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Morosidade da prestação jurisdicional: o rastejar da justiça

14/06/2017 às 17:09
Leia nesta página:

Se a justiça tarda, ela falha? A morosidade judicial fere o princípio da razoável duração do processo e compromete a efetividade da tutela jurisdicional.

Já reza um velho e conhecido brocardo, não apenas utilizado pelos operadores do Direito e juristas, mas também pelos cidadãos de forma corriqueira, qual seja: “A justiça tarda, mas não falha”.

Primeiramente, em uma análise mais profunda do jargão acima, é preciso chamar atenção para o fato de que a justiça tardia é, sim, falha. Para tanto, apresento um simples exemplo: imaginemos que um cidadão ajuíze ação para ser reparado por dano moral e estético em virtude de uma cirurgia mal realizada, que tenha deixado sequelas físicas e uma grande cicatriz decorrente de erro médico. O paciente ajuíza a ação para reparar o dano sofrido. Suponhamos, portanto, que o trâmite processual, desde a propositura até a decisão final, tenha levado cerca de sete anos (o que é bastante comum em nosso Judiciário), e que o autor tenha falecido no decorrer do processo. Pergunta-se: ainda que os seus herdeiros tenham legitimidade para receber o valor a título de indenização, e que os responsáveis (médicos e hospital) tenham pago o valor correspondente, o legítimo autor da ação — aquele que de fato sofreu o dano — teve a prestação jurisdicional alcançada? Evidente que não.

Se, por conta da absurda lentidão da Justiça, não se conseguiu tutelar a pretensão em tempo hábil, conclui-se que aquele que deveria ter sido reparado pelo dano injusto não o foi. Seu herdeiro, que não sofreu o dano, apenas recebeu a indenização por força de herança, oriunda de um processo de inventário. Portanto, o jargão “a justiça tarda, mas não falha” não é de todo verdadeiro, pois a justiça tardia é falha, sim.

Como profissional atuante na advocacia há cinco anos, uma das maiores dificuldades do escritório no dia a dia é a lentidão do sistema judiciário, perceptível de diversas formas: a morosidade nos despachos iniciais, nas prolações de sentenças, a grande dificuldade e demora nas citações e intimações pessoais, além da lentidão em simples atos ordinatórios das secretarias para conclusão dos processos.

Para exemplificar essa injustificada morosidade, sem identificar partes, número de processo ou juízo — por questões éticas —, relato um caso: há um processo em meu escritório no qual o cliente, corretor de imóveis, busca o pagamento de uma grande construtora e incorporadora por um terreno intermediado e vendido, mas não pago — um verdadeiro “calote”. Pois bem, há exatos dez meses foi ajuizada a ação, e, por igual período, aguardamos o despacho inicial do juízo, o chamado despacho saneador, que irá deferir ou não o pedido de gratuidade de justiça, designar audiência de conciliação e determinar outras providências iniciais.

Semanalmente, estou eu, ou um estagiário, na secretaria da vara diligenciando o andamento do processo, sem contar as inúmeras reclamações dirigidas à Corregedoria dos Magistrados e ao Conselho Nacional de Justiça, todas infrutíferas.

Ora, se o juízo leva dez meses — mais que uma gestação — apenas para analisar e despachar o processo, quanto tempo levará para o julgamento definitivo em primeira instância?

Quando nos rebelamos e reclamamos perante os serventuários, assessores e juízes, a resposta é pomposa: “não há mão de obra suficiente para o grande número de demandas judiciais”.

Embora ciente dessa realidade, especialmente no Judiciário baiano (um dos piores do país, segundo pesquisas oficiais), não posso coadunar com tal justificativa. O próprio Código de Processo Civil estabelece prazos para manifestação dos juízes, conforme o artigo 226:

Art. 226. O juiz proferirá:

I – os despachos no prazo de 5 (cinco) dias;

II – as decisões interlocutórias no prazo de 10 (dez) dias;

III – a sentença no prazo de 30 (trinta) dias.

Em seguida, o artigo 228 do CPC fixa os prazos para os serventuários da secretaria da vara praticarem os atos:

Art. 228. Incumbirá ao serventuário remeter os autos conclusos no prazo de 1 (um) dia e executar os atos processuais no prazo de 5 (cinco) dias, a contar da data em que:

I – houver concluído o ato processual anterior, se lhe foi imposto pela lei;

II – tiver ciência da ordem, quando determinada pelo juiz.

§1º Ao receber os autos, o serventuário certificará o dia e a hora em que teve ciência da ordem referida no inciso II.

§2º Nos processos eletrônicos, a juntada de petições ou manifestações ocorrerá de forma automática, independentemente de ato do serventuário da Justiça.

Diante desses dispositivos, pergunto: por que uma sentença leva cinco, dez ou até trinta anos para ser proferida, se a própria lei fixa o prazo de trinta dias para tanto?

Da mesma forma que advogados, procuradores, promotores e defensores públicos são penalizados pela perda de prazos, também deveria haver sanções para magistrados que não cumprem os limites processuais previstos no Código de Processo Civil.

E a Corregedoria dos Magistrados e o CNJ? Na prática cotidiana, jamais testemunhei atuação efetiva desses órgãos.

Quando o Judiciário leva anos para proferir uma sentença, quem suporta as consequências dessa injustificável morosidade é o jurisdicionado — e, evidentemente, o advogado, que na maioria das vezes aguarda o resultado final para receber os honorários.

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Ainda que o trâmite processual eletrônico tenha facilitado a vida dos operadores do Direito, permanecem entraves significativos que comprometem a celeridade. Cada petição protocolada digitalmente ainda precisa ser acompanhada pessoalmente na vara, pois, caso contrário, pode ficar inerte, pendente de leitura e providência. Assim, costumo dizer que, apesar de o processo ser eletrônico, ele ainda é “físico” e “analógico”.

Outro aspecto “indigesto” à celeridade processual é o artigo 334, §4º, I, do Novo Código de Processo Civil:

Art. 334, §4º, I: A audiência não será realizada:

I – se ambas as partes manifestarem expressamente desinteresse na composição consensual.

Ora, a meu ver, bastaria que apenas uma das partes manifestasse desinteresse, haja vista que a conciliação depende da boa vontade de ambas. Então, qual a necessidade de designar audiência de conciliação quando uma das partes já se mostrou desinteressada?

Além disso, a designação de audiência de conciliação (sem êxito) pode atrasar o processo em três ou quatro meses — mais um fator que, mal administrado, contribui para a morosidade.

Poderia elencar inúmeros outros fatores cotidianos da advocacia que são barreiras à justa e razoável duração do processo, mas passemos à análise dos princípios que regem a celeridade processual.

O Princípio da Celeridade Processual ou da Razoável Duração do Processo está consagrado na Constituição Federal, artigo 5º, inciso LXXVIII:

“A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”

Contudo, é importante ressaltar que a busca pela rapidez processual deve respeitar a segurança jurídica, o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

A segurança jurídica é corolário dos princípios do contraditório e da ampla defesa, bem como do devido processo legal. O artigo 5º, inciso LV, da Constituição assegura:

“Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.”

Já o inciso LIV do mesmo artigo dispõe:

“Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.”

Assim, para garantir a segurança jurídica, é imprescindível a observância desses princípios, os quais, por sua própria natureza, tendem a alongar o tempo de tramitação processual.

Dessa forma, é difícil compatibilizar alguns princípios constitucionais com a desejada celeridade, visto que a ampla defesa e o contraditório conferem às partes o direito de produzir provas e demonstrar suas alegações — o que naturalmente retarda o processo.

O mesmo ocorre com o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, que assegura às partes o direito de recorrer, buscando a revisão ou reforma da decisão, também contribuindo para o alongamento da marcha processual.

Conclui-se, portanto, que o princípio da razoável duração do processo não pode ser analisado isoladamente, mas como parte de uma constelação de princípios que se equilibram entre si, buscando não apenas a celeridade, mas, sobretudo, a qualidade e a justiça da decisão.

Em suma, além dos princípios constitucionais que visam assegurar uma prestação jurisdicional de qualidade, existem inúmeros fatores burocráticos do cotidiano forense que igualmente comprometem a tramitação em prazo razoável.

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Sobre o autor
Sylvio Pinheiro Soares

Advogado, formado pela Unime desde 2013, pós graduando em Direito Civil e Direito Empresarial. Atuando na cidade de Salvador - Bahia. Sócio e advogado da Pinheiro Assessoria e Consultoria Jurídica.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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