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A admissibilidade das provas ilícitas no processo penal brasileiro através do princípio da proporcionalidade

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16/06/2017 às 10:35
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PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE

Pode-se dizer que a origem e o desenvolvimento do princípio da proporcionalidade encontram-se diretamente ligados à evolução dos direitos e garantias individuais da pessoa humana, verificado a partir do surgimento do Estado de Direito.

Muitos alegam que esse princípio surgiu na época em que começou a se defender a aplicação da teoria jusnaturalista, e destacam alguns marcos históricos, como, por exemplo, a elaboração da Carta Magna Inglesa de 1215, que trazia em seu texto que o homem deveria ser punido na medida da gravidade do delito.

No direito francês, o princípio era utilizado para limitar o poder administrativo. Com o tempo, foi se consolidando um entendimento baseado em “custo-benefício”, acentuando ainda mais o princípio da proporcionalidade.

No entanto, foi apenas no direito alemão que este princípio recebeu um enfoque constitucional e se tornou referência para os demais países, Paulo Bonavides afirma que “(...) a Alemanha é o país onde o princípio da proporcionalidade deixou raízes mais profundas, tanto na doutrina como na jurisprudência”. Sobre o tema, José Joaquim Gomes Canotilho [12] traz algumas considerações:

A transposição do princípio da proporcionalidade para o plano constitucional deve-se em boa parte ao papel do Tribunal Constitucional alemão (Bundesverfassungsgericht). Através de sucessivos pronunciamentos, expressões claramente associadas ao pensamento da proporcionalidade – tais como excessivo (ubermassing), inadequado (unuangemessin), necessariamente exigível (erforderich, unerlasslich, undedingt notwendig) – foram se tornando recorrentes, até se estabelecer, de forma incisiva, que o princípio e a correlata proibição do excesso, enquanto regras aplicáveis a toda atividade estatal, possuem estrutura constitucional.

No Brasil, o princípio da proporcionalidade não está previsto expressamente no texto constitucional, mas os tribunais já buscam utilizá-lo para resolver conflitos entre direitos fundamentais, argumentando no sentido de que esse princípio está contido de forma implícita no texto constitucional, e está atrelado ao devido processo legal e ao princípio da isonomia.


DA ADMISSIBILIDADE DA PROVA ILÍCITA ATRAVÉS DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE 

De acordo com o princípio da proporcionalidade, a prova ilícita poderá ser utilizada de maneira excepcional e em casos de extrema gravidade, sopesando os valores que se encontram em contradição. De acordo com Ada Pellegrini Grinover, Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho [13]: 

A teoria, hoje dominante, da inadmissibilidade processual das provas ilícitas, colhidas com infringência a princípios ou normas constitucionais, vem, porém, atenuada por outra tendência, que visa corrigir possíveis distorções que a rigidez da exclusão poderia levar em casos de excepcional gravidade. Trata-se do denominado Verhältnismassigkeitsprinzip, ou seja, de um critério de proporcionalidade, pelo qual os tribunais da então Alemanha Federal, sempre em caráter excepcional e em casos extremamente graves, têm admitido à prova ilícita, baseando-se no princípio do equilíbrio entre valores fundamentais contrastantes.

Essa teoria afirma que a proibição da prova obtida ilicitamente poderá ser ignorada quando estiver em jogo outro princípio ao qual se atribuiu igual ou maior valor. Sobre o tema, argumentou Fernando Capez [14]:

Entendemos não ser razoável a postura inflexível de se desprezar, sempre, toda e qualquer prova ilícita. Em alguns casos, o interesse que se quer defender é muito mais relevante do que a intimidade que se deseja preservar. Assim, surgindo conflito entre princípios fundamentais da Constituição, torna-se necessária a comparação entre eles para verificar qual deva prevalecer. Dependendo da razoabilidade do caso concreto, ditada pelo senso comum, o juiz poderá admitir uma prova ilícita ou sua derivação, para evitar um mal maior, como, por exemplo, a condenação injusta ou a impunidade de perigosos marginais. Os interesses que se colocam em posição antagônica precisam ser cortejados, para escolha de qual deva ser sacrificado.

Os tribunais já vêm utilizando o princípio da proporcionalidade para solucionar casos em que há colisão entre direitos fundamentais: 

ACÓRDAO: PROCESSUAL PENAL. APELAÇAO CRIMINAL. ART. 214 C/C ART. 224 DO CP. PROVA ILÍCITA. ADMISSIBILIDADE. POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. 1 Existindo outros elementos probatórios como os depoimentos testemunhais que justifiquem a condenação do Apelante, cuja conduta delituosa tenha ferido direitos fundamentais, é aplicável o Postulado da Proporcionalidade em sentido estrito, que autoriza a ponderação entre princípios jurídicos. 2 - Com base na ponderação de princípios constitucionais em colisão, o princípio da inviolabilidade do sigilo telefônico pode ser afastado se sua aplicação resultar na violação de outro princípio constitucional com peso superior, como por exemplo, o princípio da dignidade da pessoa humana. 3 - Recurso desprovido.

Nota-se que existe uma atenuação da vedação das provas ilícitas, pois excepcionalmente e em caráter de extrema gravidade, havendo conflito entre direitos fundamentais, têm-se admitido esta prova, com o objetivo da melhor aplicação da justiça. Esse caráter excepcional se justifica pelo subjetivismo da utilização desse princípio, sobretudo para a análise de aceitar ou não uma prova ilícita. Deve-se, portanto, utilizar esse método em situações extraordinárias, nas quais não se faz possível o emprego de outros meios de prova.

Pode-se observar, portanto, que a vedação constitucional referente à admissão das provas ilícitas vem sendo atenuada por outra corrente, denominada “teoria da proporcionalidade”, que já vem sendo utilizada por nossos Tribunais para resolver conflitos envolvendo direitos fundamentais. No entanto, ainda há grande discussão acerca da possibilidade de utilizar essa teoria que visa “ponderar os valores”, isso porque muitos entendem que só será possível para favorecer o acusado frente à persecução penal, enquanto outros afirmam que isso deverá ser estendido para proteger à sociedade. 


PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE "PRÓ RÉU"

No tema das provas ilícitas, percebe-se que a manifestação mais frequente de aplicação do princípio da proporcionalidade é pela admissibilidade da prova ilícita para beneficiar o réu. Pois, nesse caso, estaria sendo preservado o direito de defesa, visto como fundamental pela Constituição Federal. Nesse sentido, Luiz Francisco Torquato Avólio [15]:

A aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, também garantido constitucionalmente, e de forma prioritária no processo penal, onde impera o princípio do “favor rei” é de aceitação praticamente unânime pela doutrina e jurisprudência.

Entende-se que o interesse jurídico mais valioso deverá prevalecer. Sendo assim, é mais importante, por exemplo, o direito à liberdade e à ampla defesa do que o direito à privacidade. 

Esse entendimento parte do pressuposto de que a inadmissibilidade das provas ilícitas prevista na Constituição Federal é uma garantia do cidadão contra o próprio arbítrio do Estado, que poderia usar de quaisquer meios em busca da verdade dos fatos, ainda que precisasse desrespeitar os direitos e garantias fundamentais dos indivíduos.

Para a utilização da prova colhida de forma ilícita, a principal justificativa está no valor que se dá ao princípio da dignidade daquele que poderia ter sua liberdade restringida devido a uma condenação injusta. É importante que se leve em consideração que a prova ilícita não será necessariamente falsa. Desta forma, se um acusado apresentar uma prova ilícita para comprovar sua inocência, cumprirá ao juiz, utilizando o critério da proporcionalidade, considerar a prova para proferir sua decisão.

Outra questão que se levanta é de que o réu pode ser considerado como sendo o elo mais fraco da relação processual, pois o Estado, em sua missão de punir o infrator do crime, tem maiores poderes e consegue com mais facilidade desvendar a verdade dos fatos para uma eventual condenação. Sendo assim, em respeito ao princípio da isonomia, permite-se que o réu se utilize de qualquer prova que possa inocentá-lo, ainda que considerada ilícita. 

Nota-se, portanto, que a aplicação do princípio da proporcionalidade sob a ótica do direito de defesa, que também é garantido constitucionalmente, é praticamente unânime. E não poderia ser diferente, pois não é admissível a condenação de alguém que o próprio Estado acredita ser inocente, principalmente dentro de um Estado Democrático de Direito. 


PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE "PRÓ SOCIETATE"

Enquanto a possibilidade de se admitir as provas ilícitas para inocentar um acusado é praticamente unânime pela doutrina e jurisprudência pátria, a utilização destas provas colhidas ilicitamente com o intuito de condenar um acusado não é facilmente aceita por nossos tribunais, sendo motivo de intensas controvérsias.

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Para aqueles que entendem ser possível a utilização de uma prova ilícita para a condenação, a justificativa é a de que a criminalidade está cada vez mais organizada, a ponto de dificultar e muitas vezes impedir o trabalho persecutório do Estado, que não consegue colher provas convincentes para embasar uma condenação.

Além disso, asseveram que certos criminosos, que cometem os chamados “crimes de colarinho branco”, tem um planejamento muito apurado para prática de seus delitos, dificultando a investigação criminal que, por consequência, deixaria os criminosos impunes.

Nesta esteira, Roberto Prado de Vasconcellos critica a utilização das provas ilícitas apenas em benefício do réu [16]:

É um vício constante da doutrina afirmar que as provas ilícitas incriminatórias não podem jamais ser utilizadas contra o réu. O problema de se tratar assuntos tão importantes apenas no âmbito da abstração, sem testar suas construções doutrinárias com exemplos hipotéticos, leva a injustiças frequentes, bem como ao esquecimento dos problemas crônicos que necessitam de soluções urgentes. Exemplifique-se com o caso do combate ao tráfico. Não se pode negar que é notória a frequência com que os meios convencionais fracassam na resolução destes problemas.

Nota-se que os defensores da aplicação da teoria da proporcionalidade “pró societate” justificam seu posicionamento afirmando que é preciso proteger a coletividade, que poderá sair prejudicada apenas para a proteção de um único acusado ou alguma organização criminosa específica.

Além disso, os adeptos a esta teoria sustentam que além da liberdade, existem outras garantias fundamentais mencionadas no art. 5º da Constituição Federal que também merecem ser respeitadas, como, por exemplo, os direitos à vida, segurança e propriedade

Renato Brasileiro de Lima citou em sua obra decisão do Supremo Tribunal Federal, 1º Turma, HC 70.814/SP, do Rel. Min. Celso de Mello [17]:

Situação em que houve tentativa de fuga de presos considerados perigosos de estabelecimento penitenciário, em que a correspondência dos presos foi violada, sem prévia autorização judicial (LEP, art. 41, parágrafo único). Com a violação da correspondência, foi descoberto o plano de fuga, bem como o objetivo de se sequestrar um juiz de direito quando todos estivessem reunidos em audiência em determinada comarca do Estado de São Paulo. A defesa contestou a admissibilidade de prova resultante de violação de correspondência de preso sem prévia autorização judicial, tendo o Supremo Tribunal Federal concluído que a administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, e desde que respeitada à norma inscrita no art. 41, parágrafo único, da Lei nº 7.210/1984, proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas.

Sabe-se, contudo, que a utilização de provas ilícitas para dar subsídio à condenação é arriscada, pois poderá ferir os direitos e garantias fundamentais conferidos ao cidadão na Constituição, e entregar poderes ilimitados ao Estado para buscar a verdade dos fatos, que poderá cometer arbitrariedades para uma verdade a qualquer custo, conduta esta incompatível com o Estado Democrático de Direito. 

Os defensores da proporcionalidade “pró societate” afirmam, no entanto, que esta teoria somente deverá ser aplicada em situações extraordinárias. De acordo com este entendimento, sustenta Denilson Feitoza [18]:

Somente em situações extremas e excepcionais se pode admitir a utilização de prova ilícita pro societate, pois, do contrário, o Estado estaria sendo incentivado a violar direitos fundamentais, o que iria frontalmente contra a própria noção de provas ilícitas, que foram originariamente idealizadas e instituídas exatamente para dissuadir o Estado de não violar direitos fundamentais. O princípio constitucional da legalidade, por sua vez, também não se prestaria a esse intento, pois sua função precípua de defesa é a de garantir direitos fundamentais em face do Estado e não o contrário.

Sendo assim, para que o juiz possa aplicar essa teoria a favor da sociedade, deverá, no mínimo, se deparar com um caso de extrema gravidade. Ademais, não poderá admitir, em nenhuma hipótese, o uso da tortura para colher depoimento pessoal com o intuito de obter uma confissão.

No entanto, mesmo com tais ressalvas, não há uma forte aceitação pela doutrina e pelos tribunais para a utilização desta teoria, pois surge uma dúvida: como o próprio Estado, que mais do que qualquer outro, tem o dever de observar a legalidade, poderia se aproveitar de provas obtidas ilicitamente? Como reprimir a ilegalidade, se o próprio Estado puder se municiar de provas ilícitas?

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Sobre a autora
Natália Rubinelli

Advogada eleitoralista e com foco no direito público, formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RUBINELLI, Natália. A admissibilidade das provas ilícitas no processo penal brasileiro através do princípio da proporcionalidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5098, 16 jun. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/58436. Acesso em: 19 dez. 2024.

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