RESUMO: O presente trabalho visa tecer considerações jurídicas sobre a isenção de tributos dirigida aos agentes da segurança pública nacional. Ao longo da explanação, como resultado de pesquisas documentais, jurisprudenciais e doutrinárias, será possível constatar que há um número significativo de iniciativas governamentais visando à implementação do instituto em tela; igualmente, será abordada a temática da possibilidade de deflagração do processo legislativo isencional por meio de Projeto de Lei. Tópico de curial importância, a isenção total dos tributos incidentes sobre a categoria funcional receberá considerações sobre sua factibilidade, assim como, da mesma forma, será objeto de atenção a isenção sobre aquisição de armas e veículos.
Palavras-chave: Isenção Tributária, IPI, ICMS, Segurança Pública, Policiais, Armas, Veículos.
Introdução
Problematização
O tema objeto deste trabalho, ao longo dos anos, tem suscitado crescente e significativo debate em âmbito governamental e funcional.
A isenção dos tributos incidentes sobre os agentes de segurança pública é matéria que necessita, para sua concretização, ser aprovada e incorporada ao ordenamento jurídico por meio de lei (em sentido estrito); entretanto, aspectos sociais e técnicos atinentes à ciência jurídica tributária necessitam ser observados para o êxito do intento.
Nesta senda, observou-se que há em alguns estados uma tendência em conceber que a iniciativa legislativa isencional é privativa do poder executivo, limitando-se o legislador à aprovação de indicativo de anteprojeto de lei, ou seja, simples sugestão da edição da lei ao poder executivo; tais ocorrências embora em número diminuto, revelam que existe, por parte do poder legislativo, um certo desconhecimento no trato da matéria.
Outro aspecto que desperta atenção é a postulação por isenção total de tributos, inserta em algumas proposições legislativas, aspecto que suscita ponderações quanto ao seu respaldo na ordem jurídica tributária, seja sob a ótica da competência legislativa, seja sob o prisma da razoabilidade da distinção atinente à categoria da segurança pública.
Noções fundamentais
A isenção tributária tem fundamento normativo na Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB) em seu artigo 150, § 6º e regulamentação pelo Código Tributário Nacional (CTN), lei 5.172/1966 no artigo 175 e no capítulo V, seção II, artigo 176 e seguintes; além de tratamento também abordado pela Lei de Responsabilidade Fiscal no artigo 14, § 1o.
A isenção é causa de exclusão do crédito tributário, conforme preconiza o art. 175 do CTN.
O instituto consiste em dispensar, por meio de lei, o pagamento do tributo, neste ponto guardando semelhança com a imunidade, diferindo desta, entretanto, por haver ocorrência do fato gerador previsto na lei tributária em abstrato, situando-se, assim, no campo da incidência tributária, conforme doutrina majoritária[1], a qual conta com posicionamento favorável do Supremo Tribunal Federal (STF).
Ademais, a lei deve ser específica, ou seja, somente deve veicular matéria atinente à dispensa de pagamento de tributo, conforme preconiza a Constituição Brasileira em seu artigo 150, § 6º.
1. Iniciativas governamentais
Ao longo das últimas décadas tem-se observado uma profusão de projetos de lei, indicativos de projeto de lei e até mesmo decretos executivos, visando a integração ao ordenamento jurídico de normas isentivas de tributos direcionadas aos profissionais da segurança pública nacional.
Não é difícil associar este fenômeno ao aumento vertiginoso da violência na sociedade no período. Várias iniciativas parlamentares, na órbita federal e estadual, sensibilizam-se à situação de hipossuficiência experimentada pelo agente de segurança pública, o qual muitas vezes tem uma remuneração defasada, consignando-se em uma tentativa de amenizar este quadro, para que o profissional possa ter uma vida mais digna e menos perigosa, frente às adversidades inerentes à sua condição.
Órbita Federal
Na órbita federal, visando majoritariamente o Imposto Sobre Produtos Industrializados – IPI, há no mínimo 16 (quinze) projetos de lei tramitando ou findos, na Câmara do Deputados, embora nenhum até o momento tenha logrado êxito na conversão em lei.
Para uma melhor apreciação do assunto objeto deste trabalho, apresenta-se subsequentemente um panorama informativo contendo dados sobre a autoria do projeto de lei na Câmara dos Deputados, objeto da isenção e categoria profissional abrangida. Quanto ao objeto, em todas as proposições, visou-se a isenção do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI; quando houve outro tributo contemplado, este foi indicado no campo observação.
A pesquisa dos elementos apresentados na tabela[2] é fruto de pesquisas no sitio www2.camara.leg.br, baseada no projeto originário, havendo a possiblidade de que eventos parlamentares posteriores insiram ou excluam categorias funcionais, tributos e objetos. Vejamos:
Tabela 1 – Projetos de Lei apresentados na Câmara dos Deputados
Projeto de Lei nº |
Autor |
Objeto |
Categoria |
Observação |
6306/2016 |
Alexandre Leite - DEM/SP |
Veículos |
Art. 144 + GM e Agentes Penitenciários |
|
5784/2016 |
Capitão Augusto - PR/SP |
Veículos |
Art. 144 |
|
1214/2015 |
Cabo Sabino - PR/CE |
Armas de fogo, munição, vestuário profissional, colete balístico, automóveis e blindagem de Veículos |
Lei 10.826, art. 6º, § 1º-B, I, II, III, V e VI (Est. Desarmamento) |
|
344/2015 |
Capitão Augusto - PR/SP |
Armas de fogo |
Incisos I a VII e X e o § 5º e art. 6o da Lei 10.826 |
Isenção de todo e quaisquer tributos. Aprovado na CSPCCO restrito ao IPI. |
3600/2015 |
Laerte Bessa - PR/DF |
Armas,munições e afins |
Policiais, BM e GM |
Todos os tributos |
7425/2014 |
Major Fábio - PROS/PB |
Armas de fogo |
Art. 144 + GM, Agentes Penitenciários e Oficiais de Justiça |
|
6695/2013 |
Nilda Gondim - PMDB/PB |
Proteção Balística + Veículos |
Art. 144 + Magistrados e Promotores de Justiça |
IPI + II, ICMS e ISS |
5147/2013 |
Major Fábio - DEM/PB |
Veículos |
Art. 144 + GM e Agepen. |
|
5144/2013 |
Aline Corrêa - PP/SP |
Armas de fogo |
Segurança pública estadual |
|
3180/2012 |
Aureo - PRTB/RJ |
Veículos |
PM e BM |
limitados a 1000 CC |
2975/2011 |
Aureo - PRTB/RJ |
Veículos |
PM e BM |
limitados a 1000 CC |
2281/2011 |
Costa Ferreira - PSC/MA |
Veículos |
PM |
|
913/2011 |
Nilton Capixaba - PTB/RO |
Veículos |
Art. 144 |
|
6256/2009 |
Major Fábio - DEM/PB |
Veículos |
PM e BM |
Arquivado |
5411/2009 |
Capitão Assumção - PSB/ES |
Proteção Balística + Veículos |
Autoridades públicas e órgãos públicos |
IPI + II, ICMS e ISS. Arquivado |
4242/1993 |
Luciano Pizzatto – PFL/PR |
Armas |
Policiais |
IPI + II. Arquivado |
FONTE: Sítio http://www2.camara.leg.br
Dos resultados encontrados na pesquisa, resulta que apenas o PL 344/2015, de autoria do Capitão Augusto - PR/SP, logrou superar a fase inicial de tramitação, havendo sido aprovado pela Comissão de Segurança Pública e Crime Organizado.
Os demais projetos (salvo os arquivados) estão sob tramitação conjunta, apensados ao PL 2319/2007, tendo recebido parecer desfavorável por parte do relator na Comissão de Finanças e Tributação, deputado Manoel Junior, votando pela incompatibilidade e inadequação financeira e orçamentária, porém ainda aguardam aprovação pelo colegiado, o que é possível através do voto dos demais integrantes.
Da análise das proposições resulta, ademais, que há um pequeno quantitativo que pleiteia uma pretensa isenção “total” de impostos, a qual, conforme será abordado mais adiante neste trabalho, afigura-se inviável sob a perspectiva tributária.
Órbita Estadual
Na órbita estadual, os resultados da pesquisa foram menos precisos, pois, na maioria expressiva dos sítios eletrônicos dos órgãos emissores das fontes de informação, não constam dados sobre o status da tramitação legislativa e, em alguns casos, não se pode sequer encontrar a proposição na fonte oficial, resultando a pesquisa consistente apenas em dados fornecido por sítios particulares de notícias.
Vale ressaltar que, por uma questão de competência, o objeto das proposições legislativas estaduais abarca somente a isenção do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS.
Tabela 2 – Projetos de Lei, Leis e Decretos na órbita estadual
Projeto/Norma |
UF |
Autor |
Objeto |
Categoria |
Observação |
PL 38/2016 |
MT |
Wilson Santos |
Armas de fogo, munição, coletes a prova de bala e demais acessórios. |
PM, PC e BM |
|
PL 18/2016 |
PI |
Juliana Moraes Souza |
Arma de fogo |
Segurança pública |
Conversão em Indicativo de Projeto de Lei |
PL1433/2016 |
RJ |
Rosenverg Reis |
Arma de fogo |
PM e PC |
|
PL1515/2016 |
RJ |
Martha Rocha |
Armas de fogo |
PM e PC |
|
PL 237/2016 |
TO |
Osires Damaso |
Armas de fogo, acessórios e munições |
Art. 6° da Lei Federal n° 10.826 |
|
PL 447/2008 |
SP |
Ed Thomas |
Arma de fogo, munição e colete a prova de bala |
PM e PC |
|
PL |
PR |
Mauro Moraes |
Arma de fogo |
PM e PC |
|
Anteprojeto de Lei |
AC |
Heitor Junior |
Armas de fogo e coletes Balísticos |
PM, PC, e BM |
|
Projeto de Indicação |
SE |
Soldado Prisco |
Arma de fogo |
PM, PC e BM |
Ao Governador |
Veto ao PL 346/2015 |
GO |
Governador |
Armas de fogo, munições, equipamentos militares |
Segurança pública |
Reequilíbrio fiscal |
Decreto 12.135 /2006 |
MS |
Governador |
Revólver calibre 38 ou pistola calibre 380 |
PM, PC, Agepen e BM |
|
Decreto 30.854/12 |
CE |
Governador |
Revólver, calibre .38 e pistola .380 e .40 |
PM, PC, e BM |
|
Lei 3.829/2016 |
RO |
Legislativo |
Arma de fogo, munição e colete a prova de bala e acessórios |
PM, PC, Agepen e BM |
|
Lei n° 10.180/2017 |
RN |
Legislativo |
Arma de fogo |
PM, PC, Agepen e GM |
Houve veto ao Projeto de Lei Complementar por ausência de convênio no CONFAZ. Posteriormente foi derrubado. |
Lei 3651/2001 |
RJ |
Legislativo |
Automóvel Popular |
PM, PC, e BM |
Declarada Inconstitucional |
FONTE: Sítios web das assembleias legislativas, poder executivo e de notícias.
Dos resultados encontrados na pesquisa, resulta que o legislador estadual esteve em dúvida sobre a forma correta de deflagração do processo legislativo, pois, embora na maioria expressiva dos casos tenha se utilizado do Projeto de Lei, em outros valeu-se de “indicativo” ou até mesmo de “anteprojeto” de lei, dirigido ao chefe do executivo.
Da mesma forma, titubeou quanto à veiculação das normas, pois, ora se utilizou de Projeto de Lei Ordinária, ora de Projeto de Lei Complementar, valendo-se até mesmo de Decreto Executivo, o que, no último caso, outrossim, revela descompasso com o mandamento constitucional inserto no artigo 150, § 6º.
De outra banda, em oposição à orbita federal, se afigura salutar haver duas leis estaduais devidamente aprovadas sobre o tema (Rondônia e Rio Grande do Norte).