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Desbiologização da paternidade e a falta de afeto

31/10/2004 às 00:00
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Este artigo tem uma forte pretensão: falar sobre a desbiologização da paternidade. Não obstante quer discutir a função paterna no desenvolvimento do indivíduo e, ainda, relatar a partir de algumas conversas com amigos o quanto a ausência do pai faz a diferença no subjetivismo da pessoa humana.

Este não será um artigo objetivo, por que o autor não tem o dom de sê-lo. Ele vai mostrar-lhes o que o andar da vida se encarrega de esconder, falar de amor, de afetividade, de respeito e, por fim, não dirá nada de novo, será uma história e ela não será triste, nem alegre, será jurídica.

Para os mais assustados eu peço calma para entender que desbiologização da paternidade nada mais é do que o reconhecimento da paternidade afetiva, não necessariamente biológica, eis então o porquê do termo. Em estando mais calmos, posso acrescentar que essa é uma grande inovação do Direito de Família ou, como diz tão brilhantemente a Desembargadora Maria Berenice Dias, do direito das famílias, haja vista a pluralidade estrutural e as transformações pelas quais vem passando a concepção de família.

O pai, numa idéia sociológica, é a figura que sai de casa para buscar o sustento, estando dissociada da afetividade. Ao serem questionados, alguns amigos responderam um áspero ‘não’ quando lhes foi perguntado se haviam tido um pai afetivo e presente, e a secura deste ‘não’ me fez ter a certeza de que o afeto deve ser imprescindível e não uma figura paterna biológica.

Já existem meios jurídicos para reivindicar afetividade dos pais, mas creio que não se pode conseguir afeto por meios legais, sinceramente. Não há possibilidade de se colocar afeto no coração de um pai por intermédio da lei. De repente, seja certo compelir o pai a exercer visitação, devido a importância desse ato para o filho, mas a afetividade não vem junto com a obrigação.

O conceito de família está mudando, pois já é sabido que a estrutura familiar constitui um "estar" de afetividade mútuo entre todos que a integram, abraçando, para tanto, a diversidade. Com isso fica mais claro o motivo da desbiologização e a concepção de paternidade socioafetiva. O art. 226 § 7º da Constituição Federal pôs fim à preeminência da paternidade biológica, trazendo a noção de paternidade responsável, ‘o direito da filiação não é somente o direito da filiação biológica, mas é também o direito da filiação vivida’.

É interessante ter consciência de que o pai não apenas é o doador de uma parte fecundante, pai é o que dá afeto e exerce o poder familiar permanente e efetivamente. Rodrigo da Cunha Pereira em seu artigo "Pai, por que me abandonaste?" diz, de forma clara, o que é a paternidade: paternidade é uma função exercida, ou, um lugar ocupado por alguém que não é necessariamente o pai biológico", o advogado, professor e presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família diz ainda uma frase contundente: o Direito brasileiro já deveria ter entendido que por mais que se queira atribuir uma paternidade pela via do laço biológico, ele jamais conseguirá impor que o genitor se torne pai.

Não há nada mais relativo a um consenso do que o amor. Quando se fala em afeto se fala em amor. Renomados juristas como Pontes de Miranda, Orlando Gomes e Silvio Rodrigues vêem a família como união de pessoas ligadas pelo vínculo da consangüinidade, cônjuges e prole, tal conceituação está por demais distante da atual realidade. Não observam as sutilezas e a subjetividade que envolve o assunto. Para termos um conceito moderno de família, mais adequado ao séc. XXI, precisamos analisar principalmente a multiplicidade social, distante do ranço e da mesmice preconceituosa que sempre preponderou na legislação brasileira.

João Batista Villela disse: "O amor está para o Direito de Família assim como a vontade está para o Direito das Obrigações", dando com isso a devida importância ao afeto. Para tanto, quando falamos em desbiologização temos que ter em mente que se está enfatizando o afeto na relação pai e filho, as relações familiares são fruto da afetividade.

A Desembargadora Maria Berenice Dias, ainda, cita com sensibilidade, Saint Exupéry, em ‘O Pequeno Príncipe’, "você é responsável pelas coisas que cativas" e a professora Dra. Maria Cláudia Crespo Braune afirma: "Ora, não se pode negar que o vínculo relacional entre pai e filho não se cria através de um documento, é preciso querer ser pai ou ser mãe e, de parte da criança, é necessário se sentir como filho.". Com isso, não me resta dizer nada, apenas manifesto minha tristeza por saber que alguns pais conseguem não desenvolver afetividade por seus filhos. Deve ser triste para ambos, muito triste.

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Sobre o autor
Rodrigo Collares Duarte

Acadêmico do curso de Direito da PUC/RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DUARTE, Rodrigo Collares. Desbiologização da paternidade e a falta de afeto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 481, 31 out. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5845. Acesso em: 23 dez. 2024.

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