1. Breve Introdução sobre o Tema
A formação de parcerias comerciais viabiliza aos empresários vender produtos para consumidores que, sem a parceria comercial, não seria possível, por isso, não sem razão, o Professor Fábio Ulhoa Coelho denomina algumas parcerias comerciais como contratos de colaboração, pois, nestas espécies de contratos existe uma colaboração mútua das partes contratantes para a consolidação e o crescimento das vendas de um determinado produto. Segundo ainda o referido jurista, apenas pode-se falar em contrato de colaboração, se “um dos empresários assume a obrigação contratual de ajudar a formação ou ampliação do mercado consumidor do produto fabricado ou comercializado pelo outro”.
De outra maneira, a Professora Paula A. Forgioni prefere adotar a expressão “contratos da distribuição”[1] para referir-se a todos os contratos que tem como objetivo a venda direta ou indireta de mercadorias, identificando ainda estes contratos como “acordos verticais”, na medida em que, pode-se visualizar um centro comum de suas funções econômicas: o escoamento da produção pelo sistema de vendas indiretas.
Já a professora Maria Helena Diniz utiliza o termo Distribuição Lato Sensu, quando se refere de forma mais genérica de Concessão Mercantil.
O fato é que os contratos de colaboração como denota Fábio Ulhoa Coelho, ou ainda, os contratos da distribuição como dito pela Professora Paula A. Forgini; trata-se de instrumento jurídico necessário para reduzir os custos do empresário no escoamento das mercadorias, imagine-se, por exemplo, se o empresário para atingir os consumidores de um determinado país, ou de uma determinada localidade longínqua de sua sede, não se utilizasse das parcerias comerciais, por óbvio, os investimentos para a consolidação deste mercado seria maior do que, se o empresário optasse por fazer uma parceria comercial com outro empresário que conhece as peculiaridades da região e, em muitas vezes, já tem toda a estrutura suficiente para o escoamento da mercadoria pretendida.
Independentemente da forma, constituem-se as parcerias comerciais um verdadeiro sistema de escoamento de mercadorias, onde ambas as partes contratantes são beneficiárias do sucesso do negócio, não se pode atribuir apenas a uma das partes a obrigação de colaboração, pois, entendemos ser de fundamental importância que, tanto o distribuidor, quanto o distribuído, ou a concedente e a concessionária, estejam em perfeita “sinergia” e alinhados com os objetivos de consolidação do mercado, caso contrário, se faltar esta “sinergia”, provavelmente, o resultado obtido ficará aquém do esperado, exatamente, por esta razão, que a concepção do contrato de colaboração exposto por Fábio Ulho Coelho se coaduna com a prática mercantil, mas, no sentido de que, a colaboração deve ser mútua, com o único objetivo: o escoamento das mercadorias com o maior sucesso possível.
2. Definição: Concessão Comercial / Distribuição de Produtos
Um aspecto bastante importante para quem pretende deter-se na análise do Contrato de Distribuição é saber a forma de solução de conflitos gerados por esta espécie de contrato, para tanto, a definição do que seja contrato de distribuição é primordial.
Alguns autores, como Orlando Gomes, não diferenciam o Contrato de Concessão do Contrato de Distribuição, na mesma esteira, Paula A.Forgioni adota o entendimento de não haver diferença entre o contrato de Distribuição e o Contrato de Concessão, referindo-se da mesma maneira o distribuidor/concessionário e o concedente/produtor. Por outro lado, Fábio Ulhoa Coelho entende haver diferença em razão de certa variância do grau de subordinação da empresa do colaborador em relação à do fornecedor. No contrato de distribuição – intermediação, o distribuído tem menos ingerência sobre a organização empresarial do distribuidor que o concedente, na concessão.
A jurista Maria Helena Diniz considera que diante do caráter intuitu personae do contrato de concessão, este não pode ser comparado ao contrato de distribuição, o qual não possui esta característica[2]. Segundo ela, o contrato de distribuição seria típico em vista do disposto no Código Civil (Arts. 710, 713, 714, 715, 720 e 721) e na Lei No. 6.729/79.
O conceito de contrato de distribuição é primordial para saber, se realmente há distinção entre o contrato de concessão e o de distribuição, nesse aspecto, o primeiro requisito é verificar a tipicidade ou atipicidade desta espécie de contrato. Os juristas e doutrinares que defendem a tipicidade do contrato de distribuição baseiam-se nas disposições do Código Civil (art. 710 e seguintes) e na Lei Ferrari (6.729/79). Todavia, com a devida vênia a estes respeitáveis juristas[3], adotamos a posição seguida por Orlando Gomes[4] para quem não há diferença entre o contrato de distribuição e de concessão mercantil.
Antes mesmo do advento do Código Civil, a praxe comercial já se utilizava desta espécie de instrumento jurídico para regular a relação jurídica entre o distribuidor e o fabricante, ou seja, a compra e venda mercantil realizada de forma contínua e sucessiva, com o propósito de revenda, por parte do distribuidor, numa determinada área demarcada, ficando este último com as vantagens pecuniárias obtidas entre a diferença do preço de compra e o preço de revenda, não era novidade no meio empresarial.
Observa-se, portanto que o requisito essencial do contrato de distribuição sempre foi a transferência de propriedade do bem, por meio da compra e venda mercantil, isto é, o bem ou produto necessariamente tem que ser transferido do produtor/fabricante ao distribuidor, com o escopo de revenda. Este é o contrato de distribuição reconhecido entre empresários.
Sucede, no entanto, que o contrato disciplinado pelo Código Civil (Art. 710[5] e seguintes) é distinto do contrato de distribuição caracterizado pela transferência de propriedade do bem, pois, a distribuição referida pela 2ª parte do artigo 710 do Código Civil não estabelece a transferência de propriedade, mas, apenas a transferência de posse.
De outra maneira, a Lei Ferrari também não pode ser aplicada a todos os contratos de concessão de forma indistinta, posto que, a Lei é específica e trata apenas de um determinado segmento (“distribuição de veículos automotores e terrestres”), cujas peculiaridades, salvo melhor juízo, muitas das vezes não podem ser estendidas a outros seguimentos, exatamente, por essa razão o Professor Fábio Ulhoa Coelho diz que o Contrato de Concessão em geral é atípico.
Para diferenciar o contrato de distribuição regido pelo Código Civil e o Contrato de Distribuição que, aqui, denominaremos como Contrato de Distribuição, com transferência de propriedade, o Professor Fábio Ulhoa Coelho utiliza o termo Distribuição-aproximação, quando se refere à distribuição disciplinada pelo Código Civil, e o termo Distribuição – intermediação, quando trata do contrato de distribuição, onde há o negócio jurídico de compra e venda mercantil entre o fabricante e o distribuidor, com o propósito de revenda da mercadoria.
De acordo ainda o referido Professor, a primeira espécie de contrato seria típica, enquanto, a segunda espécie de contrato seria atípica.
Já a Professora Paula A. Forgini trata a distribuição disciplinada pelo Código Civil, como sendo uma espécie de contrato de agência, denominando-o como Agência – Distribuição, quando o agenciador tem a posse do bem, e a Agência – Pura, quando o agenciador não tem a posse do bem.
O fato é que o Contrato de Distribuição conhecido entre os empresários, onde há a transferência de propriedade do bem, com o compromisso de revendê-lo, por parte do Distribuidor, permanece atípico, ainda que a Lei Ferrari tenha disciplinado o instituto no segmento de veículos automotores e terrestres[6].
A outra característica do contrato de distribuição é a aglutinação de outras espécies de contrato (Locação; Prestação de Serviços, etc), no mesmo documento, por este motivo, se diz tratar-se de um contrato misto.
Enfim, a principal razão pela qual adotamos a posição de que não há diferença entre o contrato de distribuição e a concessão comercial está na similitude de objeto e características de ambos os contratos, sem contar que, pelo fato de ambos os contratos serem considerados atípicos, na prática, especialmente, na solução de conflitos, não haveria efetivamente não nenhuma razão para diferenciá-los.
Outrossim, oportuno mencionar que a própria Lei Ferrari (art. 2º, inc II) considera o distribuído a empresa comercial pertencente à respectiva categoria econômica, que realiza a comercialização de veículos automotores, implementos e componentes novos, presta assistência técnica a esses produtos e exerce outras funções pertinentes à atividade.
Por último, ressaltamos o conceito de contrato de distribuição fornecido por Paula A.Forgioni: “contrato bilateral, sinalagmático, pelo qual um agente econômico (fornecedor) obriga-se ao fornecimento de certos bens ou serviços a outro agente econômico (distribuidor), para que este os revenda, tendo como proveito econômico a diferença entre o preço de aquisição e o preço de revenda e assumindo à satisfação de exigências do sistema de distribuição do qual participa”
3. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA.
Tendo como pressuposto o fato de que, em nossa concepção, o contrato de distribuição é atípico, as regras do código civil (art. 710 e seguintes) não podem ser aplicadas aos contratos de distribuição, na medida em que elas forem incompatíveis com esta espécie de contrato, se não houver nenhuma incompatibilidade, em função da teoria da interpretação por analogia, as regras ali estabelecidas podem ser aplicadas aos Contratos de Distribuição.
A liberdade de contratar consagrada pelo princípio da autonomia da vontade privada não é ilimitada. As partes podem livremente escolher o tipo de operação econômica a qual pretendem instrumentalizar através do contrato, bem como, as obrigações e direitos que irão fazer parte integrante do regulamento contratual, vinculando uma parte à outra, desde que sejam obedecidas às normas de ordem pública e os usos e costumes.
O ordenamento jurídico reserva-se um poder geral de controle sobre as operações contratuais realizadas pelos sujeitos privados, impondo limites à liberdade de contratar, através do respeito às normas gerais de direito.
Enzo Roppo[7] conceitua ordem pública como o complexo dos princípios e dos valores que informam a organização política e econômica da sociedade, numa certa faze da sua evolução histórica, e que, por isso, devem considerar-se imanentes no ordenamento jurídico que vigora para aquela sociedade, naquela fase histórica. Segundo ele, as normas imperativas refletem, na específica e circunscrita matéria a que dirige as suas previsões analíticas, princípios de ordem pública. Os princípios jurídicos e as leis proibitivas ou imperativas são as normas que mais se aproximam do conceito de ordem pública.
Com isso, a liberdade de contratar tem o seu limite nos princípios jurídicos e nas leis proibitivas ou imperativas. Nesse sentido, os contratos de distribuição atípicos devem respeitar os princípios jurídicos aplicáveis aos contratos, especialmente, os contratos empresariais.
De acordo com os ensinamentos de Ascarelli[8], um direito especial nasce em função da peculiaridade de seus princípios jurídicos e não da especialidade da matéria tratada. Nesse aspecto, o direito empresarial possui princípios próprios não aplicáveis a outras espécies de contrato, exatamente, pelo fato de haver 02 (duas) partes opostas, com conhecimento técnico necessário para o exercício da atividade empresária.
Os princípios jurídicos aplicados aos contratos empresários são distintos dos princípios aplicáveis às pessoas naturais, especialmente, na maneira de interpretá-los; entre os princípios contratuais aplicáveis aos contratos de distribuição[9], cita-se:
(i)autonomia da vontade;
(ii)plena vinculação dos contratantes ao contrato;
(iii)proteção do contratante economicamente mais fraco nas relações contratuais assimétricas;
(iv) reconhecimento dos usos e costumes do comércio; e
(v) boa fé objetiva e função social do contrato.
Nota-se que os princípios aplicáveis ao contrato de distribuição em nada se distinguem dos princípios presentes nos demais contratos inter empresários, contudo, não se podem deixar de lado as peculiaridades relacionadas à distribuição.
Abaixo identificamos algumas características do contrato de distribuição, sendo algumas delas essenciais e outras acessórias, estas últimas podendo ou não estar inseridas no contrato:
a) O distribuidor é um empresário que negocia o bem profissionalmente em caráter não eventual – esta é uma cláusula essencial do contrato de distribuição, pois, se não houver o caráter habitual, a relação jurídica transforma-se em um contrato de compra e venda mercantil específico, por esta razão, o trato sucessivo e perene é um requisito essencial do contrato de distribuição;
b)A aquisição do produto pelo distribuidor é efetuada para a revenda do mesmo – o principal objetivo do contrato de distribuição é proporcionar o escoamento da mercadoria e o crescimento da identificação da marca, junto aos consumidores, através de um sistema de distribuição integrado com a política de vendas do consumidor. Caso contrário, se o adquirente do produto utiliza a mercadoria em proveito próprio, seja como insumo ou matéria prima de sua linha de produção, o contrato de distribuição está descaracterizado e o contrato em questão passaria a ser um contrato de fornecimento ao invés de um contrato de distribuição;
c) Ao Distribuidor é assegurado um monopólio de revenda, em uma determinada zona territorial – Geralmente, as partes contratantes estabelecem uma região em que o distribuidor terá exclusividade para a comercialização dos produtos adquiridos pelo fabricante, com relação a esta cláusula, entendemos não ser ela essencial ao contrato, mas apenas acessória. Por óbvio, o empresário que pretende tornar-se um distribuidor de uma determinada mercadoria, deve negociar com o fabricante dessa mercadoria o direito a exclusividade, em determinado território, caso contrário, o sucesso do negócio e o próprio lucro ficaram seriamente comprometidos, diante da própria concorrência que pode ser empreendida pelo fabricante ou outros distribuidores.
d) O distribuidor assegura a exclusividade ao Fabricante – assim como, a exclusividade territorial concedida pelo Fabricante ao Distribuidor, a exclusividade do Distribuidor ao Fabricante, também, é uma cláusula acessória ao contrato de distribuição, a sua ausência não descaracteriza esta espécie de contrato. A exclusividade concedida ao Fabricante existe, geralmente, para evitar o conflito de interesses das marcas distribuídas pelo Distribuidor, haja vista que, se o distribuidor faz a distribuição de 02 (duas) marcas concorrentes, em algumas oportunidades, poderá haver o privilégio de uma delas em detrimento de outra, por este motivo, é recomendável a existência deste tipo de cláusula de exclusividade.
e) Garantia Hipotecária ou Fidejussória concedida ao Fabricante – Em determinados contratos de distribuição, o fabricante concede ao distribuidor um determinado crédito para que ele possa adquirir as mercadorias e pagá-lo, quando conseguir revender estas mercadorias, como contra-partida deste crédito concedido pelo fabricante, o distribuidor oferece ao fabricante uma garantia de pagamento. Este tipo de cláusula depende da forma como desenvolverá a relação entre o distribuidor e fornecedor, exatamente, por isso, trata-se de uma cláusula acessória ao contrato de distribuição;
f) Controle Externo sobre o distribuidor e suas atividades – diante do fato de que, em última análise, é o distribuidor responsável pela imagem da marca do fabricante, junto aos consumidores, uma vez que o distribuidor é a última linha que liga o consumidor ao produto, tornar-se fundamental o fabricante precaver-se para que a imagem do seu produto não seja deturpada pelo distribuidor, zelando com relação ao transporte da mercadoria, ao preço de revenda, entre outros fatores.
As peculiaridades em questão encontram-se nos interesses comuns e interesses conflitantes entre o Fabricante e o Distribuidor, por este motivo, a convivência harmoniosa entre eles é primordial para atender as expectativas de ambas as partes contratantes.
Segundo Paula A. Forgioni, o contrato de distribuição é, ao mesmo tempo, comunhão de escopo e intercâmbio. Por um lado, as partes unem-se, porque acreditam que a celebração do acordo irá colocá-las em uma situação melhor do que aquela em que se encontram. Por outro, buscam objetivos diversos, uma vez que a maximização do lucro pode ser detrimento da remuneração da contraparte.
Segue ainda dizendo a ilustre jurista que o principal interesse convergente do contrato distribuição é o sucesso da colocação do produto junto ao mercado consumidor. Enquanto, os interesses conflitantes, no nosso entendimento, estão relacionados à obtenção do maior lucro possível de ambas as partes, fato este que as partes poderão entrar em embate, uma vez que, quanto maior o valor pago pelo distribuidor, maior será o lucro do produtor e menor será o lucro do distribuidor.
Ainda que haja interesses divergentes, deverá prevalecer, em qualquer circunstância, o princípio da boa – fé objetiva na condução dos negócios, isto é, a partes devem ter um comportamento leal uma com a outra, evitando-se a prática de atos contraditórios capazes de comprometer a confiança e a segurança jurídica da relação comercial. (“venire contra factum proprium”).
O venire contra factum proprium é regra de direito derivada do princípio da boa-fé objetiva que determina como inadmissível toda pretensão lícita mas objetivamente contrária com respeito a comportamento anterior do mesmo sujeito.
Como bem esclarece Ruy Rosado de Aguiar Júnior[10], a proibição do venere contra factum proprium protege uma das partes contra a outra que pretende exercer uma posição jurídica em contradição com o comportamento assumido anteriormente, o que acabou gerando expectativas, pois a conduta indicava seguramente determinado comportamento.
Diz Teresa Ancona Lopes, professora Livre-Docente da USP[11], que: “Do venire contra factum proprium surgiram, como consequência, a surrectio e a suppressio, dando como exemplo: o locador que aceita o pagamento do aluguel em dia diverso do pactuado, comportando-se, assim, durante um certo tempo, não poderá exigir que inquilino volte a cumprir a sua prestação conforme a letra do contrato.”
Segue ainda dizendo a ilustre jurista que, no exemplo acima, houve uma renegociação tácita que não poderia ser derrubada, pois seria agir contra a boa-fé contratual.
Assim, a boa-fé objetiva não se restringe apenas ao comportamento contraditório, mas, também, acarreta uma espécie de “negociação tácita” acerca de uma determinada pratica comercial consolidada entre os contratantes, depois de reiteradas vezes praticadas ao longo da vigência do contrato, cita-se como, por exemplo: (i) a prática da concessão de um bônus em todas compras realizadas acima de um determinado valor; (ii) a anuência e conivência em relação ao desrespeito de uma determinada cláusula contratual, entre outras inúmeras situações práticas.
Observa-se, contudo, que ganha relevância a aplicação da boa-fé objetiva, no momento de encerramento da relação contratual, inclusive, a fim de verificar a real prática de justa causa ou não para o término do contrato. Justamente, nesse momento, na busca de tirar o maior proveito da parte adversa, a regra de conduta e a lealdade contratual ficam de lado e, a partir de então, nasce o conflito que acaba resultando no dever de indenização.
Dessa forma, não sem razão, a extinção do contrato merece ser estuda de forma mais específica, verificando-se, também, a questão de possíveis indenizações ao final do contrato de distribuição.
3.1. Princípio da Autonomia da Vontade
O nosso ordenamento jurídica estabelece que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer, senão em virtude de lei[12]. Diante desta premissa, a parte que se vinculou a outra, por meio de um contrato empresarial, o fez porque assim o quis, caso não houvesse intenção de se comprometer, não haveria obrigatoriedade de vincular-se e obrigar-se perante terceiro.
No direito empresarial, o empresário vincula-se a outro por meio de um contrato a outro empresário para obter uma vantagem competitiva que irá colocá-los em uma posição mais vantajosa daquela em que se encontram, isto é, de acordo com Chiovenda: “Le parti non stipulano contratti per il piacere di scambiarsi dichiarazioni di volontá; ma in vista di certe finalità pel conseguimento delle quali entrano reciprocamente in rapporto” (Istituzioni di diritto processuale civile. Napoli: Jovene, 1933, v.1.p.188)
Para Tereza Ancona Lopez[13]: “O contrato, como negócio jurídico, é, portanto, ato de autonomia privada apto a criar regras de conduta (dever-ser) que recepcionadas pelo ordenamento jurídico geram efeitos para os seus participantes. O contrato é o instrumento de autonomia privada”
A declaração de vontade não pode ser deturpada, sob pena de não gerar os efeitos jurídicos para o qual ela se destina; nos contratos de distribuição, em determinadas circunstâncias, especialmente, quando há dependência econômica, a vontade do distribuidor não traduz a sua “real intenção”, diante da inviabilidade de recusar determinadas disposições contratuais propostas pelo fabricante, pois, se as disposições contratuais “sugeridas” pelo fabricante não forem aceitas, o negócio não será concluído e este ato poderá implicar o declínio e, até mesmo, o término de sua atividade empresarial, em vista da dependência econômica do distribuidor, daí a razão pela qual, em determinadas circunstâncias não ser verifica, por parte do distribuidor, o pleno exercício de sua vontade.
Esta dependência econômica do distribuidor em relação ao fabricante, ou, vice-versa, não pode ser desconsiderada na análise do contrato de distribuição, pois, nem sempre, estar-se-á diante de uma relação contratual, onde houve o respeito efetivo a este princípio.
3.2. Princípio da Plena Vinculação das Partes Contratantes
O Princípio do pacta sunt servanta está diretamente relacionado com o princípio da autonomia privada, pois, uma vez manifestado o interesse em vincular-se a outra parte, por meio de um contrato, em razão do exercício que cada pessoa detém de livremente obrigar-se perante terceiros, mostra-se racional e necessário para a preservação do mercado que este contrato seja cumprido em sua integra.
As partes são livres, em linha de princípio, de fixar como desejam se obrigar e se comprometerem uma em relação à outra, cada parte é livre para estipular os termos da troca dos seus contratos. O ordenamento jurídico intervém só para controlar o quadro externo das circunstâncias, dentro das quais as opções e decisões vinculantes foram tomadas, reagindo apenas nas hipóteses em que houve uma grave perturbação da declaração de vontade (erro, dolo, lesão, coação, estado de perigo e os vícios sociais).
Desta maneira, o ordenamento não tutela a intrínseca justiça da troca contratual, fazendo apenas uma correção formal do quadro externo, quando presentes os desvio grave da declaração de vontade. Sendo assim, as partes contratantes vinculam-se entre si com as decisões e obrigações contratuais.
3.3. Proteção do contratante economicamente mais fraco nas relações contratuais assimétricas.
Em última instância, o princípio da proteção do pólo mais fraco da relação jurídica visa coibir o exercício abusivo do poder econômico, este princípio opera um limite aos poderes das partes, evitando-se, dessa forma, o abuso de poder (art. 187), impondo uma condição não arbitrária das permissões conferidas aos particulares, reduzindo a margem de discricionariedade da atuação privada, isto é, trata-se de deveres de agir com moderação no exercício de direitos. Ou seja, trata-se de uma norma de comportamento que evita o exercício abusivo da parte economicamente mais forte em detrimento da parte mais fraca.
No contrato de distribuição, na grande parte das relações, a parte economicamente mais fraca é o Distribuidor, mas, isto não é uma regra, existem distribuidores de grande porte, muitas vezes, com poder econômico superior ao dos fabricantes ou produtores.
O princípio em comento aplica-se, no contrato de distribuição, tanto ao distribuidor, quanto ao fabricante/produtor, basta haver o exercício abusivo do poder econômico do mais forte em relação ao mais fraco.
Por fim, deve-se que o princípio da proteção da parte economicamente mais fraca tem uma função interpretativa e integradora ao Contrato, não podendo interferir diretamente no conteúdo das cláusulas contratuais.
3.4. Reconhecimento dos usos e costumes do comércio;
No ato da contratação, uma parte tem a legítima expectativa de que a outra comportar-se-á de determina forma relacionada à repetição. Daí que ambos empresários planejam a sua jogada e efetivamente se comportem de acordo com esse padrão “de mercado”. Entretanto, não é desejável que seja dada ao contrato uma interpretação daquela que pressupõe o comportamento normalmente adotado (usos e costumes)[14].
Essa expectativa é referida pelo Professor Tércio Sampaio Ferraz Júnior[15] como sendo uma expectativa cognitiva: “o que se espera de um determinado agente, em uma determinada situação, cuja durabilidade é garantida pela generalização de possibilidades, por meio de observação – a regra cognitiva se adapta aos fatos – que descrevem a normalidade do comportamento e nos permitem a controlar a contingência dos sistemas sociais (a ciência como instrumento de previsão)”.
Este princípio ressalta a importância dos empresários seguirem certa racionalidade baseada no empirismo das relações empresárias, tendo como função primordial possibilitar o empresário fazer os cálculos e os riscos da decisão que lhe seja mais conveniente naquele momento.
3.5. Boa fé objetiva e função social do contrato.
O contrato empresarial tem a função de possibilitar o fluxo das relações de mercado, esta é a função social do contrato empresarial que não pode confundir-se com a função social de outras espécies de contratos não empresariais, esta função tem duplo caráter: (i) visa restringir o uso abusivo do direito pela outra parte; (ii) proporcionar um segurança social nas relações jurídicas entre empresários.
Por outro lado, o princípio da boa fé objetiva é o comportamento leal decorrente do dever de agir de comportar-se, segundo os usos e costumes, isto é, trata-se de uma regra de conduta com caráter objetivo, por isto, independe de culpa (negligência, imperícia e imprudência) ou dolo, igualmente, não se pode esquecer, a confiança como consequência e/ou característica relevante da boa fé objetiva.
A confiança ocupa papel central no moderno direito das obrigações e sua importância para o desenvolvimento do sistema é cada vez premente. Em linhas gerais, a boa fé objetiva trata-se do dever de agir com lealdade fruto de uma regra de conduta reconhecida como referência pelos membros de uma determinada sociedade, em dado momento histórico, referência esta que diz respeito aos padrões sociais vigentes.
Os princípios da boa-fé objetiva e da função social do contrato devem ser aplicados a todas as espécies de contratos, não existindo, portanto, uma peculiaridade relevante, nos contratos de distribuição, que se possa destacar.
4. Extinção do Contrato de Distribuição
A questão envolvendo o término de qualquer espécie de contrato é bastante tormentosa, pois, é justamente no momento de encerramento da relação jurídica que vão se encontrar as principais controvérsias. Diante disto, buscar-se-á diferenciar os contratos rescindidos por justo motivo dos contratos interruptos sem justo motivo. Fora isto, também, tornar-se fundamental ater-se, também, a vigência do contrato, prazo determinado ou indeterminado.
4.1. Rescisão sem Justo Motivo
Como dito anteriormente, o instituto da distribuição mercantil é o centro convergente de algumas polêmicas e situações que lhes são peculiares, sob o ponto de vista de que, trata-se de um contrato de colaboração o qual visa à constituição ou ampliação de um mercado que será usufruído e aproveitado por duas pessoas – o distribuidor e o fabricante – com interesses que nem sempre serão os mesmos.
Acrescente-se a isto, também, o fato de o distribuidor, muitas das vezes, estar numa situação de dependência econômica e financeira frente ao fabricante, aspecto este que não pode deixar de ser levado em consideração, especialmente, quanto se trata do término da relação jurídica, isto porque, tendo o distribuidor feito investimento para execução do contrato, o decurso do prazo suficiente para o retorno dos investimentos torna-se imprescindível para o término do contrato (§único, do art. 473, do CC). Neste caso, a legislação permite a extensão do contrato de distribuição, ainda que as partes tenham estabelecido a possibilidade de por fim ao contrato, a qualquer momento. O dispositivo em referência visa proporcionar um equilíbrio contratual entre as partes contratantes e atinge o conteúdo interno das disposições contratuais para preservar a equidade da relação contratual.
Segundo Orlando Gomes,[16] o fundamento da faculdade de resilir varia conforme a modalidade do contrato. Na resilição unilateral dos contratos por prazo indeterminado, presume a lei que as partes não quiseram se obrigar perpetuamente e, portanto, reservaram o direito de a qualquer momento desfazerem a avença. Contudo, a fim de reequilibrar as posições contratuais e evitar o enriquecimento injustificado de uma parte em detrimento de outra que se encontra em uma posição econômica mais frágil, o direito interfere no conteúdo do contrato interno do contrato, esta é uma das poucas hipóteses em que o conteúdo pode ser alterado pelo juiz.
Nesse sentido, segue adiante decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo que não estendeu o prazo do término da relação jurídica, mas, arbitrou um valor de indenização, em função da rescisão abrupta do contrato, o que indiretamente é uma intervenção sobre o conteúdo do contrato, in verbis:
Responsabilidade Civil - Contrato de distribuição - Ruptura imotivada - Direito da autora ao recebimento de verbas relativas aos lucros cessantes, fundo de comércio, rescisões dos contratos de trabalho de seus funcionários e danos morais - Apelação das rés desprovida e provida parcialmente a da requerente, apenas para majorar o valor relativo aos lucros cessantes – Decisão parcialmente reformada.
APELAÇÃO N° 992.07.009888-2,
Relator Des. Ademir Benedito.
Data de Julgamento: 16.03.2011.
21ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP.
Proc. 0026415-83.2001.8.26.0002
Nota-se que o dispositivo legal em comento não específica o conceito de investimento, trata-se de cláusula aberta que deve ser analisada no caso concreto, porém, considerar apenas os bens materiais como investimentos, parece não ser razoável, além dos bens materiais, outras verbas, também, devem ser consideradas como investimento, especialmente, os gastos com publicidade e as despesas extraordinárias.
A produção dos efeitos da resilição unilateral fica condicionada ao decurso de prazo suficiente para o retorno dos investimentos. De acordo com Ruy Rosado Aguiar Júnior,[17] a regra do parágrafo único do art. 473 do CC tem como pressupostos:
a) Que a natureza do contrato justifique investimentos consideráveis.
b) Os investimentos devem ser na proporção do negócio que ficaria descoberto com a extinção do contrato por iniciativa do notificante.
c) A eficácia da denúncia unilateral dependerá do transcurso de um prazo. A definição deste tempo está em direta relação com a ideia de que, durante a dilação, o notificado terá condição de recuperar os investimentos feitos.
d) A natureza e o vulto dos investimentos.
e) O prazo compatível com base na receita que o notificado poderá obter no período de graça, após o que se terá o contrato extinto.
f) O prazo não pode ser de tal ordem que torne ineficaz a iniciativa do proponente, eliminando o seu direito.
A questão envolvendo o término de qualquer espécie de contrato é bastante tormentosa, pois, é justamente no momento de encerramento da relação jurídica que vão se encontrar as principais controvérsias. Em vista da ausência de uma legislação específica que trate sobre os contratos de distribuição, a sua interpretação deve ter como base as disposições contidas no instrumento particular firmado entre as partes – primazia da fonte negocial - em consonância com os princípios gerais de direito referidos acima.
A vinculação das partes contratantes aos termos do contrato, somente, pode ser afastada, em casos excepcionais como na hipótese do §único, do art. 473, do CC, por este motivo, a aplicação dessa regra deve ser feita em situações restritas, onde fique caracterizada a devida comprovação dos danos e dos investimentos eventualmente suportados por uma parte que tenha trazido benefício para outra, caso contrário, a intervenção torna-se ilícita, prejudicando sobremaneira as “regras do jogo” as quais as partes se vincularam, através da declaração livre da manifestação da vontade.
4.2. Rescisão com Justo Motivo
A hipótese de rescisão por justo motivo não requer tanta polêmica, posto que, há uma causa para o término do contrato, ela não ocorre de forma abrupta, por isso, independentemente do contrato ser por prazo determinado ou por prazo indeterminado, a rescisão por justa causa não enseja o direito a indenização.
Apesar de não haver o dever de indenização, alguns julgados como o abaixo, estabelecem o dever de indenização pelo fundo de comércio, ainda que tenha havido justo motivo (“com a aplicação de dispositivo estabelecido em contrato, permitindo a rescisão antecipada”), in verbis:
APELAÇÕES CÍVEIS – AÇÃO ORDINÁRIA - CONTRATO DE
DISTRIBUIÇÃO DE MERCADORIAS -
Rescisão unilateral - Cláusula contratual autorizando rescisão imotivada pelas partes - Primazia da fonte negocial - Fundo de comércio - Indenização devida -
RECURSOS DESPROVIDOS. APELAÇÃO COM REVISÃO 9154670-96.2007.8.26.0000 VOTO N° 5278 (Des. Rel. Antonio Nascimento).
Contrato de distribuição — Despedida imotivada — Avença vencida e renovada por prazo indeterminado — Exercício regular da notificação premonitória - Compensação pelo investimento, obrigando a contratante a recomprar o estoque da contratada — Comando judicial não aplicável ao caso - Aquisição de bens para fazer parte do ativo circulante, que não se confunde com investimento - Recompra do estoque, ademais, que, constante de cláusula contratual, foi regrada como direito e não obrigação da contratante — Apelação provida para julgar improcedente a ação, não conhecido o recurso adesivo por falta de preparo. Apelação No. 990.10.555514-4. Des. Rel. Luiz Sabbato
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