Uma polêmica delação premiada

29/05/2017 às 18:10
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O artigo analisa o instituto da delação premiada enfocando caso polêmico.

Destaco do artigo publicado pelo jurista Dalmo de Abreu Dallari (Favor Penal inconstitucional) o que segue:
“Um fato de extrema importância acaba de ocorrer dentro desse quadro de denúncias, apurações e punições, causando grande surpresa e suscitando várias manifestações de indignação. Esse fato foi o exagerado benefício, um favor penal manifestamente ilegal, concedido pelo Procurador Geral Rodrigo Janot em acordo de colaboração celebrado com Joesley e Wesley Batista, controladores absolutos de uma vasta cadeia de ações criminosas, organizada e acionada a partir do comando do complexo empresarial JBS. A simples leitura do texto que registra o acordo de colaboração já deixa evidente o excessivo favorecimento dos criminosos confessos, que receberam, em troca de sua colaboração, um favor que vai muito além do que a lei permite e que lhes dará a possibilidade de, com base em registros oficiais, obter e usar um atestado de bons antecedentes. Mas além disso, antes mesmo de saber se as informações por eles fornecidas sobre seus cúmplices são falsas ou verdadeiras, já lhes foram concedidos benefícios obviamente exagerados, como a permissão para sair tranquilamente do País estabelecendo residência em Nova York, transferindo para fora do Brasil muitos milhões de reais que são apenas uma parte das elevadíssimas quantias que obtiveram ilegalmente e com prejuízo do povo brasileiro.
Com efeito, o acordo de colaboração contém a enumeração de algumas obrigações dos criminosos, como a entrega de uma lista com os nomes de pessoas que foram beneficiadas pelos crimes, mas contém também este compromisso expresso assumido pelo chefe do Parquet: “o benefício legal do não oferecimento de denúncia”, como está expresso na cláusula 4ª. do acordo de colaboração. Assim, os criminosos não serão sequer enquadrados como réus em processo criminal, podendo assim fazer a prova de bons antecedentes. Para dar a aparência de legalidade a esse extraordinário favor, é indicado o artigo 4º, parágrafo 4º, da Lei 12850, de 2013, que introduziu no sistema jurídico brasileiro a colaboração premiada. Entretanto, a leitura do conjunto de dispositivos da referida lei deixa evidente, com muita clareza, que não poderia ser concedido esse favor legal no caso de Joesleye Wesley Batista. Com efeito, no mesmo artigo 4º, parágrafo 4º da Lei 12850 está escrito com toda a clareza: o Procurador Geral da República poderá deixar de oferecer denúncia se o colaborador: I. não for o líder da organização criminosa”. Ora, pelo conjunto de informações já obtidas e publicadas fica fora de dúvida a liderança de Joesley e Wesley Batista no conjunto de pessoas e entidades envolvidas na prática dos crimes por eles confessados.”
Determina o artigo 1º,  parágrafo 5º, da Lei 12.683, o que segue:
§ 5o  A pena poderá ser reduzida de um a dois terços e ser cumprida em regime aberto ou semiaberto, facultando-se ao juiz deixar de aplicá-la ou substituí-la, a qualquer tempo, por pena restritiva de direitos, se o autor, coautor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimentos que conduzam à apuração das infrações penais, à identificação dos autores, coautores e partícipes, ou à localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime.”

A advogada  e Procuradora de Justiça do Ministério Público de São Paulo aposentada Luíza Nagib Eluf, em artigo intitulado”A Lei de Combate ao Crime Organizado”, publicado no jornal “O Estado de S. Paulo, edição do dia 24 deste mês de maio de 2017, manifestou-se sobre o caso. . Diz ela, analisando o conjunto das informações: “os irmãos Joesley e Wesley Batista não poderiam ter sido incluídos no benefício de não ser denunciados porque não se pode afirmar que eles não seriam líderes da organização e que teriam sido os primeiros a denunciar a rede criminosa e seus autores”.

A demasiada valoração da confissão do acusado, remonta aos modelos processuais penais autoritários, que conduzem um processo visando tão somente à condenação dos acusados.

Observa-se também uma inclinação do processo penal brasileiro em tratar o acusado como objeto da investigação e não como sujeito de direitos, incentivando para que o acusado abra mão de um dos seus principais direitos, o de permanecer em silêncio.

O parágrafo quinto do artigo 1º da Lei 9.613/98 foi alterado pela Lei 12.683/12, com o objetivo de ampliar as hipóteses de ocorrência da chamada delação premiada. Àquele que colaborar espontaneamente com as investigações e prestar esclarecimentos que auxiliem na apuração dos fatos, na identificação dos agentes da lavagem do dinheiro ou na localização dos bens, será beneficiado com a redução da pena, sua extinção ou substituição por restritiva de direitos.
O dispositivo, como se sabe, trata da colaboração espontânea nos crimes de lavagem de dinheiro. Estabelece os seus requisitos e consequências jurídicas, com relação a pena a ser aplicada, até admitindo a não aplicação da pena.
O ato de delação há de ser espontâneo, pois não pode ser um ato provocado por terceiro.
Disseram Gustavo Henrique Badaró e Pierpaolo Cruz Bottini (Lavagem  de dinheiro, 2ª edição, pág. 172) que a lei não estabeleceu, entre as frações variáveis de 1/3 a 2/3 de redução da pena, qual o critério a ser seguido pelo julgador para aplicar a redução mínima ou mesmo um patamar intermediário. O critério a ser seguido deverá, sem dúvida, ser a eficácia da delação, seja em termos de atingimento das finalidades previstas, na lei, seja em relação ao conjunto de elementos que o delator forneça para confirmar as suas declarações. 

O juiz não deve participar ou presenciar a delação, sob pena de colocar em risco a sua imparcialidade objetiva. 

Mister lembrar a lição de Manzini (Trattado di diritto proessuale penale, vol. II, pág. 313 a 314) quando disse "não ser conveniente, além de ser ilógico, dar valor ao testemunho às declarações do corréu em relação ao fato alheio, seja por razões de moralidade, seja para evitar fáceis e frequentes tentativas de vingança, de extorsões e de chantagens de terceiros, ou porque não se pode presumir no imputado a liberdade moral que se pressupõe da testemunha". 

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Sob o ponto de vista processual, a delação consiste na afirmação feita por um acusado ao ser interrogado em juízo ou ouvido extrajudicialmente , pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a um terceiro a participação no crime como seu comparsa.
Trata-se de um meio de prova, mas para que seja considerada, há a necessidade da presença de três requisitos: a) o corréu que fez a delação tenha confessado a sua participação no crime; b) a delação encontre amparo em outros elementos de prova existentes nos autos; c) no caso de delação extrajudicial, que tenha sido confirmada em juízo. Sem esses requisitos e sem que tenha sido respeitado o contraditório, com possiblidade de reperguntas pelas partes, a delação não tem qualquer valor, sendo um ato que é destituído de eficácia jurídica.
Discute-se a delação premiada como instituto de perdão judicial.
É forma de extinção da punibilidade.
Perdão judicial é um instituto jurídico que possibilita a não condenação do réu em virtude da inexistência da necessidade de que punir o mal causado pelo acusado. Não se trata de sentença absolutória.
Cabe esclarecer que as hipóteses de perdão judicial não são aleatórias, mas sim, encontram fundamento em lei, como se pode verificar nos termos do artigo 107, IX do Código Penal:
Sobre ele, explicou Mirabete(Manual de direito penal, 22ª edição):
 “O perdão judicial é um instituto através do qual o juiz, embora reconhecendo a coexistência dos elementos objetivos e subjetivos que constituem o delito, deixa de aplicar a pena desde que apresente determinadas circunstâncias excepcionais previstas em lei e que tornam desnecessária a imposição da sanção. Trata-se de uma faculdade do magistrado, que pode concedê-lo ou não, segundo seu critério, e não de direito do réu. Há, porém, posições em sentido contrário.”
Também pode ser concedido o perdão judicial ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com as investigações e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado a identificação dos demais coautores ou participes da ação criminosa, a localização da vítima com a sua integridade física preservada e a recuperação total ou parcial do produto do crime, tendo o juiz em conta a personalidade do beneficiário e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso (art. 13 e parágrafo único da Lei nº 9.807, de 13-7-1999, que estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas). Na Lei nº 9.613, de 3-3-1998, prevê-se também a possibilidade do perdão judicial ao agente que colabora espontaneamente com as autoridades na apuração dos crimes de lavagem ou ocultação de bens, direitos ou valores (art. 1º, §5º)” (MIRABETE, 2005).
Paulo Henrique Gomiero( A delação premiada: o perdão judicial  como direito subjetivo do colaborador)   acentua o perdão judicial como direito subjetivo do delator.
De toda sorte há de observar na espécie o principio da proporcionalidade.
Conhecido ainda como princípio da menor ingerência possível, consiste no imperativo de que os meios utilizados para consecução dos fins visados sejam os menos onerosos para o cidadão. É o que conhecemos como proibição do excesso.
Há ainda o que se chama de proporcionalidade em sentido estrito, que se cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos. Pesam-se as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim.
Com o devido respeito não se observou o principio da proporcionalidade e os imperativos legais para a espécie.
Seria caso do MPF pedir pelo menos a aplicação de medidas restritivas de direito, a teor do artigo 319 do Código de Processo Penal. A delação premiada não significa impunidade. É caso de denúncia, trazendo a materialidade e autoria dos crimes cometidos e, ao final, o pedido ao Judiciário para homologar ou não o pedido premial.
O instituto da delação premiada se perfaz quando o agente colabora de forma voluntária e efetiva com a investigação e com o processo penal. Seu testemunho deve vir acompanhado da admissão de culpa e servir para a identificação dos demais coautores ou partícipes, e para esclarecimento acerca das infrações penais apuradas.
A delação premiada foi instituída como forma de estímulo à elucidação e punição de crimes praticados em concurso de agentes, de forma eventual ou organizada, como se lê do artigo 4º e do artigo 159 do Código Penal, na redação que lhe foi dada pelas Leis nºs 8.072/90 e 9.269/96, § 2º, do artigo 24, da Lei nº 7.492/86, acrescentado pela Lei nº 9.080/95, parágrafo único, do artigo 16 da Lei nº 8.137/90, acrescentado pela Lei nº 9.080/95; artigo 6º, da Lei nº 9.034/95 e § 5º, do artigo 1º, da Lei nº 9.613/98.
Recentemente, a matéria foi tratada na Lei que trata do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Lei nº 12.529/2011, no artigo 86. A delação premiada foi objeto ainda da Lei nº 9.807/99 (artigo 14) e da Lei de Drogas, Lei nº 11.343/06, artigo 41.
O artigo 4º, parágrafo 5º, da Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013), estabelece que se a delação for posterior à sentença, a pena poderá ser reduzida pela metade ou será admitida a progressão imediata de regime. Contudo, não há a possibilidade de perdão judicial que existe para contribuições no começo das investigações. De acordo com o professor de Processo Penal da USP, Gustavo Henrique Badaró, não há limite temporal para colaborar com a Justiça. Isso pode ser feito inclusive após o trânsito em julgado da condenação.

 Cezar Roberto Bitencourt, autor do "Tratado de Direito Penal" e doutor, já afirmou em artigos que a delação premiada está "eivada de inconstitucionalidades", e questionou os fundamentos do Estado ao conceder benefícios a um criminoso que delata crimes que ele não conseguiu combater.

"É no mínimo arriscado apostar em que tais informações, que são oriundas de uma traição, não possam ser elas mesmas traiçoeiras em seu conteúdo", afirmou, em artigo publicado no site "Consultor Jurídico", em dezembro de 2014. "Certamente aquele que é capaz de trair, delatar ou dedurar um companheiro movido exclusivamente pela ânsia de obter alguma vantagem pessoal, não terá escrúpulos em igualmente mentir, inventar, tergiversar e manipular as informações que oferece para merecer o que deseja."

Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Júnior e Fábio de Almeida Delmanto (Código penal comentado, 6ª edição, pág. 364), analisando o artigo 159 do Código Penal, em seu parágrafo quarto, apontaram, em observações contidas no artigo “Delação na extorsão mediante sequestro” (RT 667/387), a incoerência da redação do artigo 7º da Lei nº 8.072/90 (Se o crime é cometido por quadrilha ou bando, o co-autor que denunciá-lo à autoridade, facilitando a libertação do sequestrado, terá sua pena reduzida de um a dois terços), pois se houvesse a prática do crime do art. 159 em concurso material com o artigo 288 (quadrilha ou bando, que exigia mais de três pessoas), o delator seria beneficiado; se, ao contrário, ocorresse apenas a prática do delito do art. 159, com até três agentes, aquele que delatasse os comparsas não faria jus à diminuição de pena. Disseram eles que essa incoerência veio a ser corrigida pela nova redação do § 4º, dada pelo art. 1º da Lei nº 9.269/96, beneficiando o delator ainda que os agentes sejam somente dois ou três. Tal redação mais benéfica deve retroagir.
“ Ministério Público não é dono do perdão”, sintetizou um ministro do Supremo ao comentar a péssima repercussão que a anistia a Joesley e Wesley Batista teve na sociedade.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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