Teoria do desestímulo: punitive damages

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08/06/2017 às 18:17
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3. Da aplicabilidade da teoria do Desestímulo no Brasil

No âmbito do ordenamento brasileiro, sua aceitabilidade e sua aplicabilidade não parecem tão evidentes. Aqui, antes mesmo de qualquer reflexão acerca das balizas a serem utilizadas para a aferição do dano moral, há as resistências quanto à sua a utilização. Os exorbitantes valores que esporadicamente surgem no direito alienígena servem como justificativa para a não aplicação do punitive damage no Brasil. Esta objeção não se faz nova. Há algum tempo, doutrinadores já constroem suas bases para evitar que a indenização por dano moral seja encarada pelo viés sancionatório. (Resedá, 2009).

3.1. Posição da Doutrina Brasileira

 A adoção e aplicação do instituto no Brasil ainda não são pacíficas dentro da doutrina e jurisprudência dos tribunais brasileiros. Nas pesquisas realizadas para elaboração desse trabalho, se percebeu que cada dia mais adeptos se unem à tendência preconizada por Bittar desde os anos 90. Principalmente, após a promulgação do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90), que responsabiliza objetivamente os fornecedores quando há defeitos nos produtos ou vício ainda que oculto, por conta da vulnerabilidade econômica do comprador.

 Nesse sentido, Carla Sampaio (2016), afirma que o instituto não é uníssono nos autores brasileiros, mas é defendido com força pelos civilistas, a exemplo de Maria Helena Diniz (2011), Sérgio Cavalieri Filho (2012), André Gustavo Corrêa de Andrade (2009), Eduardo de Andrade Loiola (2012), dentre outros. Explana que a aplicação do instituto no país tem se ampliado significativamente, especialmente na seara consumerista como meio de equilibrar a disparidade de forças entre consumidor diante da potência econômica dos fornecedores.

Para Moraes (op. Cit., p. 218) em nenhuma de suas disposições sobre a responsabilidade civil, o Código Civil contempla a função punitiva da reparação do dano moral, contudo, esta tese tem se mostrado vitoriosa na jurisprudência e a tendência atual permanece no sentido de aumentar o valor das indenizações, inclusive, sido aplicada pelo STJ em decisões recentes.

Abaixo, acórdão sobre o tema do Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial julgado conforme procedimento previsto para os Recursos Repetitivos no âmbito do STJ:

RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL MOVIDA CONTRA O AUTOR DE INJUSTA AGRESSÃO FÍSICA OCORRIDA EM BOATE - ACÓRDÃO ESTADUAL DANDO PROVIMENTO À APELAÇÃO ADESIVA DO AUTOR, A FIM DE MAJORAR A QUANTIA INDENIZATÓRIA FIXADA NA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. INSURGÊNCIA DO RÉU. Hipótese em que julgada procedente a pretensão indenizatória deduzida pela vítima contra o autor de agressão física ocorrida em casa de diversões noturna, fixado o valor de R$ 4.000,00 (quatro mil reais) a título de indenização por danos morais (quantia inferior à pleiteada na inicial). Apelação da parte ré, na qual alega não configurado o dano moral e, subsidiariamente, pugna pela redução do quantum indenizatório arbitrado na sentença. Recurso adesivo interposto pelo autor, voltado à majoração da retrocitada quantia. Tribunal estadual que não provê o recurso do réu e acolhe parcialmente a insurgência adesiva, de modo a majorar a indenização para R$ 18.000,00 (dezoito mil reais). 1. Para fins do artigo 543-C do CPC: O recurso adesivo pode ser interposto pelo autor da demanda indenizatória, julgada procedente, quando arbitrado, a título de danos morais, valor inferior ao que era almejado, uma vez configurado o interesse recursal do demandante em ver majorada a condenação, hipótese caracterizadora de sucumbência material. 2. Ausência de conflito com a Súmula 326/STJ, a qual se adstringe à sucumbência ensejadora da responsabilidade pelo pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios. 3. Questão remanescente: Pedido de redução do valor fixado a título de indenização por danos morais. Consoante cediço no STJ, o quantum indenizatório, estabelecido pelas instâncias ordinárias para reparação do dano moral, pode ser revisto tão somente nas hipóteses em que a condenação se revelar irrisória ou exorbitante, distanciando-se dos padrões de razoabilidade, o que não se evidencia no presente caso, no qual arbitrado o valor de R$ 18.000,00 (dezoito mil reais), em razão da injusta agressão física sofrida pelo autor em casa de diversões noturna. Aplicação da Súmula 7/STJ. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido submetido ao rito do artigo 543-C do CPC e da Resolução STJ 8/2008. Acórdão REsp 1102479/RJ, RECURSO ESPECIAL 2008/0261330-5, Relatoria do Ministro Marco Buzzi, CE - Corte Especial, julgamento em 04/03/2015, publicado em DJe 25/05/2015, REVPRO vol. 249 p. 524. (grifamos)

E também, duas jurisprudências recentes do STJ e o Informativo nº 0453/10, da Terceira Turma, sobre a possibilidade de majoração:

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DANOS MORAIS. VERBA IRRISÓRIA. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. MOLÉSTIA INCAPACITANTE CONTRAÍDA POR AUXILIAR DE ENFERMAGEM NO EXERCÍCIO DO SERVIÇO PÚBLICO. MAJORAÇÃO DO MONTANTE FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS PARA R$ 100.000,00. AGRAVO INTERNO DA UFSM DESPROVIDO. 1. Hipótese em que o autor atuava como Auxiliar de Enfermagem em Hospital Universitário, quando, no exercício de suas funções foi agredido por pacientes internados no Setor Psiquiátrico, causando-lhe lesões na coluna cervical incapacitantes para o labor, o que culminou, após sucessivas licenças, na sua aposentadoria por invalidez. 2. Indenização fixada pelas instâncias ordinárias em R$ 10.000,00. 3. Majoração no julgamento monocrático para R$ 100.000,00, observando critérios de razoabilidade e proporcionalidade, norteados, ainda, por precedentes deste STJ: AgRg no REsp.1.266.484/RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, DJe 3.4.2012; AgRg no REsp. 1.435.887/AM, Rel. Min. OG FERNANDES, DJe 27.6.2014; AgRg no REsp. 1.421.698/AL, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, DJe 6.10.2014; AgRg no AREsp. 25.260/PR, Rel. Min. SIDNEI BENETI, DJe 29.6.2012; EDcl no REsp. 819.202/PE, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 15.5.2009. 4. Medida que não ofende a orientação da Súmula 7/STJ, sendo pacífico nesta Corte o entendimento de que, em sede de Recurso Especial, a revisão do quantum fixado a título de indenização é possível quando o valor arbitrado nas instâncias originárias for exorbitante ou irrisório, circunstância esta observada no presente caso. 5. Agravo Interno da UFSM desprovido. AgInt no AREsp 963943/DF 2016/0208014-4, Relator Ministro Moura Ribeiro, T3 - Terceira Turma, julgamento 28/03/2017, publicação em DJe 18/04/2017.(grifamos)

RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AGRESSÃO FÍSICA AO CONDUTOR DO VEÍCULO QUE COLIDIU COM O DOS RÉUS. REPARAÇÃO DOS DANOS MORAIS. ELEVAÇÃO. ATO DOLOSO. CARÁTER PUNITIVO-PEDAGÓGICO E COMPENSATÓRIO. RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Na fixação do valor da reparação do dano moral por ato doloso, atentando-se para o princípio da razoabilidade e para os critérios da proporcionalidade, deve-se levar em consideração o bem jurídico lesado e as condições econômico-financeiras do ofensor e do ofendido, sem se perder de vista o grau de reprovabilidade da conduta do causador do dano no meio social e a gravidade do ato ilícito. 2. Sendo a conduta dolosa do agente dirigida ao fim ilícito de causar dano à vítima, mediante emprego de reprovável violência física, o arbitramento da reparação por dano moral deve alicerçar-se também no caráter punitivo e pedagógico da compensação, sem perder de vista a vedação do enriquecimento sem causa da vítima. 3. Na hipótese dos autos, os réus espancaram o autor da ação indenizatória, motorista do carro que colidira com a traseira do veículo que ocupavam. Essa reprovável atitude não se justifica pela simples culpa do causador do acidente de trânsito. Esse tipo de acidente é comum na vida diária, estando todos suscetíveis ao evento, o que demonstra, ainda mais, a reprovabilidade da atitude extrema, agressiva e perigosa dos réus de, por meio de força física desproporcional e excessiva, buscarem vingar a involuntária ofensa patrimonial sofrida. 4. Nesse contexto, o montante de R$ 13.000,00, fixado pela colenda Corte a quo, para os dois réus, mostra-se irrisório e incompatível com a gravidade dos fatos narrados e apurados pelas instâncias ordinárias, o que autoriza a intervenção deste Tribunal Superior para a revisão do valor arbitrado a título de danos morais. 5. Considerando o comportamento altamente reprovável dos ofensores, deve o valor de reparação do dano moral ser majorado para R$ 50.000,00, para cada um dos réus, com a devida incidência de correção monetária e juros moratórios. 6. Recurso especial provido. (STJ, Relator: Ministro Raul Araújo, Data de Julgamento: 21/05/2012, T4 - Quarta Turma). (grifamos)

INFORMATIVO Nº0453 - OUTUBRO DE 2010. TERCEIRA TURMA DANO MORAL. VALOR. MAJORAÇÃO DA INDENIZAÇÃO. Em decorrência do acidente automobilístico causado pelo preposto do recorrido, conforme laudo pericial constante dos autos, o recorrente está incapacitado para o trabalho, há mais de dez anos, dada a paraplegia que o acometeu, a causar-lhe a paralisação permanente dos membros inferiores e a perda da capacidade de conter urina ou fezes. Nesse peculiar contexto e em respeito a precedentes deste Superior Tribunal, a indenização fixada a título de reparação de danos morais, no montante de R$ 40 mil, mostra-se ínfima, o que determina sua majoração a R$ 250 mil. Precedentes citados: REsp 796.808-RN, DJ 1º/6/2006; REsp 783.644-PE, DJ 19/12/2005; REsp 740.441-PA, DJ 1º/7/2005; REsp 786.217-RJ, DJ 25/9/2006; REsp 710.879-MG, DJ 19/6/2006; REsp 173.927-AP, DJ 1º/7/2005; REsp 1.148.514-SP, DJe 24/2/2010; REsp 936.792-SE, DJ 22/10/2007; REsp 792.416-SP, DJ 17/8/2007; REsp 721.091-SP, DJ 1º/2/2006; REsp 659.420-PB, DJ 1º/2/2006; REsp 687.567-RS, DJ 13/3/2006; REsp 469.867-SP, DJ 14/11/2005; REsp 710.335-RJ, DJ 10/10/2005; REsp 951.514-SP, DJ 31/10/2007; AgRg no Ag 853.854-RJ, DJ 29/6/2007; REsp 1.065.747-PR, DJe 23/11/2009, e REsp 1.044.416-RN, DJe 16/9/2009. REsp 1.189.465-SC, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 26/10/2010. (grifamos)

Para Moraes (op. Cit., p. 218), a ampliação do campo de atuação da responsabilidade civil dentro da doutrina e nas decisões judiciais brasileiras se vincula à tutela da dignidade humana como fim maior do dever de indenizar, conforme prevê o texto constitucional. São favoráveis à tese do caráter punitivo, em maior ou menor grau, posicionam-se na doutrina brasileira: Caio Mário da Silva Pereira, Silvio Rodrigues e Maria Helena Diniz. Também se manifestaram no mesmo sentido, Arthur Oscar de Oliveira Deda, Carlos Alberto Bittar, Sergio Cavalieri, José Carlos Moreira Alves, Paulo da Costa Leite, Araken de Assis, Clayton Reis, dentre outros. Contrário a qualquer caráter punitivo são José Aguiar Dias, Pontes de Miranda, Wilson Melo da Silva, Orlando Gomes, Maria Helena Bodin de Moraes e Carlos Roberto Gonçalves.

Observa-se, que a teoria do desestímulo, aqui no Brasil, se mostra como ferramenta eficaz para combater a impunidade (nos casos de danos morais e responsabilização civil subjetiva) e também, instrumento voltado à adequação da legislação civil ao direito consuetudinário.

Nesse sentido, complementa Anderson Schreiber (apud Sampaio, 2016), informando:

A teoria do desestímulo encontrou respaldo no Brasil dentro da proteção dos direitos fundamentais e isso tem gerado uma padronização da função punitiva nas condenações por danos morais. Hodiernamente, a doutrina e jurisprudência pátrias têm advogado o caráter dúplice da indenização pelo dano moral: compensatório - com o fim de atenuar as aflições sofridas pela vítima em decorrência do dano injusto - e punitivo, visando impor sanção exemplar ao ofensor ao transferir uma parcela do patrimônio para a vítima. Nesse diapasão, a indenização punitiva vem sendo admitida no Brasil como parte adicional da indenização por dano moral, em único montante engloba-se o cunho compensatório e punitivo. Entretanto, tal unificação deturpa o modelo anglo americano que distingue as punitive damages das compensatory damages, pois impossibilita ao condenado conhecer o quantum compensatório do dano e o quantum punitivo, dificultando o efeito dissuasivo do instituto. Tal entendimento é defendido pela chamada tese mista funcional do dano moral, amplamente difundida no Brasil, tendo sido, inclusive adotada pelas cortes nacionais sob a chancela do STJ. (grifamos)

Percebe-se, nitidamente, a crítica do referido autor, com relação à dúplice função da reparação por danos morais (chamada tese mista funcional do dano moral), com a punição do ofensor e a indenização ao ofendido em valor suficiente para lhe amenizar os efeitos danosos decorrentes da ofensa.

Importante ressaltar que, nas doutrinas pesquisas para a elaboração desse trabalho, se destacam, principalmente, os autores: Carlos Alberto Bittar, André Gustavo Corrêa de Andrade, Salomão Resedá e Clayton Reis, defendendo a possibilidade da aplicação das punitive damages no Brasil como ferramenta eficaz no combate e na prevenção de práticas ilícitas, e também, como exemplo válido para a sociedade como todo.

E, em sentido inverso, estão Carlos Roberto Gonçalves e Maria Celina Bodin de Moraes, que são contrários à aplicabilidade dado ao caráter punitivo da indenização, não previsto no ordenamento pátrio.

Argumenta Moraes (op. Cit., p. 328) que, do ponto de vista prático, o caráter punitivo do dano moral cria muito mais problemas do que soluções. Nosso sistema não deve adotá-lo, entre outras razões, para: evitar a chamada loteria forense; impedir ou diminuir a insegurança e a imprevisibilidade das decisões judiciais; inibir a tendência hoje alastradiça da mercantilização das relações existenciais.

Isto porque, para Moraes, a função punitiva, hoje, representa um incentivo à má fé dos litigantes, posto que o poder discricionário do juiz, muitas vezes não separa a compensação da punição, o que é muito preocupante.

3.2. Principais Críticas à Teoria do Desestímulo

A aplicação das punitive damages (indenizações punitivas) no ordenamento jurídico pátrio, conforme supramencionado, ainda é tema controverso e pouco enfrentado pelos doutrinadores. Também, no Direito Comparado, ainda não há consenso sobre a aplicabilidade da teoria do desestímulo, principalmente no que diz respeito ao quantum indenizatório e a possível tarifação de valores da dor alheia a título de danos morais.

Nessa seara, Sampaio (2016) explica que até mesmo em solo estadunidense, onde a teoria amplamente se desenvolveu, houve diversas críticas ao seu modus operandi. Tais avaliações acabaram por repercutir na necessidade de aperfeiçoamento do instituto, especialmente para a definição de parâmetros claros para apuração do respectivo montante indenizatório.

Muitas são as objeções à indenização punitiva desfiadas por uma parte da doutrina e por alguns setores da sociedade. Algumas dessas objeções, reconhecidamente, são apresentadas de forma isenta e científica. Outras, no entanto, têm muito de emocional e são motivadas pelo temor da repercussão que o instituto pode provocar nas relações socioeconômicas. Na sistemática jurídica brasileira, as maiores contrariedades recaem sobre a tradicional função reparatória da responsabilidade civil e a penalização no âmbito do Direito Civil. (Andrade, op. Cit., p. 272).

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Abaixo são analisadas e sintetizadas as principais críticas desenhadas pela melhor doutrina, as quais se destacam: a inexistência de previsão legal, a dicotomia entre Direito Público e Direito Privado, a liberdade do juiz na aplicação das punitive damages, a dupla condenação pelo mesmo fato e o enriquecimento sem causa do ofendido, dentre outras.

3.2.1. A inexistência de previsão legal

A ausência de expressa previsão legal no ordenamento jurídico positivado é crítica reiterada na doutrina. Isto porque não há como justificar a aplicação de indenização punitiva (punitive damage) como forma de responsabilização civil decorrente de dano moral.

Tal objeção se fundamenta nos princípios constitucionais da legalidade e da anterioridade (nullum crimen, nulla poena sine lege), no âmbito da lei penal, previstos no art. 5º, incisos II e XXXIX, da Constituição Federal que restringem a aplicação de pena e no art. 944, caput, do Código Civil, que dispõe que a indenização mede-se pela extensão do dano, ou seja, a responsabilidade civil está relacionada com a pessoa ofendida e limitada aos valores necessários à reparação pelos danos sofridos.

Para Resedá (op. Cit., p. 275), o ofensor provoca uma instabilidade social que não deve ser equiparada à infração criminosa, e assim, apesar de aproximar-se da seara penal muito mais do que outros institutos civilistas, as punitive damages não podem ser acobertadas sem prévia cominação legal.

 Assim sendo, na ausência de prévia lei para penalização da responsabilização civil, o magistrado está limitado à aplicação de indenizações ao ofensor como forma de ressarcimento aos prejuízos causados à vítima dentro dos limites da extensão dos danos conforme prevê o art. 944, caput, do Código Civil.

Para André Andrade (op. Cit., p. 263), um dos maiores expoentes da aplicação da teoria do desestímulo no Brasil, o argumento da falta de regra expressa que preveja a indenização punitiva não constitui óbice à aplicação dessa espécie de sanção que encontra seus fundamentos em princípios constitucionais garantidores de direitos situados no centro do nosso ordenamento jurídico. A consagração constitucional dos princípios da dignidade humana e dos direitos da personalidade não apenas legitima, mas impõe o emprego da indenização punitiva como meio necessário à tutela desses direitos.

Para a corrente doutrina contrária à aplicabilidade das punitives damages, capitaneada por Carlos Roberto Gonçalves e Maria Celina Moraes, os argumentos da inexistência de cominação legal se justificam:

A ausência de previsão legal colocaria em risco as garantias processuais do suposto ofensor. Ademais, as indenizações punitivas aplicadas no Brasil seriam justificáveis se estivessem devidamente regulamentadas em lei, com previsão de sanção mínima e máxima, revertendo ao estado o quantum da pena. (Gonçalves, op. Cit., p. 25). (grifamos)

No âmbito da problemática da reparação dos danos morais, a ausência de legislação é muito relevante, pelo fato de que os magistrados não costumam motivar com precisão como alcançaram o valor indenizatório. Utilizando, na maioria dos casos, apenas argumentos genéricos da razoabilidade e do bom senso, e quase sempre com base apenas na intuição, a determinação do valor devido sem descriminar (composto pela quantia compensatória somada à atribuída a título de punição) está vinculada a qualquer relação de causa e efeito, de coordenação com os fatos provados no processo. O resultado é a notória disparidade, lamentável consequência das arbitrariedades que surgem em lugar dos arbitramentos determinados pelo legislador. (Moraes, op. Cit., 37). (grifamos)

Importa registrar que esse pesquisador, concorda e apoia com a teoria do desestímulo, motivo pelo qual esse foi o tema escolhido para ser discutido nesse trabalho de conclusão de curso de Direito.

3.2.2. A dicotomia entre Direito Público e Direito Privado

Outra crítica à aplicação das punitive damages se refere à dicotomia entre Direito Público (Penal) e Direito Privado (Civil), sustentando-se que no Direito Civil, as relações jurídicas são de cunho privado e obrigacional, portanto, deveriam ficar restritas à reparação ou compensação do dano. E, ao Estado caberia legislar sobre a penalização dentro do Direito Penal com relação aos atos ilícitos praticados pelo ofensor.

Portanto, o instituto referido que opera como ferramenta de reparação de danos é viável dentro do sistema da Common Law (Direito Consuetudinário, baseados nos costumes) e é incompatível ao sistema da Civil Law (Direito Civil), que não tem atribuições de caráter punitivo e preventivo dentro do solo nacional.

Nesse sentido, Judith Martins-Costa e Pargendler (apud Cardoso, 2015), afirmam que a rigor, não é preciso à invocação dos punitive damages para lograr, na responsabilidade extrapatrimonial, o caráter exemplar que em certas hipóteses, faz-se necessário. Também, não é preciso para se dar ao autor de danos especialmente graves, uma injusta punição pecuniária, buscando-se critérios outros que não os da legislação já existente.

Para a corrente favorável, tal crítica não deve ser empecilho para a aplicabilidade da indenização punitiva, na medida em que não há uma desarmonia entre os diferentes ramos do Direito. Não deve, porém, causar estranheza o emprego de uma sanção de natureza penal na esfera do Direito Civil. Os domínios do Direito civil e do Direito Penal nunca foram fechados ao tráfego de seus institutos mais característicos. A separação entre os dois ramos do Direito não é e nem deve ser absoluta. Além disso, a tradição, em si considerada, não pode constituir óbice à aplicação do instituto. (Andrade apud Cardoso, 2015).

A doutrina de Andrade (op. cit., p. 233), revela ainda diversas outras ocasiões em que o Direito Civil também aplica sanções com natureza punitiva, nos seus institutos típicos, tais como:

a) Juros de mora que constituem figura típica do Direito têm marcante traço de sanção penal, muito embora, os civilistas tradicionais lhes conferem caráter reparatório de um dano presumido. O que denuncia a natureza penal da figura é a circunstância de ser ela aplicável ainda que o devedor possa comprovar que o credor não sofreu dano com a mora, o que é incompatível com toda ideia de reparação.

b) Cláusula penal prevista no art. 416 do Código Civil é figura tipicamente punitiva, na medida em que sua imposição independe de comprovação ou alegação de prejuízo pelo credor;.

c) Arras (arts. 418 e 420 do Código Civil): tal como a cláusula penal supra, as arras confirmatórias ou penitenciais, não estão relacionadas a dano efetivo, revelando o seu caráter sancionatório;

d) Pagamento em dobro previsto no art. 940 do Código Civil, é penalidade cobrada pelo pagamento de valor indevidamente suportado (dívida já quitada) e que visa coibir conduta reprovável do credor;

e) Restituição em dobro prevista no art. 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, tem caráter punitivo e exemplar, ao determinar indenização do consumidor cobrado em quantia indevida (repetição do indébito) por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros;

Uma das alegações mais suscitadas contra a aplicação das punitive damages para as indenizações decorrentes de danos morais está na tradicional separação entre Direito Privado e o Direito Público pela doutrina brasileira (Resedá, op. Cit., p. 270).

Isto porque imperava na doutrina, até o início do Século XXI, a concepção patrimonial da responsabilidade civil dentro do Direito Privado, e cabível somente nos casos de reparação ou ressarcimento de danos (material ou moral). Nos casos de responsabilização de caráter preventivo ou sancionador, seriam cabíveis os preceitos de Direito Público. Já, a censura dos atos ilícitos estava dentro da esfera da responsabilidade penal. Era nítida a dicotomia público-privada dentro do Direito Positivado, aqui vigente. Contudo, a evolução das relações sociais resultou no reconhecimento de uma proteção maior à pessoa humana. O pensamento patrimonialista passou a ruir diante dos anseios da sociedade como um todo.

Para o autor acima referido, agora, o homem sobreleva-se sobre o volume de bens ou patrimônio. O princípio da dignidade da pessoa humana apresentou novos horizontes para um ordenamento acostumado em proteger apenas o que era monetariamente auferível. A valorização do homem sobre o patrimônio deu aos direitos da personalidade uma projeção nunca antes vista. São incluídos, então, no rol de proteção os direitos inerentes à pessoa e que, por esta condição, não comportam a possibilidade de serem restaurados diante de qualquer ato ofensivo, portanto cabível as punitive damages no direito pátrio.

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