Capa da publicação A Lei de Improbidade Administrativa e o controle de conduta dos gestores públicos
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O papel da lei de improbidade administrativa no controle dos desvios de conduta dos gestores públicos

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07/07/2017 às 15:28
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A Lei de Improbidade Administrativa é bastião da moralidade dos gestores públicos e vem funcionando como importante instrumento normativo de controle da Administração. Conheça seus principais aspectos e porque o papel que desempenha na superação do quadro de apropriação privada da coisa pública é fundamental.

INTRODUÇÃO

O administrador público gerencia um patrimônio que não lhe pertence, cabendo-lhe exercer o encargo de zelar adequadamente pelos interesses da coletividade. Por se encontrar na condição de gestor dos interesses de outrem, é fundamental que haja um controle sobre a sua atuação, de forma a assegurar que o interesse perseguido seja sempre o coletivo.

Para garantir a incolumidade dos seus interesses, a Administração Pública se cerca de mecanismos de controle voltados à fiscalização procedimental dos seus gestores, valendo-se, para isso, de um conjunto de instrumentos internos de fiscalização, mediante a atuação de estruturas integrantes do próprio órgão controlado, bem como também se vale de outros órgãos públicos, cuja finalidade precípua é fiscalizar a atuação dos gestores públicos. Isso é o que se denomina, segundo explica Mello (2009, p.927), de controle interno na primeira situação e externo, na segunda.

No entanto, para que as estruturas de controle interno e externo funcionem a contento, faz-se necessária a existência de instrumentos normativos eficientes, sendo um desses materializado na Lei nº 8.429/1992, também conhecida como Lei de Improbidade Administrativa.

No presente trabalho, a partir de uma análise dos princípios balizadores da Administração Pública, estabelecidos pela Constituição Federal, busca-se demonstrar a importância da Lei nº 8.429/1992 para a moldagem de uma Administração Pública verdadeiramente voltada para os interesses da coletividade e comprometida com a superação do crônico quadro de apropriação privada do Estado que tem sido uma constante no Brasil desde os tempos coloniais.


1 BALIZAS PRINCIPIOLÓGICAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

A Constituição Federal, em seu artigo 37, determinou a observância compulsória, no âmbito da Administração Pública, dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Trata-se de conjuntura principiológica a partir da qual a gestão pública é instrumentalizada e informada a partir da vigência da Carta de 1988.

Quando se quer avaliar se determinado procedimento de gestão pública ou se certa norma de natureza administrativa é compatível ou não com a Constituição Federal, é fundamental buscar nesse conjunto de princípios orientação, pois se um deles não tiver sido observado, é possível afirmar, com certa segurança, que a conduta do gestor público ou a norma avaliada, mostra-se incompatível com o modelo de gestão pública estabelecido na Constituição em vigor.

Passa-se, portanto, a avaliar, ainda que de forma breve, cada um desses princípios.

1.1 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE

Legalidade é princípio elementar quando se discute Administração Pública. Ele constitui a baliza fundamental que norteia a forma como os gestores devem se portar no desempenho de suas atribuições.

A importância do princípio da legalidade é tal no Direito Administrativo que Madeira (2008, p.10), considera-o como “a noção capital do Estado de Direito” e a “bússola norteadora da Administração pública”.  Já Faria (2007, p. 45), tece a respeito da legalidade as seguintes considerações:

O princípio da legalidade, no sistema jurídico positivo, é o mais importante deles, sem desmerecer os outros, que são também importantes. A observância da legalidade é fundamental na realização administrativa do Estado. [...]. O agente público deve praticar ato se determinado ou permitido por lei no sentido lato. Atos praticados sem a observância dessa regra são inválidos, não podendo, por conseguinte, produzir efeitos válidos.

Por mais que o administrador público seja bem-intencionado ao praticar um determinado ato administrativo, se a sua atuação não se encontrar respaldada numa autorização legislativa, o ato praticado é viciado, pois não lhe é dado atuar violando a lei. Por outro lado, os mecanismos de controle da Administração não são considerados legítimos se não estiverem respaldados em autorização legislativa, estruturando-se uma equação entre a forma como o Administrador Público deve proceder e os mecanismos legítimos para fiscalização dos seus atos, exercendo o princípio da legalidade, nas duas conjunturas, papel nuclear.

Dessa forma, a legalidade é a baliza dentro da qual o administrador público se movimenta e, é com base nela também que os seus atos são submetidos a controle.

1.2 OS PRINCÍPIOS DA MORALIDADE E DA IMPESSOALIDADE E OS PARADIGMAS ÉTICOS DA SOCIEDADE BRASILEIRA

Quando se lida com interesses de outrem, a honestidade é um dos atributos que mais se espera no gestor. Infelizmente, essa qualidade nem sempre se faz presente no caráter de alguns administradores públicos.

No Brasil, o Estado foi construído de forma patrimonialista. Os administradores não costumavam enxergar no interesse público o foco principal de sua atividade. Proteger interesses pessoais ou de terceiros era, não raras vezes, o norte principal da atuação gerencial.

Ao longo da história brasileira, tem sido muito difícil para os gestores públicos compreender que os bens por eles geridos não lhes pertence. Por outro lado, para a população em geral, arraigou-se culturalmente uma profunda inércia em relação aos desmandos praticados por alguns gestores públicos, em razão da falta de entendimento de que os bens dilapidados ou objeto de uso privado pertencem a coletividade e, portanto, a cada um dos indivíduos que a integram, sendo fundamental que cada cidadão assuma o encargo de zelar por eles, reclamando a devida punição dos gestores desonestos.

Mas a cultura de apropriação privada do Estado, cujas raízes remontam no Brasil à administração portuguesa durante a fase colonial, vem impedindo a consolidação de uma visão republicana em relação ao patrimônio público. O mesmo modelo colonial de gestão do Estado, no qual o rei considerava o Estado como seu patrimônio, podendo dele se utilizar para distribuir honrarias e benesses aos seus protegidos, arraigou-se na cultura brasileira, percorrendo os séculos e maculando as entranhas da Administração Pública nacional.

O zelo pela coisa pública e o sentimento de posse do patrimônio estatal são conceitos de difícil incorporação na consciência coletiva brasileira. Para uma parcela da população parece que os atos de desonestidade no gerenciamento da coisa pública somente são inaceitáveis quando ela não se encontra sendo, direta ou indiretamente, beneficiária dos desmandos administrativos.

A desonestidade, a corrupção, o mau caráter, não são comportamentos de seres etéreos que, inexplicavelmente, adentram nos meandros da Administração Pública e passam a controlá-la, gerindo-a em benefício próprio. A corrupção é reflexo de uma sociedade doente, cujos indivíduos se sentem indignados com os ilícitos praticados por maus gestores, ao mesmo tempo em que não deixam passar a oportunidade, por exemplo, de oferecer algum valor ao guarda de trânsito, a fim de os livrar da responsabilização por uma infração administrativa.

O desonesto, o corrupto, o imoral, é parte da mesma sociedade que se mostra indignada com os seus atos. Ele não é um ser estranho. Ao contrário, pertence às suas entranhas e se sentirá cada vez mais à vontade para agir à medida em que perceber que os seus atos nada mais são do que a maximização dos desmandos cotidianos existentes nas mais diversas esferas da sociedade à qual integra.

É pertinente a essa altura, a transcrição das considerações de Garcia (2014, p. 53), que seguem:

A corrupção está associada à fragilidade dos padrões éticos de determinada sociedade, os quais se refletem sobre a ética do agente público. Por ser ele, normalmente, um mero “exemplar” do meio em que vive e se desenvolve, um contexto social em que a obtenção de vantagens indevidas é vista como prática comum dentre os cidadãos, em geral, certamente fará com que idêntica concepção seja mantida pelo agente nas relações que venha a estabelecer com o Poder Público. Um povo que preza a honestidade provavelmente terá governantes honestos. Um povo que, em seu cotidiano, tolera a desonestidade e, não raras vezes, a enaltece, por certo terá governantes com pensamento similar.

O sentimento de que a corrupção, a desonestidade e o descaso com a coisa pública se tornaram situações rotineiras no Brasil nada mais é do que o reflexo de uma sociedade eticamente doente, que reclama honestidade de quem a governa, mas, ao mesmo tempo, não possui um padrão ético compatível com o esperado dos seus governantes.

 Talvez uma das maiores verdades existentes quando se discute a questão ética na Administração Pública é que dificilmente haverá corruptos se não houver corruptores. Se a sociedade brasileira, de fato, pretende banir a corrupção das entranhas da administração pública, precisa, em primeiro lugar, submeter-se a um processo de purgação coletiva, alterando completamente a sua forma de agir, transformando em padrão ético de cada cidadão aquele esperado dos seus governantes.

É preciso educar os brasileiros para a cidadania, levando-os a problematizar o estigma patrimonialista que ainda campeia a nossa Administração Pública, pois como lembra Freire (2014, p. 93), “ a libertação autêntica, que é a humanização em processo, não é uma coisa que se deposita nos homens. ” É preciso produzir nos brasileiros a consciência de que a coisa pública pertence a todos e não a uma casta de privilegiados que vem se apropriando do Estado ao longo do tempo.

Essa cultura patrimonial enferma, legada pelo colonialismo português, precisa ser extirpada do inconsciente coletivo nacional. Cada indivíduo necessita lembrar que a coisa pública não pertence a ninguém individualmente e sim a coletividade e que os gestores públicos não são nada mais do que meros mandatários da sociedade. Dessa forma, quando cada um entender que deve agir segundo o padrão moral que almeja ver observado pelos seus governantes, o Brasil terá dado um passo fundamental para uma mudança de tratamento do interesse público.

Assim, poderíamos dizer que o mais eficiente controle da Administração Público é o popular. Aquele no qual cada cidadão se sente responsável pelo adequado gerenciamento do patrimônio coletivo e, ao se deparar com ilícitos dos gestores públicos, sente-se na responsabilidade de denunciar aos órgãos competentes a conduta praticada, esperando a responsabilização do gestor desonesto.

Logo, poderíamos dizer que, ao lado do controle interno e externo da Administração Pública, que são formais e adstritos ao princípio da legalidade, existe o controle popular, de conteúdo ético e que expressa o espírito de cidadania e de responsabilidade pelo patrimônio coletivo, encontrando-se difuso na sociedade. É ele que provocará a verdadeira mudança no trato da coisa pública no Brasil, uma vez que os mecanismos de controle formais da administração pouco podem fazer em favor dela se não existir esse impulso popular reclamando o funcionamento desses mecanismos.

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É dentro desse contexto, que dois princípios colocados ao lado da legalidade no artigo 37 da Constituição Federal merecem uma adequada reflexão quando se discute o padrão ético que se espera dos gestores públicos. Trata-se dos princípios da moralidade e da impessoalidade.

O princípio da impessoalidade reclama o tratamento isonômico no âmbito da Administração Pública. Os indivíduos devem ser atendidos de acordo com os parâmetros fixados em lei, não podendo existir espaço para qualquer tipo de privilégio. Se bem observado, esse princípio é uma das mais fortes armas da cidadania contra o patrimonialismo estatal, o sentimento de posse que permeia a administração pública brasileira.

Mello (2009, p.114) explica que o princípio da impessoalidade

[...], traduz a ideia de que a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismo nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia.

Tem-se, portanto, no princípio da impessoalidade um forte antídoto contra o patrimonialismo do Estado brasileiro. A partir do momento que em houver uma compreensão coletiva de que não é admissível qualquer tipo de apropriação ou utilização privada da coisa pública, a sociedade brasileira terá dado um largo passo em direção a erradicação da corrupção e da desonestidade do seu meio.

É preciso que cada indivíduo compreenda que somente pode almejar receber da Administração aquilo legalmente lhe for devido. Nada a mais ou a menos do que isso. É fundamental que os cidadãos passem a enxergar nos administradores públicos a figura de meros responsáveis pelo atendimento das demandas coletivas segundo as prescrições legais. Esse sentimento de cidadania precisa se difundir a ponto de ninguém admitir que qualquer servidor público aja como se estivesse prestando um favor ao cidadão quando da outorga de uma prestação pública.

O servidor público, como a própria denominação evoca, nada mais é do que alguém remunerado pela sociedade para a servir. É esse tipo de compreensão que necessita se consolidar no Brasil, a fim de extirpar a praga do patrimonialismo[1] que apodrece os meandros da Administração Pública nacional e estimula nos maus gestores o sentimento de que são proprietários do acervo público, cuja administração lhes foi confiada.

Já o princípio da moralidade agrega a si o conteúdo ético, a honestidade que se reclama como atributo de quem atua na Administração Pública.

Uma observância meramente formal do princípio da legalidade muitas vezes oculta interesses escusos, incompatíveis com a boa gestão do patrimônio público. É por isso que a Constituição Federal de 1988 trouxe o princípio da moralidade como baliza autônoma em relação à legalidade, demonstrando, tal como defende Cordeiro (2007, p.21), que a “nossa Administração Pública passa por uma mudança paradigmática, revelando preocupação não só com a legalidade dos atos administrativos, mas, principalmente, com a legitimidade e licitude dos mesmos.”

Há, portanto, a imposição de uma baliza de cunho ético ao administrador público. Ele precisa observar a lei, sem privilegiar interesses particulares, sendo-lhe reclamado, ainda, um valor ético mais elevado, um sentimento de honestidade que o motive a gerir a coisa pública focado exclusivamente nos interesses da coletividade.

1.3 PUBLICIDADE E EFICIÊNCIA

Complementando o rol de princípios balizadores da Administração Pública presentes no artigo 37, da Constituição Federal, espera-se, ainda, que o gestor conceda a mais ampla publicidade aos atos que praticar, viabilizando o controle popular, pois da mesma forma que as trevas não suportam a presença da luz, a corrupção e o mau feito na gestão pública são mutilados quando a publicidade dos atos administrativos é levada a sério.

Além disso, a gestão pública precisa ser eficiente, pois não satisfaz os interesses dos administrados um serviço público que não seja prestado no momento exato em que é esperado.

Com base no parâmetro da eficiência, o administrado deve ser encarado como cliente do poder público, o qual deve se esmerar em atendê-lo adequadamente, primando por sua plena satisfação.

Assim, a publicidade e a eficiência fecham o leque de princípios balizadores do modelo de Administração Pública presente na Carta de 1988, cabendo a cada cidadão primar para que cada uma dessas balizas fundamentais seja integralmente respeitada pelos gestores públicos.


2 A SANÇÃO POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA COMO MECANISMO DE CORREÇÃO DOS DESVIOS DE CONDUTA DOS GESTORES PÚBLICOS

Sabe-se que os desvios de conduta de alguns gestores públicos no Brasil são recorrentes, conforme já se fez referência. Para coibir os malsinados atos de desonestidade e inadequado manuseio do patrimônio público, a Constituição Federal, sem prejuízo da responsabilização penal e administrativa deles, trouxe ainda a possibilidade de uma responsabilização adicional, a ser imposta no âmbito do Poder Judiciário, viabilizando a imposição de suspensão dos direitos políticos, perda da função pública, indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário (CF, art. 37, §4º).

Trata-se de um conjunto e sanções direcionado ao agente público que venha a praticar um ato de improbidade[2], de inadequado gerenciamento do patrimônio público, podendo conduzir a uma lesão ao interesse coletivo pelo qual deveria zelar.

No âmbito infraconstitucional, foi editada a Lei nº 8.429, de 02 de junho de 1992, destinada a regular as sanções aplicáveis aos agentes públicos responsáveis pela prática de um desvio funcional qualificado, também chamado de improbidade administrativa.

Trata-se de importante instrumento de controle da administração pública, uma vez que viabiliza a punição dos atos ilícitos praticados por gestores no exercício de suas funções.

Para ser considerado agente público, para fins de incidência das penalidades de cunho civil-administrativo previstas na Lei nº 8.429/1992, não se faz necessário que ele tenha vínculo permanente com a Administração Pública. Requer-se, apenas, que o ato praticado tenha sido perpetrado em desfavor do interesse coletivo. É o que se depreende da redação do artigo 2º, da Lei nº 8.429/1992:

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

O objetivo fundamental da Lei º 8.429/1992, que doravante será chamada de Lei de Improbidade Administrativa, ou apenas LIA, é penalizar o agente que atua em nome da Administração, em decorrência de investidura permanente ou transitória em cargo ou função pública. A ela não interessa punir particulares, ainda que causem lesão ao erário, mas o façam sem ostentar a condição de agente público.

É por isso que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça não admite a propositura de demanda voltada à responsabilização exclusiva de um particular por ato de improbidade administrativa, sem que integre o polo passivo da demanda, de forma concomitante, um agente público.[3]

Fica evidente, portanto, que o foco principal da LIA é combater a atuação dos maus gestores que, com os seus atos, trazem prejuízos, inclusive extrapatrimoniais, para a Administração Pública.

A LIA dividiu em três categorias os atos por ela considerados como improbidade administrativa. Trata-se das condutas dos agentes públicos que ensejam o enriquecimento ilícito próprio ou de terceiros (Lei nº 8.429/1992, art. 9º); provoquem prejuízo ao erário (Lei nº 8.429/1992, art. 10), ou, ainda, violem os princípios norteadores da Administração Pública (Lei nº 8.429/1992, art. 11).

O foco, da LIA, portanto, ficou bem evidenciado. Ela se dirige contra os agentes públicos desonestos, que buscam enriquecer a si mesmo ou a terceiros em detrimento do erário. Busca-se, com isso, combater a cultura patrimonialista que macula a Administração no Brasil desde os tempos coloniais.

Além disso, a LIA também busca combater os atos dos agentes que, embora não tenham como finalidade obter o enriquecimento próprio ou de terceiros em detrimento do erário, trazem como consequência prejuízos aos cofres públicos ou aos princípios que balizam a Administração.

Com a LIA se busca extirpar a nefasta cultura de menoscabo aos interesses da Administração Pública tão presente no Brasil. Não obstante a honestidade e o respeito ao interesse coletivo sejam atributos invocados por todos os agentes públicos, em especial por aqueles que concorrem a mandatos eletivos, o que se tem visto ao longo da história é um quadro de permanente espoliação do erário e apropriação privada dos bens pertencentes à coletividade, de forma que o respeito ao interesse público, ao longo do tempo, vem se convertendo em mero engodo retórico.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e, em especial após a edição da Lei nº 8.429/1992, buscou-se alterar esse quadro. Percebeu-se ser crucial para a consolidação da democracia no Brasil e em especial para a construção de um conceito de cidadania efetivamente sólido, no qual todos os cidadãos se sintam iguais, eliminar a cultura de privilégios e espoliação do patrimônio público.

Dessa forma, foi visto como fundamental dotar os órgãos de controle de um instrumento jurídico forte o suficiente para inibir práticas de desrespeito aos interesses do erário, bem como, em casos de desvio de conduta, possibilitar a utilização de mecanismos capazes de afastar os maus agentes dos meandros da gestão pública.

Essa intenção do legislador ficou bem evidenciada na estipulação das sanções direcionadas aos agentes públicos responsáveis pela prática de atos de improbidade administrava. Para melhor visualização, transcreve-se o artigo 12 da Lei nº 8.429/1992:

Art. 12.  Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato: I - na hipótese do art. 9° (atos que ensejam enriquecimento ilícito), perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de dez anos;  II - na hipótese do art. 10 (atos que provocam prejuízo ao erário), ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos; III - na hipótese do art. 11 (atos que violam princípios da administração pública), ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos. Parágrafo único. Na fixação das penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente.

Ao se analisar o conjunto das sanções, é possível constatar que a Lei nº 8.429/1992 foca dois objetivos em termos de punição: o primeiro é a reposição do patrimônio público ao estágio anterior a ocorrência do ato ímprobo; o segundo, não menos importante, é retirar o agente desonesto da posição que ele ocupa na Administração mediante a perda do cargo e da proibição de com ela manter qualquer vínculo durante um certo lapso temporal, que variará de acordo com a gravidade do ato praticado.

Como sanção adicional, há a suspensão dos direitos políticos, como uma forma de demonstrar que o indivíduo que age contra os interesses da Administração Pública contraria os anseios da coletividade, razão pela qual deve ser alijado do processo de escolha dos mandatários públicos por um determinado período.

2.1 ALGUMAS CONTROVÉRSIAS ENVOLVENDO A APLICAÇÃO DA LEI DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Com a edição da LIA se estabeleceu uma controvérsia a respeito da exigência de dolo ou culpa para a responsabilização do agente público. De um lado, postaram-se os defensores da tese segundo a qual a mera prática de uma conduta considerada ímproba seria suficiente para a punição do agente. Por outro lado, outros defendiam que a natureza das sanções presentes na LIA, que não se limitam à restauração do patrimônio público lesado, inviabilizam a desconsideração do elemento subjetivo norteador da conduta do agente, fazendo-se necessário que a atuação dele tenha se dado, pelo menos, a título culposo.

A jurisprudência, no entanto, pelo menos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, encontra-se consolidada no sentido de que não é admissível a responsabilidade objetiva, ou seja, sem a necessidade de comprovação de dolo ou culpa do agente, para fins de aplicação das sanções de cunho civil-administrativo presentes na LIA. Para tanto, faz-se necessária a comprovação do dolo em relação aos atos que se voltem ao enriquecimento ilícito do próprio agente ou de terceiros ou que violem princípios da Administração Pública. Por outro lado, nos casos das condutas que tragam prejuízo ao erário, pelo menos a comprovação de um agir culposo do agente público se faz necessária[4].  

Outro ponto que merece reflexão mais detalhada diz respeito à ocorrência da prescrição envolvendo os atos de improbidade administrativa. Com a finalidade de pacificar as relações sociais, como é típico desse instituto, faz-se necessário que os atos de improbidade administrativa sejam identificados, apurados e punidos dentro de um determinado lapso temporal, ao cabo do qual a administração não mais poderá sancionar o agente infrator.

A Constituição Federal previu que a lei deveria estabelecer prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente que se encontre atuando em nome da Administração Pública, ainda que não seja servidor e não esteja vinculado a ela mediante relação de natureza permanente (CF, art. 37, §5º). Esses prazos foram devidamente estabelecidos no artigo 23 da LIA, cuja redação é a seguinte:

Art. 23. As ações destinadas a levar a efeito as sanções previstas nesta lei podem ser propostas: I - até cinco anos após o término do exercício de mandato, de cargo em comissão ou de função de confiança; II - dentro do prazo prescricional previsto em lei específica para faltas disciplinares puníveis com demissão a bem do serviço público, nos casos de exercício de cargo efetivo ou emprego.

Mas, a parte final do §5º, do artigo 37, da Constituição Federal, ao ressalvar da estipulação dos prazos prescricionais as respectivas ações de ressarcimento ao erário, trouxe acesa discussão a respeito da intenção do dispositivo. Isso porque, a partir de uma análise literal de sua redação, parece evidente que o objetivo do Constituinte foi, de fato, tornar imprescritíveis as respectivas demandas voltadas ao ressarcimento ao erário.

 Assim, ainda que tenha decorrido o prazo prescricional para aplicação de outras sanções, uma vez constatada a prática de um ato lesivo ao erário, a qualquer tempo o responsável por ele poderá vir a ser demandado, a fim de arcar com os prejuízos a que deu causa.

Trata-se de medida bastante salutar, uma vez que o agente que causa prejuízo ao erário, ainda que não se beneficie direta ou indiretamente do seu ato, prejudica a coletividade da qual ele próprio faz parte, não sendo aceitável, dentro da cultura de rompimento com o patrimonialismo privado que sempre infectou a Administração Pública no Brasil, possibilitar que a lesão aos cofres públicos permaneça sem a devida reparação, ainda que, pelo tempo decorrido, não mais seja possível a aplicação de outras sanções voltadas ao agente público desonesto ou omisso.

Esse entendimento acabou se consolidando na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que admite o prosseguimento das demandas que tenham como objeto o pedido de ressarcimento dos danos causados ao erário, ainda que estejam prescritas as demais sanções passíveis de aplicação ao infrator[5].

O Supremo Tribunal Federal ainda não se pronunciou de forma definitiva a respeito do tema. No entanto, a posição final da Corte, inclusive com repercussão geral reconhecida, é aguardada nos autos do Recurso Extraordinário nº 669.069, atualmente sob a relatoria do Ministro Teori Zavaski.

Outro ponto que tem suscitado debates no tocante à aplicação da LIA se refere à sua aplicação aos agentes políticos, argumentando os que se opõem a essa possibilidade que a responsabilização administrativa dessa categoria de servidores públicos se encontra disciplinada em legislação específica.

Agentes políticos, na definição de Mello (2009, p. 246),

[...] são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, ou seja, ocupantes dos que integram o arcabouço constitucional do Estado, o esquema fundamental do Poder. Daí que se constituem apenas o Presidente da República, os Governadores, Prefeitos e respectivos vices, os auxiliares imediatos dos Chefes de Executivo, isto é, Ministros e Secretários das diversas Pastas, bem como os Senadores, Deputados federais e estaduais e os Vereadores.

No mesmo sentido, se posiciona Di Pietro (2004, p. 432), quando defende que a “função política implica em uma atividade de ordem superior referida à direção suprema e geral do Estado em seu conjunto e em sua unidade”. Já Lopes (1997, p. 222) defende que os ocupantes de cargos vitalícios, como integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, também são considerados agentes políticos, embora não sejam responsáveis pela condução dos interesses superiores da Administração Pública.

A Constituição Federal, por sua vez, considerou como agentes políticos todos aqueles a quem foi conferida prerrogativa de foro para fins de julgamento das demandas penais, o que engloba, portanto, os integrantes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, assim como os membros do Ministério Público nos três segmentos da federação, abarcando, portanto, a União, os estados e os municípios.

Se a Constituição conferiu a tais agentes a prerrogativa de foro em função da atividade desempenhada por eles, é evidente que os considerou como integrantes de um segmento diferenciado na categoria dos servidores públicos, razão pela qual reputou necessário assegurar um maior acautelamento no que se refere ao processamento de demandas penais em desfavor deles.

Assentado o conceito de agente político, faz-se necessário avaliar se eles se submetem ou não aos ditames da Lei de Improbidade Administrativa.

Ao se analisar o texto da LIA, não se percebe qualquer intenção do legislador em eximir do alcance desse diploma legal os denominados agentes políticos. São eles que deveriam ser os principais destinatários dos mecanismos de responsabilização por improbidade administrativa, uma vez que são os responsáveis diretos e imediatos pela condução das políticas de governo e direção superior da Administração Pública.

Resguardar os agentes políticos do alcance da responsabilização por improbidade administrativa parece ser um subterfúgio de quem almeja transformar em mecanismo ineficiente os instrumentos corretivos e moralizadores presentes na LIA, haja vista que, uma vez circunscrita a aplicabilidade dela aos segmentos subalternos da Administração, será criando um nefasto mecanismo de imunidade voltado a proteção dos maiores responsáveis pelas grandes lesões a que o erário público é submetido.

A jurisprudência, depois de alguma relutância, parece haver compreendido que os agentes políticos não somente se submetem aos instrumentos de controle da gestão pública previstos na LIA, como também devem ser vistos como os principais destinatários dela.

O Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, possui entendimento jurisprudencial consolidado no sentido de que, ressalvados os atos de improbidade administrativa praticados pelo Presidente da República e pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, que responderão por eles perante o Senado Federal, todos os demais agentes políticos se encontram submetidos aos tentáculos da Lei de Improbidade Administrativa[6].

Esse ainda não parece ser o caminho mais acertado. Quando se analisa o artigo 37, §§ 4º e 5º da Constituição Federal, a impressão que se tem é que a vontade do Constituinte foi submeter qualquer agente público, seja ele político ou não, aos mecanismos de responsabilização por improbidade administrativa, independente do cargo ocupado. Além disso, quanto mais elevada a posição ocupada pelo agente dentro da estrutura hierárquica da Administração Pública, maior deveria ser o seu âmbito de exposição a sanções por eventuais atos ímprobos que vier a praticar.

Assim, parece ser inconstitucional essa exclusão do Presidente da República e dos ministros do Supremo Tribunal Federal da incidência das sanções previstas na LIA, haja vista que o próprio Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento no sentido de que os agentes políticos municipais se encontram submetidos à Lei de Improbidade Administrativa, sem prejuízo da responsabilização política e criminal estabelecida no Decreto-Lei nº 201/1967[7].

Logo, se para os agentes municipais se aplica esse raciocínio, não se enxerga nenhum argumento consistente capaz de isentar o Presidente da República e os ministros do Supremo Tribunal Federal da incidência da LIA, a não ser uma tentativa de tornar determinados cargos públicos, ainda que importantes, equiparáveis a uma posição régia típica de uma monarquia, mas incompatível com o verdadeiro sentimento republicano que parece ainda não haver aflorado plenamente no Brasil, pois se continua a cultivar tantas “excelências” nesses trópicos, que parece que a figura imperial ainda teima em assombrar a República Brasileira.

Portanto, considera-se inconstitucional as tentativas de eximir determinadas autoridades do âmbito de aplicação da LIA, bem como o estabelecimento de prerrogativa de foro para o julgamento de agentes acusados de improbidade administrativa, uma vez que esse malsinado mecanismo - que já deveria ter sido extirpado do nosso ordenamento jurídico - foi previsto na Constituição Federal apenas para questões penais, o que não abarca, por óbvio, as sanções de natureza civil e administrativa previstas na LIA.

É hora, portanto, de fazer alvorecer no Brasil uma verdadeira república, sem privilégios, sem excelências, sem culto à personalidade. Um ambiente no qual cada agente, desde o presidente da república até o mais subalterno dos agentes públicos, veja-se apenas como um servidor da coletividade.

É preciso combater todos aqueles que enxergam o poder público apenas como um meio de atender aos seus anseios ou como forma de inflar egos de quem sente uma doentia vontade de ser chamado ou reconhecido como autoridade. Para estes, além de demonstrarem não se encontrar em condições de atuar no serviço público de um país republicano, a busca de um psiquiatra talvez fosse uma recomendação adequada.

Dessa forma, apenas com a submissão de todos os agentes públicos aos instrumentos de controle previstos na Lei de Improbidade Administrativa é que, efetivamente, será proporcionado o ambiente de moralização gerencial almejado pelo Constituinte. Do contrário, o patrimonialismo e a apropriação privada do que pertence à coletividade continuarão sendo um mau a assombrar a nossa República.

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Sobre o autor
Gilvânklim Marques de Lima

Doutor e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Juiz Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Gilvânklim Marques. O papel da lei de improbidade administrativa no controle dos desvios de conduta dos gestores públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5119, 7 jul. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58275. Acesso em: 22 dez. 2024.

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