Já reza um velho e conhecido brocardo, não só utilizado pelos operadores do direito e juristas, mas também pelos cidadãos de forma corriqueira, qual seja: “A justiça tarda mas não falha”.
Primeiramente, em uma análise um pouco mais profunda do jargão acima, tenho que chamar atenção para o fato de que a justiça tardia é falha; e para tanto apresento um simples exemplo: imaginemos que um cidadão ajuíza ação para ser reparado por dano moral e estético em virtude de uma cirurgia mal realizada que tenha deixado sequelas físicas e uma grande cicatriz em virtude de erro médico. O paciente ajuíza uma ação para reparar o dano sofrido. Suponhamos, portanto, que o trâmite processual, desde a propositura da ação até a decisão final, tenha levado em torno de 07 anos (o que é bastante comum no nosso judiciário), e que o autor tenha falecido no decorrer deste processo. Indagamos-nos: ainda que os seus herdeiros tenham a legitimidade para receber o valor à título de indenização e os responsáveis (médicos e hospital) tenham pago o valor correspondente, o legítimo autor da ação, que de fato sofreu o dano (o qual deveria ser reparado) teve a prestação jurisdicional alcançada? Evidente que não .... Se por conta da absurda lentidão da justiça que não conseguiu tutelar a prestação jurisdicional requerida em tempo hábil, concluímos que aquele que devia de fato ser reparado pelo dano injusto sofrido não foi, e o seu herdeiro (que não teve qualquer dano sofrido) somente recebeu o valor de indenização por força de herança, oriundo de um processo de inventário. Portanto, o jargão “a justiça tarda mas não falha” não é de toda verdadeira, pois a justiça tardia é falha sim.
Como profissional atuante no árduo ofício da advocacia por 05 (cinco) anos, uma das maiores dificuldades do escritório, no dia-a-dia, é a lentidão do nosso sistema judiciário que podem ser verificados das mais diversas formas: a morosidade de despachos iniciais, das próprias prolações de sentença, a grande dificuldade e lentidão das citações e intimações pessoais, a demora de simples atos ordinatórios das secretarias em concluir os processos para despachos e sentenças dentre inúmeros outros.
Para exemplificar a injustificada lentidão do nosso judiciário, (sem identificar partes, número de processo e juízo em que tramite por questões éticas), vou contar-lhes um rápido caso: há um processo no meu escritório em que o cliente na condição de corretor de imóvel busca o pagamento de uma grande construtora e incorporadora de um terreno por ele intermediado e vendido, mas não pago. Um verdadeiro e nítido “calote”. Pois bem, há exatos 10 meses foi ajuizada a ação, e por exatos 10 meses aguardamos o despacho inicial do juízo, o qual chamamos de saneador, que irá deferir ou não o pedido de gratuidade de justiça, designar audiência de conciliação e demais providências que o magistrado julgar cabível no início do processo. Apenas em complemento, menciono que semanalmente estou eu pessoalmente, ou um dos estagiários, na secretaria da referida vara diligenciando-a, sem contar as inúmeras reclamações perante à Corregedoria dos Magistrados e ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), todas infrutíferas...
Pois bem, se o juízo em qual tramita o processo leva 10 meses ( mais que uma gestação) apenas para analisar e dar prosseguimento com os despachos iniciais, quanto tempo levará para este processo ser definitivamente apreciado e julgado em 1º instância ?
Quando nos rebelamos e reclamamos perante os serventuários, assessores e os próprios juízes, os mesmos nos respondem de forma pomposa sua justificativa: “não há mão-de-obra suficiente” para o grande número de demanda judicial.
Ora, apesar de saber da realidade do nosso judiciário, em especial o da Bahia (que é um dos piores do país, segundo pesquisas oficiais), não posso coadunar com tal justificativa, até porque o próprio Código de Processo Civil, em seu artigo 226, estabelece os prazos em que os juízes devem manifestar-se nos processos apresentando seus despachos, decisões interlocutórias e sentenças, vejamos ipsis litteris:
Art. 226 NCPC: “O juiz proferirá:
I – Os despachos no prazo de 05 dias;
II – as decisões interlocutórias no prazo de 10 dias
III – a sentença no prazo de 30 dias; “
Em seguida, o artigo 228 NCPC estabelece os prazos para os serventuários da secretaria da vara praticarem os atos, vejamos:
Art. 228 NCPC: “Incumbirá ao serventuário remeter os autos conclusos no prazo de 01 (um) dia e executar os atos processuais no prazo de 05 (cinco) dias, a contar da data em que:
I – houver concluído o ato processual anterior, se lhe foi imposto pela lei;
II – tiver ciência da ordem, quando determinada pelo juiz;
§1º. Ao receber os autos, o serventuário certificará o dia e hora em que teve ciência da ordem do referido no inciso II.
§2º. Nos processos em autos eletrônicos, a juntada de petições ou de manifestações em geral ocorrerá de forma automática, independentemente de ato de serventuário da justiça”.
Diante dos dispositivos acima expostos, expliquem-me o motivo de uma sentença levar 5, 10 ou até mesmo 30 anos para ser julgada, uma vez que a própria lei processual estabelece o PRAZO DE 30 DIAS para a pratica de tal ato?
Da mesma forma que os advogados, procuradores, promotores e defensores públicos ao perderem os prazos são penalizados com a preclusão e a perda da oportunidade do ato, da mesma forma deveria sim existir algum tipo de pena para os magistrados que não cumprem com os limites estabelecidos pelo Código de Processo Civil.
E ai me indagam, e a Corregedoria dos Magistrados e o Conselho Nacional de Justiça? Na minha vida pratica cotidiana, jamais vi uma atuação destes órgãos de forma efetiva, infelizmente.
Portanto, quando o judiciário leva 4, 5, 10 ou 30 anos para dar uma sentença quem acaba por suportar todas as consequências da injustificável morosidade da justiça é aquele que busca uma tutela, e evidente, o advogado, que na grande maioria das vezes aguarda o resultado final do processo judicial para ter acesso ao tão suado honorário advocatício.
Outrossim, chamo atenção para o fato de que, apesar do nosso trâmite processual ser eletrônico, o que de fato facilita muito a vida dos operadores do direito (juízes, promotores, defensores públicos, procuradores e partes) ainda temos significativos entraves que acabam por “atrasar” a celeridade do processo digital, pelo simples fato de que cada petição protocolada à distância por via digital precisa ser acompanhada pessoal e fisicamente na vara a que é direcionada, pois, caso contrário, fica inerte (pendente de leitura), sem qualquer providencia e encaminhamento. Portanto, costumo dizer que apesar do nosso processo ser eletrônico/digital, ainda é “físico” e “analógico”...
Outro aspecto que me parece bastante “indigesto” para a celeridade do trâmite processual é o artigo 334, §4º, I do Novo Código de Processo Civil, vejamos:
Art. 334, §4º, I NCPC: “A audiência não será realizada:
I – se ambas as partes manifestarem-se expressamente, desinteresse, na composição consensual.
(...)”
Ora, ao meu ver, bastaria que apenas uma das partes manifestasse desinteresse em conciliar, haja vista que conciliação depende da “boa-vontade” de ambas as partes. Então me pergunto, qual a necessidade de se manter uma audiência de conciliação em que um dos litigantes já demonstrou desinteresse na conciliação ?????????????
Ademais, a designação de audiência de conciliação (sem êxito) atrasará o processo em torno de 3 a 4 meses. Portanto, eis mais um relevante fator que mal gerido no decorrer do processo, certamente irá torna-lo mais moroso.
Poderia aqui elencar inúmeros fatores e situações do cotidiano da advocacia que são verdadeiras barreiras à justa e razoável duração do processo, mas adentremos à uma breve análise dos princípios e “contra-princípios” que norteiam o tema da celeridade processual.
O Princípio da Celeridade Processual ou da Razoável Duração do Processo está na nossa Carta Magna, mais precisamente no artigo 5º, inciso LXXVIII: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.”
Pois bem, primeiramente é de suma importância asseverar que a busca do encerramento processual no menor tempo possível deve respeitar a segurança jurídica, Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa e do Devido Processo Legal.
A segurança jurídica é um corolário do Princípio do Contraditório e da Ampla Defesa, bem como o Devido Processo Legal. Pelo primeiro princípio (do contraditório e da ampla defesa) entendamos que são as garantias dadas às partes de apresentarem as suas versões dos fatos alegados pela outra parte, bem como a utilização de todos os instrumentos e provas processuais admitidas no ordenamento jurídico em sua defesa, vejamos o artigo 5º, LV da Constituição Federal:
Art. 5º, LV da CF: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral, são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a elas inerentes”.
Já a segunda, o Princípio do Devido Processo Legal, é o respeito à todas etapas do processo (seja ele qual for: administrativo, penal, cível ...), leiamos o artigo 5º, LIV da Carta Magna:
Art. 5º, LIV: “Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Portanto, para que seja efetivada e garantida a segurança jurídica dos processos e procedimentos administrativos, necessariamente precisamos garantir às partes a observância destes dois princípios, que, por si só já acabam por prolongarem o processo além do tempo desejado pelas partes.
Desse modo, é difícil coadunar alguns princípios constitucionais com a pretendida celeridade processual, levando em conta que os princípios acima mencionados conferem às partes o direito de produzirem provas, para comprovarem a veracidade das alegações expostas na petição inicial e na contestação, situação que naturalmente, por si só, já acaba por acarretar o retardo da marcha processual, não alcançando de pleno a tão pretendida celeridade processual.
De igual modo há o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição, o qual garante às partes o direito de recorrerem dos pronunciamentos, buscando a sua revisão, reforma ou integração, que de igual modo, acaba por ser mais um elemento de retardo do trâmite processual.
Diante do exposto, constatamos que o Princípio da razoável duração do processo não pode ser analisado de forma isolada, mas como integrante de uma “constelação” de diversos princípios que se influenciam, e que são pensados não apenas para garantir a razoável duração do processo, mas, sobretudo, a prolação de uma sentença de qualidade e justa para se alcançar, as quais devem permitir a produção de prova das provas necessárias ao esclarecimento dos pontos controvertidos, além da reapreciação da decisão pelos tribunais superiores, na forma da lei.
Portanto, como restou demonstrado neste breve e superficial texto, além dos princípios constitucionais que regem o direito processual a fim de garantir provimento jurisdicional de qualidade, que por si só já tornam o processo moroso e lento, há também inúmeros fatores burocráticos do dia-a-dia forense, os quais, igualmente, entravam, e muito, um trâmite processual dentro de um interstício razoável de tempo.
Salvador – Bahia, 06 de junho de 2017