpa in abstrato (o agente atua sem a atenção própria do homem normal, em relação aos seus negócios fazendo uso da inteligência de que foi dotado), culpa in concreto (ausência da diligência necessária às pessoas em relação as suas próprias coisas, segundo as suas faculdades, aptidões ou dos seus defeitos psíquicos)

e) culpa concorrente – é hipótese de concorrência de causas. A vítima, paralelamente à conduta culposa do autor do dano, concorre com atitude, também culposa (se fosse dolosa excluiria a ilicitude), para a ocorrência do evento sinistro. Nesses casos a jurisprudência consagra a redução da indenização da vítima.

Sérgio Cavalieri Filho [61] ainda cita mais duas espécies de culpa: a culpa presumida e a culpa contra a legalidade. Aquela decorre do próprio fato (in re ipsa), é presumida a partir das "próprias circunstâncias em que se dá o evento", bastando que o lesado prove o dano e a relação de causalidade entre este e a conduta do agente. Ocorre culpa contra a legalidade quando a conduta é contrária a um dever expresso em dispositivo legal.

B. Dano

O dano é elemento essencial ou determinante da responsabilidade civil, seja objetiva ou subjetiva. Sem a ocorrência de prejuízo não há o que reparar. Imputar a alguém o dever de indenizar sem restar caracterizada a existência do dano (ainda que presumido [62]), se traduz em ofensa ao princípio geral de direito que veda o enriquecimento sem causa.

Por conseguinte, se o ato ilícito for de mera conduta, sem resultado (isto é, sem dano patrimonial ou extrapatrimonial, físico ou psíquico), poderá haver responsabilidade penal, mas não civil.

Segundo Jorge Bustamante [63], existem danos justificados e danos ressarcíveis. Estes são os danos patrimoniais e extrapatrimoniais. Aqueles são os danos advindos de atos lesivos, que não acarretam o dever de indenizar. O dano pode ser justificado pela lei, como são as hipóteses de exclusão da ilicitude, legítima defesa, exercício regular do direito, estado de necessidade próprio ou de terceiro (se o dono da coisa lesada foi o culpado do perigo). Outrossim, as excludentes de causalidade (caso fortuito ou força maior, culpa exclusiva da vítima) justificam os danos.

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Contudo, há de convir que mesmo os danos justificados não deixam de violar as esferas patrimonial e/ou moral, apenas não são reparados por causa das excludentes acima citadas.

Portanto, dano é uma lesão, um prejuízo oriundo de algum evento, que afeta um bem jurídico de uma pessoa (patrimonial ou moral), que poderá ser reparado ou não.

B.1 Requisitos dos danos ressarcíveis

O prejuízo ou dano deve ter requisitos próprios para exigir-se a indenização. O dano que dá ensejo à reparação é aquele que:

a) Implica em diminuição ou destruição de um bem jurídico patrimonial ou extrapatrimonial da pessoa. Enquanto o primeiro gera prejuízo material econômico, passível de reparação, o segundo é insuscetível de apreciação pecuniária, por se tratar de lesão a bem integrante da personalidade humana. Mas, ambos são passíveis de reparação, pois evidenciam prejuízos reais.

b) Deve ser certo, real e efetivo (salvo nos casos de dano presumido). Não basta ser eventual, não pode ser hipotético. O dano certo deve ser atual e determinado ou futuro e determinável (a conseqüência posterior do ato ilícito é o prolongamento do dano atual – é potencial. Por exemplo: A lesão de uma perna pode implicar na imediata amputação da mesma e em posterior necessidade de colocação de prótese [64]).

c) Deve ser comprovada sua existência em face do evento e a repercussão sobre o bem jurídico da pessoa lesada (nexo causal). Poderá ser direto (neste "há uma relação imediata entre a causa destacada pelo direito e a perda sofrida pela pessoa") ou indireto (conhecido como dano reflexo ou por ricochete, pois consiste "numa conseqüência da perda mediatamente sofrida pelo lesado, representando uma repercussão ou efeito da causa noutros bens que não diretamente atingidos pelo fato lesivo"). [65]

d) Deve ser subsistente – é aquele que ainda não foi reparado pelo responsável. Se a vítima ou terceiro reparou o dano, este ainda subsiste em relação ao seu responsável. O terceiro sub-roga nos direitos do prejudicado.

e) Deve ser pessoal – o autor da ação de indenização deve ser titular do direito lesado (a vítima ou seus beneficiários, nas hipóteses legais de dano indireto, conforme dispõe artigo 948 do Código Civil Brasileiro e casos análogos).

Assim, o dano ressarcível é aquele que provoca a diminuição ou destruição do direito patrimonial ou moral, experimentada pelo lesado, contra a sua vontade; que é subsistente, atual e determinado ou futuro e determinável e o agente ou responsável pelo evento danoso não está acobertado por qualquer forma de exclusão de ilicitude ou causalidade.

B.1.2 Dano patrimonial

O dano patrimonial é a afetação dos bens de uma pessoa, que lhe são economicamente úteis, o que, por conseguinte, lhe ocasiona perdas materiais.

Para Maria Helena Diniz [66]"o dano patrimonial vem a ser a lesão concreta, que afeta um interesse relativo ao patrimônio da vítima, consistente na perda ou deterioração, total ou parcial, dos bens materiais que lhe pertencem, sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável".

A mestra, embasada na lição de Aguiar Dias, aponta como lesões que constituem danos patrimoniais: "a privação do uso da coisa, os estragos nela causados, a incapacitação do lesado para o trabalho, a ofensa a sua reputação quando tiver repercussão na sua vida profissional ou em seus negócios" (grifou-se).

O acidente do trabalho, por conseguinte, além de redundar em dano ao corpo do operário vitimado e ao seu patrimônio moral (porque o dano à vida, em todas as suas nuances, é desmedido e pode afetar os sentimentos do lesado), pode atingir, simultaneamente, a esfera patrimonial da vítima e de seus beneficiários, visto que dependem economicamente do trabalho executado pelo corpo agredido para viver. Frise-se, a vida não tem valor econômico em si mesma, é imensurável, mas as atividades intelectuais, as habilidades técnicas, o próprio corpo representam irrefutáveis meios de aquisição econômica.

Quanto aos danos patrimoniais advindos de lesões ou morte do trabalhador, este ou seus dependentes têm direito à indenização dos prejuízos efetivos – de lucros emergentes – e os prejuízos com base no que, razoavelmente, o lesado deixou de ganhar – lucros cessantes. [67] (CCB, arts. 402 e 403 c/c 948, 949 e 950).

Desta forma, nos termos do artigo 949 do Código Civil, se do acidente laboral resultar lesões corporais – ofensa à integridade corporal e à saúde da vítima – que diminua ou incapacite o exercício do trabalho, sem deixar seqüelas, o empregador somente será responsabilizado pela indenização das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença do lesado, salvo se este provar que sofrera algum outro prejuízo, como o dano moral, por exemplo.

Todavia, se do acidente emanar defeito ou diminuição da capacidade ou incapacidade total pelo qual o empregado não possa exercer a sua profissão ou tenha diminuído o valor do seu trabalho, a indenização abrangerá uma pensão correspondente à importância do trabalho, no todo ou em parte (dependendo do grau de depreciação sofrida), além de todas despesas do tratamento físico e psíquico (valores inerentes às despesas médicas, de enfermagem, medicamentos, exames, próteses, etc.) e lucros cessantes até o fim da convalescença (CCB, art. 950). A indenização relativa à pensão a ser arbitrada judicialmente, poderá ser exigida de uma só vez, se assim o prejudicado preferir (CCB, art. 950, par. único).

Vale ressaltar que quando a deformidade física oriunda do acidente for puramente estética, o que a priori enseja apenas danos morais, poderá também ocasionar danos patrimoniais, pois poderá repercutir nas possibilidades econômicas da vítima (quando esta tiver suas chances de trabalho reduzidas ou mesmo impossibilitada). Um exemplo clássico, é o caso da modelo publicitária, cuja profissão está intimamente ligada à beleza do corpo. Também outros profissionais, lesados esteticamente, que dependem da aparência física para exercer o trabalho, deverão ser ressarcidos com fulcro no dano patrimonial, além do dano moral.

Deve-se evidenciar que as lesões corporais ou à saúde advindas do meio ambiente de trabalho inadequado não são apenas as físicas, podendo ser também de cunho psíquico (traumas, fobias, psicoses, etc.).

Corrobora essa posição, Bento de Faria [68] em seu comentário ao artigo 129 do Código Penal o qual dispõe sobre lesões corporais, ao asseverar que "o dano ao corpo ocorre quando a lesão determina qualquer prejuízo à integridade do conjunto orgânico da pessoa. Dano à saúde é a desordem causada às atividades psíquicas ou ao funcionamento regular do organismo".

Dessa forma, as doenças psíquicas ou neurológicas se relacionadas ao trabalho, equiparam-se a acidentes do trabalho e podem atingir tanto os bens patrimoniais quanto os morais. Portanto, deverão ser indenizadas. Por exemplo, se o trabalhador devido às agressões físicas ou psíquicas (atividades de risco, extenuantes, etc.) sofridas no ambiente laboral, desenvolve alguma fobia, ou algum outro distúrbio mental, que o incapacita, parcial ou totalmente, para o exercício de sua profissão ou de qualquer outro trabalho, deverá ser indenizado.

Se o acidente do trabalho ceifou a vida da vítima, presume-se que houve prejuízo de cunho moral para seus familiares (que normalmente, sentem a perda do ente querido), visto que os sentimentos afetivos são bens de valor inestimável. Porém, para os dependentes, aquela vida humana igualmente tem valor econômico, uma vez que era fonte de possibilidades econômicas. O dano, sob este prisma é patrimonial.

Por essa razão, o legislador definiu mais um caso de dano indireto a ser indenizado, ao dispor no artigo 948 do atual Código Civil que:

No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações:

I - no pagamento das despesas com o tratamento da vítima, seu funeral e o luto da família;

II - na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida da vítima.

Em síntese, o prejuízo ao patrimônio decorre da comparação entre o estado patrimonial de alguém antes da ocorrência do ilícito e depois da sua prática. E, a reparação material da vítima deverá se mostrar capaz de restituir-lhe ao status quo ante, da forma mais adequada possível.

B.1.3 Dano extrapatrimonial

O dano moral, em sua acepção ampla, é a lesão de interesses não patrimoniais do ofendido. É ofensa aos direitos personalíssimos: os sentimentos afetivos, a própria imagem, a intimidade e o decoro, o bom nome, a privacidade, a integridade física e psíquica, a honra, a vida, a dignidade da pessoa humana, a liberdade, a capacidade, e outros mais cuja ofensa causem angústia, aflição, dor, aviltamento, vexame à vítima. [69]

A reparação pecuniária dessa espécie de dano, por serem esses bens da vida inestimáveis, é mais uma mitigação do sofrimento, uma satisfação, do que uma indenização propriamente dita.

Como bem afirma Maria Helena Diniz, não se dá preço à dor, aos sentimentos... Razão porque "a reparação pecuniária teria, no dano moral, uma função satisfatória ou compensatória". [70]

Exatamente por essa espécie de dano não se sujeitar à apreciação pecuniária e estar intimamente ligado à ética, muitos doutrinadores refutavam sua reparabilidade.

Porém, tal espécie de dano sempre foi indenizável, pois no sistema jurídico brasileiro além das leis esparsas, o Código Civil de Beviláqua (Lei nº 3.071/16), já previa em seu artigo 159, 1.537, 1.538, genericamente, a reparação do dano moral e, especificamente, o dano contra a honra nos dispositivos dos artigos 1.547, 1.548, 1.550.

A Constituição Federal de 1988 pôs fim à interminável discussão sobre o cabimento ou não da reparação do dano moral. Nossa Carta Magna determinou, de forma explícita, a reparabilidade do dano moral e, inclusive, permitiu a cumulação desta com a indenização do dano patrimonial (CF/88, art. 5º, V e X).

E, agora, o novo Código Civil, em seu artigo 186 (correspondente ao artigo 159 do Código de 1916), estipulou, explicitamente, a reparação do dano moral, com a seguinte disposição:

Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Enfim, à luz do disposto nos artigos 1º, III, 4º, II, e 5º, V e X do nosso Texto Maior, o "direito mais fundamental do ser humano, que é o respeito a seus sentimentos mais nobres, cresce e toma a dimensão esperada e necessária". [71]

As relações de trabalho, por sua própria natureza (devido à desigualdade entre os pólos da relação: a supremacia diretiva e econômica do empregador e a hipossuficiência e vulnerabilidade do empregado) é campo fértil para acontecimentos ofensivos à personalidade humana e, via de conseqüência, é onde se propagam os danos morais – fonte de intranqüilidade social.

A vida humana, por sua natureza ética, é bem de natureza não patrimonial. É um direito da personalidade amparada como bem maior pela ordem jurídica, vez que a existência humana é essencial às demais categorias de direito. Portanto, qualquer ofensa aos direitos a ela inerentes, como à incolumidade física e psíquica, à saúde, implica em ofensa moral direta, por ser imensurável.

Dessa forma, os eventos sinistros ao meio ambiente de trabalho, que causam dano à integridade física e à saúde dos operários, afetam, conforme o que ordinariamente acontece, a esfera moral, do lesado. É causa de dano moral direto. Embora, como já afirmamos anteriormente, também possa ensejar dano material reflexo [72]. Daí, resultar em cumulação de reparabilidade por dano moral direto e dano patrimonial indireto.

Assim, com base no artigo 186 combinado com os artigos 948, 949 e 950 do Código Civil, todos centrados na citada norma constitucional (CF/88, art. 5º, inc. V e X), a vítima de acidente de trabalho poderá pleitear, cumulativamente, a indenização por danos patrimoniais e morais.

É presumível o prejuízo resultante da dor imputada à pessoa da vítima que sofreu aleijão e redução ou incapacidade para realizar seu ofício. Essa presunção se alicerça nas condições psíquicas do ser humano comum em relação às conseqüências do dano corporal, pois, comumente, uma lesão corporal ofende o espírito do lesado, seus sentimentos, provocando-lhe tristeza, mágoa ou atribulações na esfera interna pertinente à sua sensibilidade.

Observa-se, pelas pesquisas feitas sobre as decisões dos nossos tribunais, que há uma tendência em acatar a presunção do dano moral. Em regra, basta que o autor prove a existência do dano material, o nexo de causalidade imputável ao agente ou responsável pelo evento danoso para imputar-lhe também a obrigação de ressarcir o dano moral. Impende a este o difícil ou quase impossível ônus de provar a inexistência de ofensa aos sentimentos do lesado ou outra excludente de sua responsabilidade.

Mas, se o dano à incolumidade física não acarretar seqüelas físicas ou neurológicas, o dano moral deverá ser provado, segundo se infere da última parte do artigo 949 do Código Civil.

Art. 949. No caso de lesão ou outra ofensa à saúde, o ofensor indenizará o ofendido das despesas do tratamento e dos lucros cessantes até ao fim da convalescença, além de algum outro prejuízo que o ofendido prove haver sofrido.

Nada impede ao lesado de pleitear a reparação por dano moral (a não ser sua própria convicção ética), visto que a incolumidade física é parte integrante do direito à personalidade, cuja natureza é extrapatrimonial.

Se o acidente do trabalho resultar em morte da vítima, os ofendidos serão sempre indiretos (os beneficiários). Porém, os danos sofridos serão próprios (iure hereditatis) e por isso diretos. Segundo Bustamante [73], trata-se do prejuízo de afeto (pretium affectionis), provocado pela morte da pessoa querida.

É sabido que a morte causa uma diminuição no patrimônio do(s) dependente(s) da vítima, além dos gastos com tratamento médico, se houver, e funeral. Há a frustração da possibilidade de continuar recebendo os alimentos por um futuro determinável e tudo mais que o de cujus poderia ter adquirido pelo seu trabalho durante o período estimativo de sobrevida que teria. Conseqüentemente, enseja indenização por dano patrimonial, nos termos do artigo 948 do Código Civil.

Outrossim, é inquestionável que o homicídio é um dano à vida, e ordinariamente, viola o direito personalíssimo de seus entes queridos, aflige-os no âmago de seus espíritos. Por conseguinte, dá azo ao ressarcimento por dano moral, sendo prescindível a sua prova por parte do autor da ação indenizatória, pois esta é presumida, conforme tem admitido a jurisprudência pátria. Ocorre a inversão do ônus da prova, devendo o agente comprovar alguma causa excludente da sua responsabilidade ou mesmo a ausência do direito do autor, por falta de interesse de agir.

Necessário registrar que, excepcionalmente, os parentes da vítima não sofrem com a sua perda. Embora seja comum o amor familiar, há casos em que os pais ou filhos da vítima nunca conviveram com a mesma, nem nutriram algum sentimento por ela, ou em algumas situações lhe têm, até mesmo, rancor e ódio. Conseqüentemente, nestes casos, não há que se falar em dor, nem em prejuízo de afeto, muito menos em dano moral.

Evidenciou-se que, na maioria das hipóteses de danos procedentes de acidente de trabalho, raramente verifica-se o dano moral puro (aquele que se esgota na lesão à personalidade, como é, por exemplo, o caso de injúria, que não extrapola a esfera íntima da pessoa ofendida para lesar o seu patrimônio).

Entretanto, é possível, embora a probabilidade seja mínima, cogitar ao menos um caso de dano moral puro, advindo de acidente do trabalho. É o dano puramente estético, sem repercussão patrimonial (considerando-se a inexistência de gastos com assistência médica ou que estes sejam ínfimos, o que é difícil ocorrer). Nesta hipótese, seriam as cicatrizes ou mutilações que não incapacitam ou reduzem a capacidade para o trabalho, mas aflige o espírito da vítima e é capaz de provocar compreensível diminuição da sua auto-estima. Portanto, verificar-se-ia apenas um prejuízo de sofrimento psíquico, que constitui modalidade de dano moral puro ressarcível.

Mas, não se pode olvidar que a lesão puramente estética, além de acarretar complicações psicológicas e íntimas de convivência com o aleijão, extrai da vítima as chances de ascensão profissional e até mesmo pessoal, em face da sua baixa auto-estima e, geralmente, da conhecida repulsa preconceituosa do meio social em relação às pessoas que apresentem alguma deformidade.

Conclui-se que, de ordinário, o acidente de trabalho provocará, cumulativamente, dano material e moral, o que impõe ao agente ou seu responsável o dever de indenizar ambos, uma vez comprovada a culpa (subjetiva ou objetiva) pelo sinistro, o dano e o nexo causal entre o dano e o evento danoso.

C. Nexo de causalidade

A relação de causalidade entre o dano e a ação ou omissão que o produziu é também elemento essencial para obrigar o agente ou responsável pelo dano a repará-lo, seja fundado na culpa objetiva ou subjetiva. Porque é somente mediante a existência de nexo causal entre o resultado danoso e a conduta ilícita, que tornará possível concluir quem foi o causador do prejuízo e quem deverá repará-lo ou se o lesado deverá suportá-lo sozinho.

Como bem afirma Sérgio Cavalieri Filho [74], "só há dever de indenizar onde houver dano. Ninguém, entretanto, pode responder por um dano a que não tenha dado causa". E conceitua, logo a seguir, o nexo causal como elemento "decorrente das leis naturais. É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado".

Maria Helena Diniz esclarece que nexo de causalidade é:

O vínculo entre o prejuízo e a ação (...), de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua conseqüência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte aqui esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela conseqüência.

Conforme esse ensinamento da ilustre mestra, adota-se a teoria da equivalência das causas ou conditio sine qua non para precisar se houve ou não relação de causalidade entre o dano e a conduta ilícita.

Pela teoria enunciada, todos os elementos que não puderem ser excluídos da linha de desdobramento causal são relevantes antecedentes causais do resultado. Utiliza-se do procedimento hipotético de eliminação de Thyrén. Para compreender esse procedimento, Damásio Evangelista de Jesus [75] ensina que:

O importante é fixar que excluindo-se determinado acontecimento o resultado não teria ocorrido "como ocorreu": a conduta é causa quando, suprimida mentalmente, o evento in concreto não teria ocorrido no momento em que ocorreu.

É interessante salientar que, não raro, as causas de um dano são múltiplas, o que dificulta a definição do agente responsável pela sua reparação. Pode haver causas concorrentes provenientes da vítima e do agente. Também existem as concausas: preexistentes, concomitantes ou supervenientes ao evento danoso, que podem ser absoluta ou relativamente independentes em relação à conduta do agente.

Nas hipóteses da existência de concausas, pela teoria equivalência dos antecedentes causais, as causas absolutamente independentes da conduta do sujeito apontado como responsável pelo evento danoso excluirão o nexo causal entre a conduta deste e o dano. porque "se a causa, preexistente, concomitante ou superveniente, produz por si mesma o resultado, não se ligando de forma alguma com a conduta, em relação ao evento ela é uma não-causa", uma vez que não se encontra na "linha de desdobramento físico" do comportamento do agente. [76]

Também a causa superveniente relativamente independente, entendida como aquela que produz o resultado por si só, mas em face da conduta anterior, exclui a causalidade entre esta e o dano posterior.

Um exemplo clássico dessa excludente de causalidade é o episódio do trabalhador que foi obrigado a usar uma escada em más condições, razão porque caiu e quebrou a perna. Internou-se no hospital para os procedimentos necessários ao tratamento médico e morreu vítima de um incêndio em seu quarto. A interdependência das causas existe porque se o operário não tivesse quebrado a perna não teria sido vítima do incêndio. Nesse caso, se adotada a teoria conditio sine qua non, o empregador responde apenas pela prática dos atos anteriores, mas não quer dizer que não tenha dado causa ao resultado morte.

Caso contrário, se é a conduta do empregador, causa superveniente relativamente independente, ele ou o seguro social responderá pela indenização, conforme o evento ocorrido. É o que se depreende da lei acidentária (Lei nº 8.213/91 art. 20, inc. II), cuja norma estabelece que se causas posteriores, relacionadas às condições inadequadas do meio ambiente laboral, desencadeiam ou agravam uma doença pré-existente, ainda que tais causas sejam relativamente independentes, elas têm o condão de impor à Previdência Social a obrigação de indenizar a vítima, e se a conduta do agente (preposto ou empregador) foi culposa este deverá reembolsar o Seguro Social. [77]

Já as causas preexistentes e concomitantes relativamente independentes não excluem o resultado, segundo informa Damásio [78].

Sérgio Cavalieri Filho [79] assegura, no entanto, que os melhores doutrinadores, dentre eles o reverenciado civilista Aguiar Dias – "papa em responsabilidade civil", sustentam que a teoria da equivalência dos antecedentes elaborada por Von Buri, embasado nas idéias de Stuart Mill, tem ampla aplicação no Direito Penal de muitos países, inclusive no Brasil, mas na órbita do Direito Civil, a teoria acolhida por nosso sistema civilista é a teoria da causalidade adequada de autoria de Von Kries. E, diz também, que embora nosso Código Civil não adote, expressamente, nenhuma delas, faz uma referência à teoria da causa adequada (CCB, art. 403), ao determinar que "as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato", ou seja, somente a causa mais apropriada, mais direta e imediata é relevante para imputar o causador do dano. (Grifou-se)

Aguiar Dias [80], citado por Cavalieri Filho, enfatiza sua defesa da aplicabilidade da teoria da causa adequada, para melhor solucionar as questões de responsabilidade civil nos seguintes termos:

Consideramos em culpa quem teve não a last chance, mas a melhor oportunidade, e não a utilizou. Isso é exatamente uma consagração da causalidade adequada, porque, se alguém tem a melhor oportunidade de evitar o evento e não a aproveita, torna o fato do outro protagonista irrelevante para a sua produção (...)". "Em lugar de se apurar quem teve a última oportunidade (como sustenta a teoria norte-americana – last clear chance), o que se deve verificar é quem teve a melhor ou mais eficiente, isto é, que estava em melhores condições de evitar o dano; de quem foi o ato que decisivamente influiu para o dano.

Por esta teoria, somente o fato, a condição mais adequada, mais idônea para determinar o evento danoso é a causa deste.

Existem muitas teorias visando dar a solução mais apropriada para definição da causa ou causas do dano na busca de sua justa reparação. Mas, de acordo com as doutrinas estudadas para a execução deste trabalho, as duas teorias citadas são as mais importantes. [81]

Percebe-se que Sérgio Cavalieri Filho é tendente a se posicionar mais favoravelmente à aplicabilidade da teoria da causalidade adequada, porém, ele afirma com sensatez, pela sua experiência na magistratura, que:

...forçoso é reconhecer que o problema da causalidade não encontra solução numa fórmula simples e unitária, válida para todos os casos. (...) E assim é porque esta ou aquela teoria fornece apenas um rumo a seguir, posto que a solução do caso concreto sempre exige do julgador alta dose de bom senso prático e da justa relação das coisas..." (82)

Outro ponto que não poderia deixar de ser abordado neste trabalho refere-se à causalidade da omissão, tendo em vista que o maior número dos acidentes do trabalho é proveniente das omissões dos empregadores.

O nexo causal é analisado segundo as leis naturais e, normalmente, diz respeito aos elementos objetivos, porém, quando se trata de omissão esta não pode ser analisada apenas sob a ótica física ou natural, por ser uma ausência de comportamento. Daí o jargão: "do nada, nada surge". Para elucidar esse entendimento, mais uma vez, transcreve-se a sucinta e clara explicação de Damásio: [83]

....a estrutura da conduta é essencialmente normativa, não naturalística. A causalidade não é formulada em face de uma relação entre a omissão e o resultado, mas entre este e a conduta que o sujeito estava juridicamente obrigado a realizar e omitiu. Ele responde pelo resultado não porque causou com a omissão, mas porque não o impediu realizando a conduta a que estava obrigado.

Ante o exposto, chega-se a duas conclusões: 1) se o empregador cumpre com desvelo seu dever jurídico de zelar pelo meio ambiente laboral, torna efetivas as normas de higiene e segurança do trabalho, provando que não houve de sua parte, a mais leve culpa, não pode ser acusado de omissão e, portanto, não poderá ser obrigado a indenizar, se eventualmente, houver um acidente do trabalho; 2) se não houver regra geral ou específica que determine "um dever jurídico de agir, a omissão não terá relevância causal e, conseqüentemente, nem jurídica" [84].

Ressalvam-se as hipóteses, em que, eventualmente, os jurisconsultos acolham a responsabilidade fundada na teoria do risco da atividade econômica, ao considerar a natureza perigosa do empreendimento. Neste caso, o nexo causal liga o prejuízo ao evento danoso, cuja culpa do empreendedor é presumível, uma vez que este assume os eventuais riscos de sua atividade. Inclusive, assume a possível a ocorrência de sinistros, pois tem ou deveria ter consciência de que mesmo sendo tomadas as medidas obrigatórias de segurança e higiene do trabalho, não está completamente livre dos acidentes de trabalho, dado o grau de perigo da atividade exercida. (CLT, art. 2º c/c CCB, art. 927, par. único, última parte).

Dessa forma, é conveniente aos empresários que se ocupam de atividades econômicas lícitas, porém, perigosas, a contratação de seguro privado complementar ao seguro social, vez que assumem os riscos da atividade. Ademais, enfatiza-se, nos casos de responsabilidade subjetiva, basta que haja culpa levíssima do empregador para obrigá-lo a reparar o dano.

Enfim, tanto o nexo causal como o dano são pressupostos indispensáveis para imputar ao agente ou responsável, a obrigatoriedade de indenizar o lesado, seja com fulcro na culpa objetiva ou subjetiva. E por essa razão, pelas obras dos doutrinadores e jurisprudências pesquisadas, verifica-se que, ao autor da ação indenizatória impende provar pelo menos esses dois elementos.

Já no que tange a comprovação da culpa, poderá haver a inversão do ônus da prova, se a culpa for in vigilando ou presumida, segundo a teoria da responsabilidade subjetiva. E pela responsabilidade objetiva, a culpabilidade é indiferente, basta que o lesado comprove o dano e o nexo causal.

5.4 Presunção de culpa do empregador e a inversão do ônus da prova – valioso instrumento de efetivação da eqüidade e justiça processual

Segundo Alvino Lima [85] a culpa presumida é o artifício da presunção juris et de jure. Tratam de "mentiras jurídicas" sustentadas pelos defensores da culpa como fundamento para responsabilidade civil (Irmãos Mazeud, De Page, Pirson, Harven e outros). Ante a insuficiência da teoria pura da culpa para solucionar, com justiça, algumas questões complexas oriundas de eventos danosos, estes doutrinadores sustentam a culpa sem imputabilidade moral, chamada culpa objetiva, ou a culpa legal ("criada pelo legislador, por necessidades de ordem econômica ou social"). Qualquer dessas espécies de presunção de culpa (legal ou objetiva) pressupõe a inversão do ônus da prova, em que o agente ou responsável pelo evento danoso só se exime de reparar o prejuízo se provar alguma das excludentes de responsabilidade: culpa exclusiva da vítima, culpa de terceiro, caso fortuito ou força maior.

Uma vez consagrada, em nosso direito pátrio, a culpa subjetiva do empregador nos casos de acidentes do trabalho, muitas foram e ainda continuam sendo as injustiças cometidas pelas decisões judiciais, que tratam das ações reparatórias civis referentes aos prejuízos originados por eventos sinistros no ambiente laboral, ante a ausência de provas nos autos processuais.

Ora, é conhecida a hipossuficiência e vulnerabilidade dos operários frente o poderio sócio-econômico dos seus empregadores. Tanto é que um dos princípios que orientam o direito do trabalho é o princípio protetor, que visa igualar juridicamente, empregadores e trabalhadores.

A bem da verdade, ignorando esse princípio, a norma processual trabalhista segue a regra geral do processo, determinando que a prova das alegações incumbe à parte que as fizer (CLT, art. 818).

Mas convém salientar que para toda regra há exceções, com fito de dar o equilíbrio social aspirado por muitas consciências ávidas de justiça. Razão porque em hipóteses análogas de hipossuficiência e vulnerabilidade, como é o caso do consumidor, já se encontra positivada a inversão do ônus da prova, conforme está explícito no inciso VIII, do artigo 6º do código consumerista.

São direitos básicos do consumidor:

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do Juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

Tal regra pode e deve servir como base para interpretação analógica com a finalidade de sustentar a inversão do ônus da prova, em hipóteses de acidente do trabalho, visto que os empregados, sequer, têm acesso às documentações que comprovem a efetivação das medidas de segurança e medicina do trabalho e, geralmente, não têm condições financeiras para pagar a perícia técnica exigida nesses casos.

Na realidade, no dizer sempre preciso de Sérgio Cavalieri, "a prova da culpa, em muitos casos, é verdadeiramente diabólica, erigindo-se em barreira intransponível para o lesado". [86]

Observa-se, que alguns doutrinadores e jurisconsultos, com o escopo de solucionar eqüitativamente, as ações indenizatórias civis a cargo do empregador, utilizam-se do artifício da culpa presumida. Sustenta-se a tese vestuta, mas justa, de que se o empregador tem o dever contratual-legal de velar pela segurança, higidez e incolumidade de seus trabalhadores, de zelar pelo meio ambiente laboral, mediante a implementação das normas de segurança e medicina do trabalho, de documentar esses procedimentos, a ele cabe comprovar que cumpriu as determinações legais.

Assim, na ocorrência de acidente do trabalho, presume-se a culpa do empregador, sobretudo se a atividade empreendida por ele é de natureza perigosa, isto é, oferece riscos para incolumidade física e psíquica de seus trabalhadores. Inverte-se, pois, o ônus da prova. O empregador é responsável a menos que comprove que tomou realmente todas as medidas de segurança necessárias ou a existência de uma causa excludente da responsabilidade: caso fortuito, força maior ou culpa exclusiva da vítima ou de terceiro.

Ao autor da ação basta provar o dano acidentário e o nexo causal.

Igualmente, há decisões, que argumentam ser a responsabilidade civil presumida, baseada na culpa in vigilando [87], pois, o empregador tem o dever de vigiar, fiscalizar as coisas (maquinários, produtos, etc.) e as atitudes de seus empregados. Então, aquele será responsável, salvo se provar que cumpriu o dever de vigilância ou outra excludente de sua responsabilidade.

Vale lembrar que, ao deixar o empregador de cumprir as determinações legais ou regulamentares do sistema de segurança e saúde do trabalho, este foi negligente. E, se dessa negligência decorreu o acidente (nexo causal), incorre o empregador, só por este fato, em culpa, conhecida como culpa contra a legalidade.

5.4.1 Causas excludentes da responsabilidade subjetiva por culpa presumida

O empregador exime-se da responsabilidade civil por culpa presumida, se comprovar a interrupção da relação de causalidade quando:

a) Houver culpa grave e exclusiva da vítima – a guisa de exemplo: 1) a própria vitima provoca o acidente intencionalmente (presença de dolo); 2) a vítima trabalhava em ambiente adequado, em conformidade com as exigências legais, sob condições comuns, sem causas extenuantes das forças físicas e psíquicas, mas se acidentou, porque mesmo tendo sido advertida, desacatou às orientações e exigências de cautela dadas pelo empregador ou preposto (presença de descaso intencional ou de culpa consciente).

b) Força maior – É um acontecimento previsível ou não, mas inevitável e estranho à vontade das partes, proveniente de eventos da natureza: como um raio, uma tempestade, etc.

c) Caso fortuito – É imprevisível e inevitável, proveniente de ato humano, de terceiro alheio [88] ao ambiente laboral, que não tenha sequer ligação indireta com o empregador [89]. Portanto, é causa estranha à atividade e vontade deste. Por exemplo: 1) o descarrilamento de um trem, nas imediações da fábrica, provoca uma explosão, sinistro que deu causa à morte do empregado; 2) Falha da Administração Pública, pela ausência de serviços de limpeza dos bueiros e galerias de águas pluviais, causa da enchente que vitimou o empregado.

5.5 Responsabilidade civil objetiva para reparação de acidentes do trabalho

A infortunística, matéria legal que trata dos riscos das atividades econômicas, especialmente dos riscos de acidentes do trabalho e doenças profissionais, tem por fundamento a teoria do risco. Por essa razão as leis acidentárias do sistema jurídico de vários países, inclusive no Brasil, para dar respaldo aos anseios dos cidadãos ávidos por justiça, consagraram a aplicação da responsabilidade objetiva para a reparação dos danos às vítimas de infortúnios relacionados ao meio ambiente do trabalho.

Vale ressaltar que em nosso país, o dever da Previdência Social de indenizar por acidente do trabalho tem fulcro na teoria do risco integral. Basta o obreiro ou seus dependentes provar a relação de emprego e que o dano foi decorrente de uma situação relacionada ao seu trabalho. Não afastam seus direitos as tradicionais causas excludentes ou atenuantes da responsabilidade: culpa exclusiva da vítima, força maior, caso fortuito ou fato de terceiro.

Assim, como já está previsto no sistema jurídico pátrio, a responsabilidade para indenizar sem culpa, advém de determinação legal. Várias legislações (Decreto Legislativo nº 3.724/19, Decreto nº 24.637/34, Decreto nº 7.036/44, Decreto-lei nº 293/91, Lei nº 5.316/67, Lei nº 6.367/76) trataram da infortunística. Hoje a lei acidentária (Lei nº 8.213/91), que é obrigatória e impositiva, estipula em dois prismas a responsabilidade objetiva para assegurar a relação jurídica do seguro social e o direito de reparação da vitima de acidente. Por um lado, impõe ao empregador responsabilidade objetiva de natureza previdenciária – o ônus de arcar com a manutenção do seguro coletivo para reparação dos danos decorrentes de acidente do trabalho, haja ou não ocorrência de sinistros relativos ao seu empreendimento, além obrigá-lo a arcar com a responsabilidade de natureza trabalhista de pagar os primeiros quinze dias de afastamento do empregado e de garantir-lhe a estabilidade acidentária de um ano, após a cessação do auxílio-doença acidentário, independentemente de percepção de auxílio-acidente, conforme previsão nos artigos 29 e 118, respectivamente, da Lei 8.213/91. Por outro lado, impõe à Previdência Social, a responsabilidade objetiva de dar cobertura à vítima que provar sua relação de emprego e o nexo causal entre o acidente e a atividade profissional exercida, indenizando-a, independente desta ter recebido as parcelas do seguro do empregador, cabendo-lhe cobrar deste as contribuições previdenciárias devidas.

Entretanto, não se pode esquecer que embora o empregador se responsabilize objetivamente pela manutenção do seguro social, este ou os seus prepostos não estarão livres de ressarcir à Previdência Social dos gastos inerentes a cobertura indenizatória, se foram negligentes quanto à implementação das normas de higidez e segurança do trabalho. À Previdência Social foi assegurado o direito de regresso, contra eventuais responsáveis pelo acidente do trabalho, nos termos do artigo 120 da Lei nº 8.213/91.

A função teleológica da lei acidentária é assegurar o mínimo ao trabalhador acidentado e evitar que a vitima de sinistro trabalhista fique desamparada, caso não obtenha a reparação do dano sofrido segundo as normas do direito comum. Outra finalidade, também de cunho social, é impedir o fim de pequenas empresas que não suportariam o ônus da indenização. Razões porque buscou-se a socialização dos riscos, mediante a seguridade social.

Vale evidenciar que a extensão da reparação do infortúnio é definida nos limites previstos na lei. Assim, se fica assegurado ao lesado o direito de indenização, em contrapartida, o seguro social não cobre todos os prejuízos causados pelo acidente, sendo o ressarcimento menor do que aquele que poderia ser conseguido segundo as normas gerais de indenização, embasadas na culpa do causador do dano.

Mas Helvécio Lopes [90] diz que há uma compensação tanto para o empregador quanto para o empregado. Este sempre será indenizado, embora com valor menor, sem necessitar provar a culpabilidade daquele. O empregador, por sua vez, é obrigado a custear o seguro social, independentemente da ocorrência de acidente, mas se livrará de pagar uma indenização maior se houver o sinistro e a ação reparatória.

Para Washington de Barros Monteiro, "tudo se resolve, pois, sob a égide do risco profissional; o exercício de sua atividade expõe o operário a vários acidentes; é justo que esse risco seja compartilhado pelas duas partes, pelo patrão e pelo empregado". [91]

Depreende-se, dessas afirmações, que o mestre entende como razoável e normal que o risco de acidente do trabalho seja partilhado entre empregador e empregado. Aquele cabe pagar o seguro social e garantir a estabilidade no emprego por doze meses, enquanto este corre o risco de se acidentar e ter redução de suas habilidades para o trabalho e, na maioria das vezes, receber os valores de auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez ou especial inferiores à remuneração que receberia se não fosse vítima de acidente, haja vista ser a indenização compatível com o salário-contribuição e não com o salário real.

Mas tal situação é inaceitável, ao se considerar a superioridade do valor da vida humana e que a maioria dos operários não tem opção de querer este ou aquele trabalho. Ademais, legalmente, é o empreendedor que se responsabiliza pelos riscos de sua atividade (CLT, art. 2º, Lei nº 9.477/97, art. 2º, § 4º). E segundo impõe norma constitucional, a empresa deve cumprir sua função social (CF/88, art. 170, inc. III).

Maria Helena Diniz justifica que o empregado terá a priori o direito a reparação previdenciária e "terá direito a uma reparação civil somente se ficar provado que houve dolo ou culpa do empregador no evento que lhe foi danoso, pois este já indeniza o empregado, que exerce atividade perigosa, mensalmente, com o adicional de periculosidade". [92]

Há de se esclarecer que os adicionais (periculosidade, insalubridade e penosidade) embora aparentem ter natureza indenizatória, têm caráter salarial, são complementos de salário. Segundo ensina Mascaro, baseado na lição do tão festejado economista Adam Smith, a taxa salarial sofre as influências das condições em que é prestado, ou seja, os salários variam de acordo com a facilidade ou dificuldade, limpeza ou sujeira, dignidade ou indignidade do emprego. Assim, os adicionais de periculosidade e insalubridade integram o salário e repercutem no preço médio da força do trabalho, embora sejam compulsórios. [93]

Corroboram essa assertiva as palavras de nosso Professor César. Machado Jr. [94]: "Os adicionais também são parcelas de natureza salarial concedidos em vista da execução de serviços em situações mais desfavoráveis ou gravosas."

Salário é uma contraprestação do serviço executado, que obriga o empregador. A obrigação é um dever jurídico originário, enquanto a responsabilidade de indenizar é um dever derivado ou sucessivo. Esta surge a partir da violação do dever originário. [95]

Expostas essas definições, com o devido respeito pela nossa ilustre catedrática civilista, não se pode concordar que a natureza dos adicionais de periculosidade seja indenizatória. E ainda que fosse, não seria justificativa para impedir que a vítima de acidente laboral tenha respaldo na teoria do risco para exigir indenização do seu empregador, mas se restrinja apenas à teoria da responsabilidade subjetiva. Ao contrário, muitas vezes pagar tais adicionais já evidenciam o risco da atividade e nem sempre se comprova que foram tomadas todas as medidas necessárias para redução ou eliminação dos elementos nocivos à integridade física dos trabalhadores, conforme impõem as normas de segurança e saúde do trabalho.

O único e intransponível obstáculo para o uso indiscriminado da teoria da responsabilidade objetiva do empregador, já consagrada em matéria de infortunística [96] é de cunho constitucional, conforme se infere do Texto Maior em seu artigo 7º, inciso XXVIII, que estipula o dever do empregador de indenizar apenas quando ficar comprovado que este agiu com dolo ou culpa para a ocorrência do acidente.

Ao analisar as várias doutrinas e jurisprudências, observou-se que é predominante o entendimento quanto às questões acidentárias trabalhistas, que a reparação do dano implica em responsabilidade objetiva da Previdência Social e subjetiva do empregador. Também verificou-se, que a teoria da culpa como fundamentação da reparabilidade do dano decorrente de acidente do trabalho, por parte do empregador, não é satisfatória. Porquanto, a reparação de natureza previdenciária, em muitos casos, não mitiga os infortúnios dos lesados. Outrossim, ainda que tivessem natureza indenizatória os adicionais de periculosidade, especialmente, os irrisórios adicionais de insalubridade, não compensam as mutilações e doenças profissionais adquiridas em ambiente laboral inadequado.

5.2.2 Clamores pela responsabilidade objetiva do empregador pelos riscos de sua atividade e a barreira constitucional.

A partir da insatisfação com a responsabilidade objetiva parcial do empregador (que responde objetivamente, segundo a lei previdenciária, pelos encargos do seguro social) e, principalmente, ante o descaso de inúmeras empresas no que tange a efetivação das normas de segurança e higiene do trabalho e dos princípios da valorização do trabalho e da dignidade humana e do conseqüente aumento estarrecedor dos números de acidentes laborais, muitos operadores do direito passaram a defender teses para impor ao empregador a responsabilidade objetiva de indenizar diretamente ao empregado, ao menos nos valores que não são cobertos pelo seguro social.

Em artigo da Revista Consultor Jurídico a advogada Nadia Demoliner Lacerda [97] afirma terem os defensores da responsabilidade objetiva total do empregador nas hipóteses de acidentes laborais, festejado a determinação do parágrafo único, do artigo 927 do atual Código Civil [98], que prevê responsabilidade objetiva do empreendedor, para a reparação dos danos ocasionados ao trabalhador lesado, advindos da atividade, por aquele exercida, cuja natureza é perigosa e oferece riscos para os direitos de outrem. Diz, ainda, que estes doutrinadores estão equivocados ao interpretarem, sob a égide desse comando, que o empregado acidentado ou seus beneficiários conseguiriam a condenação do empregador ao pagamento de indenização sem a necessidade de provar a sua culpa. Afirma também, que esta interpretação é inconstitucional (conforme aplicação do critério hierárquico lex superior derogat inferiori, para verificar a validade e eficácia da norma), pois, em regra, a responsabilidade do empresário com fulcro no risco do empreendimento (CCB, art. 927, par. único), pode ser aplicada a outros casos e não às hipóteses de indenização dos danos procedentes de acidentes do trabalho, sob pena de inconstitucionalidade.

Concorda-se, em parte, com a autora, visto que a Constituição Federal consagrou no inciso XXVIII do artigo 7º, a responsabilidade subjetiva do empregador para reparar os danos oriundos de acidentes do trabalho, salvo a exceção constitucional do parágrafo 3º do artigo 225. Contudo, a norma civilista refutada por ela, ao menos, serve de respaldo para a presunção da culpa do empreendedor que assume os riscos de sua atividade, inclusive de eventuais sinistros laborais, o que pressupõe a inversão do ônus da prova.

Vale lembrar que a indenização por acidente do trabalho, embasada na responsabilidade objetiva em matéria de infortunística, é exigida porque há um risco potencial na atividade empresarial desenvolvida pelo empregador. Logo, por esta mesma razão este tem o dever de assumir os riscos dela provenientes, independentemente de culpa (CF/88, art. 7º, inc. XXVIII c/c CLT, art. 2º e CCB, art. 927, par. único), e deverá arcar com os ônus do seguro social e também demonstrar que tomou todas as medidas necessárias e possíveis para evitar a ocorrência do sinistro, sob pena de responder civil e penalmente (CF/88, art. 225, § 3º c/c Lei nº 6.938/81, art. 14, § 1º e Lei nº 8.213/91, art. 120).

Frise-se, embora o preceito do parágrafo único do artigo 927 não se aplique diretamente a todos os casos de acidentes laborais, ele enseja a presunção da culpa do empregador. Para evidenciar a culpa presumida nesses casos com fundamento do referido dispositivo, é conveniente registrar que este guarda relação com a lei penal, que estabelece como conduta culposa, o simples fato de "expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente" (CP, art. 132), para configurar o crime de perigo. É desnecessária a ocorrência de qualquer dano, porque se dessa exposição resultar lesão ou morte, a conduta do agente será enquadrada nos tipos: lesões corporais ou homicídio (CP, arts. 121 e 129). É clarividente que se da exposição aos riscos da atividade resultar danos para outrem, presume-se a culpa do agente, por se tratar de uma presunção fática. Assim, seja na área penal, ou seja, na área civil, somente será possível ao agente ou responsável pelo dano, se eximir da imputação, caso este demonstre alguma excludente da ilicitude ou da culpabilidade.

Poder-se-ia conceber o seguinte silogismo lógico: age com dolo eventual o agente que prevê a possível ocorrência do resultado danoso, mas assume o risco de produzi-lo. Existem atividades que por sua natureza, podem implicar em riscos para outrem. Logo se o empregador é aquele que assume os riscos da atividade empreendida, inclusive, a ocorrência de eventuais acidentes do trabalho, sua conduta caracteriza dolo eventual.

Tal silogismo é falso, ao considerar que mesmo as atividades perigosas são lícitas, com escopo de satisfazer as necessidades da população humana. Entretanto, a licitude da atividade empresarial pressupõe a implementação das medidas de segurança e higiene laboral, ante a preexistência de norma jurídica que impõe ao empreendedor a obrigação de, primeiramente, eliminar os riscos do trabalho ou, se impossível, no mínimo, procurar reduzi-los (CLT, art. 166 c/c NR-4, item 4.12, "a"). Então, verificar-se-á a culpabilidade da conduta do empreendedor, se este agir de forma contrária a este comando.

Um exemplo clássico da conduta típica do artigo 132 do Código Penal, o qual trata do crime de simples exposição a perigo, é o caso do empreiteiro que, para poupar-se ao dispêndio com medidas técnicas de prudência, na execução da obra, expõe o operário ao risco de grave acidente. [99] Ressalte-se, basta a exposição da pessoa ao risco, para configurar a culpa do agente e este deverá provar sua inimputabilidade para não cumprir a pena. E se dessa exposição resultar dano à vítima, ela deverá ser indenizada.

Interessante dizer que a finalidade do comando do artigo 132 do Código Penal é proteger a indenidade física e psíquica das pessoas, principalmente do trabalhador. E, por sua vez, o dispositivo do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, visa a reparação do dano e a proteção do indivíduo, ao qual cabe provar os fatos e não a culpa do agente ou responsável pela atividade. Esta se presume pela da simples evidência fática ante os riscos inerentes ao empreendimento do empregador, que poderá ser arredada se este provar as causas excludentes da sua responsabilidade. Enfim, estes preceitos objetivam a pacificação social e não a simples punição do agente. Ademais, "se o patrão é quem recolhe os benefícios da produção; logo, há de ser ele quem suporte não só os riscos da perda de materiais, como os [riscos] resultantes dos acidentes sofridos pelos operários". [100]

Dessa inferência, conclui-se que os infortúnios laborais oriundos da ausência de cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, seja por dolo eventual ou culpa stricto sensu, é uma ofensa social e por conseguinte implica em punibilidade penal e civil.

É verdade que a "socialização dos riscos" [101] e a moderna forma de cobertura das indenizações ligadas à infortunística deixam a desejar, mas é forçoso dizer que, na inexistência de emenda constitucional que revogue a última parte do inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição, prevalece como regra geral a responsabilidade civil subjetiva do empregador (cujos pressupostos são a imputabilidade e a culpabilidade), ressalvados os casos de responsabilidade objetiva relacionados a acidentes do trabalho originários de danos ambientais, nos termos do parágrafo 3º, do artigo 225 do Texto Maior combinado com os dispositivos do parágrafo 1º, do artigo 14 da Lei nº 6.938/81 e do artigo 120 da Lei nº 8.213/91.

Por conseguinte, têm razão os doutrinadores ambientalistas (que desejam fazer cumprir as normas ambientais de segurança e medicina do trabalho) ao defenderem a aplicabilidade do parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição Federal combinado com o parágrafo 1º do artigo 14 da Lei nº 6.938/81 com escopo de obrigar, objetivamente, os empreendedores responsáveis por danos ao ambiente laboral, inclusos os prejuízos individuais de seus empregados, vítimas de acidentes do trabalho.

Celso Antônio Fiorillo e Marcelo Abelha Rodrigues, ambientalistas de renome nacional, são categóricos ao afirmarem que a tutela ao meio ambiente, especificamente ao meio ambiente do trabalho, bem como os princípios da valorização do trabalho e da dignidade humana têm como meta prioritária tutelar o bem maior – o direito à vida. Destarte, "o que se procura, salvaguardar é, pois, o homem trabalhador, enquanto ser vivo, das formas de degradação e poluição do meio ambiente onde exerce o seu labuto, que é essencial à sua vida. Trata-se, pois, de um direito difuso". [102]

A proteção da qualidade ambiental em todas as suas modalidades, cuja finalidade é antropocêntrica, visto que o homem está inserido no ecossistema, tem como objetos básicos de tutela: a saúde, a segurança e o bem-estar da população e da biota. E devido à magnitude desse direito, para efetivar a sua tutela, o parágrafo 3º do artigo 225 da Constituição, regulamentado nos termos do parágrafo 1º, do artigo 14 da Lei nº 6.938/81, prevê a responsabilidade civil objetiva, para a reparação dos danos ambientais, inclusos os danos ao ambiente laboral ao estipular que:

§ 3º. As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

A lei ambiental nº 6.938/81, em seu parágrafo 1º, define que:

§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio ambiente.

Portanto, qualquer conduta ou atividade, lícita ou ilícita, culposa ou não, desde que lese o meio ambiente, implica em obrigação do autor de reparar o dano ambiental e os prejuízos causados a terceiros, inclusive, a integridade física destes.

Trata-se, nitidamente, de responsabilidade civil objetiva daquele que violar direito difuso ou coletivo, ao provocar dano ambiental.

Assim, com base nas normas mencionadas, se uma pessoa alheia à atividade de determinada fábrica, ali entrar, no momento de uma explosão, e tiver amputado uma parte do corpo em razão daquele sinistro, deve ser indenizada com base na teoria do risco, sendo obrigada apenas provar o nexo causal.

Pergunta-se: E se um empregado, devido à mesma explosão, tiver sido mutilado, somente será indenizado se provar a culpa do empregador? Não é tratar o bem da vida sob duas medidas? Há que se concordar com Washington de Barros Monteiro, que para esse caso aplica-se a teoria do risco profissional, em que empregado e empresa assumem juntos o risco da atividade?

Então, estamos diante de um aparente conflito de normas constitucionais entre o art. 7º, XXVIII e o § 3º do artigo 225.

Segundo Kelsen, "tal conflito de normas surge quando uma norma determina uma certa conduta como devida e outra norma determina também como devida uma outra conduta, inconciliável com aquela".

Ao analisar o conflito de normas do mesmo escalão, Kelsen ensina que quando numa mesma lei se encontram duas disposições, em que uma limita a validade da outra parcialmente, implica em exceção. Mas, para ele, não existe qualquer norma objetivamente válida. Porque quando o legislativo põe

...atos cujo sentido subjetivo é um dever-ser e que, quando este sentido é também pensado (interpretado) com o seu sentido objetivo, quando esses sentidos são considerados como normas, estas normas entram em conflito umas com as outras.

Embora o ato tenha sido posto em harmonia com a norma fundamental,...[esta] não empresta a todo e qualquer ato o sentido objetivo de uma norma válida, mas apenas ao ato que tem um sentido, a saber o sentido subjetivo de que os indivíduos se devem conduzir de determinada maneira.

Assim, a norma fundamental torna possível interpretar (pensar) o material que se apresenta ao conhecimento jurídico como um todo com sentido, o que quer dizer, descreve-lo em proposições que não são logicamente contraditórias. [103]

Como já foi afirmado o bem maior assegurado pela Constituição é a vida. Isto é, todos os comandos constitucionais têm como norma fundamental a tutela da vida. Até mesmo as normas organizacionais do Estado, somente têm sentido se forem para dar dignidade ao ser humano. Ora, o Estado Democrático Brasileiro foi instituído com o destino de "assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem internacional, com a solução pacífica das controvérsias" (CF/88, preâmbulo). E por outro lado a República Federativa do Brasil tem por fundamentos o valor social do trabalho e a dignidade humana (art. 1º, incs. III e IV), razão porque estes princípios são também as primícias da ordem econômica e social (art. 170 e 193).

Sebastião Geraldo de Oliveira [104], de forma lapidar, dá brilho a este entendimento ao dizer:

Aquele que não considerar os princípios constitucionais estará lidando apenas na periferia do Direito, ignorando as íntimas conexões do ramo específico com o seu tronco de sustentação, sua causa primeira. Avistando o continente sem captar o conteúdo, atento ao detalhe mas distraído do conjunto, não perceberá a irradiação da seiva tonificante, transitando do núcleo constitucional para abastecer e vitalizar toda a extensão que a ciência jurídica abarca. (...)

A primazia do trabalho sobre a ordem econômica e social privilegia o trabalhador antes de avaliar sua atividade; valoriza o trabalho do homem em dimensões éticas que não ficam reduzidas a mera expressões monetárias. (...)

Lançadas as premissas básicas da dignificação do trabalho, poderemos apreender, com maior profundidade, o significado e a extensão do direito à saúde do trabalhador, o direito ao meio ambiente de trabalho saudável e a redução dos riscos inerentes ao trabalho.

Conclui-se, portanto, que, numa exegese sistemática e teleológica dos princípios e normas constitucionais, deve-se acatar o comando da parte final do inciso XXVIII do artigo 7º da Constituição, que define a responsabilidade subjetiva do empregador em casos de acidente do trabalho, apenas como confirmação da regra geral, que institui a culpa como fundamento responsabilidade civil, adotada pelo nosso ordenamento jurídico. O parágrafo 3º do art. 225 combinado com o dispositivo do parágrafo 1º do artigo 14 da Lei Ambiental nº 6.938/81 (recepcionada pela Carta Maior) deve ser vislumbrado como exceção a esta regra ao impor a reparação dos danos ambientais, inclusive dos danos ao ambiente laboral, objetivamente. Esclarece-se: aplica-se a responsabilidade subjetiva do empregador, única e exclusivamente, se as hipóteses de acidente laboral não advier de dano ao ambiente do trabalho.

Como bem nos ensinou Kelsen, a interpretação da norma fundamental não pode levar à preposições contraditórias. E, segundo o princípio da igualdade, se uma empresa, cuja atividade causou, por alguma razão, irrefutável dano ambiental em sentido amplo (coletivo ou difuso) e, conseqüentemente, afetou qualquer pessoa, ainda que seja seu empregado, e acarretou-lhe prejuízos físicos ou não, deverá reparar todos os danos (ambiental ou individual), com base na teoria da responsabilidade objetiva, segundo o princípio do poluidor-pagador.

Mas, se houve um acidente laboral, independentemente da ocorrência de dano ambiental, a princípio [105], ao empregado cabe demonstrar a culpa do empregador.

Nessa linha de raciocínio, com brilhantismo e grande sensatez, Fábio Aurélio da Silva Alcure [106], em seu artigo Meio ambiente de trabalho e Perda Auditiva. Responsabilidade Objetiva do Empregador. dá a seguinte interpretação sistemática e teleológica dos artigos 7º, inc. XXVIII e 225, § 3º da Constituição quanto a aplicabilidade da responsabilidade civil dos danos causados ao ambiente laboral.

Assim, em relação aos acidentes de trabalho, são dois os regimes existentes quanto ao dever de indenizar por parte do empregador. Se o acidente sofrido pelo empregado não tem qualquer relação com uma agressão ao meio ambiente de trabalho, o empregador só tem o dever de indenizar se tiver agido com dolo ou culpa. Como exemplo, se um empregado cai de uma escada e vem fraturar um dos braços, o empregador só é obrigado a indenizar se a escada não estava em condições de uso ou se não foi exigido do trabalhador a utilização de equipamento de segurança; não se pode responsabilizar o empregador se não houve culpa de sua parte. Agora, se o acidente de trabalho guarda um nexo de causalidade com uma lesão ao meio ambiente como um todo, não há que se analisar de quem é a culpa pelo acidente; neste caso, o empregador deve responder civilmente pelo danos decorrentes do acidente. A perda auditiva, dano reflexo do dano ao meio ambiente de trabalho causado pelo ruído, talvez seja o melhor exemplo dessa última espécie de acidente de trabalho. A responsabilidade subjetiva do empregador relaciona-se ao direito individual do empregado de ver-se indenizado dos prejuízos sofridos em decorrência de acidente de trabalho para o qual concorreu culposamente. Já a sua responsabilidade objetiva fundamenta-se no direito difuso (quando se considera a totalidade dos trabalhadores) ou coletivo (quando se tem em vista um grupo determinado de trabalhadores) a um meio ambiente de trabalho ecologicamente equilibrado. O direito individual do empregado acidentado de pleitear indenização, neste caso, é decorrência da violação de direito difuso ou coletivo preexistente.

O bom senso não permitiria que fosse diferente. As lesões experimentadas pelos empregados, em decorrência de lesões ao meio ambiente de trabalho, costumam ser mais graves do que os prejuízos reflexos de terceiros pelos danos ao meio ambiente como um todo. Enquanto estes, normalmente, têm prejuízos econômicos, aqueles são vítimas de acidentes que lhes comprometem a integridade física, bem de muito maior valor. Atribuir responsabilidade civil aos empregadores, nestes casos, apenas quando provada a sua culpa, estabelecendo regimes diferentes de responsabilidade se os danos são ao meio ambiente domo um todo ou ao meio ambiente de trabalho específico, é destruir os pilares constitucionais da República Federativa do Brasil, que, fundada no valor social do trabalho (art. 1º, IV) e tendo na valorização do trabalho humano e no primado deste as bases de ordens econômica e social (art. 170 e 193), pretende-se um Estado Democrático de Direito.

Enfim, as referidas normas constitucionais apenas apresentam conflito aparente, mas na verdade cada uma tem sua finalidade, conforme o caso concreto a ser analisado. Portanto, o dispositivo da parte final do inciso XXVIII do artigo 7º da Carta Magna não impede a aplicabilidade da objetivação da culpa empregador nos casos de reparação por acidentes do trabalho advindos de lesão ao ambiente laboral.

Entretanto, é imperioso dizer que, a imposição constitucional da responsabilidade subjetiva do empregador para solucionar os demais casos de infortúnios sofridos pelos operários em razão de seu lavor, contraria o princípio protetor trabalhista. Não se pode esquecer que são notórios os obstáculos encontrados pelo trabalhador hipossuficiente e vulnerável para comprovar a culpabilidade do empregador. Para arredar esses percalços de uma vez por todas, seria de suma importância a aplicabilidade do parágrafo único do artigo 927 do Código Civil, ao menos para as hipóteses de sinistros trabalhistas inerentes às atividades, que por sua natureza, são perigosas. Mas o referido comando constitucional torna inaplicável esse dispositivo e, portanto, os empregadores, ainda que desempenhem, habitualmente, atividades de risco, estão livres da responsabilidade objetiva, o que impõe ao lesado, em eventuais as ações de indenização por acidente de trabalho, provar sua culpa, ressalvada a possibilidade de inversão do ônus da prova. E, por ser óbvio, tal situação somente é passível de mudança mediante emenda da Constituição, visto que as normas infraconstitucionais não podem ser instrumentos de afronta à Lei Maior, face ao princípio da supremacia da ordem constitucional.

Destarte, na maioria dos casos acidentários laborais, as dificuldades do empregado, vítima de acidente do trabalho ou de seus beneficiários, para provar a culpa do empregador ainda persistem. Mas poderão ser contornadas se os operadores do direito analisarem o acidente do trabalho, como conseqüência de dano ambiental, ou se assim não o fizer, ao menos optarem pela culpa presumida, que dá ensejo à inversão do ônus da prova, porque é o empregador que tem condições reais para provar se implantou e implementou ou não, todas as medidas necessárias para a segurança e higidez de seus trabalhadores, que são de sua estrita responsabilidade.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Maria Marta Rodovalho Moreira. Acidentes do trabalho.: Responsabilidades relativas ao meio ambiente laboral. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 472, 22 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5815. Acesso em: 26 abr. 2024.

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