CONCLUSÃO
A prova penal busca esclarecer os fatos e chegar o mais próximo possível da realidade, isso porque ela irá embasar o convencimento do julgador, que decidirá sobre a absolvição ou condenação do acusado.
Desta forma, pode-se afirmar que, sem a prova, não seria possível restringir a liberdade de alguém que está sendo acusado pelo cometimento de um delito, porque ninguém poderá ser privado de sua liberdade sem o devido processo legal.
Contudo, como foi possível observar no decorrer deste estudo, o direito à prova não é absoluto, e a principal limitação à liberdade probatória é o princípio constitucional da inadmissibilidade das provas ilícitas, esculpido no art. 5º, inc. LVI, da Constituição Federal, que afirma ser inadmissível a prova obtida ilicitamente, devendo ser desentranhada do processo. Apesar desta vedação constitucional, o presente estudo buscou demonstrar que a total inadmissibilidade da prova ilícita poderá levar a decisões injustas, e por vezes contraditórias.
A partir desta constatação, os Tribunais começaram a aceitar determinadas provas consideradas ilícitas em situações excepcionais, quando não há outro meio de prova, e o bem a ser preservado é bem maior do que a proibição declarada no texto constitucional, como, por exemplo, a liberdade do indivíduo.
Essa aceitação da prova ilícita não estaria ferindo o dispositivo constitucional, porque, como já visto, está sedimentado o entendimento de que nenhum direito ou garantia constitucional é absoluto, podendo ser relativizado por outro de maior relevância no caso concreto, através do princípio da proporcionalidade.
Sendo assim, quando dois direitos fundamentais estiverem em conflito, deverá ser analisado qual deverá prevalecer. Como, por exemplo, não admitir uma interceptação telefônica clandestina, em que o réu consegue demonstrar sua inocência, apenas porque isso violaria o direito à intimidade do outro? O que seria mais importante nesse caso, o direito à intimidade, ou a liberdade de um inocente? Como restringir a liberdade de uma pessoa, tratando-a como criminosa, se o próprio Estado obteve conhecimento que se trata de um inocente? Isso não é, de forma alguma, compatível com o Estado Democrático de Direito.
O entendimento mais aceito pela doutrina é o de que essa vedação probatória foi introduzida em nossa Carta Magna dentre os direitos e garantias fundamentais do homem. Sendo assim, não é necessário apurada interpretação para concluir que esse dispositivo constitucional foi introduzido justamente para proteger o indivíduo frente à ação persecutória do Estado, e não para prejudicá-lo. Ou seja, quando estiver em jogo sua liberdade, qualquer prova deverá ser admitida.
O problema estaria na possibilidade de o princípio da proporcionalidade ser utilizado “pró societate”, hipótese que não é bem aceita pela maioria dos penalistas de nosso país. Importante salientar que essa teoria da proporcionalidade não poderá ser aplicada em toda e qualquer situação, devendo apenas ser utilizada em situações extraordinárias e excepcionais, haja vista o grau de subjetividade deste princípio.
Assim, a teoria deverá ser empregada como argumentação pelos magistrados apenas quando não existirem outros meios de prova e quando 49 houver evidente colisão entre dois direitos fundamentais. Isso porque, se assim não o for, o texto constitucional que veda as provas ilícitas não estaria sendo respeitado, tornando-se letra morta em nosso ordenamento jurídico.
Pode-se afirmar que a aplicação da teoria da proporcionalidade “pró réu” é amplamente aceita por nosso Tribunais, justamente por não ser do interesse do Estado punir um inocente, e assim encobrir a prática de um delito realizado por um criminoso, que acabará ficando impune. Nesse caso, pode-se levantar a hipótese de legítima defesa, ou até mesmo de estado de necessidade, que são excludentes de ilicitude.
Em contrapartida, a utilização das provas ilícitas pelo Estado, ainda que justificada através do princípio da proporcionalidade pró societate, não é vista com bons olhos pela maioria da doutrina. Para os adeptos a teoria da proporcionalidade “pró societate”, a coletividade não pode ficar desprotegida enquanto se preserva a intimidade de um criminoso. Esta corrente também sustenta que existem determinados crimes em que o magistrado não vê alternativa a não ser aceitar uma prova obtida ilicitamente, pois a criminalidade está cada vez mais organizada, e os crimes cada vez mais esquematizados.
No entanto, indo contra a este argumento, não parece correto afastar a vedação constitucional das provas ilícitas devido à suposta gravidade do delito, o Estado não pode, pressionado pelo clamor da sociedade, utilizar-se de meios ardilosos para buscar a verdade dos fatos. O Estado, agindo desta forma, estaria em busca de uma condenação a qualquer custo, retirando os direitos fundamentais do cidadão e colocando o indivíduo como mero objeto de condenação. Não podemos esquecer de que vivemos em um Estado Democrático de Direito, e que os direitos e garantias fundamentais estão na Constituição Federal para serem respeitados.
Pode-se dizer, portanto, que prevalece o entendimento de que as provas ilícitas não serão aceitas, devendo ser desentranhadas do processo, mas essa norma constitucional não é absoluta, podendo ser relativizada pelo princípio da proporcionalidade, porque muitas vezes outros direitos fundamentais previstos na Constituição também estão em jogo e precisam ser levados em consideração.
Frise-se, porém, que não há um entendimento universal acerca do tema, pois ele sempre poderá ser observado por dois ângulos diferentes: o da sociedade, que clama por justiça, e o do acusado, que quer fazer valer seus direitos constitucionais e ser julgado com respeito ao devido processo legal.
O trabalho buscou analisar um, de tantos outros desafios do Poder Judiciário, para se chegar a uma decisão justa e condizente com o Estado Democrático de Direito. Ele tentou demonstrar, em poucas linhas, que o direito não é uma ciência exata, pois trata da vida das pessoas, devendo cada situação ser estudada minuciosamente a partir do caso concreto.
O Processo Penal deverá observar todas as exigências legais, principalmente o contraditório e a ampla defesa, pois será ele que poderá retirar aquilo que o homem tem de mais importante: sua liberdade. Além disso, é inadmissível restringir qualquer direito ou garantia assegurado ao acusado, por ferir diretamente o Estado Democrático de Direito.
Referências Bibliográficas:
[1] NUCCI, Guilherme de Souza. Provas no Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais Ltda., 2011. p. 15.
[2] MIRABETE, Julio Fabrini. Processo Penal. 18 ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 249.
[3] TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 9 ed. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 5
[4] MARQUES, José Frederico. Elementos de Direito Processual Penal. 3º ed. São Paulo: Millennium, 2009. p. 268.
[5] JESUS, Damásio Evangelista de. Código de Processo Penal Comentado. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 1990. p. 125.
[6] ARAUJO, Luiz Alberto David. NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 174.
[7] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. p. 875.
[8] JESUS, Damásio de. Código de Processo Penal anotado. 24 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 188.
[9] SILVA. Ovídio Baptista. Curso de processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997. p. 300.
[10] http://tj-ms.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/4568914/mandado-de-seguranca-ms-27574/inteiro-teor-11865315 Acesso no dia 25.11.2013.
[11] NERY JUNIOR, Nelson. Proibição das Provas Ilícitas na Constituição de 1998. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 79.
[12] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7 ed. Coimbra: Almedina, 2003. p. 1522.
[13] GRINOVER, Ada Pellegrini. FERNANDES, Antonio Scarance. GOMES FILHO, Antonio Magalhães. 7 ed. As nulidades no Processo Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 136.
[14] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 35-36.
[15] AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas ilícitas: interceptações telefônicas, ambientais, e gravações clandestinas. 4 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 80
[16] VASCONCELLOS, Roberto Prado. Provas Ilícitas (Enfoque Constitucional). Revista dos Tribunais, nº 791, setembro de 2001. p. 465.
[17] LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de Processo Penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. p. 903.
[18] FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2008. p. 615.