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A admissibilidade, no processo penal, da prova obtida mediante gravação telefônica feita por um dos interlocutores

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19/10/2004 às 00:00
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INTRODUÇÃO

Desde que o Estado monopolizou a prestação jurisdicional chamando para si a responsabilidade de distribuir a justiça, utilizando-se, para isso, do processo, a teoria processual vem se desenvolvendo e com ela o processo. É através do processo que se apura a verdade dos fatos. O processo é instrumento útil à prestação jurisdicional e a prova é útil ao processo na medida em que é através daquela que este pode atingir sua finalidade, que é a descoberta da verdade.

Como se vê, o processo sem prova de nada adianta, visto que não se chegará à verdade e, portanto, à justiça, finalidade última da prestação jurisdicional. Eis aí a importância da prova, pois, ela vai além do processo; é sobre ela que se sustenta a verdade.

Todavia, na coleta das provas, há que se tomar certos cuidados com vista a não se admitir que ela seja colhida ou produzida a qualquer custo, em detrimento dos direitos e garantias constitucionais fundamentais previstos em nossa Lei Máxima. Dentre essas garantias está aquela da inadmissibilidade, no processo, de prova obtida por meio ilícito, prevista no art. 5º, inciso LVI da CF/88.

Referido dispositivo constitucional fala em "meios ilícitos", porém, sem deixar claro o que seriam eles. Diante dessa omissão, várias correntes doutrinárias tentam explicar quais meios são tidos como lícitos e quais são tidos como ilícitos. Veja-se que se o meio de obtenção da prova é ilícito esta também o será.

A garantia constitucional da inadmissibilidade da prova obtida por meio ilícito será clara a partir do momento em que se souber o que são tais meios. Decorre, portanto, que o desconhecimento a respeito desses meios gera uma grande dúvida entre as pessoas leigas e até mesmo entre os operadores do direito acerca da inadmissibilidade ou da admissibilidade, no processo, de provas obtidas por meio de escuta telefônica, de gravação telefônica, de interceptação ambiental, de escuta ambiental e de gravação ambiental, sem a autorização judicial.

O presente trabalho visa conceituar prova ilícita e prova lícita, dirimindo ou, pelo menos, diminuindo a dúvida acima citada, e verificar se a gravação telefônica feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro e sem autorização judicial é tida como meio lícito ou ilícito de obtenção da prova, concluindo-se, daí, sua admissibilidade ou inadmissibilidade no processo, mais especificamente no processo penal. Para atingir esse objetivo, verificaremos os posicionamentos jurisprudenciais e os das mais diversas correntes doutrinárias, conceituando, classificando, distinguindo e exemplificando provas e meios de sua obtenção.


1 QUESTÕES CONSTITUCIONAIS PERTINENTES

1.1 Histórico da Garantia Constitucional de Proteção à Intimidade

A garantia constitucional de proteção à intimidade, por meio do sigilo nas correspondências, tem se mostrado uma necessidade haja vista que o autoritarismo tem sido quase que uma constante nos governos, gerando daí uma devassa na vida das pessoas que "potencialmente" lhes seriam uma ameaça. Essa proteção vem evoluindo de conformidade com o surgimento de novas tecnologias nas comunicações.

O reclamo por um segredo da correspondência é tão antigo quanto o surgimento dos serviços postais. O aparecimento desses serviços postais trouxe grandes facilidades para quem deles precisava, porém, aumentou a possibilidade de os reis assenhorearem-se do conteúdo das mensagens. Nos reinados de Luís XIV e de Luís XV tornou-se corrente a passagem da correspondência por uma chamada cabbine noar, ou cabine negra, local em que era violentamente aberta e seu conteúdo devassado, sempre com o propósito de impedir ou tentar impedir a deflagração de movimentos e manifestações contrários ao status quo, punindo-se seus idealizadores. Mesmo na época moderna, são muito freqüentes as interceptações de comunicações telefônicas, que cada vez mais ganharam importância em relação às correspondências epistolares [1].

Diversamente dos Estados autoritários, nos quais é grande o desrespeito ao direito de sigilo nas correspondências, pela procura constante de possíveis opositores ao regime, ou mesmo na desarticulação de movimentos contra ele, a proteção à intimidade das pessoas no Brasil, através da garantia de sigilo das correspondências, tem sido tema em todas as constituições que aqui vigoraram.

A primeira Constituição Brasileira a tratar do assunto foi a Constituição Política do Império do Brasil – 1824, que em seu artigo 179 preceituava:

Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte: O segredo das cartas é inviolável. A administração do correio fica rigorosamente responsável por qualquer infração deste artigo [...] [2].

Posteriormente, em 1891, a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, também previu a matéria em seu artigo 72:

Art. 72. A constituição assegura a brazileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à segurança individual e a propriedade nos termos seguintes:

[omissis]

§18. É inviolável o sigilo da correspondência (3).

A preocupação com o tema esteve, igualmente, presente nas constituições de 1946 e 1967.

Por fim, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 insere a inviolabilidade e sigilo das correspondências no titulo dos direitos e garantias fundamentais do cidadão brasileiro, dispondo em seu artigo 5º que:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (4).

Como se pôde verificar, a preocupação com a proteção da intimidade das pessoas já é algo arraigado em nossas constituições e, a preocupação do constituinte de 1988 em colocar na Constituição dispositivos de proteção à intimidade, segundo José Carlos Barbosa Moreira, explica-se, em grande parte:

[...] por circunstâncias históricas. A Constituição foi elaborada logo após notável mudança política. Extinguira-se recentemente o regime autoritário que por tanto tempo dominara o país, e sob o qual eram freqüentes e graves as violações de direitos fundamentais, sem exclusão dos proclamados na própria Carta da República então em vigor, com a inviolabilidade do domicílio e da correspondência. Ninguém podia se considerar imune a diligências policiais arbitrárias ou ao "grampeamento" de aparelhos telefônicos. Quis-se prevenir a recaída nesse gênero de violências. É mister reconhecer que naquele momento histórico, não teria sido fácil conter a reação contra o passado próximo nos lindes de uma prudente moderação (5).

1.2 Princípios do Contraditório e da Ampla Defesa

Como é cediço, a prestação jurisdicional se dá através do processo, no qual são dadas às partes oportunidades de demonstrarem suas versões e delas fazerem prova. Todo e qualquer ato processual deve ser conhecido das partes para que as mesmas possam exercer seu direito de ampla defesa ou de ampla acusação, conforme sejam elas de defesa ou de acusação. É, portanto, do contraditório que decorre a ampla defesa.

A exemplo do que se viu a respeito da garantia de proteção à intimidade, verifica-se, também, que outras garantias existem, como o direito de defesa, na forma mais ampla possível, e do contraditório. Esse direito é garantido tanto ao autor como ao réu, isto é, existe para as partes o direito de alegarem fatos e de prová-los através de meios lícitos.

A respeito, veja-se in verbis o que diz a CF/88:

Art. 5º. [omissis]

LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (6).

Destarte, conclui-se que, assim como a todos é garantido o direito à inviolabilidade da intimidade, a todos também é garantido o direito de provar as alegações que fizer em processo judicial ou administrativo em que seja parte, utilizando-se, para isso, de provas obtidas por meios lícitos.

Nesse momento, inevitavelmente, surge a seguinte pergunta: como se poderá exercer o direito de defesa quando esta depender de prova que só possa ser obtida violando-se a intimidade de alguém, que se utiliza dessa proteção constitucional para praticar crimes e assegurar sua ocultação? Referida questão será, oportunamente, respondida.

1.3 Princípio da Inadmissibilidade da Prova Ilícita

O inciso LVI do artigo 5º da CF/88 repugna, expressamente, no processo, a presença da prova obtida por meio ilícito, assim prescrevendo:

Art. 5º [omissis]

LVI – são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos (7).

Para o caso específico da interceptação telefônica, a Lei nº 9.296 de 24/07/1996 regulamenta a parte final do inciso XII do artigo 5º da CF/88, que trata do sigilo das correspondências e demais meios de comunicação. Porém, isso não resolve o problema, visto que há outros casos como, por exemplo, a gravação telefônica feita por um dos interlocutores sobre o qual paira a dúvida de ser esse um meio lícito de obtenção da prova.

Antes, porém, de procurar responder a questão proposta anteriormente, cumpre abordar, ainda que de maneira breve, a questão do direito de prova e o seu ônus, o que será feito no capítulo a seguir.


2 O DIREITO DE PROVAR E O SEU ÔNUS

Tem sido este um dos assuntos mais difíceis do direito processual em todos os tempos, haja vista o grande número de tratados sobre a matéria, toda ela envolvida em brocardos que vêm desde os romanos e que nem por isto conseguem a adesão unânime dos especialistas.

Chiovenda foi quem armou uma das soluções mais coerentes e de fácil aceitação: dividiu ele os fatos jurídicos em fatos constitutivos (que dão vida a uma vontade concreta da lei e à expectativa de um bem por parte de um indivíduo: ato lícito, testamento etc.); fatos extintivos (que extinguem a vontade concreta da lei ou expectativa de um bem) e fatos impeditivos (os que impedem que se formem os fatos constitutivos) [8]. São fatos extintivos o pagamento e remissão da dívida e fatos impeditivos o dolo, a violência, a ilicitude, etc. Com relação aos fatos constitutivos do seu direito, o autor tem de prová-los e o réu, por sua vez, tem de provar os fatos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito alegado pelo autor.

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Tendo o autor de provar aquilo que constitui seu direito, poderíamos dizer que a prova não é somente um direito, mas um ônus. É como se diz: o ônus da prova cabe a quem alega. Esse adágio é conseqüência do princípio dispositivo, pelo qual o Juiz está impedido, para manter sua imparcialidade, de, ex officio, participar da produção da prova [9].

Em nosso processo penal esse princípio não é totalmente empregado, visto que, em certos casos, é permitido ao Juiz tomar a iniciativa pela busca da prova, pois, o que se quer com o processo é a obtenção da verdade real.

Corroborando essa afirmativa, eis a lição de Magalhães Noronha:

O sistema brasileiro abraçado pelo Código é o acusatório e não inquisitivo, e, conseqüentemente, deve ser comedida a atuação do magistrado, colocando-se eqüidistante das partes, e não empenhando-se (sic) ao lado de uma contra a outra, seja desenvolvendo atuação policial, seja de advogado da defesa. A lei lhe faculta determinar diligência, é certo que mesmo sem provocação das partes, mas sempre que isso for necessário para elucidação de pontos capitais; sem o que não poderá formar sua convicção. Prudência e senso de oportunidade devem ser seus guias [10][grifo nosso].

De se ressaltar que, no processo penal, nem mesmo a confissão do réu deve servir de prova absoluta de sua culpabilidade quando outros elementos probatórios indicarem em outro rumo.

Especificamente a respeito do ônus da prova, o artigo 156 do Código de Processo Penal, assim dispõe:

Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvidas sobre pontos relevantes (11).

Segundo Fernando Capez [12], há uma diferença entre ônus e obrigação, sendo esta um dever de praticar o ato, sob pena de se violar a lei, e aquele um adimplemento facultativo, de modo que o seu não-cumprimento não significa atuação contrária ao direito.

Cumpre, ainda, ressaltar que nem tudo que se alega deve, necessariamente, ser provado. Na lição de Fernando Capez, eis os fatos que independem de prova:

  1. fatos axiomáticos ou intuitivos: aqueles que são evidentes.[...] Exemplo: um ciclista é atropelado por uma jamanta e seu corpo é divido em pedaços. Dispensa-se o exame cadavérico interno, pois a causa da morte é evidente;
  2. fatos notórios:[...] é o caso da verdade sabida, [...] faz parte da cultura de uma sociedade. [...] Exemplo: não precisamos provar que no dia 7 de setembro comemora-se a Independência;
  3. presunções legais: [...] são conclusões decorrentes da própria lei, [...] podendo ser absolutas (júris et de jure) ou relativas (júris tantum).[...] Exemplo: não é necessário provar que um menor de 18 anos não tinha plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato, pois a legislação presume sua incapacidade de modo absoluto;
  4. fatos inúteis:[...] são os fatos, verdadeiros ou não, que não influenciam na solução da causa, na apuração da verdade real. Exemplo: a testemunha afirma que o crime se deu em momento próximo ao jantar, e o juiz quer saber quais os pratos que foram servidos durante tal refeição [13].

Além dos fatos acima relacionados, o direito, em regra, não precisa ser provado, na medida em que o juiz é obrigado a conhecê-lo. Porém, se o direito invocado for estadual, municipal, estrangeiro ou consuetudinário, caberá às partes prová-lo.

O que precisa ser provado está relacionado de forma não exaustiva e sim exemplificativa nos artigos 158 a 250 do CPP, que se referem ao exame de corpo de delito, ao interrogatório do réu, à oitiva das testemunhas, dentre outras providências. Além dessas são admitidas as chamadas provas inominadas, não previstas na legislação, mas que também podem ser úteis à elucidação do fato.

O direito de prova, decorrente do direito de ação, está garantido na CF/88 e, a respeito, assim se posiciona Vinicius Daniel Petry:

A Constituição Federal Brasileira de 1988 reputa o direito constitucional de ação e o direito à prova como garantias fundamentais do cidadão. Em conseqüência deste direito constitucional de ação, o cidadão pode demandar judicialmente, postulando ao Estado-Juiz que lhe seja entregue a proteção pertinente ao seu direito. O direito à prova é uma decorrência lógica do direito constitucional de ação. O cidadão, ao requerer a tutela jurisdicional, necessita apresentar as provas preexistentes ao ajuizamento do processo e postular a produção de outras cabíveis [14].

Sendo, portanto, o direito de produzir prova decorrente do direito de ação, este sem aquele se esvazia, pois, se às partes não for permitido provar o que alegam, de nada valerá a busca de uma tutela jurisdicional que não firme seus julgamentos na verdade provada. Não será possível encontrar-se a justiça em alegações não provadas.


3 A PROVA E SEUS DESDOBRAMENTOS

3.1 A Importância da prova para o processo

Como se sabe, toda demanda judicial requer um processo, seja ele de procedimento mais dilatado ou menos dilatado. É no processo que as partes expõem suas alegações. No entanto, para julgar com o maior acerto possível, o Juiz precisa firmar sua decisão em dados concretos que lhe tragam a certeza sobre quem está com a razão.

O Juiz precisa, portanto, de provas. Isso quer dizer que, sem elas, o julgamento fica prejudicado, isto é, permanece para o Juiz uma dúvida que o impede de julgar com juízo de certeza, mormente no processo penal, onde sempre se busca a verdade real.

Até mesmo para o processo civil onde, ao menos, em princípio, predomina a chamada verdade formal, a prova é de grande importância. É como diz Vinicius Daniel Petry: "pode-se afirmar a relevância da prova no âmbito de direito processual civil, porque é por meio dela que o Juiz forma seu convencimento acerca da procedência ou não da pretensão deduzida" [15].

Nesse sentido assim se pronuncia Fernando Capez:

O tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se profundos debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto [16].

3.2 Conceito e Objeto

Apesar de os vários conceitos de prova dos doutrinadores nos revelarem de igual modo a sua essência e a sua natureza jurídica, cabe aqui verificar alguns deles para um melhor entendimento a respeito do que seja prova.

Começando, então, pelo conceito da professora Ada Pellegrini Grinover, para quem "a prova constitui, pois, o instrumento por meio do qual se forma a convicção do Juiz a respeito da ocorrência ou inocorrência dos fatos controvertidos no processo" [17].

Já no entender de Capez, prova, do latim probatio:

É o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo Juiz (CPP, arts. 156, 2ª parte, 209 e 234) e por terceiros (p. ex., peritos), destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação. Trata-se, portanto, de todo e qualquer meio de percepção empregado pelo homem com a finalidade de comprovar a verdade de uma alegação (18).

Vê-se que os conceitos de prova são variados, porém, todos demonstram ser ela o meio pelo qual o juiz forma o seu convencimento a respeito da ocorrência ou não de determinado fato ou da veracidade ou não de determinada afirmação.

Das mais variadas maneiras se tenta conseguir esse convencimento, procurando-se demonstrar fatos, circunstâncias, causas etc. Estes são, pois, o objeto da prova, ou seja, tudo aquilo que precisa ser demonstrado para convencer o Juiz daquilo que foi alegado.

Segundo Fernando Capez [19], "objeto da prova é toda circunstância, fato ou alegação referente ao litígio sobre os quais pesa incerteza, e que precisam ser demonstrados perante o Juiz para o deslinde da causa."

"É o que se deve demonstrar, isto é, o fato, a circunstância, a causa etc., sobre o que versa o litígio", nesse sentido, o posicionamento de Magalhães Noronha [20].

3.3 Espécies

A prova tem várias classificações, dentre as quais pode-se citar algumas: quanto ao objeto (direta e indireta); em razão de seu efeito ou valor (plena e não plena ou indiciária); quanto ao sujeito ou causa (real e pessoal) e quanto à forma ou aparência (testemunhal, documental e material) [21].

Das várias classificações existentes, interessa ao presente trabalho estudar somente aquela que divide as provas em ilegais, ilícitas, ilegítimas e ilícitas por derivação, vez que esta melhor se relaciona com o tema aqui proposto. Nesse ponto serão conceituadas essas espécies de forma individualizada.

3.3.1 Prova Ilegal

Segundo a doutrina mais aceita, a prova ilegal é gênero do qual são espécies a prova ilícita e a prova ilegítima. Tratando acerca do tema, Nelson Nery Júnior esclarece a diferença prova ilegal e prova ilícita:

Considera-se a prova ilícita quando sua proibição é de natureza material, diferenciando-a da prova ilegal, que será sempre aquela violadora do ordenamento jurídico como um todo, compreendendo leis e princípios gerais, quer sejam de natureza material ou meramente processual (22).

Toda prova ilícita ou ilegítima é ilegal, pois atenta contra a ordem legal ou constitucional. A prova ilícita infringe norma de direito material e a prova ilegítima infringe norma processual, é o que nos ensina Fernando Capez [23], conforme será visto adiante.

3.3.2 Prova Ilícita

Segundo Vinicius Daniel Petry, prova ilícita:

[...] é a colhida com violação de normas ou princípios de direito material, principalmente de direito constitucional, tendo em vista que a controvérsia acerca do assunto diz respeito sempre à questão das liberdades públicas, onde estão assegurados os direitos e as garantias relativas à intimidade, à liberdade, à dignidade humana (24).

Fernando Capez, de maneira mais sucinta, chamando a prova ilícita de prova proibida, nos ensina que "é aquela produzida em contrariedade a uma norma legal específica, e, portanto, de forma ilícita" [25]. Como exemplo desse tipo dessa espécie de prova pode-se citar aquela obtida mediante tortura, pois, transgride-se o direito material à integridade física e moral do torturado.

3.3.3 Prova Ilegítima

Seguindo, ainda, o ensinamento de Fernando Capez, a prova ilegítima é verificada na seguinte circunstância: "quando a norma afrontada for de natureza processual, a prova vedada será chamada de ilegítima" [26]. Como exemplo de prova ilegítima pode-se citar a juntada de documento em língua estrangeira sem a devida tradução, quando isso se fizer necessário, haja vista que tal procedimento não é permitido pela norma processual penal, em seu artigo 236.

Conforme se pôde verificar, a prova ilegítima, assim chamada por Fernando Capez, nada mais é do que aquela que atenta contra a ordem legal de natureza processual.

3.3.4 Prova Ilícita por Derivação ou Doutrina dos Frutos da Árvore Envenenada

A prova ilícita por derivação é decorrente da doutrina dos "frutos da árvore envenenada", segundo a qual, toda prova surgida a partir de informações conseguidas por meio de provas ilícitas também é ilícita.

É, portanto, a prova ilícita por derivação, lícita em si mesma, porém, oriunda de alguma informação obtida ilicitamente. São exemplos desse tipo de prova a confissão colhida por meio de tortura, em que o réu revela onde se encontra o produto do furto, que, posteriormente, vem a ser apreendido, e a interceptação telefônica clandestina na qual se consegue a informação da existência de uma testemunha que, mais tarde, incrimina o acusado.

A prova ilícita por derivação, assim como a própria prova ilícita, têm sido tema de bastante polêmica entre doutrinadores e jurisconsultos como será visto mais adiante, nas posições doutrinárias e jurisprudenciais.

3.4 PriNcípio do In Dubio Pro Reo

Dada a sua importância, a prova ganha contornos ainda mais visíveis em sede processual penal, uma vez que, caso não haja prova que elimine a dúvida, aplica-se o princípio do in dúbio pro reo, pelo qual, ante à inexistência de prova exaustiva da verdade, decide-se a favor do réu, inclusive para absolvê-lo.

A esse respeito, válido transcrever o pensamento de Damásio E. de Jesus:

Os autores divergem na interpretação desse princípio: para uns, ele só se aplica em matéria de fatos, de interpretações das provas de um processo; para outros ele se aplica também nos casos de dúvidas na interpretação das leis, devendo aplicar-se ao réu a lei mais favorável quando, esgotados os meios de conhecer a vontade do legislador, continua irredutível o conflito entre o espírito e a letra da lei (27).

Referido princípio visa proteger o réu de provável injustiça que decorra de um julgamento feito com base em suposições ou em simples suspeitas. Ressalta-se que a condenação penal requer prova irrefutável contra o réu, pois, tal medida, por ser drástica para o condenado, deve ser aplicada com juízo de certeza.

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Sobre o autor
Silas Soares Batista

Servidor da Justiça Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BATISTA, Silas Soares. A admissibilidade, no processo penal, da prova obtida mediante gravação telefônica feita por um dos interlocutores. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 469, 19 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5829. Acesso em: 19 abr. 2024.

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