3. PRAZO CERTO DE DURAÇÃO
Na qualidade de comissões temporárias que são, as Comissões Parlamentares de Inquérito submetem-se a um limite temporal, sendo exigido pela Constituição a definição de um prazo certo no requerimento de constituição da CPI, para que as investigações sejam findas.
Na Constituição Federal, não há previsão sobre os prazos máximo e mínimo de duração de uma CPI, apenas exigindo-se a sua certeza quanto ao tempo necessário de término dos trabalhos.
Essa obrigatoriedade de definição de um prazo determinado visa a evitar prejuízos na apuração dos fatos, de forma a não se prolongar indefinidamente no tempo. Além de objetivar a celeridade na realização do relatório final, com a colheita de todas as provas relevantes naquele espaço temporal, esse requisito serve para que o investigado tenha ciência do tempo em que estará submetido a uma investigação, tendo por fim garantir segurança jurídica a ele, pois seria inconcebível, num Estado Democrático de Direito, um processo investigatório sem desfecho no tempo. Nesse sentido, Jessé Claudio Franco de Alencar assevera:
(...) não se coaduna com o Estado de Direito a possibilidade de alguém ficar indefinidamente sob crivo de investigação, mesmo porque não há obrigação que nunca se acabe, nem direito que não seja atingido pela prescrição e decadência, salvo exceções que confirma a regra. (ALENCAR, 2005, p. 43).
A respeito do prazo de duração dos trabalhos das Comissões Parlamentares de Inquérito, há, no ordenamento jurídico brasileiro, normas com redações diversas. O Regimento Interno do Senado Federal, em seu art. 152, estabelece que:
Art. 152. O prazo da comissão parlamentar de inquérito poderá ser prorrogado, automaticamente, a requerimento de um terço dos membros do Senado, comunicado por escrito à Mesa, lido em plenário e publicado no Diário do Senado Federal, observado o disposto no art. 76, §4º.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados, por sua vez, dispõe, em seu art. 35, §3º, que:
Art. 35. (...) § 3º A Comissão, que poderá atuar também durante o recesso parlamentar, terá o prazo de cento e vinte dias, prorrogável por até metade, mediante deliberação do Plenário, para conclusão de seus trabalhos.
E o §2º do art. 5º da Lei 1.579/52 menciona que:
“Art. 5º. (...) § 2º - A incumbência da Comissão Parlamentar de Inquérito termina com a sessão legislativa em que tiver sido outorgada, salvo deliberação da respectiva Câmara, prorrogando-a dentro da Legislatura em curso.”
Para dirimir essa controvérsia sobre o prazo de duração das CPIs, o Supremo Tribunal Federal consagrou entendimento no sentido de que o §2º do art. 5º da Lei 1.579/52 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, como se vê no trecho da ementa abaixo transcrita:
(...) A duração do inquérito parlamentar – com o poder coercitivo sobre particulares, inerentes a sua atividade instrutória e a exposição da honra e da imagem das pessoas a desconfianças e conjecturas injuriosas – é um dos pontos de tensão dialética entre a CPI e os direitos individuais, cuja solução, pela limitação temporal do funcionamento do órgão, antes se deve entender matéria apropriada à lei do que aos regimentos; donde, a recepção do art. 5º, §2º, da Lei 1579/52, que situa, no termo final de legislatura em que constituída, o limite intransponível de duração, ao qual, com ou sem prorrogação do prazo inicialmente fixado, se há de restringir a atividade de qualquer comissão parlamentar de inquérito.
(STF - HC: 71261 RJ, Relator: SEPÚLVEDA PERTENCE, Data de Julgamento: 11/05/1994, TRIBUNAL PLENO, Data de Publicação: DJ 24-06-1994 PP-16651 EMENT VOL-01750-03 PP-00443)
Nesse julgamento, porém, há que se destacar o entendimento do ministro Carlos Velloso, que teve voto vencido. Segundo ele, a disposição inscrita na lei ordinária supracitada não estabelece um prazo certo, razão pela qual entende que tal dispositivo não foi recepcionado pela Constituição. Ele defendeu que o prazo certo estaria no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, qual seja o máximo de 180 dias, já incluída uma prorrogação. No entanto, em julgamento anterior, não obstante esse louvável posicionamento, o STF decidiu que a locução “prazo certo” não impede prorrogações sucessivas dentro da legislatura, nos termos da Lei 1.579/52 (HC nº 71.231).
Não se discute, entretanto, que a prorrogação deve acontecer dentro da vigência do prazo inicialmente estabelecido, pois não se prorroga prazo exaurido. Ultrapasso o prazo inicial, sem prorrogação tempestiva, a Comissão Parlamentar de Inquérito estará extinta, de pleno direito, ainda que não tenha concluído seus trabalhos.
Observe-se, porém, que o termo final de uma CPI sempre será o término da legislatura. Pedro Paulo de Rezende Porto Filho entende que não poderia ser outra a posição jurídica sobre o prazo de duração das CPIs, na medida em que a sua vinculação ao término da legislatura atende à representação proporcional que originou a aprovação da abertura do processo de investigação. Para ele, admitir o contrário seria desconsiderar que, a cada legislatura, diversas são as forças políticas em cada Casa Legislativa (PORTO FILHO, 2008, p. 54).
Contudo, importa transcrever o pensamento de Yuri Carajelescov, para quem o prazo de uma legislatura é demasiadamente largo para a conclusão dos trabalhos de uma CPI, nestes termos:
No entanto, parece de meridiana clareza que uma comissão parlamentar de inquérito deverá, via de regra, concluir seus trabalhos muito antes desse dilatado prazo, sendo irrazoável que uma investigação estatal dotada de poderes extraordinários se estenda por tão largo período de tempo, a menos que se tenha desviado do cumprimento de suas finalidades constitucionais, ou se preste a fins subalternos, coarctando injustificadamente particulares. (CARAJELESCOV, 2007, p. 123)
Nesse sentido, a inserção de um limite temporal “numérico”, apesar do posicionamento do STF, seria a melhor opção, uma vez que impediria expressamente as dilações indevidas da investigação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo buscou definir e abordar os requisitos necessários para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Essa abordagem aparece de extrema relevância, devido à importância conferida a uma CPI como principal instrumento de consecução da função fiscalizatória do Poder Legislativo. Tais requisitos devem ser observados em todos os âmbitos, seja ele federal, estadual ou municipal.
Conforme exposto, o primeiro deles, qual seja o requerimento de um terço dos membros da respectiva Casa Legislativa, é uma verdadeira consagração do direito de oposição, essencial a um Estado Democrático de Direito, na medida em que confere à minoria parlamentar o direito público subjetivo de instaurar um procedimento investigatório sobre determinado fato de relevante interesse público. Ou seja, não devem ser impostos obstáculos à efetivação de uma CPI, quando presentes os requisitos previstos na Constituição.
O segundo requisito, qual seja a determinabilidade do fato a ser apurado, visa à coibição de abusos, impedindo o alargamento do objeto da investigação, e à facilitação no controle dos atos da CPI, no tocante à análise de sua pertinência com o fato que lhe deu origem. Acerca do objeto de investigação, deve ser observada a competência de cada Casa Legislativa, sem desconsiderar a possibilidade de investigação de negócios privados que tenham forte relação com o interesse público.
O último dos requisitos, qual seja o prazo certo de duração dos trabalhos de uma CPI, pretende o não prolongamento indevido das investigações, visando a impedir um quadro, indefinido no tempo, de insegurança para o investigado. Nesse sentido, a fixação de um prazo temporal certo seria a opção mais adequada, e não a adotada pelo STF, de a duração máxima de uma CPI ser o fim da legislatura, já incluídas as prorrogações.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALENCAR, Jessé Claudio Franco de. Comissões Parlamentares de Inquérito no Brasil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.
CARAJELESCOV, Yuri. Comissões Parlamentares de Inquérito: à luz das disciplinas constitucional, legal e jurisprudencial luso-portuguesa e brasileira. Curitiba: Juruá, 2007.
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 4. ed.rev. e atual.. São Paulo: Saraiva, 2009.
PORTO FILHO, Pedro Paulo de Rezende. Quebra de sigilo pelas Comissões Parlamentares de Inquérito. 1. ed.. Belo Horizonte: Fórum, 2008.